Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de déficit cognitivo e fatores associados entre idosos de Bagé, Rio Grande do Sul, Brasil

Resumos

As estimativas para 2020 indicam que os idosos representarão 13% da população do Brasil e é crescente a preocupação com a manutenção da capacidade cognitiva desta população. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência e fatores associados ao déficit cognitivo em idosos residentes na área de abrangência dos serviços de atenção básica em saúde no município de Bagé, Rio Grande do Sul. O estudo epidemiológico de base populacional foi realizado em 2008. O Miniexame do Estado Mental (MEEM) foi aplicado, no domicílio, a 1.593 idosos. A análise dos fatores associados foi realizada através de regressão de Poisson a partir de um modelo hierárquico. Associações com valor p menor que 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. A prevalência de déficit cognitivo foi de 34,1%. Idosos do sexo feminino, indivíduos mais velhos, de cor da pele preta ou amarela/parda/indígena, com menor escolaridade, de classes sociais mais pobres, sem aposentadoria, com depressão e incapacidade para Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) tiveram maior probabilidade de apresentar déficit cognitivo (p < 0,05). A elevada magnitude com possibilidade de ocorrência aumentada entre grupos mais pobres e vulneráveis contribui para a implementação de políticas públicas de modo a qualificar o atendimento, a prevenção de agravos e a promoção da independência e autonomia da população idosa.

Saúde do Idoso; Cognição; Atenção primária à saúde; Estudos Transversais; Envelhecimento; Saúde mental


It is estimated that until 2020 the elderly will represent 13% of the total Brazilian population, and there is increasing concern about healthy aging and low rates of cognitive impairment. This cross-sectional study aimed to identify the prevalence of cognitive impairment, using the Mini-Mental State Examination (MMSE) in a sample of 1,593 elderly aged 60 years old and more who were living in the community of the city of Bagé, Southern Brazil, in 2008. The Poisson regression model was used for estimating crude and adjusted prevalence ratios; their related 95% confidence intervals and p-values lower than 0.05 were considered statistically significant. The prevalence of cognitive impairment was of 34% and statistically associated with gender (female), age (older), schooling (less educated), lower economic classes, without retirement, with depression and functional limitation. The high magnitude with increased occurrence among poor and vulnerable groups contributes to the implementation of public policies in order to improve care, prevent diseases and promote the independence and autonomy of the elderly population.

Health of the elderly; Cognition; Primary health care; Cross-sectional studies; Aging; Mental health


Introdução

O envelhecimento populacional exigirá mudanças no atual sistema de saúde brasileiro, especialmente devido ao aumento da expectativa de vida no país não estar acompanhado pela melhoria nas condições gerais de vida11. Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS; 2005.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília; 2006.

3. Areosa SVC, Areosa AL. Envelhecimento e dependência: desafios a serem enfrentados. Textos & Contextos 2008; 7(1): 138-50.
- 44. Pasinato MTM. Envelhecimento, ciclo de vida e mudanças socioeconômicas: novos desafios para os sistemas de seguridade social [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2009.. Para que o indivíduo permaneça independente e ativo à medida que envelhece, devem ser ofertadas condições de acesso aos serviços de saúde, à proteção social, ao lazer, a prática de atividades físicas e educação. Em 2009, os idosos representavam 11,3% da população brasileira e as projeções para 2020 indicam que cerca de 30 milhões de indivíduos terão 60 anos ou mais, representando 13,0% da população total55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro; 2010.. Isto poderá representar um aumento no número de pessoas com morbidades, incapacidades e com necessidade de utilização dos serviços de saúde66. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 548-54..

Diante do envelhecimento populacional, a demência torna-se importante indicador de saúde nos idosos, com uma taxa de incidência de 13,8/1.000 habitantes ao ano entre idosos residentes na comunidade77. Nitrini R, Caramelli P, Herrera Jr E, Bahia VS, Caixeta LF, Radanovic M, et al. Incidence of dementia in a community-dwelling Brazilian population. Alzheimer Dis Assoc Disord 2004; 18(4): 241-6., e assume importância cada vez maior na sociedade brasileira, principalmente entre as faixas etárias mais avançadas. Estudo realizado com 2.143 pessoas de 60 e mais anos em São Paulo encontrou uma prevalência de deterioração cognitiva de 6,9%, sendo de 4,2% para as pessoas na faixa etária de 60 a 74 anos e de 17,7% para aquelas com 75 anos ou mais88. Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2): 15..

