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Diante da Performance: contribuições do pragmatismo especulativo para a sociologia da arte

Devant la Performance: contributions du pragmatisme spéculatif à la sociologie de l’art

Resumo:

O texto pretende analisar os principais aspectos que constituem a experiência performática, bem como analisar as contribuições do pragmatismo-especulativo para renovação do campo da sociologia da arte. O texto estrutura-se em três partes: 1) contextualização do trabalho no âmbito do projeto de pesquisa Protocolos de musealização de ações performáticas em museus públicos de arte e a sua problemática desde o ponto de vista sociológico; 2) definição do conceito de experiência; 3) verificação do rendimento analítico desse conceito para a pesquisa em arte performática. Como conclusão central, o texto buscou sistematizar as maneiras pelas quais a sociologia pragmática-especulativa pode fornecer acesso às complexas redes de atores e práticas sociais envolvidas na produção artística contemporânea.

Palavras-chave:
Arte da Performance; Sociologia da Arte; Pragmatismo Especulativo; Teoria Social; Teoria da Arte

Résumé:

Ce texte vise à analyser les principaux aspects qui constituent l’expérience performatique, ainsi que les apports du pragmatisme spéculatif au renouvellement du champ de la sociologie de l’art. Le texte est structuré en trois parties: 1) contextualisation du travail dans le cadre du projet de recherche Protocoles de muséalisation des actions performatiques dans des musées publics d’art et sa problématique du point de vue sociologique; 2) définition du concept d'expérience; 3) vérification de l’efficience analytique de ce concept pour la recherche en art performatique. Comme conclusion centrale, il s’agit dans ce texte de systématiser les formes mises en oeuvre par la sociologie pragmatique spéculative qui permettent de donner accès aux réseaux d’acteurs et de pratiques sociales complexes engagés dans la production artistique contemporaine.

Mots-clés:
Art de la Performance; Sociologie de l’Art; Pragmatisme Spéculatif; Théorie Sociale; Théorie de l’Art

Abstract:

The aim of this paper is to analyze the main aspects that constitute the performance experience, as well as to examine the contributions of speculative-pragmatism to the renewal of the field of sociology of art. The text is structured in three parts: 1) a contextualization of the work within the scope of the research project Protocols for the Musealization of Performative Actions in Public Art Museums and its problematic from the sociological point of view; 2) a definition of the concept of experience; 3) verification of the analytical yield of this concept for research in performance arts. As a main conclusion, the text sought to systematize the ways in which pragmatic-speculative sociology may provide access to the complex networks of actors and social practices involved in contemporary artistic production.

Keywords:
Art of Performance; Sociology of Art; Speculative Pragmatism; Social Theory; Art Theory

Introdução

As práticas performativas produzem uma forma de algo que (ainda) está por vir. Fornece uma realidade (preliminar) para algo que só é imaginado ao ser executado como concreto1 1 No orginal em inglês: Performative practices produce a form of something that is (yet) to come. It provides a (preliminary) reality for something that is only imagined by performing it as concrete. (Mohren; Herbordt, 2017MOHREN, Melanie; HERBORDT, Bernhard. Performing institutions: A catalogue of performative practices. In: LEEKER, Martina; SCHIPPER, Imanuel; BEYES, Timon (Ed.). Performing the Digital. Bielefeld: Transcript, 2017., p. 220).

O presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns resultados obtidos no âmbito do projeto de pesquisa Protocolos de musealização de ações performáticas em museus públicos de arte (CNPQ - Edital nº 18/2021). Composta por uma equipe interdisciplinar (historiadores da arte, museólogas, conservadoras, cientistas da informação e cientistas sociais), a pesquisa se encontra na etapa de elaboração de categorias de análise.

Nessa direção, pretende-se, por um lado, abordar as diferentes dimensões envolvidas na inventariação da arte performática, bem como examinar o rendimento analítico da noção de experiência para esse processo de inventariação. E, por outro, pretende-se analisar a contribuição da perspectiva especulativa-pragmática para o campo da sociologia da arte a partir do desenvolvimento de estudo de caso baseado em fontes documentais. Trata-se, portanto, de um trabalho de pesquisa teórica, mas que tem como objetivo identificar caminhos metodológicos para o aprofundamento da pesquisa empírica.

Na tentativa de avançar nessa dupla tarefa, de experimentar as possibilidades de inventariação das obras performáticas e de pensar os pressupostos teóricos dessa experimentação, o texto se esforça para desenvolver algumas questões centrais, a saber: quais atores e práticas se tornam relevantes no decurso dos modos possíveis da experiência performática? Como fazer o efêmero durar? Como traduzir a performance em objeto de museu? Como associar as práticas de conservação da arte com as mudanças necessárias para novas exibições das performances colecionadas? Ou ainda, quais os critérios de pertinência e validade que presidem o processo de musealização da arte da performance, no que diz respeito à propriedade, obra e autoria? Mas também podemos nos perguntar, no decurso de outros modos possíveis da experiência performática, quais os efeitos da baixa legitimidade, e logo, desqualificação de certas formas e situações artísticas para os praticantes (artistas e instituições)? Na tentativa de analisar essas questões colocadas pela arte performativa, pretende-se não apenas inscrever um objeto de estudo para a sociologia da arte, mas também desenvolver um ponto de vista para a realização dessa sociologia.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar as contribuições do pragmatismo especulativo (Debaise; Stengers, 2016DEBAISE, Didier; STENGERS, Isabelle. L’insistance des possibles. Pour un pragmatisme spéculatif. Multitudes, n. 65, p. 82-89, 2016. DOI: 10.3917/mult.065.0082. Disponível em: https://www.cairn.info/revuemultitudes-2016-4-page-82.htm. Acesso em: 01 jun. 2022.
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) para a sociologia da arte, ao pensar a performance pelos seus modos de desenvolvimento em termos experienciáveis. Isto é, buscaremos pensar a arte da performance a partir do conceito pragmatista de experiência, o que nos obriga a tornar relevante os processos de produção de diferença pelos quais a experiência performática adquire continuidade e transformação em novas experiências. Desse modo, a noção de experiência, na chave especulativa-pragmática, vincula-se tanto ao que produz diferença, quanto ao que se constrói na produção de diferença. A própria realidade do que venha a ser performance se vincula, então, aos modos de propagação da experiência e, logo, aos processos de produção de diferença.

No caso da performance, uma arte em via de institucionalização2 2 Consideramos como institucionalização da performance o processo de colecionamento público e privado de obras performáticas para além de seus índices representacionais (registros fotográficos, vídeos, vestígios materiais). Esse processo teve início nos primeiros anos do século XXI. , significa atentar para o trabalho das práticas de musealização ao buscar inscrever a experiência performática como objeto de museu, mas também significa se envolver com os problemas suscitados ao ser considerada objeto de rejeição ou delito. Desse modo, pensar a arte da performance, a partir do conceito pragmatista de experiência, envolve rastrear suas respectivas consequências práticas, suas variadas produções de diferença. Ou, como aconselha James (2000JAMES, William. Pragmatism. In: JAMES, William. Pragmatism and other writings. London: Penguin Books, 2000. (1907)., p. 25), quando estamos diante de um desafio ou problema, é preciso indagar-se: “que diferença será produzida na prática”?.

Fato é que, ao pôr o pensamento à prova das consequências práticas, para aquilo que venha a importar, no pragmatismo, os (e)feitos da experiência passam a figurar trajetos criativos que demandam atenção às particularidades de cada situação, atenção aos encontros, surpresas, imbróglios etc. E ao enredamento dos diferentes atores e práticas sociais mobilizados.

