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De “sol e mar” a “Ilha do silício”: narrativas midiáticas na promoção de Florianópolis (1975-2020)

From “sun and beach” to “silicon island”: media narrative in the promotion of Florianópolis (1975-2020)

Resumo

“Ilha da magia”, “Capital da qualidade de vida”, “Ilha do silício”. Por meio de discursos e imagens, diversas narrativas foram se transformando e se tornaram responsáveis por induzir as formas de ver e de dizer Florianópolis. Partindo do argumento de que o espaço participa da produção discursiva da cidade, o objetivo deste artigo é compreender o modo como as narrativas que constroem a Florianópolis atual foram empreendidas e modificadas entre 1975 e 2020. Utilizou-se como procedimento metodológico a análise de documentos veiculados em jornais locais, revistas de circulação nacional e guias turísticos, os quais permitiram inferir os discursos difundidos por agentes hegemônicos locais. Florianópolis foi produzida inicialmente como cidade turística e vivenciou um período de promoção de um turismo elitizado. Chegou ao século XXI com uma imagem turística convergente a uma estratégia de city marketing mais complexa, que passou a atrair investimentos dos setores de indústria criativa e tecnologia, além de novos moradores de alto poder aquisitivo.

Palavras-chave:
Florianópolis; Produção Discursiva; Narrativas Midiáticas; Cidade Turística; City Marketing; Turismo; Promoção Turística

Abstract

“Island of magic”, “Capital of quality of life”, “Silicon Island”. Through speeches and images, several narratives were formed and are responsible for seeing and saying Florianópolis. Based on the argument that space participates in the discursive production of the city, the objective of this article is to understand how narratives that build the current Florianópolis were undertaken and modified between 1975 and 2020. As a methodological procedure, the analysis of documents published in local newspapers, magazines and tourist guides was used, which allow inferring the discourses disseminated by local hegemonic agents. Florianópolis was initially a tourist city and went through a period of promotion of elite tourism. It reached the 21st century with a tourist promotion converging with a more complex city marketing strategy, which started to attract investments from the creative industry and technology sectors, in addition to new residents with high purchasing power.

Keywords:
Florianópolis; Discursive production; Media narratives; Tourist city; City marketing; Tourism; Touristic promotion

1. Textos e imagens que constroem o real: narrativas midiáticas na promoção de Florianópolis

A centralidade da mídia, das imagens e dos discursos na produção do espaço tem sido um tema relevante e recorrente nos estudos urbanos. A mídia configura-se como um veículo privilegiado no processo de renovação urbana, sendo capaz de moldar as representações acerca da transformação e da produção dos espaços, como analisado por Sánchez (2003SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.). A fim de atender aos interesses dos governos locais e das coalizões dominantes, os meios de comunicação são pensados como difusores de estratégias discursivas de agentes hegemônicos nos espaços em que atuam. Neste artigo, argumenta-se que as narrativas midiáticas acionadas na divulgação turística e no city marketing constituem conjuntos de acontecimentos que enredam o espaço de acordo com suas significações sociais, e não apenas o representam. Em Florianópolis, “Ilha da magia”, “Capital da qualidade de vida” e “Silicon island” são algumas das narrativas criadas para promover a cidade ao longo das últimas décadas, no intuito de atrair turistas,1 1 Embora Florianópolis seja considerada um destino turístico consolidado no país e em Santa Catarina, os dados que evidenciam o fluxo de turistas na cidade não contemplam as especificidades locais. Segundo a Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santa Catarina (SANTUR) (2022), Florianópolis registrou a entrada de 2.136.937 turistas em 2022. Observando os locais de origem dessas pessoas, nota-se que a maioria dos registros se refere às cidades onde estão situados os principais aeroportos do país: São Paulo (28,76%), Guarulhos (19,44%), Campinas (9,17%) e Rio de Janeiro (8,94%). O fluxo de turistas de Buenos Aires, principal destino estrangeiro emissor para Florianópolis, ficou em 23.275 pessoas, conforme o levantamento da SANTUR (2022), o que corresponderia a apenas 1,09% do total. Contudo, o dado desconsidera a entrada massiva de turistas argentinos em Florianópolis por meio de automóveis particulares e de ônibus fretados, os quais ocupam inúmeros balneários da Ilha, sobretudo entre os meses de dezembro e março. A título de ilustração, para a temporada de 2023, a Secretaria de Turismo de Florianópolis estimou a entrada de 80 mil pessoas do país vizinho na capital (COM, 2023). AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO DE SANTA CATARINA (SANTUR). Almanach 3: dados sobre o turismo catarinense. Florianópolis: SANTUR, 2022; COM a volta dos turistas argentinos, Florianópolis comemora a melhor temporada dos últimos 10 anos, mas enfrenta epidemia de diarreia. G1, 14 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/14/com-a-volta-dos-turistas-argentinos-florianopolis-comemora-a-melhor-temporada-dos-ultimos-10-anos-mas-enfrenta-epidemia-de-diarreia.ghtml. Acesso em: 14 fev. 2023. novos moradores ou investimentos econômicos. O objetivo deste artigo é compreender o modo como essas narrativas que produzem Florianópolis foram empreendidas e vêm se modificando nas últimas décadas.