As síndromes demenciais caracterizam-se pela presença de déficit progressivo na função cognitiva, especialmente a perda de memória e a presença de afasia, apraxia, agnosia ou perturbação do funcionamento executivo99. American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - IV - TR). 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995., com interferência nas atividades sociais e ocupacionais1010. Neto JG, Tamelini MG, Forlenza OV. Diagnóstico diferencial das demências. Rev Psiq Clín 2005; 3(32): 119-30..

O déficit cognitivo afeta a qualidade de vida do idoso por conduzir a perda de sua autonomia e independência. Além disso, demanda um cuidador permanente e assistência por parte dos serviços de saúde ao idoso, família e cuidador objetivando manter o indivíduo em sua casa. Estudos que identifiquem idosos com déficit cognitivo são pouco frequentes. Assim, este estudo objetivou conhecer a prevalência e os fatores associados ao déficit cognitivo na população idosa residente na área de abrangência dos serviços de saúde no município de Bagé, Rio Grande do Sul.

Métodos

Estudo epidemiológico de base populacional com delineamento transversal no qual foram entrevistados os idosos com 60 anos ou mais de idade, residentes em domicílios particulares da área de abrangência dos serviços de Atenção Básica à Saúde da zona urbana do município de Bagé, Rio Grande do Sul, no período de julho a novembro de 2008.

Os dados foram coletados através de questionários estruturados com questões pré-codificadas. Para avaliação cognitiva foi aplicado o MEEM, instrumento composto por diversas questões, agrupadas em categorias para avaliar funções cognitivas específicas: orientação temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), memória imediata (3 pontos), cálculo (5 pontos), memória de evocação (3 pontos), nomeação (2 pontos), repetição (1 ponto), comando (3 pontos), leitura (1 ponto), frase (1 ponto), desenho (1 ponto), totalizando 30 pontos1111. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestöes para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(3B): 777-81.. Para a definição da presença de déficit cognitivo, o ponto de corte utilizado na análise foi 22/23, com sensibilidade = 75,6% e especificidade = 71,1%1212. Lourenço RA, Veras RP. Mini-Exame do Estado Mental: características psicométricas em idosos ambulatoriais. Rev Saúde Pública 2006; 40(4): 712-9..

As variáveis independentes demográficas e socioeconômicas utilizadas foram: sexo (masculino/feminino), idade em anos (60 - 64/65 - 69/70 - 74/75 - 79/80 ou mais), cor da pele autorreferida (branca/ preta/ amarela, parda e indígena), situação conjugal (casado ou com companheiro/solteiro, separado, viúvo), escolaridade em anos completos (sem escolaridade/1 a 3/4 a 7/8 ou mais), classe econômica (A e B/C/D e E), segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Nacional de Empresas de Pesquisa (ANEP), aposentadoria (não/sim) e plano de saúde (não/sim).

As variáveis independentes de condição de saúde foram depressão, problema cardiovascular (hipertensão e/ou derrame e/ou problema cardíaco) e AIVD. Para avaliar a presença de sintomas de depressão foi utilizada a Escala de Depressão Geriátrica e os resultados foram dicotomizados (presente: escore de 0 a 5/ausente: escore > 6)1313. Sheikh J, Yesavage J. Geriatric Depression Scale (GDS): Recent evidence and development of a shorter version. New York: Hayworth; 1986.. Para estabelecer incapacidade funcional para AIVD utilizou-se a escala de Lawton e Brody1414. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969; 9(3): 179-86.. Os idosos que relataram precisar de ajuda para no mínimo uma das atividades foram considerados com incapacidade.

A análise ajustada foi realizada com o objetivo de controlar possíveis fatores de confusão em relação às variáveis do mesmo nível e àquelas do nível anterior. Utilizou-se modelo de regressão de Poisson1515. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(21)., com estimativa robusta da variância, mantendo no modelo variáveis com valor p menor que 0,20. Associações com valor p menor que 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Stata, versão 12.0 (Stata Corp, College Station, Texas, USA).