Seguir a experiência

Na chave do pragmatismo especulativo é preciso, portanto, seguir a experiência. O que envolve uma abertura do pensamento (Savransky, 2017SAVRANSKY, Martin. The wager of an unfinished presente: notes os speculative pragmatism. In: WILKIE, Alex; SAVRANSKY, Martin; ROSENGARTEN, Marsha (Ed.). Speculative Research: The Lure of Possible Futures. London: Routledge, 2017. P. 25-38.; Stengers, 2010STENGERS, Isabelle. Cosmopolitics I. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.) ou um deixar-se atrair (Whitehead, 1978WHITEHEAD, Alfred North. Process and Reality: An Essay in Cosmology (Corrected Edition). New York: The Free Press, 1978.), isto é, envolve o cultivo de uma conduta suscitada pelos efeitos de seguir a experiência como um processo, como aquilo que se propaga e se conecta a partir de outras experiências. No caso da performance, assemelha-se a um convite a atender a expressão dos problemas suscitados pelas consequências práticas de existir sob o assombro de deixar de ser: seja por meio dos desafios enfrentados pelas práticas de musealização em ensejar maneiras de produzi-la como objeto museal, ou pelos imbróglios em situações nas quais venha a ser valorada pelo signo da rejeição ou delito. Desse modo, para seguir a experiência performática, é preciso tornar-se disponível aos processos de transformação e passagem entre arte e não-arte e os riscos que emergem desses processos.

Além disso, dada a crescente multiplicação e complexificação das práticas que compõem o universo da arte contemporânea, no qual a performance art surge como epítome, uma atitude especulativa-pragmática poderia fornecer uma renovação ao pensamento sociológico. Uma vez que convencionalmente articulado ao espaço social restrito da arte moderna - escassamente povoado, limitado a um punhado de áreas geográficas centrais (Canclini, 2012CANCLINI, Nestor. A sociedade sem relato: antropologia e estética da iminência. São Paulo: EDUSP, 2012.; Henich, 2008; Zolberg, 1990ZOLBERG, Vera. Constructing a sociology of the arts. Nova York: Cambridge University Press, 1990.) -, e também às pretensões sociológicas de formulação de uma teoria geral e sintética (Alexander, 1987ALEXANDER, Jeffrey. O Novo movimento teórico. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 2, n. 4, p. 5-28, jun. 1987.; Corcouff, 2001; Dosse, 2018DOSSE, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. São Paulo: Editora Unesp, 2018.; Latour, 2012LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.), busca-se reduzir a arte a um conjunto de modelos explicativos (processos de reprodução das estratificações sociais; lógicas do gosto; morfologia dos públicos e processos cooperativos em ambientes organizacionais)3 3 Sobre esse importante movimento de consolidação da sociologia da arte, vale ressaltar as proximidades entre as sociologias de Pierre Bourdieu (1996) e Howard Becker (1982). Pois, muitas vezes consideradas antagônicas, compartilham entre si um mesmo fundamento: a teoria institucional da arte. Segundo Richard Shusterman (1998), Morris Weitz foi o grande expoente dessa perspectiva. Para Weitz, qualquer tentativa de estabelecer as propriedades necessárias e suficientes à existência da arte seria logicamente irrealizável, pois não haveria nenhuma essência a ser definida. Seguindo as formulações de Wittgenstein, o autor afirmou que as complexas redes de similaridades e semelhanças familiares, pelas quais estariam as obras de arte relacionadas, forneceriam toda concordância disponível ou necessária para empregar ou ensinar de maneira eficaz esse conceito genérico. O diálogo com a teoria institucional permitiu à sociologia a superação da “teoria do reflexo” (Heinich, 2008), bem como o desenvolvimento de trabalhos empíricos, entre os quais destacam-se os realizados por Howard Becker e Pierre Boudieu. Contudo, vale ressaltar que Becker e Bourdieu desenvolveram formas diferentes de apropriação da teoria institucional. Isto é, desenvolveram seus estudos de acordo com distintos paradigmas da teoria sociológica, o que resultou numa sociologia do mundo da arte, no caso de Becker, e, em outra direção, em uma sociologia do campo artístico, de Pierre Bourdieu (Zolberg, 1990). , que perdem em rendimento analítico ao considerarmos as transformações encetadas neste universo.

Em linhas gerais, o universo da arte contemporânea transformou as condições para pensar a arte. Primeiro, porque os próprios artistas tomaram as diversas ramificações da crítica institucional como material para suas obras (Bishop, 2012BISHOP, Claire. Delegated Performance: Outsourcing Authenticity. October, Cambridge, The MIT Press, v. 140, p. 91-112, 2012.; Sansi-Rocca, 2015SANSI-ROCCA, Roger. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.; Bueno; Sant’Anna; Dabul, 2018BUENO, Maria Lucia; SANT’ ANNA, Sabrina Parracho; DABUL, Ligia. Sociologia da Arte: notas sobre a construção de uma disciplina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 06, n. 12, p. 266-289, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.20336/rbs.233. Acesso em: 12 jun. 2022.
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). Segundo, porque a arte contemporânea circula num vasto mercado globalizado de obras (Bueno, 1999BUENO, Maria Lucia. Artes Plásticas no século XX: modernidade e globalização. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.; Moulin, 2007MOULIN, Raymonde. O mercado de arte. Mundialização e novas tecnologias. Porto alegre: Zouk, 2007.) e em densas redes com estatutos variados - entre mediações culturais dos principais museus de arte contemporânea e ativos em fundos de investimento, mas também entre coletivos de artistas que experimentam a rua e outros espaços como material e locus para suas obras (Felix Martins, 2017FELIX MARTINS, Daniela. A novidade da performance art: Explorações em sociologia associativa. 2017. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.; Marguin, 2019MARGUIN, Séverine. Collectifs d’individualités au travail: Les artistes plasticiens dans les champs de l’art contemporain à Paris et à Berlin. Rennes: Presses Universitaires de Rennes/Arts contemporains, 2019.; Sansi-Rocca, 2015SANSI-ROCCA, Roger. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.; Silva, 2021SILVA, Anna Paula da. Musealização e arquivamento da performance: as vicissitudes dos vestígios. 2021. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Universidade de Brasília, Brasília, 2021.; Tinoco, 2021TINOCO, Bianca Andrade. A preservação da performance em coleções de arte contemporânea no Brasil. 2021. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Universidade de Brasília, Brasília, 2021.), ou mesmo entre movimentos sociais que a concebem como plataforma para ação política (Taylor, 2013TAYLOR, Diana. Performando a cidadania: artistas vão às ruas. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 56, n. 2, p. 153-181, 2013.; Heddon; Klein, 2012HEDDON, Deirdre; KLEIN, Jennie. Histories & Practices of Live Art. London: Palgrave Macimillan, 2012. ). E, por fim, porque a arte contemporânea, sobretudo a performance, surge como uma prática social sujeita a uma significativa rejeição por parte do grande público e de outros atores sociais - grupos políticos, agentes do Estado, organizações religiosas, etc. (Heinich, 1999HEINICH, Nathalie. Les rejets de l'art contemporain. Publics et Musées, n. 16, p. 151-162, 1999.; Balieiro, 2022BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. Uma sociologia do escândalo da Mostra Queermuseu: disputas de enquadramento midiático entre o jornalismo profissional e o Movimento Brasil Livre. Sociedade e Estado, Brasília, UnB, v. 37, n. 2, p. 551-573, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202237020008. Acesso em: 02 jun. 2022.
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).

Espera-se que, ao cultivar uma atitude especulativa-pragmática, possamos nos manter abertos às complexificações e multiplicações do campo de pesquisa, não apenas para acolher novas entidades que surgem no campo, mas também admitir, como Isabelle Stengers (2007)STENGERS, Isabelle. William James: une éthique de la pensée? In: DEBAISE, Didier (Ed.). Vie et expérimentation: Peirce, James, Dewey. Paris: Vrin, 2007. chamou a partir da filosofia de William James, uma ética do pensamento. Uma abertura para o possível que acolhe o acaso na medida em que refuta uma determinação e fechamento do universo, mas que também aponta para o nível dos efeitos e das consequências, ao vetorizar a concretude para o que venha a importar (Stengers, 2010STENGERS, Isabelle. Cosmopolitics I. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.), obrigando a agir e simultaneamente hesitar diante das possibilidades de experiência (Pastor, 2021PASTOR, Leonardo. Selfie e dataficação do cotidiano: um olhar etnográfico para as práticas e políticas material-discursivas. Civitas - Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 21, n 2, p. 260-270, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2021.2.39553. Acesso em: 01 jun. 2022.
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).

