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Migrações internacionais no Brasil no período 2005-2010, com ênfase nos efeitos diretos e indiretos da imigração de retorno dos brasileiros

International migration in Brazil in the period 2005-2010, highlighting direct and indirect effects of Brazilian return immigration

Migraciones internacionales en Brasil en el período 2005-2010, con énfasis en los efectos directos e indirectos de la inmigración de retorno de los brasileños

Resumo

O objetivo do artigo é analisar as migrações internacionais do Brasil no período 2005-2010, com ênfase especial na imigração de retorno de brasileiros e seus efeitos indiretos, tendo como fonte o Censo Demográfico de 2010. Num primeiro momento, são examinadas as informações de imigração internacional, com base nos quesitos de última etapa e data fixa, assim como as emigrações para o exterior, a partir do novo quesito introduzido no último censo. Num segundo momento, são estimados os efeitos indiretos da imigração de retorno internacional para o Brasil. Entre os resultados, observou-se que o volume de imigrantes e emigrantes é relativamente pequeno, em relação ao tamanho da população brasileira, e a diferença entre as migrações internacionais de última etapa levaria a uma conclusão equivocada, de pequeno saldo negativo no quinquênio 2005-2010. Porém, ao se considerarem os imigrantes cuja última etapa migratória é interna e que em 2005 residiam no exterior, o saldo migratório torna-se positivo. Pode-se afirmar que as migrações internacionais no período 2005-2010 não impactaram, de maneira significativa, o tamanho e a composição da população brasileira. Dos 361,8 mil imigrantes internacionais de última etapa do período 2005-2010, 68,8% eram brasileiros natos. Quando se levam em conta seus efeitos indiretos, conclui-se que a migração de retorno no Brasil, no período, explica 75,5% dos seus fluxos imigratórios.

Palavras-chave
Brasil; Imigração internacional; Emigração internacional; Imigração de retorno internacional; Efeitos diretos e indiretos da imigração de retorno internacional

Abstract

The aim of this article is to analyze international migration in Brazil during the period 2005-2010, with special emphasis on return immigration of Brazilians and their indirect effects, based on information from the 2010 Demographic Census, international migration, based on the last stage and fixed dates, as well as emigration abroad, based on the new item introduced in the last census. At a later stage, indirect effects of international return immigration to Brazil are estimated. Among the results, we highlight the following: the volume of immigrants and emigrants is relatively small, in relation to the size of the Brazilian population; the difference between the last-stage international migrations would lead to a mistaken conclusion, of a slight negative balance in the period 2005-2010. However, when considering immigrants whose last migratory stage is internal and resided in a different country in 2005, the migratory balance becomes slightly positive. It can be affirmed that international migrations in the period 2005-2010 did not have a significant impact on the size and composition of the Brazilian population. Of the 361,800 international immigrants from the last stage of the period 2005-2010, 68.8% were Brazilian born. When taking into account its indirect effects, it can be concluded that return migration in Brazil, in the period, explains 75.5% of its immigration flows.

Key words
Brazil; International immigration; International emigration; International return immigration; Direct and indirect effects of international return immigration

Resumen

El objetivo de este artículo es analizar las migraciones internacionales de Brasil en el período 2005-2010, con especial énfasis en la inmigración de retorno de brasileños y en sus efectos indirectos, a partir de las informaciones del Censo Demográfico de 2010. En un primer momento, se examinan las informaciones de la inmigración internacional, sobre la base de los requisitos de última etapa y fecha fija, así como las emigraciones hacia el exterior, a partir del nuevo requisito introducido en el último censo. En un segundo momento, se estiman los efectos indirectos de la inmigración internacional de retorno a Brasil. Entre los resultados, se destaca que el volumen de inmigrantes y emigrantes es relativamente pequeño en relación con el tamaño de la población brasileña, y que la diferencia entre las migraciones internacionales de última etapa llevaría a una conclusión equivocada, de leve saldo negativo en el quinquenio 2005-2010. Sin embargo, al considerar a los inmigrantes cuya última etapa migratoria es interna y que en 2005 residían en el exterior, el saldo migratorio se vuelve levemente positivo. Se puede afirmar que las migraciones internacionales en el período 2005-2010 no impactaron de manera significativa en el tamaño y la composición de la población brasileña: de los 361.800 inmigrantes internacionales de última etapa del período 2005-2010, 68,8% eran brasileños natos. Si se tienen en cuenta sus efectos indirectos, se concluye que la migración de retorno en Brasil en el período explica el 75,5% de sus flujos inmigratorios.

Palabras clave
Brasil; Inmigración internacional; Emigración internacional; Inmigración de retorno internacional; Efectos directos e indirectos de la inmigración de retorno internacional

Introdução

Este artigo tem como objetivos analisar o significado e limitações dos dados censitários brasileiros sobre migrações internacionais, sugerir como superar parte dessas últimas e melhorar as estimativas, baseadas em informações de última etapa, sobre os fluxos migratórios internacionais do quinquênio 2005-2010. Apesar de relevantes esforços de pesquisadores brasileiros, como se verá a seguir, este tipo de análise representa uma contribuição para, senão superar todas as lacunas, contribuir para o entendimento das migrações internacionais brasileiras.

Primeiramente, por meio de técnicas de mensuração direta da migração, são calculados e analisados, para o período 2005-2010, o volume dos imigrantes e emigrantes internacionais de última etapa – proxies dos saldos migratórios internacionais e das taxas líquidas de migração – os principais países envolvidos nos deslocamentos internacionais do e para o Brasil, além da importância da migração de retorno de brasileiros natos nos fluxos imigratórios internacionais no país.

Além dos dados levantados sobre imigração internacional, a partir de quesitos já tradicionais nos recenseamentos do país, são utilizadas informações advindas de quesitos sobre emigração internacional do último censo, pela primeira vez introduzidos no Brasil. Essa novidade permite que proxies de medidas básicas de migração, como as mencionadas anteriormente (saldos e taxas líquidas), possam ser obtidas por meio de mensuração direta, mas numa perspectiva de obtenção de resultados aproximados, devido às características dos dados disponíveis. Realiza-se, também, uma análise das características demográficas dos emigrantes e imigrantes internacionais do país. Num segundo momento, são analisados os efeitos indiretos da migração internacional de retorno, a partir da metodologia originalmente elaborada por Ribeiro (1997RIBEIRO, J. Estimativa da migração de retorno e de alguns de seus efeitos demográficos indiretos no Nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. 1997. 206 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.).

Este artigo traz duas contribuições principais: melhora significativamente a informação sobre os imigrantes internacionais de última etapa, ao adicionar, aos que aparecem nos dados censitários como tais, aqueles imigrantes internacionais de data fixa do quinquênio 2005-2010 que, após chegarem ao país, fizeram uma migração interna intermunicipal; e mostra o peso absolutamente predominante do papel da migração de retorno de brasileiros nos fluxos imigratórios internacionais do mesmo quinquênio, ao estimar seus efeitos indiretos por meio da aplicação de uma metodologia aperfeiçoada, a partir daquela adotada originalmente por Ribeiro (1997RIBEIRO, J. Estimativa da migração de retorno e de alguns de seus efeitos demográficos indiretos no Nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. 1997. 206 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.).

A seção a seguir faz uma revisão dos principais conceitos e medidas de migração empregados no artigo. Isso se torna necessário porque, ao contrário do que sucede com fecundidade e mortalidade, os conceitos nesta área não são unívocos. Posteriormente apresenta-se uma análise dos quesitos do Censo Demográfico de 2010 sobre migrações internacionais, bem como alguns dos resultados obtidos a partir deles, referentes ao volume e composição, por sexo e idade, dos migrantes internacionais. Também são discutidas algumas medidas do impacto das migrações internacionais sobre a população brasileira, no quinquênio 2005-2010. Por fim, estimam-se os efeitos indiretos da migração de retorno internacional e são tecidas as considerações finais.