Utilizou-se um modelo conceitual esquemático para determinação dos fatores associados ao desfecho. As variáveis dos dois níveis foram incluídas simultaneamente, sendo realizada uma seleção "para trás" nível a nível. O nível 1 incluiu as variáveis demográficas e socioeconômicas (sexo, idade, cor da pele, situação conjugal, escolaridade, ANEP, aposentadoria e plano de saúde). O segundo nível foi composto pelas variáveis de condições de saúde (depressão, problema cardiovascular e AIVD).

O projeto obteve aprovação conforme OF. 015/08 do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da UFPel. Os princípios éticos foram assegurados através do consentimento informado dos entrevistadores, da garantia do direito de não participação na pesquisa e do anonimato dos sujeitos. Os preceitos da Resolução nº 196/96, que versa sobre os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, foram respeitados.

Resultados

Foram entrevistados 1.593 idosos, dos quais 1.514 responderam às questões do MEEM, representando 5,0% de perdas.

O sexo feminino representou a maior parte da amostra (62,8%). Idosos entre 60 e 64 anos representaram 25,1% do total e aqueles com 80 anos ou mais de idade, 16,8% da amostra. A cor da pele branca foi a mais prevalente (78,6%). Os estratos da escolaridade apresentaram distribuição semelhante, sendo que 23,7% dos idosos eram sem escolaridade e 21,8% possuíam 8 anos ou mais de escolaridade. A classe econômica com maior percentual foi a classe C (38,9%). Praticamente metade dos idosos (51,3%) era composta por indivíduos casados ou que tinham companheiro. Os aposentados representaram 71,7% do total e 35,4% eram cobertos por algum plano de saúde. Em relação aos problemas de saúde, 14,9% apresentaram depressão, 64,4% algum problema cardiovascular e 34,2% incapacidade para AIVD. Do total de idosos, 34,1% (IC95% 31,7 - 36,5) apresentaram rastreamento positivo para déficit cognitivo (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição da amostra de acordo com as características sociodemográficas e condições de saúde. Bagé, Rio Grande do Sul, 2008.

Na análise bruta, a probabilidade de apresentar déficit cognitivo (p < 0,05) foi maior entre idosos do sexo feminino, indivíduos mais velhos, de cor da pele preta ou amarela/parda/indígena, sem companheiro, com menor escolaridade, de classes sociais mais pobres, sem plano de saúde, com depressão, problema cardiovascular e incapacidade para AIVD. A variável aposentadoria não foi estatisticamente associada ao desfecho, tanto na análise bruta como na ajustada (Tabela 2).

Tabela 2
Análise bruta e ajustada entre déficit cognitivo e variáveis sociodemográficas e de condições de saúde. Bagé, Rio Grande do Sul, 2008.

Na análise ajustada, as variáveis situação conjugal, plano de saúde e problema cardiovascular perderam associação com o desfecho. Não obstante, evidenciou-se que idosos do sexo feminino apresentaram 21% mais probabilidade de déficit cognitivo. O incremento da idade evidenciou um aumento linear do déficit cognitivo, sendo que idosos com 80 anos ou mais tiveram 2,45 vezes mais ocorrência do desfecho. Indivíduos de cor da pele preta ou amarela/parda/indígena apresentaram 1,29 e 1,23 vezes mais déficit quando comparados ao indivíduos brancos. Indivíduos sem escolaridade apresentaram 5,78 vezes mais ocorrência de déficit cognitivo quando comparados àqueles com oito anos ou mais de estudo e esta associação apresentou tendência linear inversa. Idosos pertencentes à classe econômica C tiveram maior probabilidade de déficit na cognição (RP = 1,44) quando comparados à classe A. Essa probabilidade aumentou para indivíduos da classe D/E (RP = 1,75). Por fim, idosos com depressão e incapacidade para AIVD apresentaram, aproximadamente, ocorrência de déficit cognitivo 30% maior.

