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A cidade-mercadoria e o marketing urbano na (re)construção da imagem dos espaços públicos: o caso da marca da cidade do Rio de Janeiro

The merchandise city and urban marketing in (re) constructing the image of public: the case of the city of Rio de Janeiro

Resumo

O artigo apresenta a reflexão em torno do marketing urbano, evidenciando suas funções e aplicações na construção do conceito em espaços urbanos brasileiros, e das territorialidades adjacentes a esse processo, verificando as mensagens implícitas que esses territórios em particular estão transmitindo às pessoas. Para atingir os objetivos propostos, este estudo, de natureza qualitativa e de cunho exploratório, aborda a forma como estão inseridas algumas ações de marketing na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A análise partiu da coleta de dados das imagens e ações estratégicas, de 2011 a 2015, da marca Rio de Janeiro e da verificação dessas imagens construídas mercadologicamente com os conceitos de cidade-mercadoria de Vainer (2002) e de empreendedorismo urbano de Harvey (2005). Os estudos apontaram para um marketing generalizado, principalmente nos planejamentos urbanos, transformando as cidades em mercadorias orientadas pelo poder do capital, retirando delas seu caráter de espaço de encontro e confronto entre cidadãos.

Palavras-chave:
marketing urbano; cidade-mercadoria; empreendedorismo urbano; espaço urbano; marcas

Abstract

This article presents a reflection on urban marketing, presenting evidences of its functions and applications in constructing this concept within Brazilian urban spaces and the territorialities adjacent to this process, verifying the implicit messages that these particular territories are transmitting to the people. In order to achieve the proposed objectives, this qualitative and exploratory study approached the manner in which some marketing actions have been inserted into the city of Rio de Janeiro, Brazil. The analysis was based on the data collection from the strategic images and actions, between 2011 and 2015, of the Rio de Janeiro brand and the verification of these images constructed with the concept of the merchandise city, by Vainer (2002) and the concept of urban entrepreneurship by Harvey (2005). The studies have indicated widespread marketing, especially in urban planning, transforming the cities into goods focused on the power of capital, thus removing from their character of space for encounters and confrontation between citizens.

Keywords:
urban marketing; merchandise city; urban entrepreneurship; regional development; brands

Introdução

O dinamismo dos circuitos econômicos está presente, cada vez mais, nas cidades brasileiras. A lógica do espaço urbano e as condições necessárias de urbanização (infraestrutura, planejamento, organização administrativa, embelezamento, entre outros) acabam sendo, conforme Rolnik e Klink (2011ROLNIK, R.; KLINK, J. Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: porque nossas cidades continuam tão precárias? Novos estudos CEBRAP, n. 89, p. 89-109, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n89/06.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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) salientam, compradas pelo mercado. Entretanto, por não conseguir acompanhar o crescimento econômico das cidades, o mercado acaba por produzi-las sem urbanidades, ou seja, sem a diversidade de interação entre seus cidadãos, independentemente de condições financeiras.

A discussão se prolonga pelas diversas questões da ação dos governos locais. Dentre elas citam-se algumas: investimento em urbanização (regulando o território); políticas de urbanização de assentamentos precários; agenda urbana e a agenda de reforma urbana; plano diretor participativo; insuficiência e limitação das receitas municipais; proliferação de novos municípios; planejamento estratégico urbano ancorado no marketing, dentre outros pontos. De forma geral, as cidades figuram como arenas privilegiadas e estratégicas na produção capitalista do espaço urbano e regional, mas seus atores não conseguem se apropriar devidamente dos frutos desse crescimento econômico.

Nessa perspectiva de produção capitalista dos espaços urbanos, as cidades entram em intensa pressão, que impõe um constante ciclo de produtividade e competitividade. Isto é, as cidades passam a competir umas com as outras em atrair novos investimentos, novos moradores, mais turistas, mais poder econômico. Se antes o debate era sobre crescimento desordenado e movimentos sociais urbanos, na contemporaneidade surge uma nova problemática: a da competitividade urbana (tanto de espaços quanto de cidades), tendo o marketing urbano um papel estratégico nas territorialidades adjacentes a este processo.

Alguns são favoráveis a esta estratégia e a veem como uma ferramenta inovadora que articula os âmbitos local e global. Nesse sentido, alguns defendem que a difusão da ideia de unicidade, de aldeia global, de encurtamento de distâncias e de flexibilização de capital exporia um mercado global que tenderia a homogeneizar o planeta (SANTOS, 1996SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.; MCLUAHN, 1998MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensão do homem. 9 ed. São Paulo: Cultrix, 1998.). Outros, entretanto, são contrários à ideia por acreditarem que essa tática transforma a cidade em uma mercadoria e a desconsidera como espaço dos cidadãos, conduzindo-a pelos interesses do capital (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.; HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.; SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Buscando um lugar ao sol para as cidades: o papel das atuais políticas de promoção urbana. Revista Paranaense de Geografia, n. 4, 1999. Disponível em <Disponível em http://www.agbcuritiba.hpg.ig.com.br/Revistas/Rpg3/4fernanda.htm >. Acesso em: 15 set. 2015.
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). De acordo com Ciccolella (1997CICCOLELLA, P. Redefinición de Fronteras, Territórios y Mercados enel Marco del Capitalismo de bloques. In: CASTELLO, I. R. et al (Org.). Fronteiras na América Latina: espaços em transformação. Porto Alegre: Ed. UFRGS; FEE, 1997. p. 55-83.), surge uma hierarquização de espaços que fraciona as metrópoles e transforma o próprio papel das cidades. Nessa lógica, percebe-se que a compreensão, seja de uma cidade ou região, pressupõe o aprofundamento de relações com diferentes interações, tendo o regional uma função relevante (SANTOS, 1996SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.).

O presente artigo discute, portanto, a ideia de como esses espaços são (re) utilizados, tendo o marketing a incumbência estratégica e globalizante na (re)construção da imagem desses espaços públicos, posicionando os territórios como sujeitos que disputam uma espécie de mercado territorial. Buscou-se verificar a mensagem que esses territórios em particular estão transmitindo às pessoas e a forma como estão sendo geridos a partir de uma lógica centrada no poder do capital.