Reivindicamos, portanto, uma sociologia da arte orientada não para fornecer uma chave para absoluto (representação, ideologia ou falseamento da realidade), para o qual as relações e suas consequências não importam, mas sim para uma certa pragmática do pensamento. Pensar é sempre pensar diante da experiência. Na medida em que o pensamento não está mais fora da experiência, mas é parte integrante de um mundo experimentado a partir de ações situadas. Ou seja, significa pensar “na presença de todas as entidades, humanas e outra-que-humanas, que constituem a situação” (Savransky, 2016SAVRANSKY, Martin. The adventure of relevance: an ethics of social inquiry. London: Palgrave Macmillan, 2016., p. 109-110). Ou, como sugeriu Goffman (2012)GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (1972)., para pensarmos em termos experienciáveis devemos nos interrogar: “o que está acontecendo aqui?” (Goffman, 2012GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (1972)., p. 30). Assim, a atitude pragmática nos força a resistir a qualquer tentação de transformar o pensamento em uma operação final, que possa ser capaz de capturar a experiência de uma vez por todas. Pois todo pensamento se tornou experimental e situado: pensamento no qual “[...] as especulações só podem ser avaliadas em termos dos efeitos e das consequências que produzem como parte da criação de mundo” (Halewood, 2017HALEWOOD, Michael. Situated speculation as a constraint on thought. In: WILKIE, Alex; SAVRANSKY, Martin; ROSENGARTEN, Marsha (Ed.). Speculative Research: The Lure of Possible Futures. Londres: Routledge, 2017. P. 52-63., p. 60).

Esse exercício de abertura do pensamento mobiliza outra direção para a teorização sociológica da arte: em vez de buscar um télos para o qual se move uma realidade - seja o horizonte da disputa ou da cooperação4 4 Referimo-nos, novamente, às sociologias de Pierre Bourdieu (1996) e Howard Becker (1982). Visto que, para o primeiro, o campo artístico se reproduz a partir das disputas e conflitos, das lutas simbólicas pelo controle dos mecanismos internos de legitimação e consagração. Trata-se, portanto, de um espaço social restrito, fundado em regras próprias, cujo acesso é franqueado apenas aos que dominam o habitus. Em Becker, diferentemente da estrutura restritiva do conceito de campo, encontramos limites menos delimitados entre a arte e outras dimensões da vida em sociedade. Pelo conceito de mundo da arte, ou melhor, de mundos da arte, Becker pretende descrever as dinâmicas das interações sociais através das ações cooperativas entre os indivíduos em cada mundo artístico. -, uma prática entre práticas, logo, um processo de produção de diferença. Permite, assim, substituir a noção de finalidade, de redução do fenômeno à sua dimensão normativa, por um processo de aprendizagem, de educação da atenção (Ingold, 2010INGOLD, Tim. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, Porto Alegre, PUCRS, v. 33, n. 1, p. 6-25, 2010. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/6777. Acesso em: 01 jun. 2022.
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), de fazer-se responsivo às articulações e modulações das práticas implicadas na experiência. Assumir uma atitude especulativa-pragmática significa, então, cultivar essa abertura do pensamento para que ele não relate simplesmente o que já consideramos mundo ou realidade.

Para a prática artística, a guinada pragmática restitui uma dimensão ontológica, pois nos obriga a seguir os modos de engajamento/atividade da arte no mundo, como “[...] maneira[s] de promover uma existência ou torná-la mais real” (Lapoujade, 2017aLAPOUJADE, David. As existências Mínimas. São Paulo: n-1 edições, 2017a., p. 16). E ao mesmo tempo fornece uma perspectiva pluralista, pois existem diversas maneiras pelas quais a(s) arte(s) fazem existir um ser (Souriau, 2020SOURIAU, Étienne. Diferentes modos de existência. São Paulo: n-1 edições, 2020. (1943).). Trata-se, desse modo, de uma questão ontológica não no sentido do que a arte é, mas o que ela faz e faz fazer. Ou, concordando mais uma vez com William James (2001JAMES, William. A vontade de crer. São Paulo: Loyola, 2001. (1896)., p. 30): “o que decide a situação para nós não é de onde vem, mas para onde leva”.

Nesse sentido, a sociologia da arte se torna também parte criadora de existências artísticas, pois passa, de certo modo, a advogar pelo direito de existirem com mais intensidade, de legitimamente ocuparem um lugar no mundo. Em outras palavras, tal ontologia pluralista, que surge dessa abertura especulativa-pragmática, transforma a relação entre pensamento sociológico e arte, ao abandonar o fundamento da explicação (finalismo) para habitar o território da instauração (criativo).

Segundo Souriau (1939SOURIAU, Étienne. L’Instauration philosophique. Paris: PUF, 1939., p. 67), a relação entre pensamento e arte, como uma questão de instauração, significa reconhecer que ambos “[...] visam colocar seres cuja existência se legitima por si mesma, através de uma espécie de demonstração luminosa de um direito à existência que se afirma e se confirma pelo brilho objetivo, pela extrema realidade do ser instaurado”. Instaurar é, assim, fazer valer o direito de existir, é legitimar uma maneira de ocupar um espaço-tempo:

A partir de então, instaurar é como se tornar o advogado dessas existências ainda inacabadas, ser porta-voz, ou melhor, seu porta-existência. Carregamos sua existência como elas carregam a nossa. Compartilhamos com elas a mesma causa, contanto que possamos ouvir a natureza de suas reivindicações, ver nessas existências aquilo que elas têm de inacabado, é forçosamente tomar o partido delas. É o que significa entrar no ponto de vista de uma maneira de existir, não apenas para ver onde ela vê, mas para fazê-la existir mais, aumentar suas dimensões ou fazê-la existir de outra maneira (Lapoujade, 2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b., p. 90).

Desse modo, seguir a experiência nos conduz ao perspectivismo da instauração: não existe um mundo (ou realidade) comum do qual cada um se apropria para fazer dele o ‘seu’ mundo, mas uma multiplicidade de maneiras de percebê-lo, de se apropriar dele, de explorar suas potencialidades. Contudo, também devemos evitar o erro do relativismo: de acreditar que “[...] as perspectivas se acrescentam do exterior a um mundo preexistente ‘sobre’ o qual elas têm um ponto de vista. Mais uma vez, elas não são exteriores ao mundo, pelo contrário, o mundo é que é interior às perspectivas” (Lapoujade, 2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b., p. 57).

As variedades da experiência performática

O pragmatismo nos lança para um mundo que não se faz sem estar ao mesmo tempo por fazer, mundo no qual as trajetórias e as coordenadas só podem ser fabricadas ao longo das consequências práticas da experiência, liberada de toda forma preexistente. Desse modo, a preocupação central do pragmatismo também é acompanhada de um problema de método: “[...] como o conhecimento, a verdade, a crença podem se produzir se o mundo no qual vivemos está sujeito a uma perpétua novidade?” (Lapoujade, 2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b., p. 11).

Seguir a experiência envolveria, então, um método de avaliação prática, porque: primeiro - como se demonstrou até aqui -, o pragmatismo examina ideias, conceitos, filosofias, não mais do horizonte da coerência interna ou da sua racionalidade, mas em função de sua consequência prática. E, segundo, como pretendemos demonstrar, tal posição pragmática também se converte em uma ferramenta para criação. Ou, como sugeriu Lapoujade (2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b., p. 14):

O pragmatismo não é uma filosofia, mas um método para escolher entre filosofias. Porém, o que ele tem que fazer - desta vez como ferramenta de construção - é nos ajudar a fabricar as ideias que possam servir à ação ou ao pensamento. Ele se torna, dessa maneira, uma ferramenta de criação. […] De um ponto de vista muito geral, o pragmatismo, portanto, concebe as ideias como causa para a ação que nos permite criar e avaliar. Essa é a grande dificuldade: não um método da criação, mas um método para a criação.