Técnicas diretas, conceitos e medidas em migração

Estudos a partir de dados administrativos (BAENINGER; LEONCY, 2001BAENINGER, R.; LEONCY, C. Perfil dos estrangeiros no Brasil segundo autorizações de trabalho (Ministério do Trabalho e Emprego) e registros de entradas e saídas da Polícia Federal (Ministério da Justiça). In: CASTRO, M. G. (Coord.). Migrações internacionais: contribuições para políticas. Brasília, DF: Comissão Nacional de População e Desenvolvimento – CNPD, 2001. p. 187-242.) e estimativas de redes de populações difíceis de serem mensuradas (SOARES et al., 2012SOARES, W.; FAZITO, D.; FARIA, S. D. Do método para estimar o tamanho médio das redes pessoais e o tamanho de populações difíceis de contar. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 29, n. 1, p. 101-115, 2012.) têm dado uma contribuição muito relevante para a compreensão de aspectos específicos do fenômeno migratório internacional.

Entretanto, os censos demográficos são as fontes mais importantes de informações sobre migrantes, pelo menos nos países em desenvolvimento, que normalmente não dispõem de dados administrativos de boa qualidade, ou representativos de todo o país, nas desagregações usualmente demandadas pelos pesquisadores. De fato, quando se trata de eventos relativamente raros como a emigração internacional, os censos demográficos frequentemente são as únicas fontes capazes de assegurar uma cobertura mais completa de toda a população. Além disso, eles permitem a caracterização socioeconômica dos migrantes internacionais, sua distribuição etária e por sexo, status marital, participação na força de trabalho, renda, escolaridade e lugar de residência (BILSBORROW, 1997BILSBORROW, R. E. et al. International migration statistics: guidelines for improving data collection systems. Geneva: International Labour Office – ILO, 1997.).

A riqueza e também a complexidade das informações censitárias sobre migração exigem clareza conceitual e rigor no tratamento dos conceitos e na aplicação das técnicas (RIGOTTI, 1999RIGOTTI, J. I. R. Técnicas de mensuração das migrações, a partir de dados censitários: aplicação aos casos de Minas Gerais e São Paulo. 1999. 142 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/ Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999.), inclusive para o estudo das migrações internacionais, à luz das novidades do Censo Demográfico 2010, como salientado por Campos (2011CAMPOS, M. B. Estimativas de migração internacional no Brasil: os velhos e os novos desafios. In: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Org.). Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.). Os cuidados supracitados são ainda mais importantes quando períodos de crises internacionais suscitam várias hipóteses sobre as mudanças no padrão etário das migrações, na composição por sexo e no volume de migrantes – contexto no qual se encontrava o Brasil no segundo quinquênio da década de 2000.

Além da abrangência e representatividade, os censos demográficos devem incluir certas informações há muito recomendadas pela Organização das Nações Unidas (UNITED NATIONS, 1970UNITED NATIONS. Manual VI: Methods of measuring internal migration. New York: UN, 1970.) – e sintetizadas na seção seguinte – inclusive para estudos comparativos internacionais e em perspectiva histórica. Em um cenário global contemporâneo de crescente relevância dos movimentos entre países, a ONU também faz recomendações específicas para dados sobre migrações internacionais (UNITED NATIONS,1998UNITED NATIONS. Recommendations on statistics of international migration. Rev. 1. New York: United Nations, Department of International Economic and Social Affairs, 1998.).

A ausência de informações sobre a emigração estimulou não apenas o uso de técnicas indiretas de estimação das migrações internacionais baseadas em quesitos usuais – tais como lugar de nascimento, lugar e duração de residência ou data de chegada –, mas também a inclusão de novos quesitos censitários para auferir a emigração internacional (ZABA, 1987ZABA, B. The indirect estimation of migration: a critical review. The International Migration Review, v. 21, n. 4, p. 1395-1445, 1987.; BILSBORROW).

Somoza (1977SOMOZA, J. Una idea para estimar la población emigrante por sexo y edad en el censo de un país. Santiago: Comisión Económica para América Latina y el Caribe – Cepal, 1977.) foi pioneiro ao sugerir a pergunta sobre local de residência dos filhos direcionada às mães, ao passo que Hill (1979HILL, K. Estimación de la emigración por edades a partir de la información sobre residencia de hermanos Notas de Población, San José, ano VII, n. 21, 1979.) propôs a coleta de informações sobre o local de residência dos irmãos, por parte dos residentes do domicílio recenseado.

A análise de dados sobre migrantes internos e as técnicas correlatas, bem como estudos aplicados (CARVALHO; RIGOTTI, 1998CARVALHO, J. A.; RIGOTTI, J. I. Os dados censitários brasileiros sobre migrações internas: algumas sugestões para análise. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 15, n. 2, p. 7-17, 1998.; CARVALHO; CAMPOS, 2006CARVALHO, J. A. M.; CAMPOS, M. B. A variação do saldo migratório internacional do Brasil. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p.55-58, maio/ago. 2006., ERVATTI; OLIVEIRA, 2011ERVATTI, L. R.; OLIVEIRA, A. T. R. de. Perspectivas para a mensuração do fenômeno migratório no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 17, 2010, Caxambu. Anais... Belo Horizonte: Associação Brasileira de Estudos Populacionais – Abep, 2010.), apresentaram avanço expressivo no Brasil. Já em relação às migrações internacionais não houve o mesmo desenvolvimento, em boa parte devido à inexistência de dados sobre as emigrações. Nesse contexto, a inclusão de uma nova informação sobre emigrantes internacionais no Censo de 2010 abre novas potencialidades de estudos.

As técnicas de mensuração que usam dados diretamente relacionados à migração são denominadas diretas. O Brasil é um caso privilegiado por incluir, desde o Censo Demográfico de 1991, os quesitos tempo de residência no local de moradia atual e lugar de última residência (cujo cruzamento resulta na migração de última etapa), além do local de residência em uma data fixa cinco anos antes do recenseamento (RIGOTTI, 2010RIGOTTI, J. I. R. Información de los censos demográficos del Brasil sobre migraciones internas: críticas e sugerencias para elanálisis. Notas de Población, San José, n. 88, p. 219-244, 2010.).

Estas informações permitem estimativas de vários indicadores úteis para a análise demográfica, sendo o artigo de Bell et al. (2002BELL, M. et al. Cross-national comparison of internal migration: issues and measures. Journal of the Royal Statistical Society, v.165, n.3, p. 435-464, 2002.) uma das referências mais completas. Entre os vários indicadores abordados pelos autores, o saldo migratório é um dos mais relevantes, dada sua contribuição para o (de)crescimento populacional. No entanto, a literatura internacional raramente destaca o efeito indireto, isto é, a contribuição referente aos filhos dos migrantes de data fixa nascidos no lugar de destino e sobreviventes ao final do período analisado.1 1 Para mais detalhes, recomenda-se a leitura de Rigotti (1999). No final do artigo, ao discutir a imigração internacional de retornados brasileiros, esse efeito é denominado efeito indireto 2.

Rigotti (2010RIGOTTI, J. I. R. Información de los censos demográficos del Brasil sobre migraciones internas: críticas e sugerencias para elanálisis. Notas de Población, San José, n. 88, p. 219-244, 2010.) destaca que o uso do quesito de data fixa permite a estimação das medidas convencionais utilizadas nas análises da migração (taxas de migração e saldo migratório), o que torna o seu uso vantajoso do ponto de vista metodológico. O mesmo não se pode afirmar no caso do quesito de última etapa, exceto em uma situação hipotética, em que a troca de população entre duas localidades, dentro de um período, fosse constituída somente de migrantes de etapa única, ausentes, consequentemente, as migrações de retorno e de passagem.2 2 Migrantes que, durante o período em análise, entram em uma determinada área como residentes e posteriormente mudam-se, dentro do mesmo período, para uma terceira área.

