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Editorial

EDITORIAL

José da Rocha Carvalheiro

Neste número retomamos uma iniciativa que já havia sido anunciada no primeiro ano de publicação da Revista Brasileira de Epidemiologia, a Seção de Debates. Introduzida, então, com um artigo de Maurício Barreto "Por uma epidemiologia da saúde coletiva". Apesar da qualidade da contribuição, não teve o sucesso esperado quanto a promover um debate. Atribuímos a falta de resposta ao desafio implícito na matéria a três fatores principais. De um lado a pouca penetração de uma nova revista, em seu segundo número do primeiro ano de existência. Acrescido do erro tático de considerar que o ineditismo de algumas das idéias expressas pelo autor seria condição suficiente para atrair debatedores, que se apresentariam espontaneamente. Finalmente a falta de um mecanismo mais ágil de divulgação em meio virtual, possibilitando a participação de debatedores em qualquer parte do mundo. No Editorial do mesmo número, anunciávamos também o debate sobre um tema que, então como agora, se encontrava na ordem do dia, a questão do "duplo estândar" de ética da pesquisa em seres humanos, no primeiro mundo e na periferia. Também não prosperou.

Desta vez, estamos retomando um tema que de certa forma incide na mesma temática do artigo de Barreto. Trata-se da contribuição de Juan Gérvas e Mercedes Pérez Fernandez, da Equipe CESCA de Madrid, Espanha, que aborda "O fundamento científico da função de filtro do médico geral". Por fundamento científico os autores consideram a contribuição hegemônica da epidemiologia. Em particular, suas reflexões a respeito dos valores preditivos (positivo e negativo) das ações do médico geral e do especialista são dignas de uma reflexão cuidadosa sobre o sentido que essas duas "estatísticas" podem dar às formas que assumem os modelos de cuidados em saúde (uma resposta social organizada às doenças e agravos). Essa análise, de certa maneira, nos remete aos textos de Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, especialmente sua tese de doutoramento na década de 80 do século passado. Refletindo sobre a dinâmica relação da clínica com a epidemiologia, Gonçalves considera que esta, entendida como tecnologia não material, é capaz de ordenar a prática da primeira: e a recíproca não é verdadeira. Num contexto brasileiro mais atual, é fundamental um mergulho nos rumos que está tomando o Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente considerando iniciativas como: o Programa de Saúde da Família (PSF) e os seus agentes comunitários, médicos, enfermeiros, odontólogos, e outros; a ação da Agência Regulatória da Saúde Suplementar (ANS) em face de planos e seguros, de operadoras e prestadores; a ênfase que se dá cada vez mais às inovações em saúde e sua difusão na prática das ações individuais e coletivas. Para obviar os equívocos da iniciativa anterior, desta vez: primeiro, a RBE já não é tão pouco conhecida, após sete anos já estamos em diversas bases, especialmente no SciELO, o que nos dá oportunidade de induzirmos o debate, pelo menos no âmbito atingido por esta rede; segundo, já encomendamos as respostas de especialistas, que publicaremos no próximo número (setembro), mantendo o canal aberto a contribuições espontâneas. O debate será mediado pelos autores do artigo seminal, publicado neste número.

Outros temas polêmicos estão sendo preparados, também para o número de setembro. O primeiro é a retomada do debate da ética da pesquisa em seres humanos, ainda desta vez mediado por Dirceu Greco. Já havíamos publicado, em número de 2003, Editorial Especial deste autor abordando a álgida questão do tratamento a oferecer aos voluntários de estudos clínicos que venham a apresentar problemas de saúde. Em particular, os que vierem a se infectar com HIV nos estudos de vacinas preventivas, que é onde a questão tem sido mais discutida. Em recente "Consulta", realizada em março de 2005, em Blantyre (Malawi), na África, em conexão com o "Global Forum on Bioethics in Research" e o "Wellcome Trust", foi produzida matriz de ações que contextualiza a provisão de cuidados e tratamento aos voluntários dos estudos e introduz uma nova abordagem ("Research Governance") para dar conta do debate sobre as "best practices". Esta matriz encontra-se numa espécie de consulta pública e as revistas com "peer review", como a nossa, estão chamadas a contribuir. O Professor Greco mediará o debate.