Pretendemos, portanto, diante da experiência performática, especular ao modo da performance para renunciarmos a tradicional postura acadêmica de ver tudo de lugar nenhum. E, ao mesmo tempo, ao assumirmos a gramática pragmatista, enfatizar que os processos de conhecimento não são passivos, não são feitos de coisas que estão em alguma realidade objetiva, esperando para serem descobertas pelo pensamento racional. Assim, os três acontecimentos performáticos foram reunidos na medida em que suas possíveis composições e justaposições permitiram diagramar5 5 No pragmatismo especulativo de Brian Massumi (2011, p. 14), diagramar é uma técnica para extrair potenciais de mudança de uma experiência a fim de canalizá-los e torná-los disponíveis para as novas experiências que seguirão: “uma técnica que toma como seu objeto o próprio processo, como a produção especulativa-pragmática de eventos orientados de mudança”. as modalidades pelas quais a experiência performática se desenvolve. Contudo, vale enfatizar que esse reduzido inventário não tem pretensão de esgotar as variedades da experiência performática, se muito, pretende explorar algumas redes de relações entre atores e práticas que emergem das experiências e as constituem progressivamente, seja ao empreenderem maneiras de sua propagação como arte contemporânea - até o limite de sua plena consolidação, ou ao contestá-las.

Em linhas gerais, a performance pretende fazer outra coisa arte: as circunstâncias/situações como material para a criação artística. Desse modo, cada performance pode ser inventariada a partir das trajetórias de atores e práticas mobilizadas em uma experiência, mas também pelas conexões que uma experiência estabelece com outras experiências. Além disso, a performance comporta uma distensão arte/não-arte, não apenas pelo processo ao qual todas as artes (e os pensamentos) estão submetidas: o êxito ou o fracasso da instauração. Na performance, a distensão arte/não-arte se converte em motif, uma busca pela variação entre distâncias na escala arte/não-arte, de ora esgarçar, ora percorrer ou oscilar entre distâncias, de experimentar de um minimum a um extremum da distensão, ou de um minimum ao nada. Pois interessa à performance os efeitos de enquadramento - frame - (Goffman, 2012GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (1972).) e desanquadramento - unframed - como experiência artística, como modo de nos impor a sua realidade. .

Assim, as situações performáticas experimentam, a partir da criação de uma escala de consequência, ao distender os limites artísticos e das convenções sociais. É nesse sentido que podemos compreendê-la como uma arte disruptiva ou problemática, pois introduz uma incerteza na (re)distribuição valorativa da realidade experimentada. Se ela será acolhida em prestigiosas coleções públicas ou privadas de arte e quais os efeitos dessa inscrição, ou se será tratada como delito e as consequências de ser definida como um crime, ou ainda, como se comportarão a audiência em uma determinada situação, de forma docilizada ou intempestiva? Fato é que a performance instaura esse espaço-tempo de coexistências heterogêneas (variados atores e práticas) a partir de uma trajetória arriscada.

No primeiro acontecimento, encontramos uma situação na qual a escala de consequência foi experimentada pela aposta na máxima distensão arte/não-arte na circunstância performática. Em Experiência n. 2 (1931), do artista brasileiro Flávio de Carvalho, realizada na capital paulista, não havia a menor preocupação em inscrevê-la como arte, interessava a sua mais completa novidade6 6 Flávio de Carvalho é considerado um dos pioneiros da arte da performance. Vale destacar também que o termo performance art surgiu como categoria da História da Arte na década de 1960. para a produção da experiência. Não encontramos a evocação de qualquer componente de enquadramento artístico, além da proposição do performador (não revelada ao público).

Segundo Flávio de Carvalho (2001)CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931)., na Experiência n. 2 o objetivo era colher evidências para um estudo de psicologia das multidões. Ao lançar mão de uma espécie de etnometodologia7 7 Refiro-me à semelhança entre as proposições artísticas de Flávio de Carvalho e os experimentos de ruptura, metodologia proposta pela sociologia de Harold Garfinkel. Na etnometodologia, os experimentos de ruptura são experimentos em que a realidade social é violada a fim de lançar luz sobre os métodos práticos (etnométodos) pelos quais as pessoas constroem a realidade social (Garfinkel, 2018). avant la lettre, Carvalho decidiu testar a “[...] capacidade agressiva de uma massa religiosa à resistência das forças das leis civis, ou determinar se a força da crença é maior do que a força da lei e do respeito à vida humana” (Carvalho, 2001CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931).). Na ocasião, o artista, com um chapéu de veludo verde, reuniu-se ao cortejo da procissão de Corpus Christi próximo à Catedral da Sé. Além do uso do chapéu, algo considerado desrespeitoso em eventos e espaços religiosos da época, Flávio de Carvalho percorreu a procissão na contramão.

Os desdobramentos da experimentação podem ser recolhidos no livro Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus Christi. Uma possível teoria e uma experiência, de autoria do próprio artista e um dos poucos registros da obra, não existem registros visuais. No livro, Flávio de Carvalho (2001CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931)., p. 15) descreveu a paisagem que despertou a ideia para a realização da performance:

Era dia de Corpus Christi; um sol agradável banhava a cidade, havia um ar festivo por toda parte; mulheres, homens e crianças moviam cores berrantes de tecido ordinário; negras velhas de óculos e batina ou qualquer coisa de parecido; grupos de homens de cor segurando estandartes, velas; anjinhos sujos enfeitados com estrelas de papel dourado mal pregadas; mulheres gordas vestidas de cor-de-rosa, cabelo bem emplastado olhavam o mundo em redor com infinita piedade. Uma sucessão de gaze amarela, de tecidos pretos, veludos, padres rendados, crianças engomadas, pintadas e sujas de pó de arroz, olhavam com espanto; freiras gordas e pálidas se mexiam como besouros enormes, e o tráfego parado. Olhei para a catedral e vi no topo da escadaria homens beatos que arranjavam com cuidado sexual ramos de folhas, flores, panos dourados e coisas em torno de um altar. A luz viva do sol destacava o pó de arroz roxo das negras e os enfeites sujos das fachadas.

Diante dessa paisagem, Flávio de Carvalho tomou um bonde elétrico para alcançar o componente fundamental do experimento e, minutos depois, retornou ao centro da cidade com o chapéu de veludo verde. Ali, próximo à Catedral da Sé, os personagens descritos acima se reuniam para o cortejo da procissão de Corpus Christi. E, assim que o cortejo iniciou a marcha, Flávio de Carvalho começou a performance. Segundo os registros, desde os primeiros instantes da ação performática, o público reagiu violentamente: “Via apenas um tumulto de braços, pernas e gente que continuavam a gritar ‘tira o chapéu” (Carvalho, 2001CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931)., p. 17). Em outro trecho, o artista relatou: “A multidão berrava ‘lincha!’ e um sem número de pulsos esticados, ‘mata…mata!’ gritavam” (Carvalho, 2001CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931)., p. 23).

Assim, ao efetuar uma brusca transformação da circunstância, a Experiência n. 2 irrompeu como uma nova perspectiva, ao confundir a ordem de um determinado plano de existência, deslocou o ‘centro de gravidade’ (a procissão) pelo qual orbitava atores e práticas. Em outras palavras, o artista resolveu participar do acontecimento a partir de uma guinada no ponto de vista para que tudo fosse percebido de outro modo. Nesse caso, é possível afirmar que a proposição do artista modulou a experiência performática: o que passaria a ser considerado real? A heresia e sua consequente punição eclesiástica, ou a laicidade e suas garantias ao respeito da vida humana?

Contemplei por alguns instantes esta cena curiosa; uma massa de gente levada ao extremo do ódio desejando me devorar e controlada por uma emoção qualquer que a retinha indecisa; com a cabeça descoberta, apesar da tensão do momento, não sei o que me retinha no lugar, provavelmente um resto de curiosidade, estava no ponto de resolver se devia ou não exigir a entrega do meu chapéu, quando um jovem que aparentava uns 15 anos se aproxima e me entrega o chapéu dizendo ‘ponha se for homem’ (Carvalho, 2001CARVALHO, Flávio de. Experiência n. 2: realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro: NAU, 2001. (1931)., p. 23).