Os textos e as imagens de Florianópolis que circulam em jornais, revistas e publicidades conformam-se como construções político-discursivas de uma verdade e, ao mesmo tempo, como tentativas de forjar uma única forma de ver e de dizer a cidade. As narrativas visam a construir uma cidade desejada, enquanto ocultam elementos inconvenientes que as colocam em dúvida, conforme analisa Castro (2002CASTRO, C. Narrativas e imagens do turismo no Rio de Janeiro. In: VELHO, G. (org.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 80-87.) para o caso do Rio de Janeiro. Textos e imagens não são meros reflexos da realidade a que se referem, eles fazem parte da construção desse real, ajudando a naturalizar discursos de acordo com os interesses de seus promotores e direcionando possíveis leituras do público.

A promoção da cidade e de sua paisagem é construída por meio de um conjunto de enunciados que organizam uma realidade. Não é só o resultado da inserção de uma atividade econômica - como poderia ser o turismo ou o mercado imobiliário - em um espaço inerte. As invenções, os usos e os significados da cidade e das paisagens estão amarrados a interesses políticos e a seus contextos de enunciação.

Foucault (1997FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997 [1969]. [1969]) afirma que um discurso não é somente um conjunto de signos, mas também uma prática que forma os objetos sobre os quais ela fala. Um discurso não trata de algo que lhe é exterior, mas constrói ou institui aquilo que enuncia. Dialogando com a perspectiva teórico-metodológica foucaultiana, defende-se aqui que o discurso turístico e o city marketing de Florianópolis são uma instituição discursiva e que textos e imagens participam ativamente da produção da própria cidade. Essa perspectiva ajuda a desnaturalizar as narrativas sobre Florianópolis, elucidando os mecanismos de sua construção.

Como elementos que participam da construção da realidade, as produções jornalísticas e publicitárias contribuem para a transformação de relações espaciais em fenômenos textuais, processo analisado por Duncan (1990DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ) e Albuquerque Jr. (2011 ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. ).2 2 Partindo das reflexões de Walter Benjamin sobre a evolução das narrativas urbanas, Barreira (2013) oferece uma interessante construção conceitual sobre narrativas de cidades, apoiando-se na análise de guias turísticos de cidades como Fortaleza, Lisboa, Lyon e Berlim. Com o objetivo de apresentar a cidade para turistas e visitantes, esses guias costumam articular uma construção narrativa coerente de textos e imagens, com “citações alegóricas” que dão unidade ao discurso do autor sobre aquilo que é apresentado. Para além da caracterização das narrativas, Barreira (2013) apresenta as situações de disputas simbólicas entre elas. A autora identifica e compara as conotações ideológicas das narrativas de guias antigos sobre Berlim Oriental com aqueles de Berlim Ocidental. Como se pode esperar, as imagens e os textos são densos de carga simbólica, em que a cidade apresentada sintetiza e expressa posições políticas antagônicas da Guerra Fria. Barreira (2013) identifica também as narrativas dos guias mais atuais sobre o muro e a “Nova Berlim” reunificada, que deu lugar a uma ressignificação da sua história no esforço de lançar-se como capital do país que é o motor econômico da União Europeia no século XXI. BARREIRA, I. A. F. A cidade como narrativa. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2013. Duncan (1990)DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. defende o argumento de que a paisagem é um sistema de significados de grande importância social e política, de modo que a análise da dimensão espacial deve se fundamentar nas relações entre poder político e paisagem em um determinado contexto. Albuquerque Jr. (2011) ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. , de forma complementar, entende que enunciados e imagens, conectados às instituições das quais fazem parte, constroem o espaço, em vez de construir sobre o espaço, pois este não é um dado prévio. Nas palavras do autor, “os discursos não se enunciam a partir de um espaço objetivamente determinado do exterior, são eles próprios que inscrevem seus espaços, que os produzem e os pressupõem para se legitimarem” (ALBUQUERQUE JR., 2011 ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. , p. 34).

Devido a um continuado esforço discursivo de agentes locais, as últimas décadas do século XX foram marcadas pela consolidação e pela naturalização da narrativa de Florianópolis como cidade turística. Apesar da grande quantidade de pesquisas sobre turismo em Florianópolis, conforme demonstra Lenzi (2016LENZI, M. H. A invenção de Florianópolis como cidade turística: discursos, paisagens e relações de poder. 2016. 246 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.),3 3 As pesquisas que analisam o turismo em Florianópolis podem ser divididas em três grupos: as de viés econômico, que explicam o turismo pelos seus impactos na sazonalidade e no subemprego e mostram que ele produz mais uma ilusão do que retornos concretos à sociedade; as de caráter ambiental, que também consideram os impactos negativos do turismo superiores às suas benesses; e as de viés político, que identificam o turismo como uma construção histórica da cidade e expoente de relações de poder entre atores públicos e privados, instituições, normas de planejamento urbano e movimentos sociais (LENZI, 2016). esses trabalhos não consideram a dimensão espacial da cidade como produção discursiva.4 4 Como representativos da abordagem que não considera a dimensão espacial da cidade como produção discursiva, podem ser citados os trabalhos de Moretto Neto (1993), Santos (1993), Januário (1997), Ouriques (1998; 2005), Zanela (1999), Assis (2000), Mingori (2001), Güttler (2002) e Lohn (2002). MORETTO NETO, L. A atividade turística e o desenvolvimento sustentado. Estudo de caso: o Balneário de Ingleses e o Projeto Costa Norte - Ilha de Santa Catarina, no período de 1960-1990. 1993. 660 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993; SANTOS, C. Planejamento turístico e seus reflexos no processo de urbanização nas praias de Canasvieiras e Jurerê Internacional. 1993. 247 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993; JANUÁRIO, S. S. Organização, ação e representação de interesses do empresariado do setor turístico em Florianópolis. 1997. 136 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997; OURIQUES, H. R. Turismo em Florianópolis: uma crítica à indústria pós-moderna. Florianópolis: Ed. UFSC, 1998; OURIQUES, H. R. A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas: Alínea, 2005; ZANELA, C. C. Atrás da porta: o discurso sobre o turismo na Ilha de Santa Catarina (1983-1998). 1999. 132 f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999; ASSIS, L. P. Planos, ações e experiências na transformação da “pacata” Florianópolis em capital turística. 2000. 127 f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000; MINGORI, J. O desenvolvimento turístico na Ilha de Santa Catarina: dos percalços do turismo massivo às proposições de um turismo sustentável - a análise do Projeto Ambiente Sul. 2001. 165 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001; GÜTTLER, M. A. C. C. A comunicação do turismo em Florianópolis. 2002. 501 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. O argumento desenvolvido neste artigo, baseado na compreensão de Duncan (1990DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ) e Albuquerque Jr. (2011 ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. ), é de que a cidade é significada e, assim, instituída por meio das diferentes relações de poder entre os agentes locais, as quais são estruturadas em torno de interesses que se expressam na mídia e buscam limitar as formas de ver e de dizer Florianópolis.