Para atingir os objetivos propostos, este estudo abordou a forma como estão inseridas as ações de marketing na cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, na proximidade do evento das Olimpíadas Rio 2016. A metodologia é de natureza qualitativa e de cunho exploratório. A pesquisa bibliográfica centrou-se, principalmente, nos conceitos de marketing urbano, cidade-mercadoria e empreendedorismo urbano. A pesquisa documental foi feita a partir da coleta das informações, na internet, das imagens estratégicas das campanhas e ações publicitárias de 2011 a 2015 da marca-cidade Rio de Janeiro que se posiciona globalmente como a marca registrada do país. E, por fim, analisou-se o material coletado, verificando a relação dessas imagens construídas mercadologicamente com os conceitos expostos.

Sendo assim, o aporte teórico deste estudo está fundamentado em duas perspectivas: na de Carlos Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) da cidade vista como uma mercadoria, sendo gerida como uma empresa, e na proposta por David Harvey (2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) sobre o empreendedorismo urbano, o qual transforma a cidade em um sujeito econômico. A partir desse último entendimento, percebe-se que a cidade passa de uma mercadoria (objeto) a ser vendida em um mercado altamente competitivo (no qual outras cidades também estão à venda) a um sujeito que busca aumentar seu poder de atração em relação a novos investimentos e tecnologias seguindo a lógica da produtividade e da competitividade condicionada ao mercado, ou seja, ao poder do capital. O marketing urbano insere-se estrategicamente nesse encadeamento, evidenciando funções e aplicações específicas na (re)construção do conceito e imagem dos espaços urbanos brasileiros, assim como nas territorialidades adjacentes a esse processo.

O objetivo principal é, portanto, refletir sobre a forma como o marketing urbano (re)constrói a imagem dos espaços públicos e transforma uma cidade em uma mercadoria que é gerida como uma empresa dentro da lógica do capital. E se a cidade é um produto, este é vendido para quem? Como os espaços públicos estão sendo (re)utilizados e qual discurso está viabilizando esse raciocínio contemporâneo que estabelece, inclusive, um ranking entre cidades, determinando a elas um valor econômico que reforça, cada vez mais, o sentido da competitividade? Estas questões serão discutidas ao longo do texto sob a perspectiva de Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) e Harvey (2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.).

O artigo está estruturado a partir das reflexões sobre a cidade e os espaços públicos, tentando compreender como o marketing está inserido na dinâmica dessas conjunturas. Na sequência, centra-se nos conceitos de cidade-mercadoria e empreendedorismo urbano (que norteiam este artigo), assim como na forma como as cidades e os espaços urbanos são utilizados mercadologicamente. Isto posto, foca-se no estudo de caso da cidade do Rio de Janeiro, que devido as Olímpiadas de 2016, cria uma marca-cidade que se posiciona como a marca registrada do Brasil, evidenciando também a utilização de inúmeras estratégias multiescalares de marketing que seguem uma demanda (que, muitas vezes, usam e ocupam os espaços urbanos) orientada pelo capital.

A cidade e os espaços urbanos

Uma das reflexões contemporâneas em torno das cidades e dos espaços urbanos surge da questão de que “o mercado domina a cidade” (ROLNIK, 2001ROLNIK, R. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2001. , p. 29) por meio de práticas que são comuns à iniciativa privada (organizações), como é o caso do marketing e do planejamento estratégico, importadas para o uso da administração pública. O problema da aplicação generalizada da ideia de criar cidades ou espaços modelos é que os interesses coletivos ficam em segunda instância em comparação com os interesses privados hegemônicos. “[...] as grandes massas se deslocando nos transportes coletivos superlotados ou no trânsito engarrafado são a expressão mais acabada desta limitação” (ROLNIK, 2001ROLNIK, R. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2001. , p. 43). Este panorama evidencia a transformação do espaço urbano em uma imagem conotativa, na qual “[...] tudo é objeto de consumo estético e contemplativo” (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Buscando um lugar ao sol para as cidades: o papel das atuais políticas de promoção urbana. Revista Paranaense de Geografia, n. 4, 1999. Disponível em <Disponível em http://www.agbcuritiba.hpg.ig.com.br/Revistas/Rpg3/4fernanda.htm >. Acesso em: 15 set. 2015.
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, p. 7), que incentiva a redução da cidade ao cenário dos espetáculos (CANCLINI, 2008CANCLINI, N. Imaginários culturais da cidade: conhecimento, espetáculo e desconhecimento. In: COELHO, T. (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. , p. 19) e este ao “[...] predomínio do marketing e à captação de investimentos sobre o sentido social dos bens materiais e simbólicos”. Essa forma de agir (re)define a cidade, seus espaços e suas interações.

Quando a terra se torna uma mercadoria, ela passa a ser divulgada amplamente para ganhar maior valor financeiro de mercado, exigindo a ampliação de um ciclo de novidades a esses produtos. Ao mesmo tempo, há um distanciamento das relações sociais no espaço urbano que contradiz a lógica da cidade, oriunda da ideia de ponto de encontro. De acordo com Canclini (2008CANCLINI, N. Imaginários culturais da cidade: conhecimento, espetáculo e desconhecimento. In: COELHO, T. (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. , p. 21), “[...] o imaginário não é apenas a representação simbólica do que ocorre, mas também um lugar de elaboração de insatisfações, desejos e busca de comunicação com os outros”. A urbanização projeta também desequilíbrios e incertezas que desurbanizam as cidades, como é o caso, por exemplo, da especulação imobiliária que segue a lógica do capital e do mercado global.

Destarte, percebe-se que os espaços públicos são (re)utilizados conforme a necessidade de demandas externas à cidade, que privilegiam o poder econômico e hegemônico presentes naquele território1 1 Território aqui compreendido pela visão de Raffestin (1993) como espaço de jogo de poder entre seus atores sociais. . São as forças de poder dos atores sociais que estão presentes neste espaço que tencionam e geram conflitos entre si, configurando em uma forma de diálogo entre os diversos interesses que convivem no território. Essa articulação entre atores e espaços urbanos tem sido permeada por uma das ferramentas da iniciativa privada, o marketing. Contudo, as relações mediadas por esse instrumento refletem a forma de se fazer negócios e não a interação entre cidadãos e espaços urbanos.