Segundo a nota publicada no jornal O Estado de São Paulo (1931), encontramos o seguinte desenlace:

Os crentes, que acompanhavam o cortejo, revoltaram-se com essa atitude e exigiram em altos brados que ele se descobrisse. Ele, no entanto, sorrindo para a turba, não tirou o chapéu, embora o clamor da multidão já se tivesse transformado em franca ameaça. Foi então que inúmeros populares tentaram linchá-lo, investindo contra ele. O rapaz pôs-se em fuga, ocultando-se na leiteria Campo Belo, situada à rua de São Bento, até onde foi perseguido pelos mais exaltados. O subdelegado de plantão na Polícia Central compareceu ao local, onde deu garantias ao moço, protegendo-o contra a ira do povo. Na Polícia Central, para onde foi conduzido, declarou a vítima da exaltação popular, ser o Engenheiro Flávio de Carvalho, de 31 anos de idade, residente à praça Oswaldo Cruz, 1.

Figura 1
A fuga de Flávio de Carvalho.

Figura 2
Numa procissão. Uma experiência sobre a psicologia das multidões que resultou em sério distúrbio.

No segundo caso, encontramos uma situação em que os desdobramentos da experiência performática diagramaram outro escalonamento. Inicialmente temos uma ação performática que buscou o minimum de distância, ou um extremum de proximidade na distensão arte/não-arte. Porém, pela participação ilegítima de um enquadramento não-artístico, esse diagrama inicial foi interrompido e depois reparado pela atuação de outro enquadramento, o litígio judicial.

Trata-se da performance DNA de Dan (2012), do artista brasileiro Maikon Kempinski, preso no ano de 2017 durante a exibição da obra em Brasília/DF, acusado de ato obsceno e depois liberado após assinatura de termo circunstanciado. No estado do Paraná, meses após a exibição em Brasília, Kempinski foi processado em ação penal por espetáculo obsceno. O caso judicial foi encerrado apenas em 2020, quando a 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Paraná decidiu dar provimento a um pedido de Habeas Corpus que pedia o trancamento da ação penal contra o artista.

Sobre a performance, ela se desenvolve em um ambiente artificial e transparente, e é dividida em dois momentos. Primeiro quando o artista, imóvel, aguarda a secagem de uma substância aplicada ao corpo, para então passar a se mover. E, depois, quando o público é convidado a integrar o espaço.

Figura 3
DNA of Dan.

As informações sobre os desdobramentos de DNA de Dan foram recolhidas em matérias jornalísticas divulgadas nos portais Estadão, no dia 11 de agosto de 2017, e Conjur, no dia 23 de junho de 2020.

Trechos de notícia veiculada pelo Estadão (Artista... 2017ARTISTA é preso durante apresentação em Brasília. Estadão, São Paulo, 2017. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,artista-e-preso-durante-apresentacao-em-brasilia. Acesso em: 02 jun. 2022.
https://cultura.estadao.com.br/noticias/...
):

Sobre seu corpo nu é depositada uma mistura a base de gelatina que seca totalmente em um período de três horas. Nesse tempo, Kempinski fica imóvel, com respiração baixa para que a substância não se rompa com o movimento do diafragma. ‘Faz parte de uma pesquisa sobre o xamanismo como criador de realidades. Nesse caso, busco o arquétipo da serpente, tida por muitas culturas como fundador da vida. Uma compreensão que surgiu antes mesmo que a ciência descobrisse que a forma do DNA possui silhueta semelhante a serpentes entrelaçadas’, conta. […] ’O nu nem é uma discussão. É só um recurso para mostrar que estou despido de qualquer cultura. Não há conotação sexual’. […] Em Brasília, a polícia rompeu a bolha e avisou que iria me prender ali mesmo. Na delegacia, o artista assinou um termo circunstanciado e foi liberado.

Dias depois do ocorrido, o artista foi contatado pelos então secretário de cultura, Guilherme Reis, e o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, ambos lamentaram o acontecimento. Rollemberg ainda escreveu em nota: “o governo acredita, apoia e incentiva a livre manifestação artística” (Artista... 2017ARTISTA é preso durante apresentação em Brasília. Estadão, São Paulo, 2017. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,artista-e-preso-durante-apresentacao-em-brasilia. Acesso em: 02 jun. 2022.
https://cultura.estadao.com.br/noticias/...
).

Em Londrina, a performance ocorreu sem intervenção policial. No entanto, posteriormente à exibição, surgiu uma ação penal que acusava o artista de ter incorrido no artigo 234, parágrafo único, inciso II do Código Penal “[...] segundo o qual incorre na pena de seis meses a dois anos - ou multa - quem realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter” (Santos, 2020SANTOS, Rafa. TJ-PR tranca ação penal contra performer acusado de espetáculo obsceno. CONJUR, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj-pr-tranca-acao-penal-performer-acusado-ato-obsceno. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj...
). A performance, ainda segundo a denúncia, “[...] causou o sentimento de desconforto e constrangimento entre os que a presenciaram, ofendendo notoriamente o pudor” (Santos, 2020SANTOS, Rafa. TJ-PR tranca ação penal contra performer acusado de espetáculo obsceno. CONJUR, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj-pr-tranca-acao-penal-performer-acusado-ato-obsceno. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj...
).

Ao analisar o caso, o relator Aldemar Sternadt apontou que a situação vivida pelo artista em Londrina se mostrou “absurda e desarrazoada”:

Inaceitável, pois, imaginar que meia dúzia de incomodados ou sensíveis com a nudez do artista, a seu talante, atrapalhassem uma apresentação artística. A arrogância e a ignorância saltam aos olhos! São pessoas que se arvoram tutores de uma população inteira, hipócritas que acreditam ter o poder de censurar o que o vizinho pode ouvir, ver e consumir! (Santos, 2020SANTOS, Rafa. TJ-PR tranca ação penal contra performer acusado de espetáculo obsceno. CONJUR, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj-pr-tranca-acao-penal-performer-acusado-ato-obsceno. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj...
).

Ainda segundo o relator: “[...] a própria divulgação era bastante clara quanto ao conteúdo da encenação de maneira que compareceu ao espetáculo quem desejava. O ‘folder’ distribuído advertia sobre ‘nudez artística’ e também fazia expressa menção a classificação por faixa etária (16 anos)” (Santos, 2020SANTOS, Rafa. TJ-PR tranca ação penal contra performer acusado de espetáculo obsceno. CONJUR, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj-pr-tranca-acao-penal-performer-acusado-ato-obsceno. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj...
).

Por fim, segue um último trecho do voto que prevaleceu:

O ignorante ou intolerante, diga-se, não é aquele que desconhece algo, mas quem enxerga a sua violência e o seu preconceito como sabedoria. Reconhece-se o ignorante facilmente pois ele tenta destruir o conhecimento que ameaça jogar luz sobre as trevas em que habita. Afinal, como o mofo, a ignorância cresce na escuridão (Santos, 2020SANTOS, Rafa. TJ-PR tranca ação penal contra performer acusado de espetáculo obsceno. CONJUR, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj-pr-tranca-acao-penal-performer-acusado-ato-obsceno. Acesso em: 01 jun. 2022.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-23/tj...
).

Assim, diferentemente de Experiência n. 2, DNA de Dan convocou componentes de enquadramento artístico para a experiência performática: realizada nas dependências de uma reconhecida instituição de arte, divulgada na programação de eventos financiados por meio de políticas públicas e em conformidade com a lei de classificação indicativa. Além disso, a arte da performance se encontra em ascensão nas mais prestigiadas instituições de arte, fato ausente na primeira metade do século XX. Contudo, em DNA de Dan, os componentes convocados perderam, momentaneamente, a autoridade ou a autoria10 10 Esse jogo de palavras faz referência à sinonímia entre autoria e autoridade explorada na filosofia política de Thomas Hobbes (2020). Na obra Leviatã: Matéria, palavra e poder de uma República eclesiástica e civil, Hobbes retomou a identidade etimológica, no latim, entre os termos auctoritas e auctor. Essa sinonímia se encontra na base da conhecida formulação de Hobbes: Sed Auctoritas Non Veritas Facit Legem, isto é, a autoridade, e não a verdade, faz a lei. Assim, autoridade e a autoria são atividades criativas na fabricação do mundo. Sobre a relação entre autoridade e autoria, vale também ressaltar que, nos complexos processos de produção da arte no Renascimento, apenas poderia assinar como autor da obra aquele que tivesse autoridade para fazê-lo, ainda que muitos assistentes tivessem trabalhado na produção da obra. Cf. Flynn (2022). na definição da experiência.