Complementarmente, o impacto do saldo migratório de um determinado período no tamanho da população pode ser analisado a partir da taxa líquida de migração. Ainda que relacione o saldo migratório com a população regional em pauta, a taxa líquida de migração possui vários conceitos na literatura (ONU, 1970). Este trabalho adota uma definição que, teoricamente, não é uma taxa porque seu denominador não se refere à população exposta ao risco de migrar. No entanto, além de bem conhecida, funcional e de fácil interpretação, é aplicada diretamente nas projeções populacionais pelo método das componentes.

Neste artigo, a taxa líquida de migração (TLM) é o quociente entre o saldo migratório de um período e a população residente (observada) do final do período – ou seja, a proporção da população observada resultante do processo migratório, se positiva, ou a proporção em que a população observada seria acrescida na ausência de migração, se negativa (CARVALHO, 1982CARVALHO, J. A. M. Migrações internas: mensuração direta e indireta. Revista Brasileira de Estatística, v. 43, n. 171, p. 549-583, jul./set. 1982.).3 3 Nas projeções populacionais pelo método das componentes, deve-se usar no denominador da TLM a população fechada, no final de cada intervalo, não a observada. A população fechada é a observada menos o saldo migratório, já estimado.

Informações censitárias para a análise da migração internacional, via técnica direta

Nesta seção são analisados os volumes de emigrantes e imigrantes internacionais registrados pelo Censo Demográfico de 2010, além de algumas de suas características demográficas, como razão de sexo e distribuição etária proporcional. Para uma melhor compreensão das informações utilizadas neste artigo, apresenta-se, também, uma breve análise dos quesitos censitários de migração que permitem retratar as migrações internacionais do país na primeira década do século XXI.

Os imigrantes internacionais

Os quesitos do Censo Demográfico de 2010 referentes à imigração internacional abrangem: a nacionalidade, o que permite a identificação dos brasileiros natos, dos estrangeiros e dos naturalizados brasileiros;4 4 Segundo o IBGE (2010), estrangeiros são os indivíduos que não nasceram no Brasil, mais aqueles que nasceram no Brasil e se registraram em representação estrangeira, não se registrando como brasileiro. Já os naturalizados brasileiros são os estrangeiros que obtiveram o reconhecimento da nacionalidade brasileira por meio de processo de naturalização ou disposições da legislação brasileira. o ano em que o indivíduo fixou residência no Brasil, no caso dos naturalizados brasileiros e estrangeiros; o país de nascimento; o tempo de residência no país e o país estrangeiro de residência anterior (quesitos de última etapa); e o país estrangeiro de residência cinco anos antes da data do censo (quesito de data fixa).

Este último quesito produz informação, no tocante à imigração internacional, sobre o país de residência no início do último quinquênio (imigrantes internacionais de data fixa). Obviamente, ao se responder a esse quesito, não são incluídos aqueles imigrantes internacionais com menos de cinco anos de idade, na data censitária.

A partir das informações provenientes dos quesitos de última etapa, só é possível identificar o imigrante e, consequentemente, saber sobre sua origem (país de residência anterior) e tempo de residência no Brasil, com menos de dez anos de moradia no município de residência atual, e que não tenha efetuado nenhuma etapa migratória intermunicipal após ter chegado no país.5 5 Esse problema não existe em relação aos não brasileiros natos, porque, no tocante a estes, outros quesitos propiciam a informação. Consequentemente, o uso dos quesitos de última etapa para o levantamento das informações sobre imigração internacional de brasileiros resulta em subenumeração do número de imigrantes internacionais da última década, com origem em país estrangeiro. Quanto mais longo o tempo de residência do imigrante internacional no país, maior tende a ser a subenumeração, devido à ocorrência de re-emigração interna.

Diante dessa limitação, com o objetivo de minimizar essa subenumeração, foram acrescentados, no quinquênio 2005-2010, os indivíduos que, após a migração para o Brasil, realizaram pelo menos uma etapa intermunicipal interna, porém com imigração de data fixa quinquenal internacional. No presente trabalho, esses indivíduos são denominados remigrantes internacionais do quinquênio 2005-2010, expressando um elo entre a migração internacional e a interna.

A Tabela 1 apresenta os dados do Censo Demográfico de 2010 referentes a imigrantes internacionais de data fixa (2005-2010) e de última etapa, por sexo. Há duas colunas de imigrantes internacionais de última etapa: a primeira corresponde apenas aos que não fizeram uma etapa intermunicipal posterior; e a segunda inclui os remigrantes. Foram captados pelo quesito de data fixa, em 2010, 268,2 mil imigrantes internacionais no Brasil, sendo 147,6 mil homens e 120,6 mil mulheres, de cinco anos ou mais de idade. Por sua vez, o volume de imigrantes de cinco anos ou mais de idade captados pelo quesito de última etapa, somados aos remigrantes identificados graças à informação de data fixa do quinquênio 2005-2010, engloba 386,8 mil indivíduos, sendo 209,7 mil homens e 177,1 mil mulheres. A incorporação dos remigrantes (45.477) significou um aumento expressivo de 13,3% no conjunto dos imigrantes internacionais de última etapa, no quinquênio 2005-2010. Essa surpreendente proporção indica uma alta mobilidade interna em um período de apenas cinco anos. Deve-se atentar para o fato de que ainda há uma subestimação, provavelmente pequena, devido à não inclusão daqueles emigrantes retornados plenos, que fizeram, em seguida, pelo menos uma etapa intermunicipal. Retornados plenos são aqueles que residiam no país em 2005, emigraram e retornaram ao Brasil ainda dentro do período 2005-2010.

TABELA 1
Imigrantes internacionais de data fixa e de última etapa, do quinquênio 2005-2010, por sexo, segundo grupos etários Brasil – 2010

Subtraindo do volume de imigrantes de última etapa o número de imigrantes de data-fixa, observa-se que em torno de 118 mil pessoas (ou 30,1%) estavam no Brasil em 2005, emigraram e posteriormente retornaram ao país, dentro do quinquênio.

O volume de imigrantes internacionais, declarados como de última etapa, do período 2000-2005 (em torno de 114 mil) foi bem inferior ao do quinquênio 2005-2010. A diferença deve-se, provavelmente em boa parte, ao fenômeno da remigração. Se, no segundo quinquênio da década, os remigrantes foram estimados em 13,3% do total dos imigrantes internacionais de última etapa, essa proporção foi provavelmente maior em relação aos imigrantes internacionais do primeiro quinquênio, pois, quanto maior o tempo decorrido após a imigração internacional, maior é a probabilidade de haver pelo menos uma etapa posterior de migração intermunicipal. Esse é um aspecto fundamental, frequentemente negligenciado pelos estudos de migração internacional no Brasil, que analisam dados de última etapa.

Contudo, mesmo no segundo quinquênio da década, apesar da crise internacional que pouco atingiu o Brasil, o número de imigrantes internacionais do quinquênio 2005-2010 corresponde a um volume pequeno, em termos absolutos, e extremamente pequeno (2%) quando relacionado ao tamanho da população brasileira, de 190,7 milhões de habitantes, em 2010 (IBGE, 2014IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: resultados gerais da amostra – microdados. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/resultados_gerais_amostra_tab_uf_microdados.shtm>. Acesso em: jan. 2016.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
).

Considerando a composição por sexo dos imigrantes internacionais, observa-se, no quinquênio 2005-2010, um volume de imigrantes do sexo masculino superior ao feminino, nos diversos grupos etários, com exceção de alguns grupos mais avançados, tanto nas informações de data fixa quanto nas de última etapa (Tabela 1). No total, para esse período, havia 22% e 18% a mais de homens, respectivamente, entre os imigrantes de data fixa e entre aqueles de última etapa. Analisando a razão de sexo, verifica-se que esse indicador apresenta um comportamento muito semelhante entre as informações de migração de data fixa e de última etapa (Gráfico 1).