Marketing urbano: funções e aplicações no contexto das cidades

A essência do marketing é a busca e a criação de mercados (tanto novos, como já consolidados), gerando relacionamentos e vínculos mercantilizados através de produtos comercializáveis (KOTLER, 1998KOTLER, P. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas , 1998. ; COBRA, 1992COBRA, M. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1992. ). De forma abrangente, o marketing utiliza um conjunto de técnicas singulares que permite a possibilidade de permutas entre os indivíduos, sendo essas permutas atravessadas pelo capital econômico. Portanto, esses câmbios mercadológicos não são feitos somente entre instituições, mas também com a sociedade, que é influenciadora no processo como um todo, pois é a partir de sua demanda de necessidades que os articuladores do marketing se posicionam e estabelecem as estratégias que irão utilizar em um determinado mercado. Ressalta-se igualmente que o conceito de marketing generaliza a concepção de sociedade, abarcando a todos. No entanto, se o marketing tem relação direta com a venda e logística de produtos é sensato também afirmar que a sociedade a qual o conceito se refere é aquela que tem maior poder de compra.

Debater sobre o tema marketing, portanto, é pensar sobre a lógica dos produtos e sua logística, assim como sobre o raciocínio do próprio mercado. Enquanto Kotler e Keller (2006KOTLER, P.; KELLER, K. Administração de Marketing: a bíblia do marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. , p. 4), referem-se ao marketing como “[...] um processo social pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam por meio da criação, da oferta e da livre troca de produtos e serviços de valor com outros”, a American Marketing Association (2016AMERICAN MARKETING ASSOCIATION. About AMA, 2016 Disponível em: <https://www.ama.org/AboutAMA/Pages/Definition-of-Marketing.aspx>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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, tradução nossa), o define como “[...] uma atividade, um conjunto de instituições e de processos para criar, comunicar, oferecer e trocar ofertas que tenham valor para os consumidores, clientes, parceiros e para a sociedade como um todo”. A partir dessas duas perspectivas, algumas variáveis se sobressaem: (i) o processo social, (ii) as necessidades criadas pelo mercado e (iii) o valor. Destarte, entende-se o marketing como uma negociação entre indivíduos e organizações, que causam determinado impacto à sociedade, expondo questões de múltiplas dimensões (social, cultural, política, econômica), porém sempre no contexto de um modelo de negócios (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 3.0: As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.).

Kotler (2001KOTLER, P. Administração de marketing . São Paulo: Prentice Hall, 2001., p. 6) salienta ainda que “[...] os consumidores deparam-se com diversos tipos de produtos e serviços, fazendo suas escolhas com base em suas percepções do valor que estes os proporcionam”. Desta forma, o marketing ganhou um papel crucial para as organizações, visto que suas estratégias influenciam as opções cotidianas das pessoas e também estabelecem relações entre elas mediadas por produtos (objetos) desenvolvidos a partir de uma demanda criada de necessidades oriundas dos consumidores. Entretanto, apesar de o marketing ser uma técnica surgida do universo empresarial, algumas de suas metodologias estão sendo incorporadas pelo poder público no contexto da gestão urbana. O intuito principal dessa incorporação é o de criar uma imagem favorável às cidades, agregando-lhes maior valor a seus moradores e, especialmente, aos investidores de capital externo.

A sociedade contemporânea busca conceber modelos ideais (sejam de produtos ou de cidades) ancorados em casos de sucesso, generalizando-os e transformando-os em um padrão que possa ser aplicado a outros contextos (no caso em estudo, a outros espaços urbanos), sem precisar considerar suas particularidades locais (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.). Logo, esses modelos construiriam uma imagem a ser seguida pelas boas práticas entre os atores presentes em um território. Se os atores que discutem essas questões são apenas de um ou dois setores do mercado, questiona-se como eles poderiam dar conta de um território que é tão diverso e engloba tantos outros atores. O marketing urbano tem a função de planejar ações e estratégias (KOTLER; KELLER, 2006KOTLER, P.; KELLER, K. Administração de Marketing: a bíblia do marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. ) para que uma cidade atinja objetivos propostos, considerando o mercado em que está inserida e não necessariamente o aspecto voltado ao social (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.).

Essa promoção da cidade (como também é chamado o marketing urbano) pode ocorrer em diversas escalas: local, regional ou global e é feita a partir do arranjo de forças entre poder público e privado no qual há “[...] uma clara confluência de interesses entre o governo da cidade e os setores empresariais” (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F.; MOURA, R. Cidades-modelo: espelhos de virtude ou reprodução do mesmo? Cadernos IPPUR, v. XIII, n. 2, p. 95-114, 1999., p. 5). Nessa lógica, economicamente o poder público dependeria mais da iniciativa privada do que o inverso. As práticas de city marketing e marketing urbano ou promoção da cidade (nomenclaturas utilizadas pelo mercado), referem-se à venda de um produto - nesse caso, a cidade -tornando mais importante o poder do capital e os interesses de uma minoria do que a elaboração de um planejamento urbano eficiente que levasse em conta as verdadeiras necessidades e preocupações de seus cidadãos.

Visto por este ângulo, o posicionamento das cidades e sua colocação em um ranking entre cidades, como fatores relevantes no contexto de uma administração pública contemporânea está ancorada também no marketing urbano (RIES; 1994RIES, A.; TROUT, J. As 22 consagradas leis do marketing. São Paulo: Makron Books: Madia e Associados, 1994. ). Nesse sentido, o poder público prioriza as estratégias discursivas (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) oriundas do universo empresarial - e que podem elevar a imagem da cidade a um circuito econômico global - em detrimento de políticas públicas que atendam aos anseios de toda a sociedade - inclusive aos da camada de menor poder aquisitivo, caracterizando-as como cidades-produto (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Buscando um lugar ao sol para as cidades: o papel das atuais políticas de promoção urbana. Revista Paranaense de Geografia, n. 4, 1999. Disponível em <Disponível em http://www.agbcuritiba.hpg.ig.com.br/Revistas/Rpg3/4fernanda.htm >. Acesso em: 15 set. 2015.
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) e também como cidades-mercadorias (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.). Tanto o sentido de produto quanto o de mercadoria referem-se a objetos que podem ser vendáveis em um mercado, dentro da lógica de que quem paga mais, leva.