Assim, se Experiência n. 2 nos fez ver a força das paixões religiosas sobre a força da lei e do respeito à vida humana, em DNA de Dan o que se fez ver foi o autoritarismo de Estado agir contra a liberdade artística, os direitos de autoria e, logo, contra o ordenamento jurídico brasileiro. Se a proposição inicial da obra buscou um minimum de distância ou um extremum de proximidade na distensão arte/não-arte, a violência de Estado a levou de um minimum ao nada. A sua existência como obra artística, e não como ato criminoso, foi restituída posteriormente à sua execução pelos operadores jurídicos. Entretanto, cabe o adendo, o termo circunstanciado segue em Brasília.

Figura 4
Maikon Kempinski em DNA de Dan. IC 10 - Encontro de Artes, Salvador-BA.

No terceiro acontecimento, somos convidados a pensar a experiência performática a partir de outro diagrama. No qual o enquadramento artístico desfrutou de uma autoridade soberana. Referimo-nos à performance Tatlin's Whisper #5/El Susurro de Tatlin #5, da artista cubana Tania Bruguera, adquirida pelo Museu Tate Modern (Londres). Nesse caso, a distensão arte/não-arte foi experimentada como uma progressão harmônica modulante. Em que essas transposições de tonalidade, ora arte, ora não-arte, ora documento, ora obra, variam de acordo com os ‘consensos’ em uma comunidade de interpretação (Lapoujade, 2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b.). De fato, em todos os acontecimentos apresentados, seja ao modo da polêmica em Experiência n. 2, ou do litígio em DNA de DAN, encontramos comunidades de interpretação. Para o pragmatismo, as comunidades de interpretação são múltiplas, na medida em que elas são o resultado, sempre provisório, de um mundo a ser feito. Consequentemente, “[...] a unidade do acordo não absorve a multiplicidade dos modos de se relacionar com ele […]. Por isso podemos dizer que as comunidades são múltiplas, de acordo com os signos com os quais elas concordam, e conforme elas se fecham em desconfiança (segurança) ou se abrem para a confiança” (Lapoujade, 2017bLAPOUJADE, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017b., p. 112). Portanto, o que importa são os signos em circulação numa comunidade como aquilo que os indivíduos trocam entre si, ou seja, importa menos os indivíduos de uma comunidade do que a relação que une os indivíduos. Assim, ao pensar ao modo da performance de Bruguera, passamos a ter acesso ao processo de construção de uma comunidade de interpretação pelo trabalho de consistência das práticas de musealização.

Sobre a performance Tatlin's Whisper #5/El Susurro de Tatlin #5, número de referência T12989 no acervo do Tate, vale ressaltar que ela faz parte de uma série de ações em que a artista ativa, como experiência participativa direta, imagens que circulam na imprensa e outros meios de comunicação de massa (como um coquetel molotov ou uma tribuna aberta ao público) e que, em virtude de sua presença e circulação massiva, perderam seu poder mobilizador.

Paradoxalmente, no entanto, na série Tatlin's Whisper, as imagens passam por um processo de descontextualização, no qual as imagens são transpostas da sua circulação cotidiana e do acontecimento que deu lugar à notícia, isto é, do seu enquadramento não-artístico, para serem “ativadas da forma mais realista possível em uma instituição de arte” (Perez Moreno, 2009PEREZ MORENO, Yanet. Nobody is ready to wipe the slate clean. Cubaencontro, Madrid, 2009. Disponível em: http://www.cubaencuentro.com/entrevistas/articulos/nadie-esta-dispuesto-al-borron-y-cuenta-nueva-171188. Acesso em: 01 jul. 2022.
http://www.cubaencuentro.com/entrevistas...
), logo, aposta-se na legitimidade soberana do enquadramento artístico para o êxito da performance.

Segundo Bruguera, a proposição dessa série de ações é a possibilidade de ela funcionar como uma citação. Uma “[...] citação visual - é uma imagem que vi na TV, no noticiário. E isso é muito importante, porque é como podemos transformar nossa principal fonte de educação política ou má educação, que são as notícias, em outra coisa?” (Bruguera Tateshots, 2008BRUGUERA TATESHOTS. Artists. 2008. Disponível em: http://www.tate.org.uk/context-comment/video/tania-bruguera. Acesso em: 12 jun. 2022.
http://www.tate.org.uk/context-comment/v...
). Como ser tomado por uma experiência que permita “[...] desanestetizar imagens do passado sedimentadas no imaginário social com a intenção de formular uma reavaliação crítica do presente?” (Bruguera, 2009).

Em O Sussurro de Tatlin #5, para sua exibição ao vivo, dois policiais montados (um em um cavalo branco e o outro em um cavalo preto) devem ser contratados e levados ao museu. Eles patrulham o espaço, guiam e controlam o público com a utilização de um mínimo de seis técnicas de controle de multidão aprendidas durante a formação na academia de polícia. Isso inclui ações como fechar as entradas do espaço expositivo, empurrar o público para frente com movimentos laterais com os cavalos, manipular o público em um único grupo e cercá-lo para comprimir o grupo, confronto frontal com o cavalo e separar o público em dois grupos distintos.

As técnicas usadas pela polícia montada são comuns em grandes eventos públicos. No entanto, a artista está perfeitamente ciente de que a experiência de tais formas de controle muda radicalmente de acordo com o contexto em que são encontradas. O patrulhamento da polícia montada em um evento esportivo encenado numa democracia liberal, por exemplo, é bem diferente do patrulhamento em uma manifestação política não autorizada sob um regime mais autoritário. E, tais particularidades contextuais, mobilizam mais uma transposição da performance pela ação de um enquadramento não-artístico: a comunidade política mais ampla na qual a performance é atuada.

Na documentação da performance disponibilizada pelo Museu, a ação revelou certas características particulares em suas exibições em Londres. Por exemplo, o uso de humor jocoso pela polícia britânica como um método adicional de manter a multidão e a situação sob controle. Essa disposição jocosa foi intercalada com comandos mais diretos, com o público acompanhando sem resistência ou permanecendo mais cauteloso de acordo com o ímpeto dos policiais a cavalo. Assim, através dessa progressão harmônica modulante, ora arte, ora não arte, etc. O Sussurro de Tatlin colocou em exame as performances coreografadas e experiências embutidas na realidade cotidiana e, em específico, ofereceu possibilidades para pensarmos a complexa relação entre agentes de segurança do Estado e as pessoas que eles visam controlar.

Figura 5
Tania Bruguera. Tatlin’s Whisper #5 UBS Openings: Live - The Living Currency, Tate Modern.

Figura 6
Tania Bruguera. Tatlin’s Whisper #5 UBS Openings: Live - The Living Currency, Tate Modern.

Outro aspecto do trabalho é que o público não deve estar imediatamente ciente de que se trata de uma obra de arte, e tal condição figura como uma das cláusulas contratuais com o Museu Tate. Segundo Bruguera, essa condição permite uma “[...] experiência nova para o espectador, que está ligada à sua memória midiática, e não artística. ‘Oh, isso é sobre controlar as pessoas? Isso é sobre terrorismo?’” (Bruguera Tateshots, 2008BRUGUERA TATESHOTS. Artists. 2008. Disponível em: http://www.tate.org.uk/context-comment/video/tania-bruguera. Acesso em: 12 jun. 2022.
http://www.tate.org.uk/context-comment/v...
). Todas as possíveis modulações esboçadas pela audiência interessam.

Segundo Bruguera (2009):

O elemento mais importante desta série é a participação do espectador que pode determinar o rumo que a obra tomará. A ideia é que da próxima vez que esse telespectador estiver diante de uma notícia que usa imagens semelhantes à que viveu, ele poderá perceber uma certa empatia pessoal para com aquele acontecimento distante, e diante do qual normalmente teria uma atitude de desconexão emocional ou saturação de informações. A experiência do público na obra, permite-lhe compreender a informação a outro nível e apropriar-se dela porque a viveu.

