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Comércio, serviços e cidade: subsídios para gestão urbana

Retailing and Services Activities and the City: Contributions for Urban Management

Resumo

O presente artigo pretende contribuir para o entendimento da complexidade do setor terciário, que implica diferentes demandas locacionais, com vistas a fornecer subsídios para alimentar políticas urbanas mais consistentes. Para tanto, discorre-se, inicialmente, sobre a dificuldade de conceituação e classificação das atividades terciárias, buscando explicitar as diferenças entre manufatura, comércio e serviços. Na sequência, são apresentados e discutidos: a composição do terciário; o domínio público ou privado e sua relação com o consumidor (empresas ou indivíduos), bem como sua organização espontânea ou planejada, além de sua alta capacidade de incorporar mudanças. Essas preferências locacionais, nas sociedades capitalistas, que têm como objetivo a viabilidade dos respectivos negócios, apresentam relação direta com a dinâmica urbana (usos e fluxos) e podem, se bem compreendidas, auxiliar na implementação de políticas públicas de dinamização e requalificação urbana.

Palavras-chaves:
Setor terciário; Comércio e serviços; Demandas locacionais; Gestão urbana; Comércio e cidade; Políticas públicas

Abstract

This article intends to contribute to the understanding of the different locational demands that derive from the different categories of activities, which are included in the tertiary sector aiming to feed consistent urban policies. In this way, it discusses, initially, on the difficulty of conceptualizing and classifying tertiary activities, seeking to make explicit the differences between manufacturing, commerce and services. Then, it presents and discusses: the composition of the tertiary sector; the public or private domain; their relationship with the consumer (companies or individuals); their spontaneous or planned organization; and their high capacity to incorporate changes. These locational preferences, in capitalist societies, which have as their objectives the viability of their own businesses, have a direct relation with the urban dynamics (uses and flows) and can, if well understood, help in the implementation of public policies concerning to improve urban dynamics and to make requalification processes effective.

Keywords:
Tertiary sector; Retailing and services; Locational demands; Urban management; Commerce and city; Public policies

A maior parte dos estudos realizados sobre o setor terciário (aqui incluídas as atividades de comércio e serviços) trabalha no âmbito das Ciências Econômicas no que se refere às políticas de desenvolvimento ou tem como principal foco o desempenho das empresas de comércio e serviços e sua inserção no campo da administração e do marketing. Para os estudiosos do urbano, as relações das atividades terciárias (oferta) com a demanda (empresas, governo e indivíduos) devem ser compreendidas no seu rebatimento espacial, pois tais atividades são ao mesmo tempo causa e consequência do deslocamento de pessoas, bens e serviços no território, refletindo-se enfaticamente na qualidade de vida urbana.

A compreensão do movimento e da intensidade dos fluxos urbanos gerados e atraídos pelas atividades comerciais e de serviços, bem como suas opções locacionais, tem sido objeto de estudo de geógrafos, economistas e urbanistas, ainda que de forma tímida, desde o final do século XIX. Referências pioneiras nesse sentido são os trabalhos sobre consumo conspícuo de Veblen1 1 Thorstein Veblen publicou a Teoria da Classe Ociosa em 1899 e se tornou um clássico da literatura econômica e social. Foi ele o responsável por cunhar o termo “consumo conspícuo” para definir gastos não dedicados ao conforto e à utilidade, mas com propósitos puramente honoríficos e hedônicos. e a Teoria do Lugar Central, de Walter Christaller2 2 Walter Christaller, geógrafo alemão, publicou no ano de 1933 a obra sobre a Teoria do Lugar Central. Em 1966, ela foi publicada em inglês sob o título Central Places in Southern Germany. e August Lösch3 3 O economista August Lösch, também alemão, expandiu o trabalho de Christaller, ao publicar The Spatial Organization of the Economy, em 1940. As formulações desenvolvidas por Lösch e Christaller ficaram conhecidas, em conjunto, como Teoria do Lugar Central. .

No entanto, a diversidade das atividades de comércio e serviços, quer em razão de sua composição, que envolve as mais diversas categorias de bens serviços, quer em virtude do domínio público ou privado a que pertencem, ou por sua relação com o consumidor (empresas ou indivíduos), ou ainda pela alta capacidade de incorporar mudanças, carece de estudos sistemáticos com o propósito de compreender mais efetivamente as especificidades de suas demandas locacionais. Essas preferências locacionais, nas sociedades capitalistas, que têm como objetivo a viabilidade dos respectivos negócios, apresentam relação direta com a dinâmica urbana (usos e fluxos) e, se bem compreendidas, podem auxiliar na implementação de políticas públicas de dinamização e requalificação urbana.

Este artigo foi construído com a intenção de contribuir para o entendimento sobre as diferenças entre as demandas locacionais das diversas categorias de atividades que se incluem no setor terciário e cuja complexidade necessita ser explicitada. Pretende-se, portanto, fornecer subsídios para alimentar políticas urbanas mais consistentes.

Inicialmente, faz-se necessária uma discussão conceitual sobre o terciário, que na contemporaneidade tem se tornado ainda mais complexo, pois deve incluir a explicitação da diferença entre a comercialização de produtos e a prestação de serviços; a identificação das especificidades de ampla gama de categorias; a identificação das diferenças de acordo com o cliente (indivíduos, empresas, governos); os elementos que interferem na formação de demandas locacionais específicas (o tipo de bem ou serviço, a frequência de compra e a frequência de uso, o tipo de compra e as motivações do cliente).

Todos esses aspectos interferem na escolha da localização das atividades de comércio e serviços; adicionalmente, a tipologia adotada para cada tipo de bem ou serviço, ou seja, sua arquitetura, também tem impacto significativo no espaço urbano e na dinâmica da cidade, sobretudo em um momento em que a virtualidade do setor terciário se intensifica.

1. Conceitos e definições do setor terciário

Tendo em vista a dificuldade inicial dos cientistas em considerar as atividades terciárias como geradoras de valor na economia, uma vez que, no tocante à promoção do desenvolvimento econômico, elas são apontadas como improdutivas, poucos estudos se destinaram a elas até a década de 1980, principalmente no Brasil (VARGAS, 1985VARGAS, H. C. A importância das atividades terciárias no desenvolvimento regional. 1985. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP , 1985.; KON, 1992KON, A. A produção terciária. O caso paulista. São Paulo: Nobel. 1992. ).

De fato, as condições eram outras, e o setor terciário não apresentava as atribuições que hoje o caracterizam, com a organização de todo o processo de produção, desde a criação e o financiamento de um produto até sua comercialização e distribuição.

Parte dessa dificuldade deriva da própria característica do produto resultante da atividade, por sua natureza muitas vezes de invisibilidade, intangibilidade, falta de concretude e difícil mensuração (ROLL, 1950ROLL, E. História do pensamento econômico. In: Panorama da Ciência Econômica. v. 1, 2, 3, 4. Lisboa: Cosmos, 1950.; GALBRAITH, 1989GALBRAITH, J. O pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1989.; VARGAS, 1985VARGAS, H. C. A importância das atividades terciárias no desenvolvimento regional. 1985. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP , 1985.; KON, 1992KON, A. A produção terciária. O caso paulista. São Paulo: Nobel. 1992. ).

Essa condição de pouco prestígio acadêmico da atividade terciária é antiga, pois, se para os fisiocratas a agricultura era a maior atividade produtora de riqueza, para os clássicos, como Karl Marx e Adam Smith, a ênfase encontrava-se na produção industrial. Para aqueles dois pensadores, segundo Meirelles (2006MEIRELLES, D. S. O conceito de serviço. Revista de. Economia Política, v. 26, n. 1, pp. 119-36, jan.-mar. 2006. ), o elemento central refere-se à teoria do valor-trabalho e, portanto, é decorrente da produção (oferta). Somente com Say (1983SAY, J.-B. Tratado de Economia Política (1803). São Paulo: Abril Cultural, 1983. ), Mill (1996MILL, J. S. Princípios de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, [1848] 1996.) e Walras (1996WALRAS, L. Elementos de economia política pura. São Paulo: Nova Cultural , [1874] 1996.), com a introdução da ideia de valor-utilidade, é que se passa a considerar a demanda por bens e serviços, inclusive os intangíveis, como elementos geradores de riqueza. A partir de então, o conceito de produtividade (KON, 1992KON, A. A produção terciária. O caso paulista. São Paulo: Nobel. 1992. ; ROLL, 1950ROLL, E. História do pensamento econômico. In: Panorama da Ciência Econômica. v. 1, 2, 3, 4. Lisboa: Cosmos, 1950.; SINGER, 1981SINGER, P. Trabalhos produtivos e excedentes. Revista de Economia Política , v.1, n. 1, pp. 101-31, jan.-mar. 1981.) das atividades terciárias começa a ganhar espaço.