Analisar os discursos divulgados na mídia implica perceber que a emergência deles se deve a um contexto específico. Essa emergência, por sua vez, não faz surgir um argumento monolítico e estático, mas conjuntos de enunciados e posições enunciativas organizadas de acordo com determinadas regras contextuais. As análises desenvolvidas neste artigo buscam devolver textos e imagens aos discursos, ou seja, localizá-los em seus contextos de enunciação, nos quais possuem uma eficácia estratégica para a instituição de uma verdade.

Com o intuito de compreender a construção das narrativas midiáticas sobre Florianópolis ao longo do tempo, foi adotado como procedimento metodológico a análise dos seguintes documentos veiculados na mídia: matérias avulsas e cadernos temáticos especiais de dois jornais locais, o Diário Catarinense5 5 O Diário catarinense é o jornal de maior circulação do estado de Santa Catarina. Pertenceu ao Grupo RBS, empresa gaúcha de comunicação, até 2016, quando foi vendido para o Grupo NC, que atualmente responde pelo conglomerado de comunicação NSC Comunicação, responsável pela produção do Diário Catarinense. e O Estado;6 6 O jornal O Estado encerrou suas atividades em 2009. reportagens da revista Veja, especialmente a partir dos anos 1990, quando a cidade ganhou visibilidade na mídia nacional; matérias publicadas nas revistas nacionais de viagem e turismo Check In, Os Caminhos da Terra e Viagem e Turismo; matérias publicadas em jornais de circulação nacional, como O Globo e Folha de São Paulo; e guias turísticos produzidos por atores públicos e privados.

Ao longo de quase cinco décadas, é possível identificar como as narrativas midiáticas sobre Florianópolis foram se transformando, com mudanças nos objetivos da promoção turística e do city marketing e nos interesses dos agentes hegemônicos locais. Para fins de análise, essas narrativas foram organizadas em três períodos, os quais constituem as três partes deste artigo, além desta introdução e das considerações finais.

O primeiro período se inicia em 1975, ano em que foi inaugurada uma nova ponte conectando a Ilha ao continente, e se estende até 1989. Nele, o turismo era entendido de modo funcional e racionalista, em conexão com as ideias do planejamento urbano da época, e limitava-se a ações das esferas públicas municipal e estadual. O segundo período se inicia em 1989, com a criação da Fundação de Turismo de Florianópolis (PROTUR), e se encerra em 1997. O turismo passava a ganhar relevância na cidade por meio de uma maior articulação entre os agentes públicos e privados locais, sendo assumido como o “destino” da cidade.

O terceiro e último período tem como marco inicial a eleição da então prefeita Ângela Amin, em 1997, e alcança os dias de hoje, com análises realizadas até 2020. Naquele momento, a divulgação de Florianópolis deixava de ter o turismo como foco e o city marketing passava a ser a principal estratégia discursiva acionada, acompanhando uma tendência global de promoção das cidades (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, p. 115-132, maio 1999. DOI: 10.22296/2317-1529.1999n1p115.
https://doi.org/10.22296/2317-1529.1999n...
; 2003SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.). As narrativas do período também pretendiam atrair investimentos de setores dinâmicos da economia, como a indústria criativa e as tecnologias da informação e comunicação (TICs), além de almejar novos habitantes de alto poder aquisitivo para Florianópolis.

