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Fatores associados à dor musculoesquelética em professores: Aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho

Resumos

INTRODUÇÃO:

A dor musculoesquelética se apresenta como uma das queixas mais frequentes entre professores, comprometendo sua saúde e qualidade de vida.

OBJETIVO:

Estimar a prevalência de dor musculoesquelética em professores, avaliando a sua ocorrência segundo aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho.

MÉTODOS:

Estudo exploratório do tipo corte transversal realizado com 525 professores. Durante as atividades de educação continuada, os professores responderam a um questionário autoaplicável contendo questões sobre fatores sociodemográficos, saúde geral, bem-estar no trabalho e dor musculoesquelética.

RESULTADOS:

A prevalência global de dor musculoesquelética foi de 73,5%. As dores musculoesqueléticas mais frequentes localizaram-se nos ombros (31,6%), parte superior das costas (27,8%), pescoço (27,2%) e tornozelos e/ou pés (24,0%). Problemas circulatórios e respiratórios e Transtornos Mentais Comuns mostraram-se associados às dores nos ombros, superior de costas, pescoço e tornozelos e/ou pés. Bem-estar no trabalho está associado às dores nos ombros, pescoço e tornozelos e/ou pés

CONCLUSÃO:

É necessário aprofundar o conhecimento sobre a dor musculoesquelética em professores, explorando os mecanismos biológicos, ergonômicos, ocupacionais e psicossociais do trabalho docente, bem como investir em práticas que melhorem a relação de convivência entre os trabalhadores e em atividades que aumentem o conforto e diminuam a dor referida.

Trabalho; Saúde do trabalhador; Sistema osteomuscular; Dor musculoesquelética; Ensino; Docentes


INTRODUCTION:

Musculoskeletal pain is one of the most frequent complaints among teachers, compromising their health and quality of life.

OBJECTIVE:

To estimate the prevalence of musculoskeletal pain among teachers, assessing their occurrence according to sociodemographic characteristics, general health and well-being at work.

METHODS:

An exploratory cross-sectional study conducted with 525 teachers. During activities of continuing education, the teachers completed a self-administered questionnaire containing questions about sociodemographic factors, general health, well-being at work and musculoskeletal pain.

RESULTS:

The overall prevalence of musculoskeletal pain was equal to 73.5%. The most common musculoskeletal pains were localized in the shoulders (31.6%), upper back (27.8%), neck (27.2%) and ankles and/or feet (24.0%). Circulatory and respiratory problems and Common Mental Disorders were associated with pain in the shoulders, upper back, neck and ankles and/or feet. Well- being at work is associated with pain in the shoulders, neck and ankles and/or feet.

CONCLUSION:

It is necessary to deepen the knowledge about musculoskeletal pain among teachers, exploring the biological, ergonomic, occupational and psychosocial mechanisms of teaching, as well as invest in practices that improve the relationship of coexistence between workers and activities that enhance the comfort and reduce referred pain.

Work; Occupational health; Musculoskeletal system; Musculoskeletal pain; Teaching; Faculty


INTRODUÇÃO

O trabalho tem sido amplamente descrito como um fator determinante da qualidade de vida. Além de prover recursos materiais, o trabalho ajuda a definir a identidade do sujeito e o seu papel na sociedade, oferecendo oportunidade de controle pessoal, uso de habilidades, construção de metas e contato social que influenciam a saúde e o bem-estar do trabalhador1Warr PB. Work, happiness and unhappiness. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 2007..

Assim como em outras atividades profissionais, o comprometimento da saúde dos professores pode estar associado as suas condições de trabalho. As principais causas de adoecimento e afastamento do trabalho estão ligadas a ocorrência de transtornos mentais e comportamentais, doenças respiratórias e dor musculoesquelética (DME)2Vedovato TG, Monteiro MI. Perfil sociodemográfico e condições de saúde e trabalho dos professores de nove escolas estaduais paulistas. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(2): 290-7. , 3Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa. 2005; 31(2): 189-99.. Esta última é referida como um dos problemas mais frequentes entre docentes, sendo verificada correlação da sua presença com o comprometimento da qualidade de vida4Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho docente e dor musculoesquelética. Cad Saúde Pública, 2011; 27(8): 1498-506.

Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84.
- 6Carvalho AJFP, Alexandre NMC. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter 2006; 10(1): 35-41..