Discussão

A prevalência de déficit cognitivo encontrada foi semelhante à de outros estudos realizados no Brasil. Entre os idosos participantes do Programa Municipal da Terceira Idade em Viçosa, Minas Gerais, a prevalência de déficit cognitivo foi de 36,5%1616. Machado JC, Ribeiro RCL, Leal PFG, Cotta RMM. Avaliação do declínio cognitivo e sua relação com as características socioeconômicas dos idosos em Viçosa-MG. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4): 592-605.. Em trabalho realizado com idosos hipertensos atendidos em um ambulatório de geriatria ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro encontrou-se a prevalência de 32,2%1717. Cavalini LT, Chor D. Inquérito sobre hipertensäo arterial e déficit cognitivo em idosos de um serviço de geriatria. Rev Bras Epidemiol 2003; 6(1): 7-17.. Outros estudos trazem prevalências mais divergentes. Em Belo Horizonte, a prevalência de déficit cognitivo em idosos restritos ao domicílio foi de 22,8%1818. Ursine PGS, Cordeiro HA, Moraes CL. Prevalência de idosos restritos ao domicílio em região metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(6): 10.. Em estudo transversal de base populacional realizado em Florianópolis, a prevalência encontrada foi de 46,8%1919. Medeiros FL, Xavier AJ, Schneider IJC, Ramos LR, Sigulem D, d'Orsi E. Inclusão digital e capacidade funcional de idosos residentes em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil (EpiFloripa 2009-2010). Rev Bras Epidemiol 2012; 15(1): 106-22..

Na comparação dos resultados dos estudos sobre avaliação cognitiva através do MEEM é preciso considerar a população em estudo, os pontos de corte utilizados e o tipo de versão do instrumento. No projeto SABE, pesquisa realizada na cidade de São Paulo, a avaliação cognitiva utilizou uma versão reduzida do MEEM, validada no Brasil a partir da versão modificada e validada no Chile2020. Icaza MG, Albala C. Minimental State Examinations (MMSE) del estudio de demencia en Chile: análisis estadístico. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 1999.. Essa versão reduzida estabeleceu o ponto de corte 12/13, sendo a deterioração cognitiva indicada pela pontuação de 12 ou menos2121. Cerqueira ATAR. Deterioração cognitiva e depressão. In: Lebrão ML, Duarte YAO. O Projeto Sabe no município de São Paulo: uma abordagem inicial. Brasília: OPAS; 2003.. A aplicação de pontos de corte mais elevados possibilita aumentar a sensibilidade da escala para detecção de um número maior de casos, considerando que o MEEM é um instrumento de rastreio do comprometimento cognitivo2222. Almeida OP. Mini exame dos estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 1998; 56(3B): 605-12..

O sexo feminino apresentou maior prevalência de déficit cognitivo, conforme já foi descrito em outros trabalhos1616. Machado JC, Ribeiro RCL, Leal PFG, Cotta RMM. Avaliação do declínio cognitivo e sua relação com as características socioeconômicas dos idosos em Viçosa-MG. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4): 592-605. , 2323. Santos CS, Cerchiari EAN, Alvarenga MRM, Faccenda O, Oliveira MAC. Avaliação da confiabilidade do Mini-Exame do Estado Mental em idosos e associação com variáveis sociodemográficas. Cogitare Enferm 2010; 15(3): 406-12. , 2424. Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos JLF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Diferenciais socioeconômicos e de saúde entre duas comunidades de idosos longevos. Rev Saúde Pública 2011; 45(2): 10.. A maior expectativa de vida para mulheres no Brasil contribui para esta realidade. Em 2010, a expectativa de vida para homens era 69,7 anos, enquanto que para mulheres era de 77,3 anos2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Tábuas Completas de Mortalidade - 2010. Rio de Janeiro: 2010. Disponivel em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2010/default.shtm. (Acessado em 15 de julho de 2012).
Disponivel em: http://www....
. Além do mais, assim como este estudo evidenciou maior comprometimento cognitivo nas maiores faixas etárias, outros autores já averiguaram que a prevalência aumenta conforme o avançar da idade2121. Cerqueira ATAR. Deterioração cognitiva e depressão. In: Lebrão ML, Duarte YAO. O Projeto Sabe no município de São Paulo: uma abordagem inicial. Brasília: OPAS; 2003. , 2424. Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos JLF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Diferenciais socioeconômicos e de saúde entre duas comunidades de idosos longevos. Rev Saúde Pública 2011; 45(2): 10. , 2626. Herrera Jr E, Caramelli P, Nitrini R. Estudo epidemiológico populacional de demência na cidade de Catanduva, estado de São Paulo, Brasil. Rev Psiquiatr Clín 1998; 25(2): 70-3..