Aqui se faz pertinente o seguinte questionamento: se a cidade é um produto, uma mercadoria que tem um valor a partir de um ranking que evidencia a competitividade entre esses espaços urbanos, para quem ela é vendida? Para os cidadãos ou para quem é de fora da cidade? Conforme salientado por Pereira (2003PEREIRA, V. Planejamento urbano e turismo cultural em Belo Horizonte, Brasil: espetacularização da cultura e a produção social das imagens urbanas. CONGRESSO VIRTUAL DE TURISMO, 2, 2003. Anais... 2003. Disponível em: <http://www.equiponaya.com.ar/turismo/congreso2003/ponencias/Valnei_Pereira.htm>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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, p. 5), o city marketing refere-se a uma (re)significação promocional competitiva da cidade como um todo, limitada ao desejo de melhora estética no tecido urbano. A preocupação com essas estratégias mercadológicas inseridas de forma padronizada em ambientes públicos expõe a adesão de tendências internacionais vinculadas a uma competitividade entre territórios em diversas escalas e principalmente na escala global. Nesse sentido, Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) afirma que há uma contradição entre a cidade como espaço, objeto e sujeito de negócios (city) e a cidade como espaço de encontro e confronto entre cidadãos (polis).

Segundo Botelho (2007BOTELHO, A. A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital do município de São Paulo. Cadernos Metrópole, n. 18, p. 15-38, 2007. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8727>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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), há uma crescente inserção da produção de espaço nos circuitos de acumulação capitalista. É relevante discutir os impactos dessa acumulação na configuração espacial urbana e na estrutura das desigualdades socioespaciais dos espaços urbanos e das cidades. Leva-se em consideração a trajetória histórica do espaço no modo de produção capitalista, no qual o espaço passou a fazer parte de circuito de valorização de capital, especialmente por meio da comercialização da terra. Assim, a produção do espaço torna-se um elemento estratégico para a acumulação do capital, mas também insere-se como parte de uma complexa relação dialética. Passa, portanto, a ter um papel mais ativo, isto é, a ser utilizado operacional e instrumentalmente pela classe hegemônica que, consequentemente, dispõe de um duplo poder (BOTELHO, 2007BOTELHO, A. A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital do município de São Paulo. Cadernos Metrópole, n. 18, p. 15-38, 2007. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8727>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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): 1) através da propriedade privada do solo e, 2) através da globalidade à ação do Estado. Os benefícios desproporcionais de uma única classe social (a hegemônica) - que detém maior poder capital - estruturam as desigualdades socioespaciais, fazendo com que a cidade se torne um grande negócio para o capital. Nesse sentido, as regras mercadológicas ditam um novo ordenamento na configuração socioespacial.

Esse novo ordenamento, na medida em que o espaço se incorpora ao capital como meio de produção, acarreta em um processo de privatização, por meio da mercantilização do próprio espaço, então influenciado pela dinâmica do modo de produção capitalista. Alguns exemplos podem ser os shoppings centers, empreendimentos de turismo, centros empresariais, entre outros. Várias são as estratégias que criam uma demanda específica para o consumo desse espaço que é duplamente mais produtivo, produzindo mais valia e outros espaços, urbanizando o planeta (BOTELHO, 2007BOTELHO, A. A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital do município de São Paulo. Cadernos Metrópole, n. 18, p. 15-38, 2007. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8727>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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), gerando a lógica de um mercado de negócios de territorialidades urbanas.

Territorialidades urbanas e cidade-mercadoria: desafios contemporâneos das cidades

Hoje os territórios estão preocupados em inserir-se cada vez mais na lógica do mercado, do capitalismo, no qual passam a ser uma mercadoria com uma marca impressa. De acordo com Trindade Júnior (1998TRINDADE JÚNIOR, S. C. C. Agentes, redes e territorialidades urbanas. Território, v. III, n. 5, p. 31-50, 1998.), o espaço urbano também pode ser compreendido como condição e meio de realização da dinâmica social, e não somente como produto da sociedade. Para tanto, dois conceitos são discutidos: território e territorialidade.

Embora o território seja oriundo da noção de espaço, ele se distingue de algo já dado, pois é um produto resultante do jogo de forças entre os atores sociais que ali estão inseridos e, portanto, da criação de sentido para aquele espaço físico (RAFFESTIN, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.). Consiste em um complexo moldado por uma multiplicidade de objetos espaciais, naturais ou construídos, como instrumentos que estabelecem uma identidade étnico-sociocultural (LEFEBVRE, 2002LEFEBVRE, H. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.). É entendido como uma forma de mediação entre a relação dos agentes e o espaço, configurados no interior do espaço urbano (TRINDADE JÚNIOR, 1998TRINDADE JÚNIOR, S. C. C. Agentes, redes e territorialidades urbanas. Território, v. III, n. 5, p. 31-50, 1998.). Destarte, os territórios presentes na cidade remetem às frações do urbano que são demarcadas e controladas constantemente pelas forças que se estabelecem entre seus atores sociais.

As territorialidades, portanto, estão relacionadas com as articulações locais (FLORES, 2006FLORES, M. A identidade cultural do território como base de estratégias de desenvolvimento: uma visão do estado da arte. RIMISP, 2006. Disponível em: <http://indicadores.fecam.org.br/uploads/28/arquivos/4069_FLORES_M_Identidade_Territorial_como_Base_as_Estrategias_Desenvolvimento.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
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) de seus agentes responsáveis pela dinâmica da cidade, que estão por trás da apropriação da terra urbana. Trindade Júnior (1998TRINDADE JÚNIOR, S. C. C. Agentes, redes e territorialidades urbanas. Território, v. III, n. 5, p. 31-50, 1998.) cita alguns exemplos dessas articulações dos agentes produtores do urbano: 1) o Estado e os agentes sociais excluídos; 2) os agentes sociais excluídos e os candidatos a cargos políticos; 3) o Estado e as empresas incorporadoras/construtoras; 4) os agentes sociais excluídos e os proprietários fundiários; 5) o Estado e os proprietários fundiários e; 6) os agentes financiadores e as incorporadoras.

Dessa forma, percebem-se articulações em cadeias de interesses e ações que se tornam complexas, constituindo uma trama de relações que envolvem uma pluralidade de agentes. Nesse contexto, os agentes buscariam obter vantagens diferenciadas para o jogo de interesses coletivos dessa cadeia em particular. Assim, os agentes hegemônicos, além de exercerem um poder maior naquele espaço específico, também articulam-se em prol de seus interesses, sejam esses compartilhados ou não com os demais agentes.