Entre professores do ensino fundamental, estudos apontam a alta prevalência de DME, sendo esta mais frequente nas regiões lombar, torácica, cervical, ombros, punhos e mãos6Carvalho AJFP, Alexandre NMC. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter 2006; 10(1): 35-41. , 7Delcor NS, Araújo TM, Reis EJFB, Porto LA, Carvalho FM, Silva MO, et al. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Publica 2004; 20(1): 187-96..

Considerarmos que a DME é multifatorial e que aspectos sociodemográficos, características individuais, estilo de vida e condições de trabalho são fatores que podem contribuir para o desenvolvimento ou agravamento da dor8Barros ENC, Alexandre NMC. Cross-cultural adaptation of Nordic musculoskeletal questionnaire. Int Nurs Rev 2003; 50(2): 101-8. , 9Lemos LC, Marqueze EC, Moreno CRC. Prevalência de dores musculoesqueléticas em motoristas de caminhão e fatores associados. Rev Bras Saúde Ocup 2014; 39(129): 26-34., este estudo tem o objetivo de estimar a prevalência de dor musculoesquelética em professores, avaliando a sua ocorrência segundo aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho.

MÉTODOS

Este estudo faz parte de uma pesquisa intitulada Condições de trabalho e saúde do professor. Trata-se de um estudo transversal exploratório realizado entre os meses de agosto e outubro de 2011 com professores do ensino infantil e fundamental da rede municipal de ensino de Jaboatão dos Guararapes. O município compõe a Região Metropolitana do Recife, capital do Estado de Pernambuco, com área de aproximadamente 259 mil km2, população 645 mil habitantes e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) igual a 0,7171010 IBGE Cidades. Disponível emhttp://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=260790 (Acesso em09 agosto de 2013).
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/p...
.

A coleta de dados foi feita durante as atividades obrigatórias de educação continuada, promovidas pela secretaria de educação do município para todos os professores da rede. Todos os professores foram convidados a participar do estudo. Após apresentação do grupo de pesquisa, os professores que concordaram em participar, responderam a um questionário autoaplicável contendo questões sobre aspectos sociodemográficos, condições de trabalho, saúde geral, transtornos mentais comuns e bem-estar no trabalho.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa Statcalc do Epi Info (versão 6.04) e levou em consideração uma prevalência de dor musculoesquelética de 55%4Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho docente e dor musculoesquelética. Cad Saúde Pública, 2011; 27(8): 1498-506., erro máximo de 5% para um nível de significância de 95%. Foi feito um acréscimo de 10% para compensar eventuais perdas ou incompletude dos questionários, o que resultou em um tamanho amostral mínimo de 356 sujeitos. Contudo, devido à grande adesão ao estudo, a amostra final foi de 525 professores.

Para construir a variável bem-estar no trabalho (BET), foi utilizada uma adaptação da Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET) validada por Paschoal e Tamayo1111 Paschoal T, Tamayo A. Construção e validação da escala de bem estar no trabalho. Aval Psicol 2008; 7(1): 11-22.. O referido instrumento considera as dimensões afetivas (afetos positivos e negativos) e de realização/expressividade para avaliar o bem-estar no trabalho. Entretanto, tomando como a base a compreensão de que é a dimensão afetiva o aspecto central desse construto1212 Daniels K. Measures of five aspects of affective well-being at work. Hum Relat 2000; 53(2): 275-94.

13 Horn JE, Taris TW, Schaufeli WB, Schreurs PJG. The structure of occupational well-being: a study among Dutch teachers. J Occup Organ Psychol 2004; 77: 365-75.
- 1414 Paschoal T, Torres CV, Porto JB. Felicidade no trabalho: relações com suporte organizacional e suporte social. Rev Adm Contemp 2010; 14(6): 1054-72., este estudo utiliza apenas as dimensões afeto positivo e afeto negativo da EBET para compor a variável BET. Foi feito o somatório dos valores dos 9 itens de afeto positivo e dos 12 itens de afeto negativo e considerados os tercis para compor BET baixo e BET Moderado/alto.