A cor da pele preta mostrou maior prevalência de déficit cognitivo. Não foram encontrados trabalhos que comprovem tal relação. Porém, um fator contribuinte para as maiores prevalências em indivíduos de cor de pele preta é a escolaridade dos mesmos. Entre os idosos, em 2010, metade da população possuía menos de quatro anos de estudo55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro; 2010..

As prevalências por escolaridade confirmam que quanto maior a escolaridade do indivíduo, melhor é o seu desempenho no MEEM2727. Diniz BSO, Volpe FM, Tavares AR. Nível educacional e idade no desempenho no Miniexame do Estado Mental em idosos residentes na comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2007; 34(1): 13-7.. Entre idosos de um serviço de referência em atenção ao idoso, a média de pontos no MEEM também se apresentou maior quanto mais escolarizado o idoso2828. Paulo DLV, Yassuda MS. Queixas de memória de idosos e sua relação com escolaridade, desempenho cognitivo e sintomas de depressão e ansiedade. Rev Psiquiatr Clín 2010; 37(1): 23-6., assim como entre idosos de um estudo de base populacional em Minas Gerais2929. Valle EA, Castro-Costa E, Firmo JOA, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional dos fatores associados ao desempenho no Mini Exame do Estado Mental entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2009; 25(4): 918-26..

Em relação às classes econômicas, a probabilidade para déficit cognitivo aumenta para as classes mais baixas. Outro trabalho que avaliou nível econômico através da renda per capita demonstrou que a prevalência de déficit cognitivo é maior entre aqueles que recebem de 0,6 a 1 salário mínimo3030. Alvarenga MRM. Avaliação da capacidade funcional, do estado de saúde e da rede de suporte social do idoso atendido na Atenção Básica [tese de doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2008.. Logo, indivíduos em situação econômica menos favorável apresentam mais risco para comprometimento cognitivo.

Quanto ao plano de saúde, foi encontrada menor probabilidade para déficit quando os idosos eram cobertos por algum plano de saúde na análise bruta. Após ajuste, a associação não permaneceu apresentando um valor p limítrofe. Não obstante, a possível proteção desse indicador socioeconômico evidencia uma iniquidade em saúde preocupante, uma vez que, no Brasil, em 2008, 70,3% dos indivíduos de 65 anos e mais dependiam do atendimento em serviços públicos de saúde3131. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Um panorama da saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro; 2010..

A depressão entre os idosos aumentou o risco para comprometimento cognitivo. Já foi verificado que os idosos com comprometimento cognitivo são mais deprimidos, numa razão de chances de 1,81 em relação àqueles sem déficit cognitivo3232. Lima MTR, Silva RS, Ramos LR. Fatores associados à sintomatologia depressiva numa coorte urbana de idosos. J Bras Psiquiatr 2009; 58(1): 1-7.. Outro estudo conclui que idosos diagnosticados com depressão apresentam alterações cognitivas e funcionais importantes3333. Ávila R, Bottino CMC. Atualização sobre alterações cognitivas em idosos com síndrome depressiva. Rev Bras Psiquiatr 2006; 28(4): 316-20..

Embora os problemas cardiovasculares sejam considerados fortes fatores associados à demência e ao mal de Alzheimer3434. World Health Organization. Dementia: a public health priority. Geneva; 2012., essa relação com o déficit cognitivo ainda não está bem esclarecida. Um estudo com 99 idosos portadores de déficit cognitivo não encontrou associação significativa naqueles com idade entre 65 e 79 anos; no entanto, entre os mais idosos houve associação inversa de grande magnitude1717. Cavalini LT, Chor D. Inquérito sobre hipertensäo arterial e déficit cognitivo em idosos de um serviço de geriatria. Rev Bras Epidemiol 2003; 6(1): 7-17.. Entre os idosos de uma comunidade em município do Estado de São Paulo, a associação também não foi encontrada3535. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010; 37(2): 52-6..