A rede de articulação age como uma trama de relações que abarca ações locais estratégicas vinculadas à apropriação de terra urbana, configurando-se como linhas de frente da reestruturação espacial que dão forma ao tecido urbano. No sentido de vínculos de convergência de interesses, os atores hegemônicos não se opõem. Ao contrário, unem-se em prol de interesses coletivos entre eles, podendo romper essa união em outros momentos quando os interesses não forem mais compartilhados. Tudo depende da estratégia utilizada naquela situação específica. Essa rede possui características peculiares, pois: a) representam coalizões público-privadas; b) sua composição pode mudar de um lugar para o outro; c) suas ações capitalistas são heterogêneas; d) pode haver mais de uma rede e; e) suas manifestações não são necessariamente explícitas, atuando muitas vezes de maneira corrupta. A forma como essa realidade se apresenta mostra a importância de saber negociar e renegociar, além de estabelecer a construção de uma imagem de poder perante a própria rede, assim como perante as demais redes que se mobilizam por meio de interesses hegemônicos (TRINDADE JÚNIOR, 1998TRINDADE JÚNIOR, S. C. C. Agentes, redes e territorialidades urbanas. Território, v. III, n. 5, p. 31-50, 1998.).

Isto posto, percebe-se que os territórios e suas territorialidades são mediadores entre agentes e espaço. A existência de territórios na cidade pressupõe frações do urbano demarcadas e controladas constantemente por determinadas ações de agentes. Por serem esses territórios também usados para conter, restringir ou excluir os indivíduos, estabelecem uma relação de tríade: agente-espaço-agente (BOTELHO, 2007BOTELHO, A. A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital do município de São Paulo. Cadernos Metrópole, n. 18, p. 15-38, 2007. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8727>. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://revistas.pucsp.br/index.php/metro...
). Para compreender o território, deve-se, ainda, abordar a questão da identidade, do sentimento de pertencimento e do espaço vivido, assim como a ideia de territorialidade, considerada a partir do tipo de relação que se estabelece entre os indivíduos e os grupos. Salienta-se que ambos território e territorialidade mantém um vínculo intrínseco entre si. Nesse encadeamento estão ainda inseridas as concepções de desterritorialização e reterritorialização, reafirmando que no espaço urbano há territorialidades diversas, conforme os interesses de seus agentes.

O espaço não é apenas produto ou reflexo das relações sociais, mas também é capaz de produzir tais relações através das articulações entre as redes de seus agentes que nele se formam. Os territórios e as territorialidades, portanto, são expressões espaciais da presença do poder desses agentes em suas múltiplas dimensões, construindo e mantendo as organizações espaciais (TRINDADE JÚNIOR, 1998TRINDADE JÚNIOR, S. C. C. Agentes, redes e territorialidades urbanas. Território, v. III, n. 5, p. 31-50, 1998.). Nesse sentido, Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) instiga uma reflexão sobre o papel das cidades. O primeiro é o da cidade-mercadoria, no qual a cidade é vista como se fosse uma mercadoria (objeto) a ser vendida em um mercado altamente competitivo no qual outras cidades também estão à venda. Nesse caso, busca-se promover a cidade para o exterior, levantando a seguinte questão: o que se vende quando se vende uma cidade? Até mesmo a miséria é redefinida como um problema paisagístico. De objeto, a cidade passa a ser o sujeito da ação, no conceito chamado por Vainer (2002) de cidade-empresa e por Harvey (2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) de empreendedorismo urbano.

Por esse ponto de vista, as cidades tornam-se mais competitivas e buscam aumentar, além de tudo, seu poder de atração para captar um maior número de investimentos e tecnologias. Produtividade e competitividade são condicionadas à lógica do mercado e estão inseridas dentro do planejamento estratégico urbano que utiliza estratégias de um agressivo marketing urbano. Salienta-se que quando o termo “privado” é utilizado nos planos urbanos, refere-se aos interesses privados do capital.

Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) ainda aborda o poder do discurso de que a cidade compete, a cidade deseja, a cidade necessita, facilitando a aceitação de ideias que são submissas ao poder do capital. Dois elementos se destacam neste contexto: a necessidade (percepção) da consciência de uma crise e o patriotismo à cidade. Por essa perspectiva, torna-se estrategicamente relevante à cidade manter-se coesa com o que almeja, assim como uma empresa (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.), e como cidade-empresa, despolitizar-se (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.). Nesse processo, há uma mudança gerencial e também conceitual na cidade que a converte em um sujeito econômico que legitima a adequação de instrumentos do poder público por grandes grupos empresariais privados, desconsiderando os interesses sociais das demais parcelas da população (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.), como é o caso da cidade do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro: uma cidade maravilhosa para quem?

Localizado no Brasil, o município do Rio de Janeiro comemorou seus 450 anos em fevereiro de 2015. Conhecida como a cidade maravilhosa, já foi de capital da colônia à sede do Império português e distrito federal da República, testemunhando e protagonizando diversos capítulos da história do Brasil (CARVALHO, 1990CARVALHO, D. História da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1990. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204210/4101378/historia_cidade_rio_janeiro.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/...
). Na contemporaneidade, converge seus esforços no esporte, tendo sido em 2016, palco dos primeiros Jogos Olímpicos e Paraolímpicos da América do Sul.

Além das belezas naturais (paisagens, praias, morros, etc), arquitetura diferenciada e de seu destaque na mídia (local, regional e global) pelo Carnaval e pela Bossa Nova, o Rio de Janeiro foi também cenário de anos de crescimento do poder do tráfico de drogas e da incapacidade de gestão do poder público, proporcionando o ambiente para o aumento da criminalidade e violência. Nas últimas décadas, as políticas públicas trouxeram mudanças ao espaço urbano, como por exemplo, na área de segurança com a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas do município. Ademais, a mídia enfatiza constantemente que houve novos investimentos no setor de petróleo e em infraestrutura recentemente. Todas essas notícias viabilizaram estrategicamente o resgate da imagem desta cidade diante do resto do mundo, tornando-a apta a receber os Jogos Olímpicos 2016.

Contudo, percebe-se que essas mudanças são efeito de estratégias do marketing urbano para valorizar a imagem da cidade, que hoje se posiciona como uma das cidades mais poderosas do mundo. Nesse contexto, questiona-se para quem é feito este posicionamento. Criou-se, em 2011, uma marca que tem como conceito “Rio de Janeiro, a marca registrada do Brasil” (Figura 1). Ao se posicionar desta forma, a cidade coloca-se também como a marca-lugar e a cidade mais relevante do país. É uma estratégia ousada, mas bastante utilizada no universo das marcas, enaltecendo demasiadamente os valores simbólicos construídos mercadologicamente para as marcas.