A DME foi autorreferida pelos professores mediante a seguinte questão: "nos últimos sete dias, você sentiu dor em que partes do corpo?". O pesquisado poderia marcar uma ou mais opções entre as listadas: Não senti dor, pescoço, ombros, parte superior das costas, cotovelos, punhos e/ou mãos, parte inferior das costas, quadril e/ou coxa, joelhos, tornozelos e/ou pés, outra parte do corpo. Considerou-se o pesquisado sem DME quando foi marcada a opção "Não senti dor" e com DME quando foi marcada ao menos uma das demais opções.

A variável Transtornos Mentais Comuns (TMC) foi composta utilizando o Self Reporting Questionnaire (SRQ20)1515 Goldberg D, Huxley P. Commom mental disorders: a bio-social model. London: Tavistock; 1992.. As respostas positivas foram somadas e utilizou-se o ponto de corte 6/7, ou seja, 0 a 6 = não suspeito e 7 ou mais = suspeito.

O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado dividindo o peso pelo quadrado da altura. As medidas de peso e altura foram autorreferidas pelos pesquisados. Variáveis contínuas como idade e tempo de trabalho como professor foram categorizadas.

A análise de dados foi realizada utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS - v. 9.0). Inicialmente, foram descritas as frequências das variáveis. Os tipos de dor musculoesquelética mais frequentes (p > 20%) foram selecionados para a análise bivariada. Para analisar a associação entre dor musculoesquelética e demais variáveis, foi calculada a Razão de Prevalência e os respectivos intervalos de confiança (IC95%).

Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no qual eram explicados os objetivos da pesquisa e as informações que seriam solicitadas, sendo garantida a confidencialidade das informações obtidas. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (Processo n° 008/2011).

RESULTADOS

Dos 525 professores que participaram do estudo, a maioria é do sexo feminino (86,1%) e refere a cor da pele parda ou negra (72,2%). A idade dos professores é maior ou igual a 40 anos (57,0%) e estes atuam como docentes no período de até 10 anos (58,3%). A escolaridade predominante é a pós-graduação (53,5%), dividida entre especialização (51,0%) e mestrado/doutorado (2,5%). Ao considerarmos a soma de toda a renda mensal da residência e a quantidade de pessoas que dependem desta renda, observou-se uma renda per capta nos domicílios dos professores de até 1.000,00 reais (79,6%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição da população do estudo segundo variáveis sociodemográficas e relacionadas ao trabalho.

Os cinco problemas de saúde mais frequentemente relatados são, respectivamente, os problemas vocais (49,9%), alergias (47,5%), transtornos mentais comuns (37,1%), problemas circulatórios (36,0%) e problemas digestivos (32,0%). O sobrepeso ou pré-obesidade está presente em 25,7% dos professores. A maioria dos sujeitos refere não consumir bebida alcoólica (62,5%) e não fumar (90,1%). O BET é considerado moderado ou alto por 61,3% dos pesquisados (Tabela 2).

Tabela 2.
Descrição da população do estudo segundo variáveis relacionadas a saúde e bemestar no trabalho.

A prevalência de dor musculoesquelética foi de 73,5% (386 professores). Destes, 152 (29,0%) tinham apenas uma queixa de dor, 151 (28,8%) tinham duas ou três queixas e 83 (15,9%) tinham mais de três queixas. A localização da dor musculoesquelética mais frequente é nos ombros (31,6%), na parte superior das costas (27,8%), pescoço (27,2%), tornozelos e/ou pés (24,0%) (Tabela 3).

Tabela 3.
Descrição da população do estudo segundo dor musculoesquelética autorreferida.

A dor no ombro mostrou-se associada estatisticamente a alergias (Razão de Prevalência - RP = 1,27), problemas digestivos (RP = 1,38), problemas circulatórios (RP = 1,24), problemas vocais (RP = 1,34), problemas respiratórios (RP = 1,29), TMC (RP = 1,42) e BET (RP = 1,53). A dor na parte superior das costas apresentou associação estatística com o sexo (RP = 1,98), cor da pele (RP = 1,14), alergias (RP = 1,17), problemas digestivos (RP = 1,19), problemas circulatórios (RP = 1,24), problemas vocais (RP = 1,36), problemas respiratórios (RP = 1,20), TMC (RP = 1,23), IMC (RP = 1,15) e tabagismo (RP = 1,37). (Tabelas 4 e 5)

Tabela 4.
Associação das variáveis sociodemográficas e relacionadas ao trabalho com dor musculoesquelética autorreferida na região dos ombros, superior das costas, pescoço e tornozelos e/ou pés.
Tabela 5.
Associação das variáveis relacionadas à saúde e bem estar no trabalho com dor musculoesquelética autorreferida na região dos ombros, superior das costas, pescoço e tornozelos e/ou pés.