GRÁFICO 1
Razão de sexo dos imigrantes internacionais de última etapa e de data-fixa, do quinquênio 2005-2010, segundo grupos etários

Brasil – 2010


No Gráfico 1, os diferenciais na relação entre homens e mulheres, na composição dos fluxos de imigrantes de 2005-2010, mostram-se mais notáveis entre aqueles de 35 a 64 anos, com uma razão, nesse grande intervalo, de 139 e 143 homens para cada 100 mulheres, respectivamente, para os imigrantes de última etapa e data fixa. Para o total dos imigrantes do quinquênio 2005-2010, a razão de sexo é de 111 homens para cada 100 mulheres, entre os de última etapa, e de 116 homens para cada 100 mulheres, entre aqueles de data fixa.

O Gráfico 2 apresenta a distribuição, em 2010, dos imigrantes internacionais do Brasil de última etapa e de data fixa, do quinquênio 2005-2010, por sexo e grupos de idade. Deve-se lembrar que, ao imigrarem, os indivíduos eram em torno de 2,5 anos mais jovens. A composição etária dos imigrantes, por sexo, mostra uma distribuição proporcional semelhante entre migrantes de data fixa e última etapa, sendo a segunda um pouco mais envelhecida. Essa estrutura mais envelhecida deve-se ao fato de que entre os de data fixa não são incluídos os retornados plenos (saíram e retornaram dentro do quinquênio), em média, mais jovens.

GRÁFICO 2
Distribuição dos imigrantes internacionais de última etapa e de data fixa, do quinquênio 2005-2010, por sexo, segundo grupos etários

Brasil – 2010


Em relação aos diferenciais por sexo, as mulheres apresentam uma estrutura mais jovem, tanto entre os de última etapa como entre os de data fixa. De modo geral, evidencia-se uma concentração dos imigrantes internacionais nas idades adultas jovens, com menor participação de crianças e jovens e, principalmente, das pessoas mais velhas. Os grupos etários entre 15 e 64 anos, que correspondem à população em idade ativa, representavam, no período 2005-2010, aproximadamente 78,8% dos imigrantes internacionais de última etapa e 83,3% daqueles de data fixa.

A distribuição etária proporcional dos imigrantes internacionais de última etapa e de data fixa do quinquênio 2005-2010, conforme exposto no Gráfico 2, aproxima-se da forma clássica da curva de migração.6 6 A denominada forma clássica da curva de migração foi proposta em estudo desenvolvido por Rogers e Castro (1981), para a padronização das curvas de migração. Nos dados reunidos pelos autores, as curvas de migração puderam ser caracterizadas a partir de uma forma básica, com um pico mais elevado nas idades produtivas e dois picos menores, nas idades jovens e mais velhas, relacionadas à migração familiar e à aposentadoria, respectivamente. A curva brasileira é marcada por um pico menor nas idades iniciais, um vale nas idades adolescentes e formação de um pico mais pronunciado nas idades correspondentes às populações adultas, seguido por uma trajetória de queda conforme aumenta a idade do migrante. Em relação à forma clássica, não se observa na distribuição brasileira o pico nas idades avançadas, que estaria relacionado à aposentadoria. O Brasil não se caracteriza como receptor de aposentados estrangeiros, nem estaria recebendo fluxos importantes de retornados brasileiros aposentados. Neste último caso, ou porque não os atrai ou porque são pouco numerosos, devido à trajetória passada da emigração internacional do país.

Os emigrantes internacionais

No Censo Demográfico 2010, o IBGE inovou ao incorporar, no questionário do universo, perguntas relativas aos emigrantes internacionais. Esses quesitos limitaram-se aos domicílios particulares e foram respondidos pelos residentes no domicílio entrevistado. Foram inquiridos se pessoa(s) que com eles havia(m) residido no domicílio atual estava(m) morando (na data de referência) em outro país. Caso a resposta fosse positiva, registrar-se-iam, em relação a cada emigrante, informações sobre o ano de nascimento, o sexo, o ano de sua última mudança para o exterior e o país de residência em 31 de julho de 2010 (CAMPOS, 2018).

Apesar do ineditismo deste tipo de informação em censos brasileiros, devem ser consideradas algumas limitações na enumeração dos indivíduos, semelhantes àquelas já reconhecidas até mesmo no trabalho pioneiro de Somoza (1977SOMOZA, J. Una idea para estimar la población emigrante por sexo y edad en el censo de un país. Santiago: Comisión Económica para América Latina y el Caribe – Cepal, 1977.) e também em Bilsborrow (1997BILSBORROW, R. E. et al. International migration statistics: guidelines for improving data collection systems. Geneva: International Labour Office – ILO, 1997.), referentes às respostas das mães ou irmãos. Como as informações sobre emigrantes foram dadas pelos indivíduos que permaneceram no país e residiam com o emigrante antes da mudança deste para o exterior, há situações que podem produzir erros na enumeração, por falta ou por excesso: o erro por falta ocorre quando há impossibilidade de referência aos emigrantes, como nos casos em que, antes de partirem, todos os moradores realizaram a emigração internacional, ou quando todos aqueles que permaneceram no país vieram a falecer, ou, ainda, devido a esquecimento (erro de memória); e o erro por excesso ocorre quando há dupla contagem de emigrantes, como nos casos de desmembramento de um domicílio em novos domicílios, em que o mesmo emigrante é reportado em mais de um domicílio (CAMPOS, 2014CAMPOS, M. B. Medidas de emigración internacional basadas en la información proporcionada por personas que convivieron con los emigrantes: la experiencia brasileña con el Censo Demográfico de 2010. Notas de Población, v. 98, p. 103-123, 2014.; OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, A. T. R. Um panorama da migração internacional a partir do Censo Demográfico de 2010. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana, v. 21, n. 40, p. 195-210, 2013.).

As magnitudes dos erros por falta e por excesso são desconhecidas e não há base para adotar o pressuposto de que esses erros tendam a se compensar. No entanto, dadas as principais causas dos erros, tanto por excesso quanto por falta, pode-se pressupor, realisticamente, que sejam menores quando se tratar de emigração mais próxima da data do censo. Certamente, as estimativas do número de emigrantes internacionais mais recentes são mais confiáveis.

A Tabela 2 apresenta o volume dos emigrantes internacionais do Brasil, por sexo, declarados pelos residentes no país, segundo intervalos de data da última partida para o exterior. No total, foram declarados aproximadamente 560 mil emigrantes, sendo que 84% teriam saído do país entre 2000 e 2010, isto é, em torno de 471 mil indivíduos.

TABELA 2
Emigrantes internacionais de última etapa, por data da última partida e sexo, segundo grupos etários Brasil – 2010

Há de se observar sustentado declínio no número declarado de emigrantes sobreviventes em 2010, à medida que se retrocede no tempo, tanto para homens como para mulheres. Isso certamente reflete, em parte, os efeitos de erro por falta, que tendem a aumentar quando se leva em conta um período mais longo de tempo. Não se deve perder de vista, no entanto, que os emigrantes internacionais declarados no Censo Demográfico de 2010 referem-se aos emigrantes sobreviventes tanto à mortalidade quanto à migração de retorno ao Brasil. A mortalidade que atuou, obviamente, por mais tempo entre os emigrantes mais antigos não deve ter causado um impacto muito diferenciado entre os mais recentes (dois últimos quinquênios), considerando-se sua estrutura etária (alta concentração entre adultos jovens).

A migração de retorno foi muito significativa no período 2005-2010, como será visto mais adiante. Ceteris paribus, seu impacto foi tanto maior quanto mais distante o tempo em que se deu a emigração.