Os idosos com dependência para AIVD tiveram mais probabilidade de apresentar déficit cognitivo. Um estudo realizado em um município baiano com 222 mulheres concluiu que idosas com prejuízo na função cognitiva possuíam 4,4 vezes mais chances para incapacidades na realização das AIVD em relação às que não possuíam prejuízo cognitivo, mesmo quando controladas para a realização de atividades físicas de lazer no passado3636. Virtuoso Júnior JS, Guerra RO. Incapacidade funcional em mulheres idosas de baixa renda. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(5): 2541-48.. Outro estudo, conduzido com idosos atendidos por equipes da Estratégia de Saúde da Família em Goiânia, verificou que um dos fatores associados estatisticamente significante para dependência nas AIVD foi o déficit cognitivo (RP = 1,76)3737. Nunes DP, Nakatani AYK, Silveira EA, Bachion MM, Souza MR. Capacidade funcional, condições socioeconômicas e de saúde de idosos atendidos por equipes de Saúde da Família de Goiânia (GO, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(6): 2887-98..

O MEEM é universalmente utilizado no rastreamento de déficit cognitivo, entretanto apresenta um sério viés educacional e, ao ser aplicado em populações com baixa escolaridade, os resultados podem superestimar a prevalência do problema. Por outro lado, em populações com alta escolaridade, o teste pode não detectar o déficit.

O delineamento utilizado não permite a realização de inferência causal em algumas associações como, por exemplo, déficit cognitivo com AIVD e problema cardiovascular. Não obstante, a representatividade da população-alvo do estudo, o uso de instrumento validado para mensuração do desfecho e a redução de vieses devido aos critérios metodológicos empregados são fortalezas que ratificam os resultados encontrados.

Conclusão

Os fatores associados ao déficit cognitivo foram sexo feminino, maior faixa etária, cor de pele preta e amarela/parda/indígena, menor escolaridade, classe econômica mais baixa, sem aposentadoria, presença de depressão e AIVD. Esse perfil designa idosos que mais frequentemente devem ser avaliados para comprometimento cognitivo.

A alta influência da escolaridade no déficit cognitivo evidencia iniquidades em saúde que devem ser minimizadas com maiores incentivos políticos e financeiros para o aumento da permanência dos indivíduos na escola e consequente incremento nos anos de estudo.

O envelhecimento é um processo natural no qual são esperadas progressivas limitações funcionais. Identificar quando essas limitações decorrem de patologias é importante na avaliação de saúde do idoso. Nesse sentido, o estudo demonstra às equipes de saúde que o Miniexame do Estado Mental é um instrumento com potencial para detecção do déficit cognitivo entre os idosos e de fácil aplicação. Assim, possibilita qualificar o atendimento e implementar o cuidado ao idoso na área de abrangência dos serviços de atenção básica, o que irá repercutir na prevenção e promoção da independência e autonomia dos sujeitos.