Para os neoclássicos Jean-Baptiste Say, John Stuart Mill e Léon Walras, só existe produção se houver consumo. Com base nisso, a noção psicológica de necessidades e saciedade passa a ser identificada como determinante da utilidade de um produto e de sua valoração, e não apenas do valor-trabalho.

Dois outros momentos foram importantes no avanço dessa discussão. O trabalho de Joseph Alois Schumpeter (1983SCHUMPETER, J. A. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural , 1983.) colaborou para a aceitação do serviço como um produto, ao afirmar que trabalho não é um produto, e sim um meio de se chegar a ele e que qualquer serviço resultante do trabalho é, portanto, um produto. O outro momento diz respeito à teoria de John Maynard Keynes (1983KEYNES, J. M. Teoria geral do emprego, juro e da moeda. São Paulo: Perspectiva, 1983.), que permitiu, além da reinterpretação dos componentes de geração de produto e renda (bens ou serviços produtivos), a elaboração de formas de mensuração, com a defesa de que qualquer atividade que faz jus a uma recompensa monetária é considerada útil e produtiva por definição (KON, 1992KON, A. A produção terciária. O caso paulista. São Paulo: Nobel. 1992. , p. 35-36).

É interessante observar que a tentativa de definir as atividades para além da agricultura e da indústria como terciárias surge, segundo Kon (1999KON, A. Sobre as atividades de serviço: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2 (74), pp. 64-83, abr.-jun. 1999.), com Fisher (1939FISHER, A. G. Production, primary, secondary and tertiary. Economic Record, n. 15, jun. 1939.), em 1935, ao mesmo tempo que os termos “primário” e “secundário” foram utilizados na Austrália e na Nova Zelândia para definir, respectivamente, a agricultura e a indústria.

Na verdade, é preciso mencionar que a origem da expressão “setor terciário” é decorrência do seu posicionamento com relação à terra, onde a agricultura assume o primeiro lugar, primário; a transformação do produto da terra, realizada pela indústria, vem em segundo lugar (secundário), deixando para as demais atividades o terceiro lugar (terciário) (VARGAS, 2001VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.).

Apesar de várias outras definições terem sido elaboradas, a mais utilizada resulta da forma como os dados são apresentados, com a aceitação da divisão da economia em setores (primário/agricultura e extrativismo; secundário/manufatura e construção civil; terciário/serviços, incluídos o comércio e os transportes).

Para além das discussões sobre o posicionamento das atividades terciárias no contexto do desenvolvimento econômico após o final da Segunda Guerra Mundial, a ascensão dos Estados Unidos como potência mundial, resultado em parte do desempenho empresarial desse país no atendimento às demandas de guerra, abriu um campo profícuo para o desenvolvimento das teorias microeconômicas, da administração e do marketing, focadas no consumo como forma de alimentar a produção, o que implicou o surgimento de novos tipos de serviços e tornou mais complexo o entendimento do setor terciário.

Essa complexidade, na sequência, com o desenvolvimento do capitalismo financeiro, a revolução da informática, a internacionalização da economia, a globalização e o surgimento das atividades de entretenimento e do turismo como primeira indústria mundial, não só reforçou o caráter produtivo das atividades ditas terciárias como criadoras de riqueza, como também tem exigido classificações mais adequadas para mensurá-las e administrá-las, tanto no sentido do desenvolvimento econômico como da viabilidade das empresas terciárias ou de sua relação com o espaço urbano.

Do ponto de vista do interesse dos economistas no papel do terciário no desenvolvimento econômico, Kon (1999KON, A. Sobre as atividades de serviço: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2 (74), pp. 64-83, abr.-jun. 1999.) faz referência a diversas tentativas de classificação propostas por vários autores e organizações, em que os setores econômicos se subdividem, predominantemente, pelo viés dos processos de produção.

Outras classificações buscam subdivisões internas ao setor terciário, tendo em vista suas diferentes funções, ainda que focadas nos processos de produção (oferta), como a realizada por Marshall (1988MARSHALL, J. N. Services and uneven development. Oxford: Oxford University Press, 1988., p. 13). Esse autor, ao definir os serviços às empresas, diferencia os serviços de processamento de informações, ligados à pesquisa e desenvolvimento, bem como planejamento e gestão, dos serviços relacionados a bens, como distribuição e armazenagem, transporte e manutenção. Em sua discussão, Marshall trabalha mais com as relações internas às empresas e suas necessidades de relacionamento com outras empresas, com enfoque também na produção, direcionando-se, a nosso ver, do ponto de vista locacional para a formação de economias de aglomeração e seus desdobramentos.

O destaque, entretanto, fica para a classificação de Singer (1982SINGER, H. W. Standardized Accountancy in Germany. Nova York: Garland, 1982., apud Kon, 1999KON, A. Sobre as atividades de serviço: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2 (74), pp. 64-83, abr.-jun. 1999.), por ser a que mais se aproxima do interesse de nosso objeto de estudo, em razão de basear-se no consumo, ou seja, ela volta-se ao cliente: as empresas, a coletividade e os indivíduos. A classificação se define pela origem da demanda (consumo), e não pela produção (oferta)

Na mesma direção, a classificação proposta por Meirelles (2006MEIRELLES, D. S. O conceito de serviço. Revista de. Economia Política, v. 26, n. 1, pp. 119-36, jan.-mar. 2006. ) indicaria uma divisão entre serviços intermediários (serviços produtivos)4 4 Saskia Sassen (1998) adotou o nome de serviços produtivos para designar os serviços prestados a empresas, diferentemente daqueles dirigidos ao consumidor individual, conforme já fora proposto por Rochefort (1976), por estarem voltados diretamente à produção. (SASSEN, 1998SASSEN, S. As cidades na economia global. São Paulo: Studio Nobel, 1998.), voltados ao atendimento de empresas, e serviços finais (serviços de consumo) voltados ao consumo individual e coletivo. Essa classificação já fora devidamente assumida por Rochefort (1976ROCHEFORT, M. Les activités terciaire: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo I: Formes de relations entre activités tertiaires e l’organization de l’espace. Paris: CDU/Sedes , 1976.), embora com preocupações mais territoriais.

A leitura que Meirelles (2006MEIRELLES, D. S. O conceito de serviço. Revista de. Economia Política, v. 26, n. 1, pp. 119-36, jan.-mar. 2006. ) traz de alguns autores5 5 Nusbaumer (1984), Walker (1985) e Marshall (1988) (apud Meirelles, 2006, quadro 2), embora com terminologias diferentes, exibem um fio condutor semelhante em suas classificações, apresentando uma diferenciação dos serviços de acordo com sua presença no processo de produção, de distribuição e no consumo. NUSBAUMER, J. Les services: nouvelle donne de l’economie. Paris: Economica, 1984. reforça a importância de estabelecer diferenciação entre os vários tipos de serviço, por apresentarem diversidade dos recursos humanos envolvidos; diferentes categorias de serviços; diversidade de consumidores e da forma de consumi-los; mecanismos variados de controle do mercado e da segurança do consumidor.

De qualquer forma, as classificações têm como finalidade auxiliar na estruturação do pensamento de acordo com os objetivos estabelecidos. Se, para os economistas, a importância de definir e classificar os serviços reside em saber qual função econômica desempenham na produção da riqueza, para nós, urbanistas, é fundamental saber quais são as implicações locacionais e suas diferenças, tanto na distribuição de bens (comércio) como na prestação de serviços, considerando também todas as especificidades, com vistas a entender os papéis exercidos na dinâmica urbana.

2. Diferenças entre manufatura, comércio e serviços

No início das atividades humanas, o produtor agrícola ou o artesão comercializavam, eles mesmos, seus produtos e serviços. Não havia um intermediário, o comerciante. O crescimento da demanda e da oferta de produtos e do conhecimento da sua existência, assim como o aumento do consumo, fez nascer o comerciante6 6 Segundo Hirschman, durante muito tempo, subsistiu a noção de que os comerciantes eram personagens mesquinhos, sujos (pés poeirentos) e desinteressantes. A história retratava a figura dos mercadores ou dos caixeiros-viajantes deslocando-se de porta em porta ou se reunindo em mercados temporários ou feiras. HIRSCHMAN, A. O. As paixões e os interesses; argumentos políticos para o capitalismo antes de seu triunfo. Trad. Lúcia Campello. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. . Desse modo, esse agente passa a atuar como ligação entre o produtor e o consumidor, trabalhando com bens em cuja produção não teve nenhuma participação. Aí reside, em parte, a conotação negativa que sempre lhe foi atribuída. Os artigos comercializados provêm de vários produtores, além de atenderem a um público generalizado e indefinido (VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ; 2001VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.).