2. Cidade de “sol e mar”: da construção de infraestruturas à construção de narrativas turísticas (1975-1989)

Sol, mar e infraestrutura pareciam ser suficientes para promover Florianópolis e convertê-la em uma cidade turística nos anos 70 do século XX. A construção de uma nova ponte conectando a ilha ao continente, em 1975, alterou radicalmente a acessibilidade à parte insular, onde se situam o centro da cidade e as suas muitas praias paradisíacas, até então quase inexploradas. Tal ponte logo se converteu em uma promessa de desenvolvimento econômico, metaforicamente ligando a Ilha-capital ao “progresso”, com a promessa de avançar no processo de crescimento urbano, como noticiava a revista Veja em 1972 (FLORIANÓPOLIS, 1972FLORIANÓPOLIS: duas pontes novas. Veja, São Paulo, n. 225, p. 53, 27 dez. 1972.). Embora a matéria abordasse conexões viárias e fatores de desenvolvimento, o turismo não era lembrado, retratando a invisibilização dessa atividade nos meios de comunicação de massa.

À época, o turismo era visto como uma atividade econômica a ser implantada no pretenso “Setor Oceânico-Turístico da Ilha de Santa Catarina”, situado na Planície do Campeche, e era comumente associado ao projeto da Região Metropolitana de Florianópolis (RMF). Do pouco que se falava, percebe-se o receio de que um possível aumento no fluxo de turistas pudesse descaracterizar a cidade, sua natureza e seus habitantes (LOHN, 2002LOHN, R. L. Pontes para o Futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1959 a 1970. 2002. 442 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.).

Apesar da ausência de divulgação turística nos jornais e revistas, havia uma produção de guias turísticos pelos órgãos de turismo da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) e do Governo do Estado de Santa Catarina. Naquele momento, o turismo como projeto de cidade estava restrito aos corredores dos órgãos públicos (LAGO, 1996LAGO, P. F. Florianópolis: a polêmica urbana. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 1996. ), traduzindo planos institucionais baseados em estudos e argumentos técnicos que viam nessa empreitada uma saída para resolver os problemas econômicos e alcançar metas de desenvolvimento urbano da capital do estado. Um exemplo é o fato de que os guias apresentavam o mesmo caráter racional, técnico e descritivo observado nos planos diretores e de desenvolvimento da época, como analisa Sugai (1994SUGAI, M. I. As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano: a via de contorno Norte-Ilha. 1994. 232 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.).

De acordo com Castro (2002CASTRO, C. Narrativas e imagens do turismo no Rio de Janeiro. In: VELHO, G. (org.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 80-87., p. 81), “[u]ma via de acesso ao processo de construção da natureza turística de um local nos é fornecida pelos guias de viagem e folhetos turísticos, que ‘cristalizam’ as narrativas e imagens do turismo em um determinado momento”. Em Florianópolis, os guias de então elencavam investimentos em infraestrutura, obras de saneamento, iluminação e pavimentação e assinalavam a localização de empresas estatais como atributos de interesse turístico, dando pouco destaque aos balneários, ao folclore e à culinária locais. A conexão rodoviária pela BR-101 e o acesso asfaltado à cidade eram tão importantes quanto divulgar o sol e o mar.

Apesar do slogan “Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, Terra de Sol e Mar”, das 16 fotografias selecionadas para divulgar a cidade no guia Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, ponto sul do turismo, elaborado pela Diretoria de Turismo e Comunicações (DIRETUR) da PMF na década de 1970, apenas uma aludia explicitamente à “Terra de Sol e Mar” (Figura 1), enquanto as demais mostravam edifícios históricos, pescadores, rendeiras, a Ponte Hercílio Luz e um panorama do centro da cidade. Chama a atenção o fato de que a praia apresentada, de Itaguaçu, localiza-se na área continental de Florianópolis, não no setor insular.7 7 O município de Florianópolis é formado por duas porções, uma insular e outra continental, que representam, respectivamente, 97,23% e 2,77% de sua área total (674,844 km2). As praias consideradas turísticas encontram-se na Ilha, tendo em vista que as praias continentais, além de poucas, não apresentam condições de balneabilidade.

Figura 1
Foto da Praia de Itaguaçu publicada no guia Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, ponto sul do turismo

Os acessos rodoviários ganhavam destaque na maioria dos guias desse período. No guia da DIRETUR/PMF, além do mapa rodoviário que localizava Florianópolis no eixo da BR-101, as conexões viárias eram retomadas ao longo do texto, ressaltando que “a Cidade liga[va]-se ao continente por uma famosa ponte - a Hercílio Luz” - e possuía “372 logradouros públicos e no setor de estradas disp[unha] de 40 km de rodovias estaduais, 118 de estradas municipais” (FLORIANÓPOLIS. Diretoria de Turismo e Comunicações, [1970?]FLORIANÓPOLIS. Diretoria de Turismo e Comunicações. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, Ponto sul do turismo, Florianópolis, s. n., [1970?].).

No Pequeno Guia Turístico da Cidade, também elaborado pela DIRETUR/PMF, entre as 11 atrações turísticas de Florianópolis, fazia-se uma única referência às praias, elencando as consideradas principais: “Cacupé, Sambaqui, Jurerê, Canasvieiras, Ingleses, Campeche, Armação, Joaquina, Bom Abrigo, Saudade, Praia do Meio e Itaguaçu [eram] as praias mais procuradas pelos banhistas” (FLORIANÓPOLIS. Diretoria de Turismo e Comunicações, 1972FLORIANÓPOLIS. Diretoria de Turismo e Comunicações. Pequeno Guia Turístico da Cidade. v. 1. Florianópolis: ACITE, 1972., p. 8). Embora o slogan dessa cidade turística fosse “Cidade de sol e mar”, quase nenhuma dessas praias era retratada nos guias da década de 1970.