A dor no pescoço está associada estatisticamente ao sexo (RP = 1,76), cor da pele (RP = 1,10), alergias (RP = 1,29), problemas digestivos (RP = 1,30), problemas circulatórios (RP = 1,30), problemas vocais (RP = 1,31), problemas respiratórios (RP = 1,32), TMC (RP = 1,58) e BET (RP = 1,44). A dor nos tornozelos e/ou pés mostrou associação com tempo de trabalho como professor (RP = 1,10), problemas circulatórios (RP = 1,37), problemas respiratórios (RP = 1,30), TMC (RP = 1,23) e BET (RP = 1,86) (Tabelas 4 e 5).

DISCUSSÃO

Estudos realizados com professores do ensino fundamental e médio no Brasil mostraram resultados referentes a dados sociodemográficos e de trabalho (sexo, cor da pele, faixa etária, renda e tempo de trabalho) semelhantes aos relatados neste estudo (Tabela 1)2Vedovato TG, Monteiro MI. Perfil sociodemográfico e condições de saúde e trabalho dos professores de nove escolas estaduais paulistas. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(2): 290-7. , 5Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84. , 1616 Araujo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educ Soc 2009; 30(107): 427-49.

17 Ceballos AGC, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFBD. Auditory vocal analysis and factors associated with voice disorders among teachers. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 285-95.
- 1818 Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18(3): 837-46..

Quanto ao nível escolaridade, vale destacar que pouco mais da metade dos professores estudados são pós-graduados. Diferente de relatórios e estudos mais antigos que mostravam a baixa escolaridade do professor brasileiro, percebe-se que o percentual de professores pós-graduados tem se mostrado crescente: 15,12Vedovato TG, Monteiro MI. Perfil sociodemográfico e condições de saúde e trabalho dos professores de nove escolas estaduais paulistas. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(2): 290-7., 30,41919 Araújo TM, Reis EJFB, Carvalho FM, Porto LA, Reis IC, Andrade JM. Fatores associados a alterações vocais em professores. Cad Saúde Pública 2008; 24(6): 1229-38., 42,45Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84. e 59,0%1818 Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18(3): 837-46.. Sobre a população deste estudo, e possível pensar que uma lei promulgada no Município em 200220, estabelecendo o plano de cargos, carreira e remuneração do grupo ocupacional do magistério, tenha estimulado os professores a buscar cursos de pós-graduação devido à progressão funcional e consequente aumento da remuneração.

Quanto à morbidade, dentre as principais queixas relatadas, problemas vocais, transtornos mentais e comportamentais, doenças do aparelho respiratório, circulatório e digestivo destacaram-se entre os docentes. Os resultados obtidos nesta investigação corroboram com outros estudos, reforçando as similaridades envolvendo o trabalho docente e a situação de saúde desses profissionais em diversas áreas no País2Vedovato TG, Monteiro MI. Perfil sociodemográfico e condições de saúde e trabalho dos professores de nove escolas estaduais paulistas. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(2): 290-7. , 5Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84. , 1616 Araujo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educ Soc 2009; 30(107): 427-49. , 1717 Ceballos AGC, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFBD. Auditory vocal analysis and factors associated with voice disorders among teachers. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 285-95..

Quanto à dor musculoesquelética, a prevalência no presente estudo (73,5%) alcançou valor intermediário ao encontrado em outras pesquisas (55,04Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho docente e dor musculoesquelética. Cad Saúde Pública, 2011; 27(8): 1498-506., 63,25Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84. e 90,4%6Carvalho AJFP, Alexandre NMC. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter 2006; 10(1): 35-41.), evidenciando a relevância deste tipo de dor no âmbito do trabalho docente. Contudo, considerando como limitação do estudo o chamado "efeito do trabalhador sadio", é possível que as queixas de dores musculoesqueléticas estejam subestimadas. Ou seja, os mais queixosos e doentes podem estar afastados das suas atividades de trabalho, ausentes ou estejam licenciados por motivos de saúde.