Ainda que existam limitações no processo de enumeração dos emigrantes internacionais adotado no Censo de 2010, as informações relativas ao último quinquênio da primeira década do século oferecem um insumo inédito para avaliação dos impactos demográficos das emigrações internacionais na população do país. Pressupondo-se que os dados declarados referentes ao último quinquênio estejam próximos da realidade brasileira e que não se tenha configurado um período atípico, é possível inferir que a emigração internacional não tem, em períodos recentes, contribuído para mudanças significativas no tamanho da população brasileira, assim como em sua composição etária. Cerca de 156 mil homens e 183 mil mulheres, residentes no exterior em 2010, teriam emigrado no quinquênio 2005-2010 e correspondiam, aproximadamente, a 0,17% da população masculina e a 0,19% da feminina, enumeradas no Censo de 2010.

Entretanto, graças à informação sobre os emigrantes internacionais, Campos e Macedo (2014CAMPOS, M. B.; MACEDO, D. R. Agrupamentos de emigração internacional no Brasil: o papel das redes sociais na formação dos espaços de emigração. Geografia, Rio Claro, v. 39, n. 2, p. 257-272, maio/ago. 2014.) foram capazes de mostrar o quanto as redes de migração internacional são bem estabelecidas e concentradas no território brasileiro, ao mesmo tempo que são conectadas a uns poucos países de destino.

O impacto da emigração no período 2005-2010 foi um pouco maior, se considerado o efeito indireto 2 da emigração internacional, ou seja, crianças nascidas no exterior, filhas de indivíduos que realizaram a emigração internacional no quinquênio. Lee (1957LEE, E. S. et al. Population redistribution and economic growth: United States – 1870-1950. Philadelphia: The American Philosophical Society, v.1, 1957.) propõe um método simples de separação do total de filhos tidos nascidos na origem e no destino, no qual pressupõe, no caso dos migrantes do último quinquênio, que metade das crianças do grupo de 0 a 4 anos nasceu no destino, enquanto a outra metade nasceu na origem. Na medida em que foram captados os emigrantes internacionais entre 0 e 4 anos, é possível estimar o efeito indireto 2 de maneira direta, por meio do método de Lee (1957LEE, E. S. et al. Population redistribution and economic growth: United States – 1870-1950. Philadelphia: The American Philosophical Society, v.1, 1957.).

Foram declarados 1.414 emigrantes internacionais, no quinquênio 2005-2010, com idade, em 2010, entre 0 e 4 anos. O efeito indireto 2 da emigração internacional, no período 2005-2010, seria de 1.414 crianças, correspondendo a apenas 0,4% do total da emigração internacional do quinquênio. No que se refere à participação de homens e mulheres na composição dos fluxos emigratórios do Brasil, observa-se um número de mulheres superior ao de homens, no quinquênio 2005-2010 (Tabela 2). Comparando esses resultados com aqueles apresentados para os imigrantes internacionais de última etapa desse mesmo período, verifica-se que os fluxos migratórios internacionais apresentaram uma composição distinta, com predomínio dos homens, entre os imigrantes, e das mulheres, entre os emigrantes, com 18% a mais de homens e 17% a mais de mulheres, respectivamente.

A razão de sexo, por idade, entre os emigrantes internacionais de última etapa do quinquênio 2005-2010 pode ser analisada a partir do Gráfico 3. Observa-se que, com exceção dos grupos etários de 5 a 9 e de 50 a 54 anos, em que os números de homens e mulheres emigrantes são praticamente iguais (Tabela 2), em todos os demais as mulheres emigrantes foram declaradas em maior número em relação aos homens.

GRÁFICO 3
Razão de sexo dos emigrantes internacionais de última etapa, quinquênio 2005-2010, segundo grupos etários

Brasil – 2010


O Gráfico 4 apresenta a distribuição dos emigrantes de última etapa, do quinquênio 2005-2010, segundo sexo e faixa etária ao saírem do país (em média, 2,5 anos mais jovens do que em 2010). Evidencia-se que, no momento da partida, cerca de 90% dos emigrantes concentravam-se nas idades entre 15 e 49 anos, sendo que em torno de 44% de todos os emigrantes tinham, ao sair do país, entre 20 e 29 anos de idade. Essas características são comuns tanto para os homens como para as mulheres.

GRÁFICO 4
Distribuição dos emigrantes internacionais de última etapa, do quinquênio 2005-2010, por sexo, segundo grupos etários na data de saída do país

Brasil – 2010


Saldos e taxas da migração internacional, no quinquênio 2005-2010

Para avaliar a contribuição das migrações internacionais no Brasil, no quinquênio 2005-2010, para o estoque populacional brasileiro em 2010, segundo sexo e idade, foram considerados os números de imigrantes (incluindo os remigrantes7 7 Conforme definido anteriormente, são remigrantes aqueles que, dentro do quinquênio 2005-2010, após migrarem para o país, realizaram uma etapa migratória intermunicipal. Não é possível identificá-los por meio do quesito de última etapa, mas parte deles é identificável a partir do quesito de data fixa. ) e de emigrantes internacionais de última etapa (em ambos os casos a partir de cinco anos de idade) e proxies de saldo migratório e de taxas líquidas de migração internacional. Proxies, porque os verdadeiros saldos migratórios e taxa líquida de migração referem-se à diferença entre imigrantes e emigrantes de data fixa, informação não disponível no Censo Demográfico 2010 em relação aos emigrantes internacionais. Foram utilizados os seguintes dados: população residente no Brasil em 2010; imigrantes de última etapa do quinquênio 2005-2010, residentes no Brasil em 2010, incluindo os remigrantes; e emigrantes do Brasil, de última etapa, com saída declarada do país entre 2005 e 2010. Vale ressaltar que o número de migrantes de última etapa será sempre superior àquele de data fixa para o mesmo período, sendo que a diferença corresponde aos indivíduos de retorno pleno; no caso da imigração internacional, refere-se àqueles que residiam no Brasil em 2005, saíram do país e retornaram durante o quinquênio; já entre os emigrantes internacionais de última etapa do período 2005-2010, diz respeito àqueles que não residiam no país em 2005. Neste caso, os emigrantes retornados plenos não são conhecidos. A diferença entre imigrantes e emigrantes internacionais de última etapa, como proxy do saldo migratório internacional, corresponderá ao verdadeiro saldo migratório se os números absolutos dos retornados plenos, tanto entre os imigrantes quanto entre os emigrantes, de última etapa forem os mesmos.

Para os imigrantes internacionais do período 2005-2010, 118.524 eram retornados plenos, isto é, residiam no Brasil no início do quinquênio, correspondendo a 30,6% de imigrantes de última etapa.8 8 Provavelmente, esta grande proporção de retornados plenos deve-se, em grande parte, à crise econômica nos principais destinos dos fluxos emigratórios brasileiros. Ressalta-se que há um erro por falta nessa proporção, pois, como já visto, não há como identificar aqueles que, uma vez de volta ao país, mudaram de município.

Os dados da Tabela 3 mostram que os imigrantes internacionais de última etapa no Brasil, no quinquênio 2005-2010, incluindo os remigrantes, somaram 361,8 mil indivíduos, enquanto os emigrantes de última partida totalizaram 336,9 mil, ambas categorias englobando pessoas de cinco anos e mais em 2010, o que produziu uma diferença entre imigrantes e emigrantes de última etapa, aqui tomada como proxy de saldo migratório do quinquênio, da ordem de 24,9 mil pessoas. É interessante destacar que a inclusão dos remigrantes aumentou a imigração internacional em 13,3% e inverteu, para positivo, a proxy do saldo migratório internacional, no quinquênio 2005-2010. Caso os remigrantes não fossem considerados, o saldo migratório no quinquênio seria negativo (em menos 20.561), o que mostra a importância dos remigrantes no saldo internacional do Brasil, no quinquênio analisado.9 9 Apesar dos pequenos números envolvidos na proxy de saldo migratório, incluindo ou não os remigrantes, a não correção dos números declarados de imigrantes de última etapa, por meio da informação disponível de data fixa, como até agora sucedido no Brasil, não se justifica, independentemente de seu impacto nos números envolvidos. Já quanto ao número de imigrantes de última etapa, o impacto foi obviamente significativo (13,3%).