A década de 1970 e o início dos anos 1980 se caracterizavam, pois, por narrativas midiáticas que se aproximavam muito do que estava tecnicamente descrito nos planos e projetos governamentais da época. Partindo do frágil argumento de que a existência de sol e mar seria sinônimo de turismo, a paisagem de Florianópolis começava a ser fabricada como um meio de alcançar os objetivos político-governamentais de constituir uma Região Metropolitana para o estado.

O primeiro guia turístico produzido por um ator privado é desse período (MACIEL, 1982MACIEL, A. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina - suas belezas e seus pontos turísticos. Florianópolis: [s. n.], 1982.). Nele explicitaram-se receios e esperanças trazidos à Ilha pela chegada da “modernidade”. Citando o aterro da Baía Norte, o novo terminal rodoviário e o calçadão do Centro, símbolos desse tempo do qual o turismo seria participante, o guia lamentava que a cidade já não era como antes. Entre os vários anúncios, aparecia uma propaganda da recém-criada Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes (SETUR) da PMF, que, remodelando o slogan anterior, informava:

Deixe o sol e o mar tomarem conta de você. Em Florianópolis, a vida das pessoas é regida pelo sol e o mar. E quando chega o verão, tudo explode em cores, felicidade e atrações. Marque um encontro com as belezas de Florianópolis, o prazer intenso de um verão inesquecível. Florianópolis, uma cidade boa de se viver (MACIEL, 1982MACIEL, A. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina - suas belezas e seus pontos turísticos. Florianópolis: [s. n.], 1982., n. p.).

A citação mostra que a cidade - “boa para se viver” - também era divulgada para seus habitantes e novos moradores, antecipando uma estratégia que se tornaria mais forte a partir do final da década de 1990. Apesar de a propaganda promover um prazer veranil intenso, destacava que isso não ocorreria somente no verão, ou seja, não era apenas para turistas. Além disso, essa forma de enunciar os habitantes - “a vida das pessoas é regida pelo sol e o mar” (MACIEL, 1982MACIEL, A. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina - suas belezas e seus pontos turísticos. Florianópolis: [s. n.], 1982., n. p.) - era também uma forma de colocar a população como atrativo turístico, como pessoas conectadas ao ritmo da natureza e que receberiam bem os turistas.

Os discursos funcionam como um quadro social por meio do qual práticas tomam sentido, e por meio dele algumas ideias e ações são vistas como naturais. Desse modo, a naturalização de um uso específico do espaço tem sentido quando ganha coerência dentro de uma determinada ordem discursiva, podendo, assim, ser comunicada, negociada e desafiada, como expõe Duncan (1990DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ).

Entende-se que o que marca o início da construção de Florianópolis como cidade turística é um projeto político-econômico que, aos poucos, vai sendo divulgado como uma aptidão natural daquela paisagem. Infraestrutura, sol e mar, acrescidos de habitantes que tinham suas vidas regidas por componentes naturais e pela beleza, são elementos discursivos que se tornavam objetivamente irrefutáveis, pois estavam disponíveis para serem vistos. Como argumenta Duncan (1990DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ), é exatamente pela concretude, pelo fato de poder ser vista como forma, que a paisagem não é percebida como uma construção cultural e histórica, mas como algo que pode ser lido por meio de suas formas visíveis.

À medida que o discurso técnico legitimava projetos políticos, a mídia começava a participar do direcionamento da leitura do espaço de Florianópolis como um espaço turístico. Fazia isso por meio de estratégias que evidenciavam determinados atores, ideias e partes da cidade enquanto silenciavam outros. Os elementos dessa rede de significação se tornaram, ao longo dos anos, mais fortes, e o fato de ser uma cidade turística passou a justificar e privilegiar inúmeras ações provenientes dos setores público e privado, de modo que o papel da mídia ficou mais presente na configuração dessa paisagem hegemônica.

Uma matéria direcionada às atrações turísticas da cidade, publicada no final da década de 1970, baseava-se em uma entrevista com o então presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Ayrton Oliveira, que afirmava: “Florianópolis também tem suas atrações. Mas, pra mim, as principais são de turismo. A paisagem natural, que é realmente privilegiada e difícil de ser encontrada, mesmo no Brasil, e outra seria o próprio povo florianopolitano. Ele é diferente de quase todo o Brasil”.8 8 Matéria intitulada “A natureza e o povo: as atrações da cidade”, publicada entre os anos de 1977 e 1978. Não foi encontrada a referência do veículo em que a notícia foi publicada, visto compor uma clipagem de notícias organizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC), na qual não há menção da fonte nem da data exata da publicação, a não ser os anos citados. Oliveira ressaltava, ainda, que a cidade tinha infraestrutura urbana, a exemplo da pavimentação das ruas, das redes de telecomunicação e de água, além do que chamava de “infraestrutura jurídica e legal”, que estava sendo elaborada pelo IPUF e viria a ser publicada em 1985 como o Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha de Santa Catarina (INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS, 1985INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS (IPUF). Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: IPUF, 1985.).