Outro fator a considerar no estudo da prevalência da dor é quanto a mensuração da própria variável, pois, embora existam algumas escalas de medida de uso geral (escala verbal, numérica, de faces) e de uso clínico (multidimensional de McGill2121 Pimenta CAM, Teixeira MJ. Questionário da dor McGill: proposta de adaptação para a língua portuguesa. Rev Esc Enferm USP 1996; 30(3): 473-83. e de analgesia da OMS2222 Rabelo ML, Borella, MLL. Papel do farmacêutico no seguimento farmacoterapêutico para o controle da dor de origem oncológica. Rev Dor 2013; 14(1): 58-60.), a dor é sempre autorreferida e, desta forma, sua medida pode ser influenciada por aspectos subjetivos do pesquisado, maximizando ou minimizando a sua percepção.

Quanto as regiões corporais de maior ocorrência de DME, os resultados desta pesquisa apresentaram similaridade com estudos anteriores5Fernandes MH, Rocha VM; Fagundes AAR. Impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida de professores. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(2): 276-84.

Carvalho AJFP, Alexandre NMC. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter 2006; 10(1): 35-41.
- 7Delcor NS, Araújo TM, Reis EJFB, Porto LA, Carvalho FM, Silva MO, et al. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Publica 2004; 20(1): 187-96.. Embora a relação entre a DME e as condições de trabalho docente não tenha sido objeto deste trabalho, é importante destacar que outros estudos afirmam que as condições de trabalho são fatores determinantes do comprometimento da saúde docente. A prevalência de DME está relacionada a variáveis do trabalho docente, como tempo de trabalho, número de alunos por turma, carga horária semanal, esforço físico, calor, mobiliário, alta demanda e baixa capacidade de decisão4Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho docente e dor musculoesquelética. Cad Saúde Pública, 2011; 27(8): 1498-506. , 2323 Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(4): 604-14.

As condições nas quais se operacionaliza o trabalho de educadores podem constituir fonte de desgaste pessoal com consequente comprometimento da percepção do bem-estar no trabalho2424 Souza AN, Leite MP. Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educ Soc 2011; 32(117): 1105-21.

25 Oliveira ESG. O "mal estar docente" como fenômeno da modernidade: os professores no país das maravilhas. Ciência & Cognição 2006; 7: 27-41.
- 2626  26. SantosGB.. Bem estar e condições de trabalho de professores do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco dissertação Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2013 . . Nesta investigação, mais de um terço dos docentes apresentou baixos níveis de BET. Dor no pescoço, nos ombros, tornozelos/pés mostraram associação positiva com baixo BET similar a outros achados que apontam que dores na região do pescoço, ombros, mãos e punhos e parte inferior das costas são significativamente menores em indivíduos com alto nível de bem-estar quando comparados aqueles com baixo nível2727 Lindfors P, Lundberg U. Is low cortisol release an indicator of positive health? Stress and Health 2002; 18(4): 153-60..

Outro estudo, avaliando BET em educadoras do ensino primário e secundário, verificou que os três sintomas mais citados na investigação foram dor no pescoço e área do ombro, na região inferior das costas e dor de cabeça. Também observou que as docentes mais velhas (48 - 55 anos) apresentavam tendência a maiores níveis de exaustão emocional no trabalho, com resultados negativos sobre o bem-estar2828 Santavirta N, Kovero C, Solovieva S. Psychosocial work environment, well being and emotional exhaustion. A study comparing five age groups of female workers within the human sector. International Congress Series 2005; 1280: 130-35..

Ainda que os mecanismos biológicos relacionando emoções e humores à situação de saúde não sejam totalmente conhecidos, estudos têm mostrado evidências crescentes de que estados afetivos podem afetar a saúde através de alterações no funcionamento do sistema nervoso central, imunológico, endócrino e cardiovascular2929 Steptoe A, O'Donnell K, Badrick E, Kumari M, Marmot M. Neuroendocrine and In?ammatory Factors Associated with Positive Affect in Healthy Men and Women. Am J Epidemiol 2008; 167: 96-102.

30 Kiecolt-Glaser JK, McGuire L, Robles TF, Glaser R. Emotions, Morbidity, and Mortality: New Perspectives from Psychoneuroimmunology. Annu Rev Psychol 2002; 53: 83-107.
- 3131 Steptoe A, Wardle J, Marmot M. Positive affect and health-related neuroendocrine, cardiovascular, and inflammatory processes. PNAS 2005; 102(18): 6508-12.. Nesse sentido, os TMC se mostraram associados a todos os quatro tipos de dor pesquisados neste estudo. É possível imaginar ainda que pessoas com estados depressivos e ansiosos possam ter a sensibilidade a dor acentuada e apresentar maior número de queixas de saúde.