TABELA 3
População total, imigrantes internacionais de data fixa, imigrantes e emigrantes internacionais de última etapa, no quinquênio 2005-2010, proxy de saldo migratório e de taxa líquida de migração internacional, segundo grupos etários Brasil – 2010

Assim como o número de emigrantes internacionais não produziu implicações relevantes no tamanho e na estrutura etária da população do país, o saldo migratório internacional também não teve influência significativa nessas variáveis, podendo ser considerado basicamente nulo no quinquênio 2005-2010.

No quinquênio, os imigrantes de última etapa do sexo masculino, com cinco ou mais anos de idade em 2010, somaram 196,8 mil indivíduos e os emigrantes totalizaram 155 mil, o que teria resultado em um pequeno ganho de 41,8 mil homens. Para o sexo feminino, o número de imigrantes de última etapa foi menor do que o de homens, contando 164,9 mil mulheres, enquanto o número de emigrantes foi maior, da ordem de 181,8 mil, o que teria produzido uma diminuta perda migratória feminina de 16,9 mil indivíduos, entre as mulheres de cinco anos ou mais em 2010.

As proxies das taxas estimadas, referentes às migrações internacionais ocorridas no quinquênio 2005-2010, indicam que a população brasileira, enumerada no Censo de 2010, seria basicamente a mesma, na ausência de migração internacional entre 2005 e 2010. A população masculina de cinco ou mais anos de idade seria em torno de 0,04% menor, enquanto a feminina seria aproximadamente 0,02% maior.

É interessante notar que essas taxas por grupos etários teriam sido negativas somente nas idades adultas jovens. As perdas populacionais concentraram-se, principalmente, entre 20 e 29 anos (Tabela 3).

Composição dos imigrantes internacionais de última etapa do quinquênio 2005-2010, por naturalidade, e feito indireto da migração de retorno de brasileiros 10 10 Análise semelhante no tocante à emigração não é factível, pois não se inquiriu no Censo de 2010 sobre a nacionalidade dos emigrantes.

Dos 386.821 imigrantes internacionais de última etapa do quinquênio 2005-2010 identificados (Tabela 1), 266.033 eram brasileiros e 120.788 estrangeiros. Os retornados brasileiros correspondem a 69% do total, uma altíssima proporção. Isso indica que, pelo menos naquele quinquênio, o país teve pouca capacidade de atrair estrangeiros, ainda mais tendo em vista que os números absolutos envolvidos são relativamente pequenos.

O peso do retorno de brasileiros entre os imigrantes internacionais do período foi, no entanto, ainda maior, se for considerado o efeito indireto da migração de retorno, constituído pelos imigrantes estrangeiros que vieram para o país em consequência da imigração de brasileiros.

Ribeiro (1997RIBEIRO, J. Estimativa da migração de retorno e de alguns de seus efeitos demográficos indiretos no Nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. 1997. 206 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.) propôs uma metodologia para analisar os efeitos demográficos da migração de retorno de nordestinos a partir do Estado de São Paulo. Os fluxos migratórios de retorno afetam direta e indiretamente o tamanho e a composição demográfica da população de destino, por meio de três efeitos: primeiramente, tem-se o efeito direto da migração de retorno, que corresponde aos naturais que retornaram durante o período em análise; o segundo é aqui definido como efeito indireto 1 da migração de retorno, que se refere às pessoas não nascidas no local de nascimento do retornado, mas cuja migração está associada à do migrante retornado; e o terceiro é denominado de efeito indireto 2, que está relacionado ao número de crianças do migrante de retorno, nascidas no local de destino, durante o período analisado, após o retorno dos pais.11 11 No trabalho original (RIBEIRO, 1997), as crianças nascidas no destino eram denominadas de efeito indireto 1, enquanto os imigrantes não retornados, mas cuja imigração associava-se ao retorno, eram denominados efeito indireto 2. Devido à cronologia dos processos, decidiu-se trocar a denominação dos efeitos indiretos. Ao se analisarem os impactos dos efeitos indiretos na população de destino, no final do período, obviamente devem ser considerados apenas os sobreviventes dos seus componentes.

A metodologia original para estimar os efeitos indiretos da migração de retorno, desenvolvida por Ribeiro, foi posteriormente aplicada em Miranda-Ribeiro e Garcia (2005RIBEIRO, J. Estimativa da migração de retorno e de alguns de seus efeitos demográficos indiretos no Nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. 1997. 206 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.), Ojima e Nascimento (2015) e Miranda-Ribeiro, Garcia e Lobo (2016RIBEIRO, J. Estimativa da migração de retorno e de alguns de seus efeitos demográficos indiretos no Nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. 1997. 206 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.),12 12 Parece que este tipo de análise não foi aplicado em outros contextos e países. na análise da migração de retorno em Minas Gerais, Nordeste e estados brasileiros, respectivamente. Neste trabalho utiliza-se uma metodologia modificada, adotada, primeiramente, na análise das migrações internacionais de retorno no Afeganistão (CARVALHO; CAMPOS; RIGOTTI, 2016CARVALHO, J. A. M.; CAMPOS, M. B. A variação do saldo migratório internacional do Brasil. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p.55-58, maio/ago. 2006.).

Os efeitos indiretos da migração de retorno são estimados a partir da relação entre os imigrantes de retorno e os demais indivíduos do domicílio. Dois grupos de domicílios são utilizados para a estimação dos efeitos indiretos da migração de retorno: o primeiro é constituído pelos domicílios cujo responsável seja um imigrante de retorno (denominado grupo 1); e o segundo engloba os domicílios nos quais o responsável não é um imigrante de retorno, mas com a presença de ao menos um imigrante retornado (denominado grupo 2).

A metodologia foi adaptada aos imigrantes brasileiros de retorno internacional de última etapa, com tempo de residência no país menor do que cinco anos, segundo o Censo de 2010. Também serão considerados, para a análise dos efeitos indiretos, os remigrantes no quinquênio (imigrantes cuja última etapa migratória é interna, mas cuja origem da migração de data fixa é internacional).

A análise da imigração de retorno internacional ficará restrita aos indivíduos com tempo de residência no país inferior a cinco anos. Isso se deve, em primeiro lugar, à diminuição do grau de cobertura da informação de imigração internacional de última etapa, com o aumento do tempo de residência no país, em grande parte em função da remigração daqueles que, uma vez chegados ao país, realizaram outra etapa migratória, interna, cuja origem internacional não é captada pelo quesito de última etapa. Em segundo lugar, em relação aos remigrantes com origem internacional no quinquênio 2005-2010, o problema é minimizado pela informação de data fixa, referente aos que residiam no exterior no início do quinquênio.

No grupo 1, o responsável pelo domicílio é brasileiro, migrante de retorno internacional, com tempo de residência no país inferior a cinco anos. O efeito direto é composto por todos os membros do domicílio, brasileiros, imigrantes de retorno internacional com tempo de residência menor do que cinco anos. O efeito indireto 1, por sua vez, é estimado a partir de dois subgrupos: aqueles pertencentes ao núcleo domiciliar e os demais indivíduos fora do núcleo domiciliar.13 13 Neste trabalho, o núcleo domiciliar é formado pelo responsável, cônjuge e filho. Os cônjuges e filhos (núcleo domiciliar) estrangeiros, com tempo de residência inferior a cinco anos, e os outros parentes e não parentes estrangeiros, com tempo de residência menor ou igual ao do responsável pelo domicílio compõem o efeito indireto 1. Os filhos brasileiros dos responsáveis pelo domicílio, com idade menor ou igual ao tempo de residência do genitor, compõem o efeito indireto 2. A Figura 1 apresenta o esquema do grupo 1.