Figura 1:
Marca Rio de Janeiro criada em 2011

Quando o assunto é marketing urbano, outras questões ainda emergem e problematizam a realidade do estudo de caso aqui apresentado. Torna-se, portanto, relevante a definição de quais estratégias a cidade maravilhosa irá adotar uma vez passados os megaeventos que a posicionaram como uma marca poderosa. Sendo assim, as festividades do 450ª aniversário da cidade (2015) e as realizações da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos (2016), embora eventos estratégicos importantes para a marca do Rio de Janeiro, necessitam de mais estrutura para se manter em um panorama global de cidades.

Utilizar-se de estratégias, como o marketing aplicado às cidades tem se tornado uma prática recorrente. Dessa forma, assim como as empresas utilizam essas estratégias para serem competitivas frente às demais empresas (OLIVEIRA, 1999OLIVEIRA, D. P. R. Planejamento Estratégico: Conceitos, Metodologia e Práticas. 13 ed. São Paulo: Atlas , 1999.), o estabelecimento da marca do Rio de Janeiro parece também contemplar a utilização de estratégias competitivas perante as demais cidades. Apresenta minimização de problemas e exalta suas potencialidades, como as estruturas físicas e as naturais. Contudo, essa minimização é simbólica, pois, sem uma gestão pública que busque a solução adequada, o simples fato de um lugar posicionar-se como marca não erradica tais problemas independentemente de quais sejam suas dimensões social, cultural ou ambiental.

De acordo com Ries e Trout (1996RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira, 1996.) há vinte e duas leis de posicionamento, sendo várias delas utilizadas pela marca RJ. Entretanto, destacar-se-á apenas uma delas que, de certa forma, enfatiza (todo) o conceito da marca RJ. A referência é à lei da liderança que sugere que é melhor ser o primeiro no mercado do que o segundo. No caso da marca RJ, ela é a primeira marca-cidade que se coloca, em um jogo de linguagem publicitária dúbia, como a marca registrada do Brasil, dando a entender que ela é a original e a única que representaria o país no exterior, mais até do que a própria marca do Brasil. A nova imagem construída cria o cenário de uma metrópole moderna e robusta, que, conforme consta no site da marca, é “[...] capaz de resumir o momento do Brasil, um dos mercados mais ambicionados pelas grandes empresas mundiais de bens de consumo” (VETTORAZZO, 2011VETTORAZZO, V. O resgate da marca Rio. Exame, 22 dez. 2011. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/o-resgate-da-marca-rio/>. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://exame.abril.com.br/revista-exame/...
).

Isto posto, reflete-se sobre quem está a se beneficiar destas estratégias de marketing, que posicionam a cidade literalmente como se fosse um produto. A complexidade de gerir um lugar é muito maior do que a gestão de um produto ou empresa, tornando-se relevante conhecer as diferenças dessas gestões e de ambiente controlado ou não.

Se a marca RJ resume o momento do país, indaga-se: qual momento seria esse? Seria um país maravilha, sem problemas sociais, ambientais, culturais e econômicos? E a própria desigualdade social não existiria no país? E na cidade maravilhosa, não existe nenhum problema dessa natureza? Não é o que se percebe no Rio de Janeiro e nem no Brasil, tendo em vista sua diversidade econômica, cultural e social. Inúmeros problemas podem ser apontados, tanto na cidade maravilhosa, quanto no país. Prova disso é que diariamente os noticiários retratam casos de violência, desigualdades, falta de moradia, problemas estruturais nas rodovias, habitação, saúde, segurança, etc. Enfim, mostram que a realidade que se estabelece a partir da marca RJ é bem diferente da realidade que se apresenta na cidade do Rio de Janeiro.

Outro ponto que se destacou foi a publicação no Diário Oficial (RIO DE JANEIRO, 2016RIO DE JANEIRO. Decreto nº 45.692, de 17 de junho de 2016. Decreta estado de calamidade pública, no âmbito da administração financeira do estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 17 jun. 2016. p. 1. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/calamidade-publica.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://s.conjur.com.br/dl/calamidade-pub...
), decretando estado de calamidade pública do Estado do Rio de Janeiro a quarenta e nove dias antes das Olímpiadas Rio 2016. Destaca-se ainda a grave crise financeira vivida pelo estado no momento atual que, com um déficit2 2 Déficit público ocorre quando o valor das despesas de um governo é maior do que suas receitas. de R$ 19 bilhões, gerou dúvidas quanto à real capacidade de cumprimento das obrigações com a Olímpiada. A situação na qual o Rio de Janeiro se encontra mostra a fragilidade do estado em relação a segurança pública, saúde, educação, mobilidade e gestão ambiental. Embora esse decreto refira-se ao estado do Rio de Janeiro, estas medidas refletirão também na marca da cidade do Rio de Janeiro.

Ao lembrar das vinte e duas leis de posicionamento de Ries e Trout (1996RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira, 1996.), a lei da liderança determina que é sempre melhor ser o primeiro no mercado. Nesse sentido, a marca RJ posiciona-se dessa forma ao afirmar que é a marca registrada do país e o palco dos primeiros Jogos Olímpicos e Paraolímpicos da América do Sul. Contudo, é preciso conseguir manter-se nesta posição, mas a crise do estado do Rio de Janeiro compromete seriamente esse posicionamento da marca RJ e ainda compromete a (re)construção da imagem dos espaços públicos urbanos. Ainda no que diz respeito ao referido decreto, é mencionado que: “[...] Considerando, por fim, que os eventos possuem importância e repercussão mundial, onde qualquer desestabilização institucional implicará um risco à imagem do país de dificílima recuperação [...]” (RIO DE JANEIRO, 2016RIO DE JANEIRO. Decreto nº 45.692, de 17 de junho de 2016. Decreta estado de calamidade pública, no âmbito da administração financeira do estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 17 jun. 2016. p. 1. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/calamidade-publica.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://s.conjur.com.br/dl/calamidade-pub...
, n.p.). Por esse prisma, ressalta-se ainda a preocupação mencionada no documento com a imagem do país, ou seja, de que haveria um reflexo negativo no posicionamento da marca-cidade RJ, ainda que o estado de calamidade refira-se ao estado e não ao município.