O caso dos serviços é mais complexo. Além de ser executado por um agente específico e direcionado para um cliente também específico, ele fornece algo personalizado e único, muitas vezes intangível. Quase sempre a prestação de serviços se confunde com o trabalho do próprio artesão ou artífice, por demandar uma expertise sobre a atividade. Essa condição pode ser facilmente exemplificada pelos alfaiates e boticários. Na sua origem, os alfaiates, como artesãos que eram, produziam roupas customizadas, ou seja, para um cliente específico, caracterizando-se, assim, como um serviço de confecção prestado. A mesma situação era vivida pelo boticário, que produzia remédios formulados sob demanda, para tratar clientes e doenças específicos.

É a condição de produzir para um cliente específico que diferencia, a nosso ver, a prestação de serviços da produção manufatureira ou industrial7 7 Riddle vai na mesma direção e indica que os serviços também podem apresentar características de indústrias, delas se diferenciando desde a Revolução Industrial, em decorrência das mudanças nos métodos da produção, da mecanização, das estruturas financeiras e da infraestrutura de distribuição e comercialização. RIDDLE, D. I. Service-Led Growth. The Role of the Service Sector in World Development. Nova York: Praeger Publishers, 1986. , em que se trabalha para muitos clientes de forma padronizada. Embora essa aproximação entre serviços e indústria também apareça em Kon (1999KON, A. Sobre as atividades de serviço: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2 (74), pp. 64-83, abr.-jun. 1999.), ela defende que, se boa parte dos serviços às empresas se destina à produção de bens e com ela se confunde, não há mais sentido em uma divisão tradicional entre manufatura e serviços.

Dessas constatações deriva uma primeira diferença significativa entre as atividades comerciais e as de serviços, no seu rebatimento territorial, que será visto mais adiante: ao comercializar produtos padronizados, a preferência locacional dos consumidores relaciona-se, fundamentalmente, com as facilidades de acesso e as oportunidades de tempo, espaço e preço e, atualmente, com a facilidade de entrega. Para os serviços, a confiança no prestador de serviços e sua expertise são fatores que relativizam as questões de acesso e oportunidades. Logicamente, a própria diversidade de tipos de serviço e de comércios também clama por diferenciações locacionais e arquitetônicas; ela não pode ser tratada como uma massa uniforme, como tem ocorrido na definição de políticas urbanas voltadas ao setor8 8 A elaboração do Plano Diretor de São Paulo de 2016 desconsidera essas diferenciações, ao se conceber a possibilidade de induzir usos comerciais “por decreto” (VARGAS, 2015). .

Outra característica importante, com relação à produção do serviço, também compartilhada por Walker (1985WALKER, R. Is there a Service Economy? Science and Society, v. 49, n. 1, pp. 42-83, 1985., p. 48, apud KON, 1999KON, A. Sobre as atividades de serviço: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2 (74), pp. 64-83, abr.-jun. 1999.), é o caráter de fluxo de trabalho contínuo que a prestação de um serviço exige. Realizado por solicitação do consumidor, o serviço é impossível de ser armazenado, pois é consumido logo depois de ter sido produzido. Apresenta, desse modo, uma condição de intangibilidade, como são os casos de serviços de reparação e manutenção ou serviços pessoais, como corte de cabelo - portanto, também de difícil mensuração.

Para esse mesmo autor, contudo, a intangibilidade dos serviços pode ser materializada em papéis, filmes, hotéis, restaurantes, que são igualmente formas de consumo de bens. Nos serviços que envolvem trabalho, por sua vez, o trabalho em processo é o produto, como ocorre nas artes, em consultorias, atendimento médico, educação e trabalhos domésticos.

O prazo para a percepção dos seus resultados é também um elemento inerente aos serviços. Um serviço de cabeleireiro, por exemplo, é reconhecido imediatamente após sua realização. Mas um serviço de educação, ou mesmo de saúde preventiva, pode demorar anos para ter seus resultados efetivados.

Outra condição fundamental em alguns tipos de serviços refere-se ao uso intensivo de recursos humanos, que, para além da geração de emprego e renda, oferece uma contribuição decisiva, no caso da dinâmica urbana, por funcionar como um polo gerador de fluxo de pessoas, como são as grandes empresas do setor público e privado, prestadoras de serviços, o que concorre para a vitalidade dos centros urbanos. Esses fluxos, por sua vez, são atratores de atividades comerciais a eles relacionadas, promovendo o encadeamento de atividades.

Neste século XXI, muitas características dos serviços começam a ser alteradas, ou revisitadas, em face do crescimento dos contatos virtuais, como a intangibilidade, a impossibilidade de armazenar e a simultaneidade entre produção e consumo. Muitas atividades dos serviços, como já mencionado, podem ser estocadas e materializadas em fitas, CDs e filmes ou na nuvem. Mesmo as informações em forma de dados, muitas vezes de caráter intangível, produzem utilidades e apresentam alto valor de mercado. Alguns serviços podem ser igualmente consumidos longe do local de sua produção.

As demandas locacionais, portanto, também vão participar dessas transformações tendo em vista a possibilidade de descentralização, tanto da oferta como da demanda (consumidor) conduzida pelos avanços da virtualidade, em que um claro exemplo é o do advento do sistema de oferta de hospedagem realizado pelo sistema Airbnb™, cujos impactos ainda estão por ser avaliados.

3. O terciário e suas demandas locacionais

Para dar conta das especificidades das atividades terciárias e de suas demandas locacionais diferenciadas, propomos analisá-las apoiando-nos no entendimento da diversidade de categorias que incluem; do seu domínio público ou privado, da sua estrutura de atendimento ao consumidor; da motivação dos consumidores; e da sua organização espontânea ou planejada, o que já fornece uma ideia da sua complexidade.

3.1 Composição do terciário

Primeiramente, é importante destacar que as atividades terciárias se compõem de uma gama variada de atividades (VARGAS, 1985VARGAS, H. C. A importância das atividades terciárias no desenvolvimento regional. 1985. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP , 1985.; 1990VARGAS, H. C. Atividades terciárias, inovações tecnológicas e estruturação do espaço urbano-regional. Trabalho programado 01. Apresentado para qualificação do curso de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1990. Disponível em: http://www.labcom.fau.usp.br.
http://www.labcom.fau.usp.br...
)9 9 Nas condições atuais da economia, é preciso levar em conta o surgimento de novas categorias de serviços e produtos, embora nem sempre discerníveis, por estarem incorporados a outros setores econômicos. A própria coleta de dados para fins estatísticos também mascara a heterogeneidade do setor. , com diferentes funções, a que chamaremos de categorias técnicas, cujo funcionamento apresenta demandas com requisitos diversos.

Entre outras categorias, é possível indicar serviços imobiliários, de profissionais liberais, de transportes, editorial e gráfica, comunicação, publicidade, turísticos, financeiros, culto, correio/delivery, educacionais, saúde, alojamento, alimentação, pessoais, manutenção, limpeza, diversão e lazer, assistenciais, segurança, entre outros. Enquanto alguns exigem a presença do consumidor no local da prestação de serviços (alojamento, culto, educação), há os que são realizados à distância ou no local demandado pelo consumidor (serviços de limpeza, manutenção e segurança).

No caso do comércio, a venda de produtos é realizada principalmente no próprio estabelecimento comercial, ou seja, na loja. Essa situação vem se alterando com o crescimento do e-commerce, que tem feito uso bastante significativo dos serviços de entrega. No entanto, os produtos não padronizados, que necessitam ser provados ou testados, como os de vestuário, ainda apresentam preferência de consumo no local de compra. O mesmo ocorre quando se tem urgência do produto, como acontece quando se compram remédios.

Essas categorias podem ser subdivididas, ainda, de acordo com o interesse do estudo, associadas a diversas outras atividades, ou mesmo a determinadas especializações (ROCHEFORT, 1976ROCHEFORT, M. Les activités terciaire: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo I: Formes de relations entre activités tertiaires e l’organization de l’espace. Paris: CDU/Sedes , 1976.).

3.2 Domínio público ou privado

Um aspecto que merece distinção é aquele referente ao âmbito de atuação do setor que o divide em terciário público ou privado. Os serviços públicos organizam-se em função das receitas globais da nação e, por isso, sua atuação deveria ser em prol da coletividade. Desta maneira, o sistema político-econômico da sociedade em análise tem influência direta na forma como ele se distribui no território (ROCHEFORT, 1976ROCHEFORT, M. Les activités terciaire: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo I: Formes de relations entre activités tertiaires e l’organization de l’espace. Paris: CDU/Sedes , 1976.). Já os serviços privados têm como elementos definidores de sua localização a expectativa de rentabilidade a ser auferida, ou seja, a proximidade dos consumidores ou a capacidade de atraí-los. Vale lembrar que a rentabilidade se traduz pela magnitude entre a receita gerada e os custos decorrentes da atividade da empresa. A receita, gerada pelos consumidores (indivíduos, empresas e governo) na aquisição de bens e serviços, é o alvo da atenção dos fornecedores. No caso dos serviços públicos, a rentabilidade deveria ser entendida pela relação custo-benefício, ou seja, pela otimização do uso dos recursos públicos em relação aos benefícios gerados.