FIGURA 1
Razão de crescimento dos municípios paulistas entre 1991 e 2000

No grupo 2, o responsável pelo domicílio não é um imigrante de retorno internacional com tempo de residência menor que cinco anos, mas ao menos um dos membros do domicílio é brasileiro, retornado internacional, com tempo de residência inferior a cinco anos. O efeito direto é composto por todos os membros do domicílio, brasileiros, imigrantes de retorno internacional e com tempo de residência menor que cinco anos. O efeito indireto 1 é composto por todos os membros do domicílio, estrangeiros, com tempo de residência menor ou igual ao do imigrante de retorno internacional. Pressupõe-se que esses estrangeiros tenham migrado para o Brasil como consequência do retorno do(s) brasileiro(s) residente(s) no mesmo domicílio. O efeito indireto 2 não foi estimado para o grupo 2, por não ser possível captar, de forma direta, os filhos dos imigrantes de retorno internacional, no quinquênio. A Figura 2 apresenta o esquema do grupo 2

FIGURA 2
Efeitos diretos e indiretos da migração de retorno internacional, em domicílios cujo responsável não é um imigrante retornado internacional, mas com a presença de ao menos um imigrante retornado internacional (grupo 2)

A Tabela 4 apresenta os imigrantes internacionais de última etapa, de todas as idades, segundo status de retorno, por sexo e relação com o responsável pelo domicílio, no período 2005-2010,14 14 Neste caso (e para a análise dos efeitos indiretos da migração de retorno internacional) estão incluídas as crianças entre 0 e 4 anos incluídos os remigrantes, identificáveis por meio da informação de data fixa. Do total de imigrantes internacionais, 68,8% eram retornados. Na Tabela 4 observa-se um diferencial significativo do peso relativo dos responsáveis pelo domicílio, entre os brasileiros retornados e os imigrantes internacionais não brasileiros. Os brasileiros retornados responsáveis pelo domicílio representam 39% do total de retornados internacionais, enquanto, entre os imigrantes internacionais estrangeiros, os responsáveis pelo domicílio representam uma proporção inferior (24,5%). Esta diferença é explicada, em boa parte, porque uma proporção significativa dos imigrantes internacionais estrangeiros está ligada a domicílios cujo responsável é imigrante internacional brasileiro de retorno, como se verá posteriormente. Por fim, vale ressaltar que os indivíduos fora do núcleo domiciliar (outros parentes, não parentes e indivíduos em domicílio coletivo) representam 14,1% do total de imigrantes de retorno internacional, enquanto essa proporção aumenta para 30,1% do total de imigrantes internacionais não retornados.

TABELA 4
Imigrantes internacionais brasileiros e estrangeiros no quinquênio 2005-2010, por sexo, segundo relação com o responsável pelo domicílio Brasil – 2010

A Tabela 5 apresenta os imigrantes internacionais de retorno, por sexo e grupos de idade, do quinquênio 2005-2010.

TABELA 5
Imigrantes internacionais brasileiros de retorno, no quinquênio 2005-2010, por sexo,segundo grupos etários Brasil – 2010

Entre os retornados brasileiros, a proporção, não desprezível em 2010, daqueles com menos de dez anos (9,3%) e a enorme proporção daqueles com menos de 40 anos (72,4%) indicam que os retornados brasileiros, em média, residiram por um período não muito longo no exterior. Provavelmente, em sua maioria, essas pessoas compuseram os fluxos da emigração internacional brasileira do segundo quinquênio da última década do século passado e da primeira década do atual, mormente desta última.

A Tabela 6 apresenta os efeitos diretos e indiretos da migração de retorno internacional, do quinquênio 2005-2010, incluídos os remigrantes, identificados pela informação de data fixa. Do total de imigrantes brasileiros de retorno internacional (266.033), 67,1% pertenciam a domicílios cujo responsável era retornado internacional (178.523). Aproximadamente um terço dos retornados residia em domicílios cujo responsável não era um retornado internacional (87.510). À primeira vista, trata-se de uma proporção elevada, que sugere novos tipos de relações nas famílias e domicílios. A significativamente maior proporção de retornados na categoria de filhos, nos domicílios não chefiados por brasileiros retornados no quinquênio (44,8% contra 17,7% no outro grupo), que são, inclusive, mais numerosos em termos absolutos, é um forte indício de que se referem, majoritariamente, a domicílios onde os filhos, não acompanhados pelos pais, emigraram e posteriormente retornaram ao país, dentro de uma estratégia familiar de sobrevivência e geração de renda. Ademais, é preciso levar em conta que estão sendo considerados os indivíduos cujo tempo de residência era inferior a cinco anos, o que reduz a proporção de responsáveis pelo domicílio retornados, ou seja, parte dos responsáveis pelos domicílios do grupo 2 pode ser imigrante de retorno internacional com tempo de residência maior ou igual a cinco anos.

TABELA 6
Efeitos diretos e indiretos da migração de retorno internacional, no quinquênio 2005-2010, por sexo Brasil – 2010

O efeito indireto 1 considera outros membros dos domicílios, estrangeiros, cuja imigração estaria relacionada à imigração de retorno internacional dos brasileiros, no período 2005-2010. Similarmente ao efeito direto, 64,4% desse tipo de imigração é composta por indivíduos do grupo 1. O volume de pessoas relacionadas ao efeito indireto 1 (25.947) correspondeu a 21,5% do total dos imigrantes internacionais estrangeiros, o que torna essa componente, entre os não brasileiros, extremamente significativa.

O efeito indireto 2 é composto por brasileiros, filhos de responsáveis pelos domicílios retornados (grupo 1), nascidos após a migração para o Brasil. O volume estimado do efeito indireto 2 (12.841 pessoas) é bem menor do que o do efeito indireto 1. Deve-se considerar que o tempo decorrido após a imigração internacional para o Brasil é muito curto, em média 2,5 anos, e que se trata de uma subestimativa, pois só há informação, no Censo de 2010, sobre a filiação das pessoas em relação aos responsáveis pelo domicílio. Há um erro, por falta, nas estimativas do número de indivíduos componentes do efeito indireto 2, correspondente ao número de brasileiros, em 2010, filhos de outros retornados do quinquênio, não responsáveis pelos domicílios, nascidos após o retorno do(s) seu(s) genitor(es). Ressalta-se, ainda, que, na medida em que não foram incorporados ao efeito indireto 2 os filhos dos retornados não responsáveis pelos domicílios, nascidos após o retorno, por falta de informação, não há valores estimados do efeito indireto 2 para o grupo 2.

A soma dos efeitos diretos nos grupos 1 e 2 (266.033 pessoas) indica que 68,8% dos imigrantes internacionais de última etapa, do período 2005-2010, são brasileiros retornados (como já observado na Tabela 5). Se somado ao número de imigrantes brasileiros retornados seu efeito indireto 1, atinge-se um total de 291.980 pessoas, direta ou indiretamente relacionadas ao retorno de brasileiros, durante o quinquênio. Assim, o fluxo de retornados foi responsável, direta e indiretamente, por 75,5% de todo o fluxo migratório para o Brasil, no quinquênio 2005-2010.

Conclusão

O quesito sobre emigração internacional, introduzido no questionário do universo do Censo Demográfico de 2010, possibilita, pela primeira vez, ter uma visão panorâmica sobre emigração brasileira para o exterior. No entanto, ao se analisar a distribuição temporal da data de saída do país, concluiu-se que os dados declarados espelham cada vez menos os fluxos emigratórios, devido a problemas: o retorno de brasileiros, tanto maior quanto mais distante a época da saída para o exterior; e erros crescentes, por falta, nos dados declarados, à medida que se retrocede no tempo. Inferiu-se que os dados do quinquênio imediatamente anterior ao Censo (2005-2010) apresentam razoável qualidade. Na falta de alternativas, estas informações podem e devem ser utilizadas e analisadas, possibilitando um avanço precioso no conhecimento da realidade demográfica brasileira. Diante do interesse de se compararem, pela primeira vez no país, os fluxos internacionais de entrada e saída, decidiu-se por centrar a análise, neste artigo, no período 2005-2010.