Ao criar uma marca que se posiciona como a cidade mais poderosa do país através de estratégias de marketing urbano ancoradas no poder do capital, a cidade do Rio de Janeiro faz mais opções mercadológicas do que citadinas. Em outras palavras, a preocupação é muito maior com a iniciativa privada, principalmente com o capital internacional, buscando atrair investimentos externos. Salienta-se que deveria, ao contrário, haver maior comprometimento com o aprofundamento dos problemas internos da cidade e com os cidadãos que vivem nesse território. Segundo o pesquisador Christopher Gaffney (PUFF, 2015PUFF, J. Rio, 450 anos: cinco grandes desafios para o futuro. BBC Brasil, 28 fev. 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150228_rio_450_anos_jp>. Acesso em 15. dez. 2016.
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), os megaeventos do Rio de Janeiro tendem a tornar a cidade mais cara, mais excludente, mais fragmentada e mais segregada. Diante desse panorama, percebe-se que uma marca-cidade que privilegia o atendimento do público externo em detrimento do interno corre o risco de se tornar uma marca vazia.

Outra opção mercadológica que está presente na gestão público-privada é o uso do planejamento estratégico oriundo da iniciativa privada aplicado pela administração pública, no qual o marketing marca fortemente sua presença, fazendo com que haja certa tensão entre os grupos sociais pertencentes ao território. Nesse sentido, debate-se sobre a utilização dos espaços públicos, levando-os a ter seu uso revitalizado com o apoio de uma gestão compartilhada entre poder público e privado. Esse compartilhamento de gestão tem como fio condutor estratégias de marketing que visam à (re)construção não somente dos espaços, mas pincipalmente da imagem desses espaços públicos. Dito em outras palavras, moradores de áreas de grande potencial são remanejados para outros lugares, passando essas áreas por um processo de revitalização que lhes garantem um valor imobiliário muito maior.

Este processo de gentrificação altera as dinâmicas da composição local, promovendo práticas de reapropriação de espaços públicos pelo mercado, conferindo a estes locais um novo valor econômico e simbólico, orientando-os a um consumo residencial ou de serviços para as camadas sociais mais elevadas (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Buscando um lugar ao sol para as cidades: o papel das atuais políticas de promoção urbana. Revista Paranaense de Geografia, n. 4, 1999. Disponível em <Disponível em http://www.agbcuritiba.hpg.ig.com.br/Revistas/Rpg3/4fernanda.htm >. Acesso em: 15 set. 2015.
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). É o caso do projeto “Porto Maravilha” que transformou espacial e simbolicamente a Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Uma estratégia que busca somente a captação de recursos financeiros sem estar acompanhada de uma política pública que priorize os espaços urbanos agrava ainda mais os problemas sociais da cidade. A exemplo disso, na campanha de 2015, cujo slogan foi “Não é só você que tem orgulho de ser do Rio. As indústrias também”, há uma valorização pelo orgulho de ser do Rio de Janeiro (tanto cidade quanto Estado), incluindo claramente a presença das indústrias (poder do capital), locais e internacionais, neste sentimento construído mercadologicamente a partir de estratégias de posicionamento globais (RIES; TROUT, 1996RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira, 1996.).

Essa estratégia da marca RJ contempla ainda as parcerias com marcas de produtos reconhecidas globalmente, como a do uísque Johnnie Walker, que recentemente lançou sua nova campanha, na qual o morro do Pão de Açúcar (cartão postal do Rio de Janeiro) é retratado como sendo um gigante adormecido que levanta e começa a andar (mote da marca Johnnie Walker). Ao final do material institucional coproduzido pelas marcas aparece o slogan do famoso uísque (Keepwalking) adaptado à marca RJ que ficou traduzido como “Siga em frente, Brasil” (Keppwalking, Brazil).

Outras organizações de distintos produtos e serviços como iogurte da Nestlé, a vodka Absolut, a alemã Volkswagen, a japonesa Nikon (câmeras fotográficas) e os Bancos Itaú, Bradesco e Santander, também fizeram parcerias de publicidade global para usar os signos cariocas em suas campanhas recentes no Brasil e estratégias para reforçar o compromisso e o sentimento de pertencimento local com aquele território em particular. Os estrategistas de marketing, portanto, criam oportunidades de negociação entre os indivíduos e organizações, conforme salientado por Kotler, Kartajaya e Setiwan (2010KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 3.0: As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.), ao mesmo tempo em que evidenciam múltiplas dimensões, tendo como parâmetro um modelo de negócios (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.; VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) oriundo de um dinâmico circuito econômico.

Dentro desse contexto de que a cidade do Rio de Janeiro foi a anfitriã global dos Jogos Olímpicos 2016, percebe-se também a inclusão de um discurso (como se a cidade fosse um sujeito) de que a cidade irá também vencer o medo da falta de segurança municipal. É a cidade que coloca-se desta forma, não seu poder público local. Há, portanto, um discurso (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) de reconquista de espaços públicos ancorados em estratégias eficientes e influenciadoras de marketing urbano (KOTLER, 1998KOTLER, P. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas , 1998. ; COBRA, 1992COBRA, M. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1992. ) que permeiam uma série de discussões sobre para quem a cidade do Rio de Janeiro seria a cidade maravilhosa (mote publicitário: Rio de Janeiro, cidade maravilhosa). Para quem detém o poder do capital ou para seus cidadãos? Uma dessas questões perpassa por uma estratégia de marketing ousada e arriscada, na qual a própria Prefeitura do Rio de Janeiro solicitou ao Google a retirada do mapa online de algumas de suas favelas (REMOÇÃO, 2011REMOÇÃO virtual: Google reduzirá presença de favelas no mapa do Rio. Cidades Possíveis, 8 maio 2011. Disponível em: https://curtlink.com/4sZQPJA. Acesso em: 15 dez. 2016.
https://curtlink.com/4sZQPJA...
).

O intuito era que as favelas desaparecessem da busca no Google Maps3 3 Google Maps é um serviço de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite da Terra gratuito na web. Fornecido e desenvolvido pela empresa estadunidense Google, de âmbito global. , reconstruindo mercadologicamente a imagem daqueles espaços. Destarte, as favelas Sumaré e Morro do Chacrinha, em Rio Comprido, na zona norte do Rio de Janeiro, não existiriam mais enquanto favelas nessa busca online. O termo favela foi retirado da localização de inúmeras comunidades da capital carioca, dando a impressão de que elas seriam bairros e não favelas que se relacionam diretamente com a pobreza do município. O pedido foi feito há quatro anos pela RioTur (empresa de Turismo do município do Rio de Janeiro). Abaixo, duas imagens do Google Maps, uma de 2011 (Figura 2) e outra de 2013 (Figura 3), porém com nomenclaturas diferentes do mesmo território.