O nome da série, O Sussurro de Tatlin, também é relevante para nossa análise por dois motivos. Em primeiro lugar, o título alude ao que a artista chama de “[...] o enfraquecimento atual do impacto de um momento da história ocidental em que grandes transformações ocorreram a partir de revoluções sociais” (Bruguera, 2009). Desse modo, podemos entender que O Sussurro de Tatlin buscou destacar o processo histórico pelo qual práticas artísticas de vanguarda, antes radicais, como a arte e a carreira arquitetônica de Vladimir Tatlin, foram domesticadas e assimiladas por processos culturais mais hegemônicos. Segundo Bruguera, a série explora como “a intensidade, credibilidade e exaltação das revoluções socialistas”, assim como ocorreu com a Torre de Tatlin (que nunca foi construída), foram frustradas, e a utopia passa a ser repensada como o esforço implícito de um ‘sussurro’ fraco (Bruguera, 2009). O segundo motivo é a reversão que Bruguera busca estabelecer, não mais a exaltação à monumentalidade, mas a confrontação com o fracasso:

Por conjurar o projeto estético de vanguarda de Tatlin em seu título, a série redefine sua prática com base em seu fracasso e não em sua monumentalidade projetada. Na série ‘Sussurro de Tatlin’, grandes esquemas utópicos são transformados em sussurros pequenos, efêmeros, quase impotentes. A série revisa um ‘ícone do entusiasmo e grandiosidade da Revolução Bolchevique’- como ela descreve Tatlin - e reavalia ‘a intensidade, credibilidade e exaltação das revoluções socialistas’, que, em muitos casos e como exemplificado pelo Monumento à Terceira Internacional, [a Torre de Tatlin] têm se caracterizado pelo fracasso na implementação de projetos utópicos (Perez Moreno, 2009PEREZ MORENO, Yanet. Nobody is ready to wipe the slate clean. Cubaencontro, Madrid, 2009. Disponível em: http://www.cubaencuentro.com/entrevistas/articulos/nadie-esta-dispuesto-al-borron-y-cuenta-nueva-171188. Acesso em: 01 jul. 2022.
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).

Assim, em comparação à performance DNA de Dan, encontramos atores e práticas sociais semelhantes, porém mobilizados diferentemente. Em O Sussurro de Tatlin, a soberania do enquadramento artístico permitiu que a força/violência do Estado fosse adicionada legitimamente como componente da obra. E o direito foi convocado não para restituir sua condição de arte, mas para orientar as atividades de sua musealização. Isto é, o direito foi convocado como parte da formalização de compromissos com os componentes da obra. Ele se transformou em uma ferramenta para que em cada nova ativação a performance possa levar mais adiante os seus efeitos. Além disso, tal transformação proporcionou novas conexões e agenciamentos para as instituições. Afinal de contas, será o Museu Tate, ou outra instituição de arte, o responsável pelo gerenciamento desses componentes em cada execução da performance. E é nessa direção que podemos compreender como o processo de musealização da performance lança o museu ao conjunto de entidades envolvidas (policiais, cavalos, público, a Torre de Tatlin nunca concluída, o circuito avassalador de imagens de ações repressivas) nas atividades de composição da obra. E essas entidades, inclusive o museu, são reunidas numa trajetória, sempre arriscada, de realização da obra.

Sobre os protocolos de musealização da performance, vale destacar que a obra nunca pode ser exibida pela sua documentação (registros visuais). Ela pode ser representada por material documental no decorrer de uma palestra, mas uma distinção clara deve ser mantida entre a obra e suas imagens resultantes. Em tal consenso, sela-se, portanto, o compromisso no qual O sussuro de Tatlin só é obra quando ativada. Em outras palavras, estamos diante de uma relação especulativa entre registro e performance. Isto é, diante de uma aposta na natureza inacabada de cada ativação da performance, visto que os arquivos encontram os fatos da experiência performática não como finais ou absolutos, mas como materiais para novas experiências, como material para especulação, como solo para novas experimentações.

No contrato que Bruguera desenvolveu para reger a transferência da obra, disponível no website da artista11 11 Disponível em: https://www.taniabruguera.com/cms/files/tatlin___s_whisper_tech_spec_1.pdf. Acesso em: 01 jun. 2022. , encontramos diversos desdobramentos dessa relação especulativa, a saber:

  1. Dois policiais montados serão contratados para entrar no espaço expositivo e utilizarão, com o público da exposição, técnicas de controle de multidão utilizadas na academia de polícia para manifestações políticas e/ou de ordem pública;

  2. Deve haver um cavalo branco e um cavalo preto (ou marrom escuro);

  3. Os policiais devem utilizar uniformes (do país no qual a performance será ativada);

  4. Os policiais devem utilizar no mínimo 6 técnicas (fechar a(s) entrada(s) do espaço, empurrar a audiência com movimentos laterais com o uso dos cavalos, concentrar o público em um grupo e comprimi-lo em formação circular com os cavalos, confrontar diretamente o público, dividir a audiência em dois grupos claramente diferenciados, etc.);

  5. Sob nenhuma circunstância atores ou pessoas, que não sejam policiais ativos no momento da exposição, podem ser contratados para executar a performance;

  6. Cada vez que a obra for apresentada, deverá ser contratado um novo conjunto de policiais. Os policiais montados não podem, em nenhuma hipótese, ter participado de uma edição anterior. Se a frequência da exibição alcançar um formato em que as intervenções da polícia ultrapassem mais de 6 vezes, um novo conjunto de policiais e cavalos deve substituir o anterior;

  7. Cada exercício policial não deve exceder o tempo de 20 minutos, a não ser que a reação do público exija uma maior participação da polícia.

Em relação aos direitos de exibição, Bruguera concordou em fornecer ao Museu um certificado de autenticidade e fotos oficiais de registros da performance, porém manteve o direito de refazê-la quando e onde quisesse. Bruguera também garantiu o compromisso do Museu em seguir um cronograma, ao estipular quando e como a obra poderia ser montada em ativações futuras. Esse cronograma também descreve os materiais que devem ser usados (polícia montada treinada em uniforme, não menos que seis técnicas de controle de multidão e assim por diante) e o que a instituição pode ou não fazer.

Outra dimensão importante do processo de transmissão da performance ao Museu é a que diz respeito ao estatuto dos registros realizados pelo próprio público. No artigo IV, alínea “d” do contrato firmado por Bruguera & Tate, encontramos a seguinte formulação:

O público está autorizado a realizar quantas fotos (sem flash) quiser, bem como gravar vídeo e som ou qualquer modo futuro de registro. Eles podem exibir seus registros em qualquer lugar que quiserem e vendê-los para seu lucro próprio para coleções particulares, mas nunca para exibição pública (Conditions for showing tatlin’s whisper #5 apud Tania Bruguera, 2009TANIA BRUGUERA. Website. 2009. Disponível em: http://www.taniabruguera.com. Acesso em: 02 jul. 2022.
http://www.taniabruguera.com...
).

Essa autorização nos conduz a outro movimento de transposição na distensão arte/não arte. E essa nova transposição ocorre pela ação da audiência, pois há o consenso de que o público é autor de sua participação na performance, e logo da produção de seu testemunho. Assim, no trabalho de Bruguera, podemos identificar um elemento importante das práticas em arte contemporânea: as tentativas de construções de trabalhos artísticos em coautoria com o público. Mas não apenas no sentido vago em que as artes relacionais pretendem, o de conceber a participação direta do público na obra. Pois ela reivindica, sobretudo, o sentido estrito de autoria em termos legais, ou seja, a audiência de O Sussurro de Tatlin tem assegurada os direitos patrimoniais da sua participação na performance. Diferentemente, por exemplo, da participação compartilhada com o Museu Tate, que possui o direito de reprodução/exibição (copyright) da performance, mediante condições controladas na forma de instruções para novas ativações, e logo custeia todo processo.

Conservar uma performance, isto é, traduzi-la como objeto museal, significa produzir consensos que orientem as tomadas de decisão para novas exibições da obra. Pois, se são necessários esses consensos, inclusive de ordem jurídica, para que uma outra ativação da performance seja ainda (ou seja também) a performance adquirida pela instituição, inexoravelmente as ativações futuras serão diferentes da original (não serão os mesmos policiais, cavalos e audiência, bem como necessariamente será outra contingência espaço-temporal). Na performance, atentar para os processos de produção de diferença é necessário - e mesmo inevitável - para que a obra continue a produzir efeitos. Trata-se, portanto, de um processo contínuo de gerenciamento das condições de mudança de cada obra.