Essa dificuldade de entendimento entre rentabilidade privada e benefícios públicos é facilmente observada quando atentamos, por exemplo, para as escolhas locacionais entre serviços de educação públicos e privados.

É interessante observar, por exemplo, o surgimento de escolas privadas de educação infantil, que se instalam precariamente em casas adaptadas, em áreas de alta densidade e alta renda, próximas do seu público-alvo. Estas, por sua vez, podem encerrar suas atividades assim que a dinâmica urbana do entorno se alterar. Ou seja, quando a faixa etária da população se modifica e o número de crianças diminui.

No tocante às escolas públicas, mesmo quando a dinâmica demográfica se altera, as escolas permanecem no mesmo lugar. Por isso, a revisão de uso dos estabelecimentos públicos é necessária. Além de uma mudança demográfica, a proximidade do local de moradia nem sempre é, ainda, a localização preferencial. Estar perto do emprego com frequência favorece a relação familiar. A existência de mobilidade escolar também pode auxiliar na melhor utilização dos equipamentos públicos. Assim, uma revisão nos conceitos de utilização dos equipamentos públicos em relação à população servida, com vistas a promover a ampliação dos benefícios sociais e um uso melhor dos recursos, exige adequação ao contexto atual da dinâmica urbana, exigindo sérios levantamentos de dados e informações sobre essa dinâmica, além de propostas de intervenção pertinentes. Análises semelhantes podem ser feitas para outros setores públicos, como a oferta de equipamentos de saúde ou de transporte público.

3.3 Estrutura do terciário

Dentro de uma mesma categoria de serviços ou de comércio existem os setores responsáveis pela direção das empresas (comando) e aqueles de produção de bens e serviços propriamente ditos. As diferenças de atuação entre esses setores pressupõem escolhas locacionais diversas para o mesmo ramo de atividade. Segundo Rochefort (1976ROCHEFORT, M. Les activités terciaire: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo I: Formes de relations entre activités tertiaires e l’organization de l’espace. Paris: CDU/Sedes , 1976.), as atividades de comando são responsáveis pela produção de decisões e, portanto, sua localização não depende necessariamente da proximidade com os estabelecimentos comandados, nem com os usuários de seus serviços. Porém, as atividades de prestação de serviços e mesmo o comércio varejista devem estar próximos de sua clientela. Um exemplo claro dessa divisão é o sistema bancário, cujas sedes se localizam em pontos nobres das cidades, enquanto as agências se distribuem em busca de potenciais clientes. O mesmo raciocínio é válido para as redes de lojas.

Do ponto de vista da dinâmica urbana, o terciário de comando tem um papel importante na geração do fluxo de pessoas por ser intensivo em mão de obra, contribuindo para o surgimento de outras atividades comerciais e de serviços no seu entorno imediato10 10 Segundo Etienne Dalmasso (1976), o terciário de comando funciona como um acelerador da urbanização pelo poder de encadeamento com outras atividades terciárias que dependem dela e das quais necessita. Também oferece empregos mais bem remunerados que incentivam o aparecimento de atividades mais sofisticadas. (DALMASSO, 1976DALMASSO, E. Les activités tertiaires: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo II: Systemes urbaines et activités tertiaires. Paris: CDU/Sedes, 1976.). Neste sentido, as instituições públicas voltadas à gestão também detêm o mesmo poder, o que garante um fluxo de trabalhadores bem remunerados e permanentes, como, por exemplo, o escritório da companhia do Metrô e o da Prefeitura do Município de São Paulo que, ao retornarem para o centro da cidade, contribuíram para a recuperação da vitalidade desse espaço.

É importante observar a subdivisão entre o terciário de comando e o de prestação de serviços, do ponto de vista das políticas urbanas, quando os Planos Diretores Municipais indicam a necessidade de criação ou de fortalecimento de centralidades. São os estabelecimentos de comando públicos ou privados que, como geradores de fluxos, ao atrair outros comércios e serviços espontaneamente, dão conta da criação ou do fortalecimento de centralidades (VARGAS, 2001VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.). Como exemplos claros desse processo incluem-se, por iniciativa do setor privado, a ocupação da avenida Luís Carlos Berrini e seus desdobramentos (VARGAS, 2014 VARGAS, H. C.. Da Escola de Chicago aos edifícios certificados: um olhar sobre a produção de escritórios na cidade de São Paulo. 1870-2010. In: VARGAS, H. C.; ARAUJO, C. P. Arquitetura e mercado imobiliário. São Paulo: Manole, 2014. p 173-221.), ou, por iniciativa do poder público, com a implantação da USP Leste na cidade de São Paulo. As universidades têm desempenhado um papel importante como catalisadoras da urbanização, ou para a recuperação de áreas urbanas deprimidas ou desocupadas.

3.4 Motivações do consumidor

O sucesso financeiro das atividades terciárias em uma economia de mercado traduz-se pela magnitude entre a receita gerada e os custos decorrentes da atividade da empresa. Essa receita, gerada pelos consumidores (indivíduos, empresas e governo), por meio da aquisição de bens e serviços, é o alvo de atenção dos fornecedores. Desta forma, os fatores relacionados à atração do consumidor são elementos cruciais na viabilidade dessas atividades.

Inicialmente, os fatores relacionados à atração do consumidor levaram ao aparecimento de uma série de teorias sobre a localização comercial. Uma das pioneiras foi a Teoria do Lugar Central, desenvolvida por Walter Christaller no início dos anos 1930, com seu modelo hexagonal, conforme já mencionado.

Segundo essa teoria, duas condições econômicas básicas direcionam as localizações comerciais: o volume mínimo de negócios que garante a instalação de uma loja em dado local (limiar) e as distâncias máximas que os consumidores estão dispostos a percorrer antes de irem a outro local de compra (MASANO, 1985MASANO, T. F. Planejamento da localização comercial. Mercado Global, p. 54-61, jul.-ago. 1985.).

É importante destacar que a combinação desses dois fatores, que auxilia na definição da área de influência de um centro ou de um estabelecimento comercial, difere segundo as características dos bens e serviços fornecidos. Isto é, quanto mais especializados o artigo ou o serviço, maior será a distância que os consumidores estarão dispostos a percorrer para sua aquisição11 11 No entanto, com o advento das compras de bens e serviços à distância, a disposição para percorrer maiores distâncias pode se traduzir na quantidade de tempo aceitável para receber a mercadoria, já que é ela que se desloca. (VARGAS, 1990VARGAS, H. C. Atividades terciárias, inovações tecnológicas e estruturação do espaço urbano-regional. Trabalho programado 01. Apresentado para qualificação do curso de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1990. Disponível em: http://www.labcom.fau.usp.br.
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). Ou seja, a área de influência do centro em que o estabelecimento está instalado deverá ser maior, ou pelo menos mais densa. Instrumentos musicais, equipamentos cirúrgicos ou cirurgias cardíacas demandam áreas de influência que, muitas vezes, extrapolam os limites do próprio país.

Já os centros, ou estabelecimentos que oferecem bens de primeira necessidade, demandados pela população em geral e com maior frequência12 12 É interessante observar que, com o surgimento dos processos de refrigeração e conservação dos alimentos e com o desenvolvimento da indústria alimentícia, a frequência de compra deixou de se identificar diretamente com a frequência de uso. Ou seja, alguns produtos de uso cotidiano, como pão e leite, por exemplo, não precisam ser comprados diariamente, uma vez que podem ser estocados. , como são os produtos e serviços de alimentação, necessitam de uma área de influência menor, apresentam-se em maior número e encontram-se a distâncias menores de seus usuários13 13 Essas exigências de menores distâncias entre o lojista e o consumidor podem ser substituídas pela proximidade dos grandes centros de distribuição, garantindo menor tempo e menor custo para entregas. , pois os indivíduos não estarão dispostos a percorrer grandes distâncias para comprar um produto de uso cotidiano (VARGAS, 1985VARGAS, H. C. A importância das atividades terciárias no desenvolvimento regional. 1985. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP , 1985.; 1990VARGAS, H. C. Atividades terciárias, inovações tecnológicas e estruturação do espaço urbano-regional. Trabalho programado 01. Apresentado para qualificação do curso de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1990. Disponível em: http://www.labcom.fau.usp.br.
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).

Bens e serviços demandados eventualmente requerem áreas de influência maiores, como artigos de vestuário e serviços de manutenção.

Quanto à determinação da área de influência de um centro, embora o modelo de Christaller fosse estático, com premissas que não ofereciam correspondência direta com a realidade, as análises por ele elaboradas ainda auxiliam no entendimento do desempenho das atividades terciárias. Ele destaca três elementos principais a considerar na determinação da área de influência14 14 Segundo Masano (1993), o conceito de área de influência será devidamente apropriado na delimitação das áreas de influência dos empreendimentos tipo shopping centers. (MASANO, 1993MASANO, T. F. Os shopping centers e suas relações físico-territoriais e socionegociais no município de São Paulo. 1993. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 1993. ) de um centro/estabelecimento: a distância econômica, a variedade da oferta e o poder de compra da população.