Ao considerar a associação do BET e de TMC com a dor musculoesquelética, estudos tem demonstrado que as emoções negativas decorrentes de estados depressivos, ansiedade, raiva e hostilidade acentuam o risco de ataque cardíaco, perda mineral óssea e perda da força muscular, aumento dos níveis de cortisol e aumento da secreção de citosinas proinflamatórias30, enquanto que as emoções ou afetos positivos repercutem em menores níveis de cortisol, menor frequência cardíaca, menor estresse psicológico e depressão e menor secreção de marcadores inflamatórios2929 Steptoe A, O'Donnell K, Badrick E, Kumari M, Marmot M. Neuroendocrine and In?ammatory Factors Associated with Positive Affect in Healthy Men and Women. Am J Epidemiol 2008; 167: 96-102. , 3131 Steptoe A, Wardle J, Marmot M. Positive affect and health-related neuroendocrine, cardiovascular, and inflammatory processes. PNAS 2005; 102(18): 6508-12., o que poderia explicar a relação entre as variáveis estudadas.

Embora este estudo concorde com as afirmativas do parágrafo anterior, devido à limitação inerente ao próprio desenho transversal, não é possível traçar uma sequência temporal que demonstre o desenvolvimento da dor musculoesquelética na medida em que o bem-estar seja alterado, o que requer outros estudos para maior aprofundamento da problemática.

Uma vez considerada a presença de DME em relação as variáveis sócio-demográficas e relacionadas ao trabalho para as regiões do corpo, este estudo mostrou associação da idade com dor na região do pescoço e tornozelo e/ou pés, sendo esta última também associada ao tempo de trabalho maior que 10 anos. Um outro estudo observou que DME no dorso, membros superiores e membros inferiores associavam-se positivamente a tempo de trabalho maior que 5 anos2323 Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(4): 604-14; assim, é possível pensar que o aumento da idade e o consequente aumento do tempo de atuação como professor levem ao acúmulo de situações de desgaste que podem contribuir, ao longo do tempo, com o surgimento de sintomas musculoesqueléticos e acarretem mais dor ao docente.

A dor musculoesquelética pode ser de origem traumática, inflamatória, isquêmica, tumoral ou por sobrecarga funcional, sendo agravada ou atenuada pelo fator emocional. Assim, vários pontos de discussão podem ser levantados na tentativa de explicar a associação entre a DME em professores e fatores como alergias, problemas circulatórios, respiratórios, vocais e digestivos e ainda sobrepeso/obesidade e tabagismo.

Embora esta pesquisa tenha sido apresentada aos docentes como um estudo sobre saúde geral e não especificamente sobre dor musculoesquelética ou bem-estar no trabalho e tenha incluído todos os professores da rede municipal de ensino do local pesquisado, sendo registradas apenas 4 recusas, não é possível descartar completamente a possibilidade de erro sistemático na seleção dos pesquisados. Assim, é preciso explorar outros modelos de pesquisa de caráter analítico que possam apresentar maiores evidências sobre a relação entre o trabalho docente e a sua dor física.

CONCLUSÃO

As dores musculoesqueléticas são frequentemente reportadas por professores, destacando, entre elas, dores nos ombros, parte superior das costas, pescoço e tornozelos e/ou pés que são as mais frequentes e estão associadas a fatores de natureza sociodemográfica, de saúde física e mental e bem-estar no trabalho.

É necessário aprofundar o conhecimento sobre a dor musculoesquelética em professores, explorando os mecanismos biológicos, ergonômicos, ocupacionais e psicossociais do trabalho docente, bem como investir em práticas que melhorem a relação de convivência entre os trabalhadores e em atividades que aumentem o conforto no ambiente de trabalho e diminuam a dor referida.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq (processo número 475848/2010-1) pelo financiamento e a Secretaria Municipal de Educação de Jaboatão dos Guararapes pelo apoio.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento: CNPq (Edital Universal 2010, processo 475848/2010-1)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2013
  • Revisado
    15 Dez 2015
  • Aceito
    26 Dez 2014
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