Esse plano privilegiava o turismo perante outras práticas sociais, pois instituía todos os balneários da cidade como de interesse turístico (INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS, 1985INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS (IPUF). Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: IPUF, 1985.). Por meio dos jornais, dizia-se que o turismo seria responsável por levar aos balneários da Ilha aquilo que eles não tinham e que sentiam falta: estradas, redes técnicas e legislação urbana. A repetição dessas ideias ganhou força e, de acordo com quem as enunciava, foi recebendo legitimidade até assumir uma posição de verdade, em um processo de validação que convertia aspirações em fatos, atribuindo vocações ao espaço. Para uma análise detalhada da elaboração de instrumentos de planejamento urbano direcionados à viabilização da atividade turística em Florianópolis, ver o trabalho de Lenzi e Gonçalves (2020LENZI, M. H.; GONÇALVES, T. C. Urbanização, discursos e relações de poder: turismo e planejamento urbano em Florianópolis (1950-1980). Geousp, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 425-443, 2020. DOI: 10.11606/issn.2179-0892.geousp.2020.173193.
https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892....
).

O discurso técnico e competente presente nos planos, encabeçado inicialmente pelas instituições públicas responsáveis pelo planejamento da cidade, foi o que deu força à construção discursiva que constituiu a imagem turística de Florianópolis. Nesse contexto, começava a ocorrer um direcionamento dos discursos hegemônicos sobre Florianópolis, a fim de consolidar o turismo como argumento central da rede de significados da cidade. Essa virada se consolidou no final da década de 1980, quando a cidade aprovou dois planos e ocorreu uma reorientação do papel da mídia local no que dizia respeito à divulgação-fabricação da cidade turística, não mais atrelada às instituições públicas, mas comprometida com os explícitos interesses do empresariado do setor turístico-imobiliário local.

3. Um pensamento estruturado: a articulação público-privada do setor turístico e a construção narrativa do “turismo de qualidade” (1989-1997)

Uma nova forma de participação da mídia na construção da cidade é observada a partir do final dos anos 1980, quando surgiram os cadernos especiais de turismo nos jornais O Estado e Diário Catarinense. O foco das narrativas midiáticas na promoção de Florianópolis continuava sendo o turismo, mas importantes mudanças se anunciavam, sobretudo com a criação da PROTUR em 1989, fundação instituída para promover o turismo local. Poucos anos separavam a cidade “de sol e mar” da nova cidade, que tinha por objetivo se transformar em um “paraíso internacional”, como divulgava O Estado, em 1989, no suplemento especial “Florianópolis quer varar o século como paraíso internacional” (FLORIANÓPOLIS, 1989FLORIANÓPOLIS quer varar o século como paraíso internacional. O Estado, Florianópolis, 23 mar. 1989. ).

Das cinco matérias que compunham o suplemento, uma delas abordava a PROTUR, afirmando que ela daria “[...] autonomia ao progresso da cidade, sem as amarras do serviço público” (COMO, 1989COMO desenfrear o progresso da Ilha. O Estado, Florianópolis, 23 mar. 1989. , n. p.). Entre os autores das matérias, além do prefeito municipal, Esperidião Amin, estavam Fernando Marcondes de Mattos, à época Secretário de Projetos Especiais de Florianópolis, idealizador e presidente da PROTUR, e André Schmidt, arquiteto responsável pelas obras do Costão do Santinho Resort,9 9 Criado em 1991, o Costão do Santinho Resort foi um dos primeiros empreendimentos turístico-imobiliários de grande porte de Florianópolis. Foi eleito, inúmeras vezes, como um dos melhores resorts do país. pertencente a Marcondes de Mattos.

Esse conjunto de textos expunha opiniões, preocupações e desejos a respeito do futuro da cidade, partindo de um mesmo pressuposto: o turismo não era apenas uma realidade, da qual Florianópolis não poderia fugir, mas o melhor e mais indicado projeto para transformar aquela pequena cidade em um “paraíso internacional”. Em seu texto, Marcondes de Mattos fazia uma conexão com a criação da PROTUR, chamando a atenção para o esgotamento do “modelo da cidade pendurada nas tetas dos poderes públicos” e para a necessidade de “condicionar a evolução da cidade” por uma “avenida econômica” ou por um cenário “que aceit[asse] fazer do turismo - vocação natural do município - a sua atividade econômica básica” (MATTOS, 1989 MATTOS, F. M. Uma década para a magia se conjugar com o progresso. O Estado, Florianópolis, 23. mar. 1989., n. p.). Antes difusa ou inexistente, a noção de vocação começava a se fazer presente nas narrativas em torno do turismo na década de 1980, tornando-se recorrente nos meios de comunicação, nas declarações dos empresários e nos planos diretores. Além de referendarem o turismo como “vocação natural do município”, ao apresentarem uma fala do prefeito afirmando que o turismo deveria ser uma competência do poder público caso ele não estivesse falido (AMIN, 1989AMIN, E. Conservar ambiente para crescer. O Estado, Florianópolis, p. 6, 23 mar. 1989.), os textos reforçavam o papel adotado pelos agentes privados e os colocavam em posição especial, visto assumirem uma competência importante, a qual, até então, era desenvolvida pelo Estado.

Esse discurso não apenas inventava a cidade turística, como também direcionava sua principal “vocação” e potencial atividade econômica ao controle do setor privado. O discurso não se restringia a uma dimensão textual; ele evidenciava como essa dimensão servia para sustentar uma abertura às ideias e ações dos empresários na definição do modelo urbano a ser seguido em Florianópolis. Na esteira de Duncan (1990DUNCAN, J. S. The city as text: the politics of landscape interpretation in the Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ) e Albuquerque Jr. (2011 ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. ), argumenta-se que não há um espaço que se determine objetivamente como se estivesse fora dos processos nos quais se inscreve. O espaço é uma trama de enunciados textuais e imagéticos ancorada em contextos discursivos - no caso, os modelos de cidade vigentes em cada período histórico.