A distância econômica15 15 A distância econômica, conforme definida por Brian Berry (1967) a partir de Christaller, representa uma associação entre o preço da mercadoria oferecida e o preço do deslocamento. Ou seja, o consumidor busca o menor valor para a fórmula (p + mt), onde p é o preço da mercadoria, m a distância e t o custo por unidade de distância. (BERRY, 1967BERRY, J. L. B. Geography of Market Centers and Retail Distribution. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1967.) representa uma associação entre o preço da mercadoria oferecida e o custo do deslocamento. Isto é, maiores custos de deslocamento (em decorrência, por exemplo, do custo do transporte acrescido do custo do tempo do consumidor despendido no deslocamento) devem ser equilibrados por preços mais baixos. A situação inversa, de preços mais altos e custo de deslocamento baixo, é o que explica a situação encontrada nas lojas de conveniência, onde o consumidor aceita pagar um preço mais alto pela oportunidade de adquirir um bem ou serviço prontamente, ou seja, com custo de deslocamento16 16 A substituição do ato de ir às compras pela entrega em domicílio, cada vez mais presente no comércio eletrônico, também altera a delimitação da área de influência e o conceito de distância econômica. (distância e tempo) tendendo a zero.

Quanto à variedade e à quantidade de bens e serviços ofertados em um mesmo local (centro ou estabelecimento), é a oportunidade de fazer compras associadas, conforme definido, posteriormente, por Nelson (1958NELSON, R. The Selection of Retail Location. Nova York: F.W. Dalge, 1958.), que responde pelo diferencial. A possibilidade de realizar várias compras no mesmo local e na mesma viagem faz com que a distância econômica diminua, como resultado da concentração de várias compras ao custo de um único deslocamento.

Já o poder de compra da população se traduz em densidade demográfica e renda da população como determinantes do tamanho da área de influência capaz de viabilizar o estabelecimento. Esse é o binômio em que as maiores densidades podem compensar rendas mais baixas, e vice-versa. Neste sentido, é interessante observar a dificuldade de conseguir oferta de serviços e produtos em empreendimentos habitacionais de baixa densidade e baixa renda17 17 Vicentin (2015) realizou um levantamento que mostra claramente a precariedade na oferta de comércio e serviços em um conjunto habitacional de baixa renda, do programa Minha Casa Minha Vida, em Londrina, Paraná. (VICENTIN, 2015VICENTIN, T. N. Análise do comércio e serviços nos empreendimentos do programa MCMV. Estudo de caso do residencial vista bela. Londrina, PR. 2015. Dissertação de mestrado. Londrina: UEL, 2015.).

Enquanto a distância econômica e o poder de compra de uma população são atributos territoriais da localização que contribuem para o êxito de estabelecimentos comerciais e de serviços, a variedade da oferta já assume características de estratégias negociais. Exemplos históricos dessa situação são os antigos armazéns de secos e molhados na cidade de São Paulo, os quais, diante de um exíguo mercado de consumo, ofereciam grande variedade de produtos. Fato análogo se verificou com o advento das lojas de departamentos ou grands magasins, no início do século XIX. Tanto é verdade que os shopping centers, na sua origem, usavam as lojas de departamento com âncoras dos seus empreendimentos, para atrair o fluxo de consumidores (VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ; 2001VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.; GARREFA, 2010GARREFA, F. Shopping centers. De centro de abastecimento a produto de consumo. São Paulo: Senac. 2010. ). Atualmente, inclusive a empresa Amazon.com, que iniciou suas atividades com a venda de livros, diversificou os produtos com os quais trabalha.

Assim passaram a contribuir significativamente para a viabilidade e o êxito dos estabelecimentos, além do fator localização estratégica, as estratégias na localização, decorrentes da ciência do varejo (VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ). A partir daí, as teorias sobre o varejo começaram a versar sobre a atração mais eficiente do consumidor, acrescentando à facilidade de acesso as vantagens com relação à oferta de mercadorias.

Para Richard Nelson (1958NELSON, R. The Selection of Retail Location. Nova York: F.W. Dalge, 1958.), todo varejo é mercado orientado e deve facilitar o acesso, assim como garantir a atração de clientes ao estabelecimento. Para tanto, ele chama de atração gerada a situação em que existe um propósito inicial de compra, ou seja, ela é planejada, como uma ida ao supermercado. A outra atração, denominada suscetível, é a que gera a compra por impulso e que ocorre durante o deslocamento sem um propósito inicial, como a pipoca na frente da escola. Uma terceira atração seria a de vizinhança (negócios partilhados), aquela em que a pessoa se desloca para comprar um bem e adquire outro em uma loja vizinha. São pensadas como compras associadas por oferecerem produtos afins, como lojas de roupas e lojas de calçados que se instalam espontaneamente ou que são devidamente planejadas, como nos shopping centers.

Com base nessas ideias de atração de consumidores em decorrência da intenção ou da oportunidade das compras realizadas, é possível dividi-las em cinco categorias (VARGAS, 2017 VARGAS, H. C. Motivaciones del consumidor en la definición del tempo y espacio de las atividades comerciales y de servicios. In: ZAMPRA, J G.; MARTINEZ, P. O. (Orgs.). Ciudad, comercio urbano y consumo. Experiencias desde Latinoamérica y Europa. Cidade do México: Universidad Autónoma de México 7; Instituto de Investigaciones Económicas, 2017. p.193-210.): compra planejada, compra por impulso, compra comparada, compra associada e compra por conveniência.

Compra planejada é aquela em que o consumidor sabe o que vai comprar e onde. Nesse caso, facilidades de estacionamento, preço e variedade das mercadorias são elementos fundamentais para a escolha do estabelecimento. Supermercados exemplificam bem este tipo de compra.

Na compra por impulso, isto é, aquela que não estava planejada, as pessoas compram em decorrência do contato com as mercadorias, e nesse caso o uso dos sentidos é prioritário. Assim, apreciar uma roupa em uma vitrina, sentir o cheiro de pão ou de pipoca, degustar um produto no supermercado, são estratégias fundamentais para este tipo de compra. Por esse motivo, as lojas de moda e de outros produtos de compras eventuais têm na forma de exposição das mercadorias, nas vitrinas e no espaço da loja, seus maiores aliados. É por isto que esses estabelecimentos se situam em áreas em que há grande fluxo de pedestres e que as edificações evitam o recuo em relação à calçada: para garantir a proximidade com a mercadoria exposta. Se observarmos as ruas de pedestres, notaremos que a maioria das lojas trabalha com esse recurso com o propósito de induzir as pessoas a realizarem compras por impulso.

Na atualidade, embora comerciantes on-line lancem mão de estratégias para tentar efetivar compras por impulso, o envolvimento da loja física e o papel do vendedor ainda não foram substituídos.

A compra comparada, chamada por Nelson (1958NELSON, R. The Selection of Retail Location. Nova York: F.W. Dalge, 1958.) de atração cumulativa, pode ser considerada uma variante das compras associadas (assim nomeadas pelo mesmo autor como um princípio de compatibilidade). As compras associadas trabalham com a oferta de produtos complementares, como vestuário e calçados, e as comparadas oferecem os mesmos tipos de produto. Geralmente são bens duráveis ou de uso esporádico, especializado, e que necessitam de um grande mercado para se viabilizar. Desse modo, espontaneamente se instalam ao lado de uma loja similar, aproveitando o fluxo já existente. Para o consumidor, a possibilidade de comparar preço, qualidade e atendimento torna o local atraente e incentiva o aparecimento de outras lojas vendendo o mesmo produto. A partir de certo ponto, a rua ou o centro especializado passam a ser grandes atratores. Exemplos desse tipo de compra são as ruas ou edifícios especializados em um segmento, como a Galeria do Rock, em São Paulo.

Em uma mistura de compras associadas com comparadas, podemos identificar algumas áreas urbanas especializadas, mas de caráter temático. Na maioria das vezes, há um elemento catalisador que dá início ao processo de desenvolvimento (SILVA, 2013SILVA, J. C. Ruas comerciais especializadas e a dinâmica da cidade de São Paulo. Relatório final de iniciação de pesquisa de iniciação científica. São Paulo: FAUUSP, 2013.) como, por exemplo, os hospitais. É fácil observar no entorno desses espaços o aparecimento de consultórios médicos, lojas de venda e aluguel de artigos hospitalares e de uniformes brancos, laboratório de análises clínicas, entre outras atividades afins.