Não se deve perder de vista o fato de que o quinquênio 2005-2010 tenha sido, provavelmente, atípico no país, no que se refere aos fluxos migratórios internacionais, pois, de um lado, a economia brasileira teve um desempenho médio bastante positivo e, de outro, vários países tradicionalmente receptores de emigrantes brasileiros enfrentaram uma grande e generalizada crise econômica, mormente os Estados Unidos e nações da Europa Ocidental. É bem provável que o quadro migratório nos quinquênios anteriores tenha sido bem diferente daquele identificado no período 2005-2010. Em princípio, devido ao quadro relativamente favorável ao Brasil, seria de se esperar no quinquênio 2005-2010 maior poder de atração, por parte do país, de imigrantes estrangeiros. Não foi o que se constatou, pois, além de modestos, os fluxos foram constituídos, em torno de 75%, por brasileiros retornados e estrangeiros a eles ligados.

Estes aspectos reforçam a importância do quesito sobre emigração internacional, pois sua ausência impossibilitaria estudos em perspectiva histórica, de um fenômeno estruturado em redes bem estabelecidas e concentradas, espacialmente, em poucas áreas do imenso território brasileiro (CAMPOS; MACEDO, 2014CAMPOS, M. B.; MACEDO, D. R. Agrupamentos de emigração internacional no Brasil: o papel das redes sociais na formação dos espaços de emigração. Geografia, Rio Claro, v. 39, n. 2, p. 257-272, maio/ago. 2014.).

Em 2010, os imigrantes internacionais de última etapa do quinquênio, com cinco anos ou mais de idade, somaram aproximadamente 362 mil, em torno de 197 mil homens e 165 mil mulheres. Já quanto aos emigrantes, alcançaram ao redor de 337 mil pessoas, 155 mil homens e 182 mil mulheres. Houve uma diferença, no final do quinquênio, em torno de 25 mil pessoas, de ambos os sexos, entre os imigrantes e emigrantes internacionais de última etapa, sobreviventes (uma proxy de saldo migratório do período 2005-2010). Entre os homens, a diferença foi ligeiramente positiva, ao redor de 41 mil indivíduos, e entre as mulheres, levemente negativa, em torno de 17 mil pessoas.

Devido aos problemas inerentes aos dados e por não se tratar de migrantes internacionais de data fixa, não se pode afirmar, com segurança, ter o país ganho ou perdido, liquidamente, população por meio da migração internacional, no quinquênio em pauta. Portanto, pode-se considerar a população brasileira basicamente fechada naquele período, algo não trivial dada as hipóteses e tentativas de prognósticos sobre as migrações internacionais em um momento de grandes transformações globais.

Se os fluxos migratórios internacionais do Brasil no quinquênio 2005-2010, nos dois sentidos, são pouco significativos, causa maior surpresa ainda, ao se analisar a composição, em termos de país de nascimento, dos componentes dos fluxos imigratórios. Em torno de 69% dos imigrantes internacionais de última etapa eram brasileiros natos. Se a essa proporção acrescentarmos a daqueles não brasileiros, cuja migração para o Brasil estaria relacionada à migração de retorno de brasileiros no quinquênio, efeito indireto 1, conclui-se que em torno de 75,5% dos fluxos imigratórios do período 2005-2010 estariam relacionados à migração de retorno dos brasileiros.

O pequeno percentual, em relação à população brasileira, dos imigrantes internacionais e a enorme proporção, entre eles, de componentes dos efeitos direto e indireto 1 da migração de retorno indicam, em um contexto de razoável desempenho econômico do Brasil e de crise econômica nos principais países tradicionalmente partícipes dos fluxos internacionais com o Brasil, no quinquênio 2005-2010, a baixa capacidade de atração do país. Esse resultado também sugere uma hipótese, robusta, de que o fenômeno do retorno teria sido mais em função dos fatores de expulsão nos países até então de residência, do que de fatores de atração no Brasil, seu país de origem.

Para além do peso das migrações internacionais no total da população brasileira no quinquênio 2005-2010 e das limitações de todo censo demográfico, a exploração dos dados relativos aos imigrantes e emigrantes se justifica em vários aspectos. Muitas vezes negligenciados ou ignorados, a riqueza dos dados censitários brasileiros sobre migração, assim como os efeitos indiretos da migração, merece maior atenção dos especialistas e pesquisadores sobre o tema.

Notes

  • 1
    Para mais detalhes, recomenda-se a leitura de Rigotti (1999). No final do artigo, ao discutir a imigração internacional de retornados brasileiros, esse efeito é denominado efeito indireto 2.
  • 2
    Migrantes que, durante o período em análise, entram em uma determinada área como residentes e posteriormente mudam-se, dentro do mesmo período, para uma terceira área.
  • 3
    Nas projeções populacionais pelo método das componentes, deve-se usar no denominador da TLM a população fechada, no final de cada intervalo, não a observada. A população fechada é a observada menos o saldo migratório, já estimado.
  • 4
    Segundo o IBGE (2010), estrangeiros são os indivíduos que não nasceram no Brasil, mais aqueles que nasceram no Brasil e se registraram em representação estrangeira, não se registrando como brasileiro. Já os naturalizados brasileiros são os estrangeiros que obtiveram o reconhecimento da nacionalidade brasileira por meio de processo de naturalização ou disposições da legislação brasileira.
  • 5
    Esse problema não existe em relação aos não brasileiros natos, porque, no tocante a estes, outros quesitos propiciam a informação.
  • 6
    A denominada forma clássica da curva de migração foi proposta em estudo desenvolvido por Rogers e Castro (1981)ROGERS, A.; CASTRO, L. J. Model migration schedules. Austria: International Institute for Applied System Analysis, 1981., para a padronização das curvas de migração. Nos dados reunidos pelos autores, as curvas de migração puderam ser caracterizadas a partir de uma forma básica, com um pico mais elevado nas idades produtivas e dois picos menores, nas idades jovens e mais velhas, relacionadas à migração familiar e à aposentadoria, respectivamente.
  • 7
    Conforme definido anteriormente, são remigrantes aqueles que, dentro do quinquênio 2005-2010, após migrarem para o país, realizaram uma etapa migratória intermunicipal. Não é possível identificá-los por meio do quesito de última etapa, mas parte deles é identificável a partir do quesito de data fixa.
  • 8
    Provavelmente, esta grande proporção de retornados plenos deve-se, em grande parte, à crise econômica nos principais destinos dos fluxos emigratórios brasileiros.
  • 9
    Apesar dos pequenos números envolvidos na proxy de saldo migratório, incluindo ou não os remigrantes, a não correção dos números declarados de imigrantes de última etapa, por meio da informação disponível de data fixa, como até agora sucedido no Brasil, não se justifica, independentemente de seu impacto nos números envolvidos. Já quanto ao número de imigrantes de última etapa, o impacto foi obviamente significativo (13,3%).
  • 10
    Análise semelhante no tocante à emigração não é factível, pois não se inquiriu no Censo de 2010 sobre a nacionalidade dos emigrantes.
  • 11
    No trabalho original (RIBEIRO, 1997), as crianças nascidas no destino eram denominadas de efeito indireto 1, enquanto os imigrantes não retornados, mas cuja imigração associava-se ao retorno, eram denominados efeito indireto 2. Devido à cronologia dos processos, decidiu-se trocar a denominação dos efeitos indiretos.
  • 12
    Parece que este tipo de análise não foi aplicado em outros contextos e países.
  • 13
    Neste trabalho, o núcleo domiciliar é formado pelo responsável, cônjuge e filho.
  • 14
    Neste caso (e para a análise dos efeitos indiretos da migração de retorno internacional) estão incluídas as crianças entre 0 e 4 anos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2018
  • Aceito
    09 Out 2018
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