Em Florianópolis, a percepção da cidade como atrasada, pequena e incipiente no contexto regional, a “falência do Estado” e as “amarras do poder público” justificavam qualquer tipo de intervenção em nome daquilo que traria o progresso. E os atores que tivessem suas vozes noticiadas nos jornais teriam o conhecimento e o poder tanto de ler a paisagem quanto de produzi-la.

As fotografias começavam a desempenhar um papel importante na configuração dessa “geografia praiana privilegiada”, como a revista Veja definia o litoral catarinense (Figura 2), já frequentado “pelos argentinos” e “descoberto pelos cariocas e paulistas” (NA CRISTA, 1990NA CRISTA da onda. Veja, São Paulo, n. 1113, p. 56-57, 17 jan. 1990., p. 56). As fotografias iam compondo as narrativas midiáticas, tornando-se fortemente responsáveis por “comprovar” que essa paisagem, de tão ensolarada e praiana, só poderia ser turística.

Figura 2
Matéria publicada na revista Veja

Percebe-se uma relação direta entre o dizível e o visível no material analisado, dado que nenhuma imagem aparece sozinha. Apesar de serem componentes importantes da publicidade turística, as imagens são sempre orientadas pelos textos que as acompanham. Segundo Albuquerque Jr. (2011 ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. ), as visibilidades e as dizibilidades estão conectadas, não há como separá-las, visto que textos e imagens compõem discursos e buscam uma mútua legitimação. Evidentemente, isso não se dá com uma ou duas imagens ou textos, mas por meio da sua repetição e da frequência com que são evocados, divulgados e legitimados.

Florianópolis começava a aparecer como um destino nacional, além de continuar sendo internacional por conta de hermanos e hermanas provenientes do Cone Sul. A prática turística passava a ser divulgada como “uma verdadeira revolução nos hábitos econômicos da cidade” e no mercado imobiliário (SOTAQUE, 1989SOTAQUE portenho. Veja, São Paulo, n. 1066, p. 48-49, 08 fev. 1989., p. 48-49), expondo que os anseios empresariais e políticos relacionados ao turismo estavam sendo concretizados.

Numa época em que o turismo era controlado pelo empresariado e legitimado pelas instituições públicas, o apelo não poderia mais ser orientado apenas ao turista que buscava sol e mar, começando a se voltar a possíveis investidores. A divulgação da cidade assumia outra relevância, já que o contexto era de uma política de mercado. A publicidade turística e as estratégias de marketing tornavam-se mais importantes e a imagem da cidade - que é um composto de fotografias e textos conformados a padrões estéticos e de consumo vigentes - se confundia com a promoção do turismo. Miossec (1977MIOSSEC, J. M. L’image touristique comme introduction à la géographie du tourisme. Annales de Géographie, v. 86, n. 473, p. 55-70, 1977.) afirma que o lugar turístico é uma imagem antes de ser qualquer outra coisa. Isso não significa que a imagem desse lugar seja fundada em algo que não exista, mas, sim, que há um movimento perpétuo entre o real e o imaginário, e é nesse movimento que os meios de comunicação atuam.

O papel do setor privado frente ao turismo - e seus investimentos direcionados ao marketing e à publicidade - era, mais uma vez, assunto do Diário Catarinense, que publicou outro suplemento especial voltado ao turismo em 1992, dessa vez para comemorar os três anos de trabalho da PROTUR. Com o título “PROTUR: análises e informações a respeito da entidade e do turismo em Florianópolis”, o suplemento trazia três matérias10 10 Os títulos das matérias eram “Florianópolis é polo turístico internacional”; “Fundação veio para consolidar”; e “É necessário investir em pessoal. Turismo se faz com ações”. que apresentavam agradecimentos e homenagens, como no trecho “A PROTUR tem ideias que iluminam nosso turismo. Parabéns” (PROTUR, 1992PROTUR: análises e informações a respeito da entidade e do turismo em Florianópolis. Diário Catarinense, Florianópolis, 14 jul. 1992., n. p.).

Com essas matérias os jornais registravam o que estava acontecendo na cidade e participavam da sua constituição, dando voz a determinados atores e repetindo determinadas ideias em detrimento de outras, excluídas por serem divergentes ou conflitantes. Quando divulgadas, estas últimas tendiam a ser classificadas como contrárias ao crescimento da cidade. Diversas propagandas foram lançadas pelo empresariado local em parceria com a PROTUR, evidenciando uma disputa de narrativas que dividia a cidade entre os “prós” e os “contra”, ou seja, entre aqueles que eram a favor do desenvolvimento turístico baseado em grandes empreendimentos e os que eram contra o crescimento da cidade, geralmente associados a movimentos ambientalistas. A narrativa midiática participava efetivamente da invenção e consolidação dos anseios de empresários que, segundo os jornais atestavam, conseguiam transformar um antigo sonho em realidade, pois Florianópolis não era só um lugar turístico, mas também um “polo internacional consolidado” pela atuação da PROTUR, que entendia que “turismo se faz[ia] com ações” (PROTUR, 1992PROTUR: análises e informações a respeito da entidade e do turismo em Florianópolis. Diário Catarinense, Florianópolis, 14 jul. 1992., n. p.).