A compra por conveniência decorre da busca por produtos necessários de uso corriqueiro, em momentos em que há urgência da compra. Essas lojas costumam ter o horário de atendimento expandido e oferecer grande variedade de mercadorias. Tanto a proximidade com o consumidor ou a localização intermediária entre dois destinos (casa-trabalho), em situações de trânsito congestionado, podem facilitar essa compra.

Para além do conceito de área de influência, elaborado por Christaller, em que a distância econômica, o poder de compra da população e a variedade na oferta são determinantes, adicionam-se os conceitos de atratividade do consumidor apresentados por Nelson (1958NELSON, R. The Selection of Retail Location. Nova York: F.W. Dalge, 1958.), onde o espaço físico de uma loja e o local onde ela se insere (relativo ao uso do solo do entorno), em conjunção com sua reputação, também poderiam funcionar como fortes atratores de consumidores.

Neste ponto já é possível identificar outra diferença entre os elementos atratores do consumidor à procura de bens (comércio) ou de serviços. No caso dos serviços, o que mais conta é a reputação do prestador de serviço, ou seja, sua especialização e sofisticação em detrimento dos fatores locacionais que o envolvem. A escolha de serviços médicos, por exemplo, ou mesmo de um restaurante de excelência faz com que o consumidor esteja disposto a se deslocar por grandes distâncias e gastar mais para consumir seus serviços. Passa a ser mais importante, então, “quem você é” do que “onde você está”. O mesmo se aplica a outros serviços pessoais ou de manutenção, em que o fator confiança na qualidade dos serviços também marca a reputação. Serviços mais padronizados, ou franquias, como lavanderias, de uso mais cotidiano, tendem a dar mais importância à proximidade.

A área de estudo de planejamento varejista, na sequência, recebeu contribuições das mais variadas, com destaque para os trabalhos de Applebaum (1966APPLEBAUM, W. Guidelines for a Store Location Strategy Study. Journal of Marketing, v. 30, n. 4, pp. 42-45, out. 1966.), ainda valorizando a localização estratégica; de Davidson, Sweeney e Stampfl (1988DAVIDSON, W. R.; SWEENEY, D. J.; STAMPFL, W. R. Retailing Management. Nova York: John Wiley & Sons, 1988.), que trabalharam com a administração do setor de comércio varejista na relação entre oferta e demanda; e o de Underhill (2000UNDERHILL, P. Why we Buy? The Science of Shopping. Nova York: Simon & Schuster, 2000.), focado nas estratégias do ponto de venda baseadas no comportamento do consumidor. Todos esses autores identificaram esses aspectos como facilitadores e incentivadores do consumo.

Mais recentemente, o avanço das discussões sobre o consumo interessou a sociólogos e antropólogos, no tema referente à cultura material, e conduziu à necessidade de compreender melhor as motivações que envolvem os consumidores.

A leitura dos trabalhos de Miller (1998MILLER, D. A Theory of Shopping. Ithaca, Nova York: Cornell University Press,1998.) e Timothy (2005TIMOTHY, D. J. Shopping Tourism, Retailing and Leisure. Clevedon, Buffalo, Toronto: Channel View Publication, 2005.) permitem considerar a existência de dois tipos principais de motivação dos indivíduos ao consumo, com rebatimentos diretos sobre as demandas espaciais, como elementos de atração dos consumidores: as compras necessárias/obrigatórias e as compras hedônicas. (VARGAS, 2017 VARGAS, H. C. Motivaciones del consumidor en la definición del tempo y espacio de las atividades comerciales y de servicios. In: ZAMPRA, J G.; MARTINEZ, P. O. (Orgs.). Ciudad, comercio urbano y consumo. Experiencias desde Latinoamérica y Europa. Cidade do México: Universidad Autónoma de México 7; Instituto de Investigaciones Económicas, 2017. p.193-210.). Na primeira categoria, as motivações para as compras envolvem a necessidade de sobrevivência e a busca por itens de conforto18 18 Aqui também poderiam ser incluídas as compras realizadas para revenda, com a intenção de realizar negócios. . Na segunda, as compras hedônicas são aquelas realizadas por prazer, voltadas, muitas vezes, para o reconhecimento social e para as compras recreativas (recreational shopping).

Vale destacar, contudo, que essas motivações, com frequência, se superpõem e envolvem os mesmos tipos de produto. Portanto, a motivação não está no produto, e sim na intenção envolvida com a compra.

Apesar das mudanças nos produtos, na sua tecnologia de armazenagem e de distribuição, nos hábitos e no comportamento da população, as compras obrigatórias exigem funcionalidade dos espaços de compra com vistas a diminuir o tempo gasto com essas atividades. A forma de exposição das mercadorias, o layout interno, a facilidade de deslocamento e a comunicação interna auxiliam no desempenho mais eficiente do usuário, em termos de economia de tempo e, consequentemente, da sua satisfação. Os super e os hipermercados, bem como as grandes lojas especializadas, são representantes primeiros dessa condição de funcionalidade. Sua arquitetura assemelha-se à de um galpão industrial, onde o que importa é o preço, além da facilidade das compras, de acesso e de estacionamento.

É importante salientar que, neste tipo de consumo, o das compras obrigatórias, os gastos não serão aumentados, proporcionalmente, ao maior tempo envolvido no processo de compra.

Adentrando o campo das compras hedônicas, realizadas por e com prazer, verifica-se que incorporam extensa gama de produtos, que vão desde produtos alimentícios, com a escolha de produtos específicos, até itens que abrangem do vestuário ao eletrônico, ou mesmo bens mais raros e sofisticados. Muitas dessas compras, para além dos produtos em si, envolvem a marca do lugar onde se realiza a compra, o que implica a existência de espaços diferenciados, ou até mesmo excêntricos. Neste caso, as compras fogem da sua condição de obrigatoriedade, que pressupõe planejamento, e assumem o caráter de compra por impulso. O item vestuário é um dos mais característicos nesse sentido.

Embora o ato impulsivo seja instantâneo, a compra pode durar mais tempo na busca pelo produto desejado. O espaço de compra, então, exerce papel importante, seja na vitrina que atrai e impulsiona o interesse pela compra, seja no ambiente da loja que envolve o consumidor, o faz permanecer mais tempo ali, gastar mais e, provavelmente, retornar. O tempo gasto no processo de compra, por sua vez, medido pela eficiência em termos de economia de tempo, não se faz presente. É o prazer da compra que comanda o ato.

Não são apenas os produtos de marca que adicionam valor a quem os usa, como é o caso dos produtos de luxo, antes restritos às classes mais abastadas. O espaço da loja recupera sua importância, como o ocorrido com os grands magasins ou com as arcadas comerciais do século XIX. Só que, na atualidade, ocorre a transformação de um espaço acolhedor e requintado para um espaço de experimentação espacial, repleto de efeitos sensoriais cujos representantes mais paradigmáticos são as famosas flagship stores ou concept stores (VARGAS; BORTOLLI, 2016VARGAS, H. C.; BORTOLLI, O. Flagship store: um atrativo turístico de luxo. In: VARGAS, H. C.; PAIVA, R. A. Turismo, arquitetura e cidade. São Paulo: Manole, 2016. pp. 421-52.). A mesma análise pode ser feita com relação aos serviços de hospedagem, como os resorts ou os hotéis butique, nos quais o requinte da arquitetura, o luxo e as atividades oferecidas adicionam valor a quem neles se hospeda (ARAUJO, 2016ARAUJO, C. P. Arquitetura hoteleira. Meio, fim ou imagem? In: VARGAS, H. C.; PAIVA, R. A. Turismo, arquitetura e cidade. São Paulo: Manole, 2016. pp. 389-420.). No tocante a esse aspecto, os projetos do arquiteto ucraniano Morris Lapidus, em Miami, nas décadas de 1950 e 1960, são o melhor exemplo.

Seja pela indução pela propaganda, com a criação de novas necessidades, a valorização das as marcas e o incentivo ao consumo, seja pelas técnicas de venda, a arquitetura sensorial que tem como meta transformar o ato de consumir em diversão e entretenimento, tem conseguido driblar a escassez de localizações privilegiadas, ao manter e ampliar a atração mais eficiente do consumidor.

No entanto, estratégias mais sofisticadas de atração e de indução do consumidor não são utilizadas, nem estão dentro das possibilidades da maioria dos comerciantes e prestadores de serviços. Essa condição nos remete à necessidade de mais uma diferenciação quanto ao funcionamento das atividades terciárias entre os comerciantes independentes (lojistas) e aqueles que efetuam o planejamento dos seus negócios, como as grandes lojas, as franquias e os shopping centers.

3.5 Desenvolvimento varejista planejado e não planejado

O desenvolvimento do comércio e de serviços varejistas não planejados é aquele gerado espontaneamente, decorrente do aparecimento de estabelecimentos comerciais instalados em edifícios, construídos ou não para essa finalidade, característico da formação dos próprios centros urbanos. Nesse caso, são as condições de densidade demográfica e renda e a existência de polos geradores de fluxo que animam o surgimento das atividades terciárias.