Considerações finais

Estar diante da performance nos torna, então, mediadores ou intercessores de uma trajetória de realização. Tanto pelo convite para participarmos dos processos de intensificação como obra experimental e, portanto, levar a sério os riscos envolvidos - a obra deixar de ser recalcitrante, perder a capacidade de engajar a comunidade de interpretação (curadores, conservadores, museólogos, historiadores e demais teóricos da arte, mas também o público e performadores, seja humanos ou outros-que-humanos) em novos processos de produção de diferença. Mas também, de modo inverso, é preciso cumprir a exigência de se envolver em processos de diminuição, processos pelos quais a experiência performática se encontra despossuída de legitimidade do enquadramento artístico. Não apenas para fazermos sua defesa, como também para testemunhar aquilo que ela deixa ver nesse grau mínimo de existência, seja ao modo da polêmica, da injustiça etc.

Em suma, na perspectiva do pragmatismo especulativo, seguir a experiência nunca é percorrer uma trajetória em um sentido único. Pois ela nos obriga a substituir o princípio sintético - a confirmação do que já acreditamos (ou sabemos) - pela cultivação de um princípio sináptico para o pensamento. Princípio esse que envolve um salto para fora das certezas de um mundo já acabado, mas que encontra a abertura para as entidades (atores e práticas sociais) mobilizadas pelos movimentos de um mundo em construção, ao passo que também transforma o pensamento em ingrediente dessa fabricação de mundo. Ao pensar a performance em termos experienciáveis, isto é, sinapticamente, buscamos edificar uma sociologia que avança pela tentativa de desdobrar os potenciais para a mudança em cada processo de instauração das obras, e que leva em consideração os riscos envolvidos no processo. Trata-se de forjar uma sensibilidade sociológica que nos torne disponíveis para os processos de diferença pelos quais o experimento performático redistribui uma realidade, e que também ofereça o acesso a um padrão pluralista de mundo, do qual a sociologia já não possa ensejar uma redução das variedades pela certeza dos absolutos.

Notas

  • 1
    No orginal em inglês: Performative practices produce a form of something that is (yet) to come. It provides a (preliminary) reality for something that is only imagined by performing it as concrete.
  • 2
    Consideramos como institucionalização da performance o processo de colecionamento público e privado de obras performáticas para além de seus índices representacionais (registros fotográficos, vídeos, vestígios materiais). Esse processo teve início nos primeiros anos do século XXI.
  • 3
    Sobre esse importante movimento de consolidação da sociologia da arte, vale ressaltar as proximidades entre as sociologias de Pierre Bourdieu (1996)BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. e Howard Becker (1982)BECKER, Howard. Art worlds. California: University of California Press, 1982.. Pois, muitas vezes consideradas antagônicas, compartilham entre si um mesmo fundamento: a teoria institucional da arte. Segundo Richard Shusterman (1998)SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a arte: o pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34, 1998., Morris Weitz foi o grande expoente dessa perspectiva. Para Weitz, qualquer tentativa de estabelecer as propriedades necessárias e suficientes à existência da arte seria logicamente irrealizável, pois não haveria nenhuma essência a ser definida. Seguindo as formulações de Wittgenstein, o autor afirmou que as complexas redes de similaridades e semelhanças familiares, pelas quais estariam as obras de arte relacionadas, forneceriam toda concordância disponível ou necessária para empregar ou ensinar de maneira eficaz esse conceito genérico. O diálogo com a teoria institucional permitiu à sociologia a superação da “teoria do reflexo” (Heinich, 2008HEINICH, Nathalie. A sociologia da arte. Bauru: EDUSC, 2008.), bem como o desenvolvimento de trabalhos empíricos, entre os quais destacam-se os realizados por Howard Becker e Pierre Boudieu. Contudo, vale ressaltar que Becker e Bourdieu desenvolveram formas diferentes de apropriação da teoria institucional. Isto é, desenvolveram seus estudos de acordo com distintos paradigmas da teoria sociológica, o que resultou numa sociologia do mundo da arte, no caso de Becker, e, em outra direção, em uma sociologia do campo artístico, de Pierre Bourdieu (Zolberg, 1990ZOLBERG, Vera. Constructing a sociology of the arts. Nova York: Cambridge University Press, 1990.).
  • 4
    Referimo-nos, novamente, às sociologias de Pierre Bourdieu (1996)BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. e Howard Becker (1982)BECKER, Howard. Art worlds. California: University of California Press, 1982.. Visto que, para o primeiro, o campo artístico se reproduz a partir das disputas e conflitos, das lutas simbólicas pelo controle dos mecanismos internos de legitimação e consagração. Trata-se, portanto, de um espaço social restrito, fundado em regras próprias, cujo acesso é franqueado apenas aos que dominam o habitus. Em Becker, diferentemente da estrutura restritiva do conceito de campo, encontramos limites menos delimitados entre a arte e outras dimensões da vida em sociedade. Pelo conceito de mundo da arte, ou melhor, de mundos da arte, Becker pretende descrever as dinâmicas das interações sociais através das ações cooperativas entre os indivíduos em cada mundo artístico.
  • 5
    No pragmatismo especulativo de Brian Massumi (2011MASSUMI, Brian. Semblance and the event: activist philosophy and the occurrent arts. Cambridge: The MIT Press, 2011., p. 14), diagramar é uma técnica para extrair potenciais de mudança de uma experiência a fim de canalizá-los e torná-los disponíveis para as novas experiências que seguirão: “uma técnica que toma como seu objeto o próprio processo, como a produção especulativa-pragmática de eventos orientados de mudança”.
  • 6
    Flávio de Carvalho é considerado um dos pioneiros da arte da performance. Vale destacar também que o termo performance art surgiu como categoria da História da Arte na década de 1960.
  • 7
    Refiro-me à semelhança entre as proposições artísticas de Flávio de Carvalho e os experimentos de ruptura, metodologia proposta pela sociologia de Harold Garfinkel. Na etnometodologia, os experimentos de ruptura são experimentos em que a realidade social é violada a fim de lançar luz sobre os métodos práticos (etnométodos) pelos quais as pessoas constroem a realidade social (Garfinkel, 2018GARFINKEL, Harold. Estudos de Etnometodologia. Rio de Janeiro: Vozes, 2018. (1967).).
  • 8
    Disponível em: http://www.bienal.org.br/post/368. Acesso em: 01 jun. 2022.
  • 9
    Disponível em: https://maikonk.com/dna-of-dan. Acesso em: 01 jun. 2022.
  • 10
    Esse jogo de palavras faz referência à sinonímia entre autoria e autoridade explorada na filosofia política de Thomas Hobbes (2020)HOBBES, Thomas. Leviatã: Matéria, palavra e poder de uma República eclesiástica e civil. Rio de Janeiro: Vozes, 2020. (1651).. Na obra Leviatã: Matéria, palavra e poder de uma República eclesiástica e civil, Hobbes retomou a identidade etimológica, no latim, entre os termos auctoritas e auctor. Essa sinonímia se encontra na base da conhecida formulação de Hobbes: Sed Auctoritas Non Veritas Facit Legem, isto é, a autoridade, e não a verdade, faz a lei. Assim, autoridade e a autoria são atividades criativas na fabricação do mundo. Sobre a relação entre autoridade e autoria, vale também ressaltar que, nos complexos processos de produção da arte no Renascimento, apenas poderia assinar como autor da obra aquele que tivesse autoridade para fazê-lo, ainda que muitos assistentes tivessem trabalhado na produção da obra. Cf. Flynn (2022)FLYNN, Alex Ungprateeb. Relational Art. In: CALLAN, Hillary (Ed.). The International Encyclopedia of Anthropology. New Jersey: Wiley-Blackwell, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781118924396.wbiea2480. Acesso em: 01 jun. 2022
    https://doi.org/10.1002/9781118924396.wb...
    .
  • 11
  • Editor responsável: Gilberto Icle

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2023
  • Aceito
    04 Abr 2023
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