References

  • 1
    Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS; 2005.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília; 2006.
  • 3
    Areosa SVC, Areosa AL. Envelhecimento e dependência: desafios a serem enfrentados. Textos & Contextos 2008; 7(1): 138-50.
  • 4
    Pasinato MTM. Envelhecimento, ciclo de vida e mudanças socioeconômicas: novos desafios para os sistemas de seguridade social [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2009.
  • 5
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro; 2010.
  • 6
    Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 548-54.
  • 7
    Nitrini R, Caramelli P, Herrera Jr E, Bahia VS, Caixeta LF, Radanovic M, et al. Incidence of dementia in a community-dwelling Brazilian population. Alzheimer Dis Assoc Disord 2004; 18(4): 241-6.
  • 8
    Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2): 15.
  • 9
    American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - IV - TR). 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.
  • 10
    Neto JG, Tamelini MG, Forlenza OV. Diagnóstico diferencial das demências. Rev Psiq Clín 2005; 3(32): 119-30.
  • 11
    Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestöes para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(3B): 777-81.
  • 12
    Lourenço RA, Veras RP. Mini-Exame do Estado Mental: características psicométricas em idosos ambulatoriais. Rev Saúde Pública 2006; 40(4): 712-9.
  • 13
    Sheikh J, Yesavage J. Geriatric Depression Scale (GDS): Recent evidence and development of a shorter version. New York: Hayworth; 1986.
  • 14
    Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969; 9(3): 179-86.
  • 15
    Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(21).
  • 16
    Machado JC, Ribeiro RCL, Leal PFG, Cotta RMM. Avaliação do declínio cognitivo e sua relação com as características socioeconômicas dos idosos em Viçosa-MG. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4): 592-605.
  • 17
    Cavalini LT, Chor D. Inquérito sobre hipertensäo arterial e déficit cognitivo em idosos de um serviço de geriatria. Rev Bras Epidemiol 2003; 6(1): 7-17.
  • 18
    Ursine PGS, Cordeiro HA, Moraes CL. Prevalência de idosos restritos ao domicílio em região metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(6): 10.
  • 19
    Medeiros FL, Xavier AJ, Schneider IJC, Ramos LR, Sigulem D, d'Orsi E. Inclusão digital e capacidade funcional de idosos residentes em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil (EpiFloripa 2009-2010). Rev Bras Epidemiol 2012; 15(1): 106-22.
  • 20
    Icaza MG, Albala C. Minimental State Examinations (MMSE) del estudio de demencia en Chile: análisis estadístico. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 1999.
  • 21
    Cerqueira ATAR. Deterioração cognitiva e depressão. In: Lebrão ML, Duarte YAO. O Projeto Sabe no município de São Paulo: uma abordagem inicial. Brasília: OPAS; 2003.
  • 22
    Almeida OP. Mini exame dos estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 1998; 56(3B): 605-12.
  • 23
    Santos CS, Cerchiari EAN, Alvarenga MRM, Faccenda O, Oliveira MAC. Avaliação da confiabilidade do Mini-Exame do Estado Mental em idosos e associação com variáveis sociodemográficas. Cogitare Enferm 2010; 15(3): 406-12.
  • 24
    Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos JLF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Diferenciais socioeconômicos e de saúde entre duas comunidades de idosos longevos. Rev Saúde Pública 2011; 45(2): 10.
  • 25
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Tábuas Completas de Mortalidade - 2010. Rio de Janeiro: 2010. Disponivel em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2010/default.shtm. (Acessado em 15 de julho de 2012).
    » Disponivel em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2010/default.shtm
  • 26
    Herrera Jr E, Caramelli P, Nitrini R. Estudo epidemiológico populacional de demência na cidade de Catanduva, estado de São Paulo, Brasil. Rev Psiquiatr Clín 1998; 25(2): 70-3.
  • 27
    Diniz BSO, Volpe FM, Tavares AR. Nível educacional e idade no desempenho no Miniexame do Estado Mental em idosos residentes na comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2007; 34(1): 13-7.
  • 28
    Paulo DLV, Yassuda MS. Queixas de memória de idosos e sua relação com escolaridade, desempenho cognitivo e sintomas de depressão e ansiedade. Rev Psiquiatr Clín 2010; 37(1): 23-6.
  • 29
    Valle EA, Castro-Costa E, Firmo JOA, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional dos fatores associados ao desempenho no Mini Exame do Estado Mental entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2009; 25(4): 918-26.
  • 30
    Alvarenga MRM. Avaliação da capacidade funcional, do estado de saúde e da rede de suporte social do idoso atendido na Atenção Básica [tese de doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2008.
  • 31
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Um panorama da saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro; 2010.
  • 32
    Lima MTR, Silva RS, Ramos LR. Fatores associados à sintomatologia depressiva numa coorte urbana de idosos. J Bras Psiquiatr 2009; 58(1): 1-7.
  • 33
    Ávila R, Bottino CMC. Atualização sobre alterações cognitivas em idosos com síndrome depressiva. Rev Bras Psiquiatr 2006; 28(4): 316-20.
  • 34
    World Health Organization. Dementia: a public health priority. Geneva; 2012.
  • 35
    Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010; 37(2): 52-6.
  • 36
    Virtuoso Júnior JS, Guerra RO. Incapacidade funcional em mulheres idosas de baixa renda. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(5): 2541-48.
  • 37
    Nunes DP, Nakatani AYK, Silveira EA, Bachion MM, Souza MR. Capacidade funcional, condições socioeconômicas e de saúde de idosos atendidos por equipes de Saúde da Família de Goiânia (GO, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(6): 2887-98.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2012
  • Revisado
    03 Jan 2013
  • Aceito
    06 Mar 2013
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br