O desenvolvimento varejista planejado19 19 Há uma diferença clara com relação ao planejamento de espaços comerciais e de serviços, do ponto de vista urbanístico, como aconteceu nas Cidades Novas da Europa e dos Estados Unidos, ou como ocorreu em Brasília, organizados por hierarquias de centros comerciais, com base nas ideias de Christaller (VARGAS, 2001). (retail planning) está focado no planejamento do negócio, em que o planejamento espacial é apenas um dos elementos a considerar. Na atualidade, os melhores representantes dessa categoria são os shopping centers20 20 Os shopping centers não foram pioneiros nessa estratégia. As galerias ou arcadas comerciais do início do século XIX, os conjuntos de uso misto nos Estados Unidos, como o Rockefeller Center na década de 1930, e também, segundo Fourquim, as feiras da região de Champagne, no século XII, já usavam estratégias de negócios para vencer as dificuldades locacionais (VARGAS, 1992). FOURQUIM, G. História econômica do Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1979. . Esse centro de compras planejado desenvolve-se em um único edifício, ou grupo de edifícios devidamente articulados, contendo lojas alugadas para diversos varejistas, com serviços de estacionamento, segurança, manutenção em comum, pensado como unidade e administrado por um único dono (BRUNA, 1972BRUNA, G. C. A problemática do dimensionamento de áreas comerciais para uso no planejamento territorial. 1972. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 1972.; VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ; GARREFA, 2010GARREFA, F. Shopping centers. De centro de abastecimento a produto de consumo. São Paulo: Senac. 2010. ).

Na atualidade, as estratégias dos negócios vão adquirir maior importância do que as localizações estratégicas, com os empreendimentos varejistas de base imobiliária, como os shopping centers, se mostrando capazes de criar as próprias localizações privilegiadas (VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ).

No entanto, o conceito de localização utilizado pelos urbanistas, aqui no Brasil, permanece mais alinhado com as noções de deslocamento e acessibilidade, conforme definido por Villaça (1978VILLAÇA, F. A localização como mercadoria. São Paulo: FAUUSP, 1978.): “localização é definida como os atributos locacionais de um ponto do território que definem suas possibilidades de relacionamento com os demais pontos deste território. É produto do trabalho e da inversão sucessiva de capital despendido na construção da cidade e que pode ter origem externa ao espaço físico que lhe dá suporte”.

Até recentemente, estratégias dos negócios, para imprimir à localização maior valorização e eficiência, não eram sequer cogitadas nas áreas dos estudos urbanos, como se o urbanismo moderno e o zoneamento pudessem dar conta de definir, restringir e induzir o uso do solo desejado nas cidades capitalistas. E essa situação foi simplesmente ignorada pela aliança do varejo com o capital imobiliário.

4. Considerações finais

O presente trabalho objetivou mostrar a complexidade do setor terciário - responsável pela vitalidade urbana - e seu funcionamento, por meio da apresentação das variáveis a serem consideradas nos processos de intervenção que envolvem o setor, sem, todavia, pretender dar conta de analisar legislações de usos e ocupação do solo.

Como fechamento, no entanto, algumas breves indicações do distanciamento entre a intenção e a efetivação das políticas urbanas no tocante ao setor de comércio e serviços e a cidade podem auxiliar na visualização da complexidade do setor.

Destacamos, primeiramente, o fato de que os subsídios às políticas públicas não se resumem à legislação urbanística. Eles incluem as políticas de implantação de equipamentos sociais geradores de fluxos, sistemas de transporte com ênfase nas estações e terminais, políticas de abastecimento, principalmente para a população de baixa renda, bem como a localização de espaços para eventos e a gestão das atividades que os envolvem.

Nesta direção, reforçamos que apenas a intenção expressa nos planos diretores e nas legislações de uso e ocupação do solo, visando à consolidação ou à indução à formação de centralidades, conforme já mencionado, não é suficiente para sua efetivação. Deve haver intervenção expressa do poder público na implantação de atividades geradoras de fluxos, seja a partir da criação de instituições públicas, seja por intermédio de negociações com o setor privado. Exemplos bem-sucedidos em São Paulo são os do Sesc 24 de Maio e o do conjunto do Itaú na Estação Conceição do metrô. Além de criar ou reforçar centralidades, eles promovem, como no caso do Itaú, empregos terciários, carregando o metrô em movimentos pendulares nos dois sentidos (GUERRA, 2015GUERRA, M. M. P. Eficiência urbana: fluxos para o comércio e tempo para o pedestre. 2015. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2015.). O surgimento de atividades terciárias, sobretudo aquelas voltadas aos indivíduos, só se efetiva se houver demanda, pois, nas sociedades capitalistas, comércio e serviços somente se estabelecem se houver consumidores suficientes para viabilizar os negócios.

Outra dificuldade encontrada em inúmeras legislações urbanísticas refere-se, desde o advento do zoneamento, às restrições de usos terciários em determinadas áreas das cidades. As constantes solicitações de alteração nas legislações urbanas e nos respectivos zoneamentos, que buscam contemplar o fato consumado, têm evidenciado sua inadequação no tocante à dinâmica urbana, como vem ocorrendo na legislação de Campinas (JULIANO, 2016JULIANO, M. A. O zoneamento e o território do terciário na cidade de Campinas. 2016. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2016. ), para mencionar apenas um exemplo. Até mesmo em Brasília, o terciário se impôs contra as decisões do Plano, ao criar quadras de comércio especializado. Atualmente, as pontas do setor de comércio local foram abertas para o uso de restaurantes com mesinhas ao ar livre (VARGAS, 2018VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.). Situações semelhantes também vêm sendo observadas na cidade de Palmas, no estado do Tocantins.

O uso exclusivamente residencial, paulatinamente abandonado, era responsável, por exemplo, pelo surgimento de atividades de comércio e serviços locais no entorno, com o propósito de suprir a população residente, como acontece nas chamadas pontas de Z1 (bairros jardins em São Paulo). Ainda, acabavam incentivando comércio e serviços clandestinos, do ponto de vista da legislação, mas muito de acordo com as novas tecnologias evidenciadas pelo trabalho à distância.

Outro equívoco observado diz respeito à definição de espaços destinados ao comércio e serviços em conjuntos habitacionais, em decorrência de políticas habitacionais ultrapassadas, os quais permanecem sem ocupação, enquanto outros espaços improvisados se estabelecem próximos a locais de fluxo mais intenso, junto aos meios de transporte coletivo, ainda que de forma precária e insuficiente. Neste caso, as políticas de abastecimento devem assumir um papel decisivo no atendimento dessa população (SILVA, 2017SILVA, D. V. da. Mercados públicos em São Paulo: arquitetura, inserção urbana e contemporaneidade. 2017. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2017.).

Há, ainda, mais questões pouco trabalhadas, referentes às fachadas ativas e aos incentivos ao uso comercial e de serviços no andar térreo. Para que sejam eficientes, as fachadas ativas devem estar ocupadas com usos que promovam a interação com a rua (SEVERINI; VARGAS, 2017SEVERINI, V. F.; VARGAS, H. C. Gestão da hospitalidade urbana: aprendendo com o setor de comércio e serviços. In: Anais do IX Semintur/II Copeh. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2017. 2017.). Além disso, o fechamento das vitrinas depois do horário comercial as torna inativas, o que pressupõe a necessidade de incentivos adicionais, como a iluminação noturna.

O incentivo ou a obrigatoriedade de reserva de espaço para uso terciário no andar térreo não garantem sua ocorrência. A exigência de edifícios de uso misto em Curitiba, Paraná, junto ao principal eixo de transporte coletivo, redundou em grande número de áreas vazias (DUDEQUE, 2005DUDEQUE, I. T. Nenhum dia sem uma linha. Continuidades urbanísticas em Curitiba, 1941-1993. 2005. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2005.).

Por outro lado, a existência de corredores de ônibus, que têm como finalidade diminuir o tempo de viagem do movimento pendular casa-trabalho, não necessariamente dinamiza o percurso. Muitas vezes, como ocorreu na avenida Santo Amaro, em São Paulo, o corredor de ônibus interferiu negativamente no comércio local. Exemplo contrário foi o do corredor de ônibus da avenida Rebouças, que pouco afetou o comércio local, tendo em vista que a estrutura fundiária era muito diferente da apresentada pela avenida Santo Amaro. Entretanto, as novas possibilidades de ocupação geradas pela legislação em vigor têm promovido forte interesse do mercado imobiliário, levando a significativas transformações e ao abandono ou substituição do comércio local.

Esses exemplos indicam que as legislações não podem assumir ares de generalização, no que tange às atividades de comércio e serviços que se estabeleceram espontaneamente na cidade, segundo a dinâmica urbana construída no tempo. Ou seja, as intervenções urbanas devem levar em conta as especificidades de cada local de acordo com a estrutura fundiária, o tecido urbano e a dinâmica existente.