Figura 2:
Localização das favelas do Rio de Janeiro em 2011

Figura 3:
Localização sem o termo favelas em 2013

Nesse contexto, a cidade é colocada como uma mercadoria na qual, conforme salientado por Vainer (2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.), a miséria é redefinida como um problema paisagístico que precisaria ser corrigido. A correção, neste caso, foi a supressão do termo favela de um mapa global que, a pedido de um órgão público municipal, no contexto de ser o anfitrião dos Jogos Olímpicos de 2016, redefine um território a partir de uma visão empresarial voltada à construção de uma imagem mercadológica da cidade, expondo assim sua subordinação ao poder do capital. O empreendedorismo urbano (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) é caracterizado pela parceria público-privada que tem a preocupação em atender aos objetivos políticos e econômicos em detrimento da melhoria das condições de vida da população de baixa renda.

As modificações realizadas no espaço urbano são vistas como empreendimentos que transformam a cidade em um lugar de consumo e não em um lugar de produção e interação entre seus atores. As estratégias do empreendedorismo urbano (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) e da transfiguração da cidade em mercadoria e em empresa (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) dinamizam esse espaço urbano economicamente pela lógica do capital internacional, tornando-o competitivo em um ranking global.

Dentro da lógica do marketing urbano aplicada ao contexto das cidades, observa-se que alguns elementos se sobrepõem (COBRA, 1992COBRA, M. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1992. ; KOTLER, 1998KOTLER, P. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas , 1998. ). É na cidade que as mudanças estratégicas ocorrem, estabelecendo vários relacionamentos socioeconômicos (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.; VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) e gerando um sentido de mercado nesse espaço. Seria nele e para ele que as ações de marketing são elaboradas estrategicamente, forjando na cidade o fundamento de mercadoria (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) e o de produto (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F.; MOURA, R. Cidades-modelo: espelhos de virtude ou reprodução do mesmo? Cadernos IPPUR, v. XIII, n. 2, p. 95-114, 1999.). Também há outro aspecto que se evidencia nesse contexto, o de marketing urbano considerar a cidade como um sujeito (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) que age nesse mercado, conferindo-lhe um caráter empreendedor (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) em um espaço urbano que se utiliza de um discurso (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.) de que a cidade compete e deseja agir para manter a imagem edificada mercadologicamente.

Dessa forma, quando se aborda o tema marketing aplicado ao contexto urbano, há a sobreposição de quatro variáveis: (i) mercado, (ii) mercadoria/produto, (iii) empresa e (iv) discurso, que seguem a lógica dos interesses do capital, principalmente o estrangeiro, pois é para ele que a imagem da cidade é construída. Quando se aplicam estratégias de marketing no contexto urbano, pode-se até (re)construir a imagem desses espaços, porém, não haveria como eliminar as questões sociais existentes nesses territórios. O que ocorre é um mascaramento superficial dessas situações vulneráveis e o enaltecimento de uma imagem mercadológica, o que é inclusive evidenciado por meio da comparação entre os dois mapas fornecidos pelo Google Maps nos anos de 2011 e 2013. Diante dessa situação, questiona-se o uso indiscriminado de estratégias globais padronizadas pelas cidades sem considerar suas particularidades e, principalmente, sem levar em consideração a totalidade e a diferenciação de seus cidadãos - que são quem produzem os territórios.

Considerações finais

Os territórios que utilizam de forma difusa o marketing urbano, ficando subordinados ao poder do capital, principalmente o internacional, transmitem uma imagem construída mercadologicamente em âmbito global. Essa imagem edificada considera as cidades e seus territórios como uma estrutura empresarial, ao mesmo tempo em que a coloca como uma mercadoria a ser comercializada (vendida) em um mercado global que segue um padrão genérico. Desconsidera a realidade e as territorialidades dos indivíduos menos favorecidos financeiramente, assim como os próprios recursos naturais do território, em prol de recursos econômicos e excluindo mais do que incluindo a população local. As cidades apresentam-se assim como arenas privilegiadas e estratégicas na produção capitalista do espaço urbano e regional.

Nesse estudo observou-se o agressivo uso do marketing urbano, não só na questão do planejamento urbano, mas também em uma ação de uma cidade (no caso a retirada do termo favela do Google Maps) que se posiciona como mercadoria e como empresa que utiliza estratégias necessárias para vender a imagem que construiu para que pudesse ser a anfitriã (sujeito) dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Não houve uma preocupação real com os problemas sociais das favelas cariocas, mas uma preocupação maior com a imagem de que essas não existem, ou seja, houve um mascaramento das questões sociais presentes naquele território. Ao agir desta forma, as cidades retiram totalmente seu caráter de espaço de encontro e confronto entre cidadãos para se constituírem como objetos vendáveis em um mercado de cidades, transmitindo a mensagem da força do capital econômico em detrimento da produção social do espaço urbano.

As ações de marketing da cidade do Rio de Janeiro expõem ainda um marketing que reforça esse conceito mercadológico, deixando fragilizada uma parcela da população como se esta não fizesse parte daquele território. Constroem-se imagens que colocam a cidade no contexto de uma mercadoria (VAINER, 2002VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 75-103.), como se esta fosse um produto de uma empresa, ignorando as preocupações de cunho social e ambiental. Insere-se uma dinâmica empresarial (HARVEY, 2005HARVEY, D. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163-190.) que é orientada por um mercado (nesse caso, o mercado de cidades) que segue uma lógica capitalista. Utilizam-se estratégias mercadológicas e políticas pra (re)definir e (re)construir a imagem de espaços públicos que venham a gerar valor econômico a uma parcela menor da população.

A cidade deixa, portanto, de cumprir seu papel de espaço de encontro entre cidadãos para que possa ser vendida globalmente e, assim, atrair novos investimentos, turistas e mais capital. Enfim, a preocupação passa a ser com o outro, isto é, com quem é de fora da cidade, e não mais com quem vivencia aquele território; excluindo, portanto, mais do que incluindo, quem nela reside.

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  • 1
    Território aqui compreendido pela visão de Raffestin (1993)RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. como espaço de jogo de poder entre seus atores sociais.
  • 2
    Déficit público ocorre quando o valor das despesas de um governo é maior do que suas receitas.
  • 3
    Google Maps é um serviço de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite da Terra gratuito na web. Fornecido e desenvolvido pela empresa estadunidense Google, de âmbito global.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2016
  • Aceito
    22 Jul 2016
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