O segundo, que está por explodir, é a exigência de "Registro Obrigatório de Ensaios Clínicos". Esta exigência ganhou ênfase com o ultimato dado pelo Comitê de Editores das "principais" revistas da área de saúde aos laboratórios farmacêuticos: somente serão publicados, a partir de primeiro de julho deste ano, artigos científicos que tiverem sido previamente registrados em bancos públicos, tornados disponíveis a toda a sociedade. Sucessivas reuniões foram realizadas: em Nova Iorque, na Fundação Rockefeller, em outubro de 2004, na Cúpula de Ministros da Saúde, no México, em novembro do mesmo ano; em Genebra em abril de 2005 e, na seqüência, na Assembléia Mundial de Saúde, da OMS, em maio. A data fatal já foi abrandada, considerando que ensaios já em curso podem se adaptar até setembro. Diversas questões ainda estão pendentes, mas o mais importante, no contexto da América Latina, é saber que papel podemos representar: laboratórios produtores não pertencentes à "big pharma"; editores científicos da rede SciELO; e, especialmente os pesquisadores desta parte do planeta. Para este debate, o texto seminal pode ser o manifesto do "Comitê de Editores" que foi publicado em Editoriais de todas as que se consideram pertencer a uma espécie de "big medical journals". Vamos providenciar para obter a autorização para transcreve-lo no próximo número, mas desde já pode ser acessado "for free" nessas revistas.

Publicamos ainda um Editorial Especial, de autoria de especialistas em Estatísticas de Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP (Laurenti, Mello Jorge, Lebrão, Gotlieb & Almeida) "Estatísticas Vitais: contando os nascimentos e as mortes". Nele os autores comentam matéria publicada pelo Boletim da OMS, em março de 2005, que descreve uma avaliação sobre o registro de óbitos em 115 paises "que enviam dados". Em particular, chama a atenção a classificação do nosso Sistema de Informações em Mortalidade (SIM), estabelecido há quase trinta anos, entre os de 55 países classificados como de "qualidade média". Na América Latina estão nessa mesma categoria Chile, Colômbia, Costa Rica e Uruguai; alguns europeus, Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Dinamarca e Suécia, com tradição em estatísticas de saúde, também. Não estamos em tão más companhias.

No fluxo contínuo, rigorosamente comandado pelo sistema de "peer review", apresentamos neste número dez artigos originais, todos brasileiros. A maioria da Região Sudeste, sendo cinco de São Paulo, um do Rio de Janeiro e outro de Minas Gerais. Dois do Nordeste, Maranhão e Rio Grande do Norte e apenas um do Sul, Paraná. Mantendo as características de nossa tradicional composição de contribuintes: apenas um artigo de autor solitário, com média de 3,1 autores por artigo; maioria de dois terços de mulheres (20/31).

Temos trabalhos de cunho metodológico. Num deles, é abordado o mito de considerar que apenas em doenças raras se pode aproximar as estimativas de odds ratio da medida de risco relativo em estudos caso-controle. Noutro, redes neurais artificiais e regressão logística são empregados na predição da soroprevalência de hepatite A.

Outro estudo analisa resultados do Projeto "Saúde, bem-estar e envelhecimento" (SABE), no Município de São Paulo. Dá conta das "preocupantes condições de saúde dos idosos" e da insuficiência da seguridade social.

Num estudo realizado em Natal, Rio Grande do Norte, a tuberculose pulmonar tem seu diagnóstico facilitado em serviços em que a baciloscopia apresenta baixa sensibilidade por uma busca de fatores associados nos prontuários médicos. Outro, emprega informações das internações hospitalares do SUS para análise das internações por pneumoconioses em todo o Brasil nas últimas duas décadas.

As fissuras labiopalatais numa instituição de São José dos Campos, em São Paulo, são analisadas em relação ao sexo, condição socioeconômica e associação com síndromes conhecidas. Um trabalho de revisão bibliográfica procura a relação de fatores ligados ao trabalho, especialmente tipo de exposição, com distúrbios do ombro.

Um instrumento que procura obter o grau de satisfação de doadores de sangue num hemocentro de Ribeirão Preto, São Paulo, é avaliado quanto à fidedignidade. Outro trabalho cuida da análise do paradigma do pensamento quanto à deficiência e à incapacidade, ao mudar o enfoque negativo da classificação tradicional por uma perspectiva positiva do que pode ser o desempenho dos indivíduos, na nova "Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde", que faz parte da nova "família" de classificações da OMS.

Finalmente, um estudo realizado em Londrina, Paraná, analisa morbidade e mortalidade por causas externas em menores de 15 anos, com dados obtidos em prontuários de Pronto Socorro e no Sistema de Informações em Mortalidade do Município.

Tenham todos uma boa leitura.

O Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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