Finalmente, além de todas essas especificidades do comércio e serviços que devem ser observadas na definição de políticas públicas, no Brasil as novas tecnologias de comunicação baseadas no poder da internet já exigem um novo olhar para a relação entre atividades terciárias e a dinâmica urbana, conduzindo a outros processos de centralização e descentralização de atividades que necessitam de maior compreensão. Mudanças no significado de área de influência, de hierarquia de centros, de localizações estratégicas e de proximidade física estão em processo.

Em vez de o consumidor se deslocar em busca de um bem ou serviço, o que se observa é o retorno à intensificação dos antigos mercadores, os pés poeirentos, agora travestidos de pequenas vans, de motoqueiros ou drones que fazem a mercadoria circular sob o comando dos market places virtuais, marcando uma nova lógica para a distribuição varejista.

Para as compras que se apresentam como obrigatórias e necessárias, a localização dos centros de distribuição assume, então, um papel mais relevante em termos locacionais. Já a compra de bens e serviços de caráter hedônico induz a deslocamentos indefinidos, efêmeros e mutáveis, em busca de oportunidades de encontros e da realização de atividades repletas de experiências. É preciso compreender melhor a dinâmica urbana para controlar mais efetivamente sua qualidade, uma vez que a tendência remete a uma desorganização dos fluxos urbanos outrora estabelecidos, cuja compreensão se faz ainda mais urgente.

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  • WALRAS, L. Elementos de economia política pura São Paulo: Nova Cultural , [1874] 1996.
  • 1
    Thorstein VeblenVEBLEN, T. A teoria da classe ociosa. São Paulo: Pioneira, 1965. publicou a Teoria da Classe Ociosa em 1899 e se tornou um clássico da literatura econômica e social. Foi ele o responsável por cunhar o termo “consumo conspícuo” para definir gastos não dedicados ao conforto e à utilidade, mas com propósitos puramente honoríficos e hedônicos.
  • 2
    Walter Christaller, geógrafo alemão, publicou no ano de 1933 a obra sobre a Teoria do Lugar Central. Em 1966, ela foi publicada em inglês sob o título Central Places in Southern Germany.
  • 3
    O economista August Lösch, também alemão, expandiu o trabalho de Christaller, ao publicar The Spatial Organization of the Economy, em 1940. As formulações desenvolvidas por Lösch e Christaller ficaram conhecidas, em conjunto, como Teoria do Lugar Central.
  • 4
    Saskia Sassen (1998)SASSEN, S. As cidades na economia global. São Paulo: Studio Nobel, 1998. adotou o nome de serviços produtivos para designar os serviços prestados a empresas, diferentemente daqueles dirigidos ao consumidor individual, conforme já fora proposto por Rochefort (1976), por estarem voltados diretamente à produção.
  • 5
    Nusbaumer (1984), Walker (1985)WALKER, R. Is there a Service Economy? Science and Society, v. 49, n. 1, pp. 42-83, 1985. e Marshall (1988)MARSHALL, J. N. Services and uneven development. Oxford: Oxford University Press, 1988. (apud Meirelles, 2006MEIRELLES, D. S. O conceito de serviço. Revista de. Economia Política, v. 26, n. 1, pp. 119-36, jan.-mar. 2006. , quadro 2), embora com terminologias diferentes, exibem um fio condutor semelhante em suas classificações, apresentando uma diferenciação dos serviços de acordo com sua presença no processo de produção, de distribuição e no consumo. NUSBAUMER, J. Les services: nouvelle donne de l’economie. Paris: Economica, 1984.
  • 6
    Segundo Hirschman, durante muito tempo, subsistiu a noção de que os comerciantes eram personagens mesquinhos, sujos (pés poeirentos) e desinteressantes. A história retratava a figura dos mercadores ou dos caixeiros-viajantes deslocando-se de porta em porta ou se reunindo em mercados temporários ou feiras. HIRSCHMAN, A. O. As paixões e os interesses; argumentos políticos para o capitalismo antes de seu triunfo. Trad. Lúcia Campello. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
  • 7
    Riddle vai na mesma direção e indica que os serviços também podem apresentar características de indústrias, delas se diferenciando desde a Revolução Industrial, em decorrência das mudanças nos métodos da produção, da mecanização, das estruturas financeiras e da infraestrutura de distribuição e comercialização. RIDDLE, D. I. Service-Led Growth. The Role of the Service Sector in World Development. Nova York: Praeger Publishers, 1986.
  • 8
    A elaboração do Plano Diretor de São Paulo de 2016 desconsidera essas diferenciações, ao se conceber a possibilidade de induzir usos comerciais “por decreto” (VARGAS, 2015 VARGAS, H. C. A localização comercial não se define por decreto. Ensaio, 2015. Disponível em: http://www.labcom.fau.usp.br.
    http://www.labcom.fau.usp.br...
    ).
  • 9
    Nas condições atuais da economia, é preciso levar em conta o surgimento de novas categorias de serviços e produtos, embora nem sempre discerníveis, por estarem incorporados a outros setores econômicos. A própria coleta de dados para fins estatísticos também mascara a heterogeneidade do setor.
  • 10
    Segundo Etienne Dalmasso (1976)DALMASSO, E. Les activités tertiaires: leur rôle dans l’organization de l’espace. Tomo II: Systemes urbaines et activités tertiaires. Paris: CDU/Sedes, 1976., o terciário de comando funciona como um acelerador da urbanização pelo poder de encadeamento com outras atividades terciárias que dependem dela e das quais necessita. Também oferece empregos mais bem remunerados que incentivam o aparecimento de atividades mais sofisticadas.
  • 11
    No entanto, com o advento das compras de bens e serviços à distância, a disposição para percorrer maiores distâncias pode se traduzir na quantidade de tempo aceitável para receber a mercadoria, já que é ela que se desloca.
  • 12
    É interessante observar que, com o surgimento dos processos de refrigeração e conservação dos alimentos e com o desenvolvimento da indústria alimentícia, a frequência de compra deixou de se identificar diretamente com a frequência de uso. Ou seja, alguns produtos de uso cotidiano, como pão e leite, por exemplo, não precisam ser comprados diariamente, uma vez que podem ser estocados.
  • 13
    Essas exigências de menores distâncias entre o lojista e o consumidor podem ser substituídas pela proximidade dos grandes centros de distribuição, garantindo menor tempo e menor custo para entregas.
  • 14
    Segundo Masano (1993)MASANO, T. F. Planejamento da localização comercial. Mercado Global, p. 54-61, jul.-ago. 1985., o conceito de área de influência será devidamente apropriado na delimitação das áreas de influência dos empreendimentos tipo shopping centers.
  • 15
    A distância econômica, conforme definida por Brian Berry (1967)BERRY, J. L. B. Geography of Market Centers and Retail Distribution. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1967. a partir de Christaller, representa uma associação entre o preço da mercadoria oferecida e o preço do deslocamento. Ou seja, o consumidor busca o menor valor para a fórmula (p + mt), onde p é o preço da mercadoria, m a distância e t o custo por unidade de distância.
  • 16
    A substituição do ato de ir às compras pela entrega em domicílio, cada vez mais presente no comércio eletrônico, também altera a delimitação da área de influência e o conceito de distância econômica.
  • 17
    Vicentin (2015)VICENTIN, T. N. Análise do comércio e serviços nos empreendimentos do programa MCMV. Estudo de caso do residencial vista bela. Londrina, PR. 2015. Dissertação de mestrado. Londrina: UEL, 2015. realizou um levantamento que mostra claramente a precariedade na oferta de comércio e serviços em um conjunto habitacional de baixa renda, do programa Minha Casa Minha Vida, em Londrina, Paraná.
  • 18
    Aqui também poderiam ser incluídas as compras realizadas para revenda, com a intenção de realizar negócios.
  • 19
    Há uma diferença clara com relação ao planejamento de espaços comerciais e de serviços, do ponto de vista urbanístico, como aconteceu nas Cidades Novas da Europa e dos Estados Unidos, ou como ocorreu em Brasília, organizados por hierarquias de centros comerciais, com base nas ideias de Christaller (VARGAS, 2001VARGAS, H. C. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Senac, 2001; Barueri: Manole, 2018.).
  • 20
    Os shopping centers não foram pioneiros nessa estratégia. As galerias ou arcadas comerciais do início do século XIX, os conjuntos de uso misto nos Estados Unidos, como o Rockefeller Center na década de 1930, e também, segundo Fourquim, as feiras da região de Champagne, no século XII, já usavam estratégias de negócios para vencer as dificuldades locacionais (VARGAS, 1992VARGAS, H. C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? 1992. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP , 1992. ). FOURQUIM, G. História econômica do Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2019
  • Aceito
    04 Fev 2020
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