Outra matéria desse suplemento do Diário Catarinense é uma entrevista com Marcondes de Mattos, apresentado como Secretário Estadual de Planejamento e Fazenda e “empresário preocupado com o desenvolvimento turístico em Florianópolis”. Nela, o político-empresário deixava claro que o turismo a ser praticado em Florianópolis não deveria ser o de massa, mas “aquele que vis[asse] às classes de maior poder aquisitivo”. Ao mesmo tempo, reforçava que essa “atividade econômica” vinha desafogando as finanças de uma grande quantidade de comerciantes locais que precisavam seguir investindo no turismo. Explicava que o modelo da PROTUR se baseava em uma experiência exitosa realizada em Miami, o que seria uma prova de que a lucratividade estaria garantida. Ele também ressaltava o papel dessa instituição na promoção da cidade, que, anteriormente, não possuía investimentos em marketing e divulgação (MARCONDES, 1992MARCONDES analisa potencialidade. Diário Catarinense, Florianópolis, 14 jul. 1992., n. p.).

Esse não era o primeiro nem o último conjunto de reportagens, na forma de suplemento especial, em que periódicos locais cumpriam o papel de divulgar os feitos dos empresários do setor turístico, além de colocá-los no patamar de especialistas no assunto, apresentando-os, portanto, como porta-vozes de um discurso competente, reconhecimento fundamental para legitimar tanto suas declarações quanto suas ações. Nesse segundo período, o discurso começava a se deslocar do poder público para o empresariado local, embora alguns empresários também ocupassem cargos públicos, como é o caso de Marcondes de Mattos, o que evidencia uma imbricação entre os setores público e privado no que diz respeito ao turismo em Florianópolis.

A legitimação do turismo por meio do discurso competente ia ocorrendo aos poucos, na constante interlocução de enunciados textuais e de imagens que apresentavam ideias, modelos e ações que divulgavam a realidade urbana e a instituíam, na medida em que transformavam em verdade as concepções e interesses de determinados grupos a respeito da cidade. Quando aliados à mídia, esses grupos passavam a ocupar um papel central nos sistemas de poder, que, como explica Foucault (2015FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015 [1978]. [1978]), são responsáveis pela produção da verdade. A verdade, tal qual a perspectiva adotada neste artigo, não é uma ideia pronta a ser reproduzida, mas “[...] um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015 [1978]. [1978], p. 54).

A construção dessas verdades se dá na produção de imagens-síntese das cidades, as quais, ao serem veiculadas pelos meios de comunicação de massa, passam a ideia de que todas as pessoas têm igual acesso aos seus espaços (SÁNCHEZ, 1999SÁNCHEZ, F. Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, p. 115-132, maio 1999. DOI: 10.22296/2317-1529.1999n1p115.
https://doi.org/10.22296/2317-1529.1999n...
). Na articulação de conhecimentos especializados, por meio de atores e instituições que supostamente detêm o saber (e o poder de ação) sobre a cidade, é construída a paisagem urbana. Para Sánchez (1999SÁNCHEZ, F. Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, p. 115-132, maio 1999. DOI: 10.22296/2317-1529.1999n1p115.
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, p. 124):

Ao operar analiticamente no tecido discursivo e prático das imagens urbanas, nos é possível observar que a linguagem articuladora de símbolos organiza a realidade urbana, é parte dela: não esconde a materialidade da cidade mas a deforma, não é uma mentira mas uma construção social que, portanto, organiza seletivamente a realidade.

Naquele contexto, a cidade deixava de ser apenas um “pedacinho de terra perdido no mar”, como canta seu hino,11 11 Rancho de Amor à Ilha, composição de Cláudio Alvim Barbosa (Zininho). e virava notícia como parte de um circuito de cidades turísticas do Brasil - entre Fortaleza, Recife, Salvador, Porto Seguro, Rio de Janeiro e São Paulo (A FESTA, 1995A FESTA do sol. Veja, São Paulo, n. 1375, p. 69-71, 18 jan. 1995. ).

A revista Os Caminhos da Terra trazia a matéria “A Ilha da Magia: todos os mistérios, trilhas e praias da Florianópolis que ainda não fala castelhano”, destacando elementos da Ilha da Magia desconhecidos pela maioria das pessoas. Em tom preconceituoso, o texto introdutório advertia que apresentaria uma Florianópolis diferente da que se costumava divulgar, pois nem toda a cidade estaria atulhada de famílias farofeiras e os argentinos ainda não haviam invadido definitivamente a capital sulista do verão (NANNE, 1995NANNE, K. A Ilha da Magia: todos os mistérios, trilhas e praias da Florianópolis que ainda não fala castelhano. Os Caminhos da Terra, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 38-51, nov. 1995. ). São 14 páginas com fotos de dunas, praias desertas e áreas de mata atlântica preservadas. A matéria também trazia entrevistas com pessoas que tinham trocado a vida agitada dos grandes centros pela “tranquilidade” da Ilha e passado a praticar o “surfe de areia” e o “paraglider” (Figura 3).

Figura 3
Matéria publicada na revista Os Caminhos da Terra

Em vez de a preservação da natureza se mostrar como um traço de resistência em meio às narrativas midiáticas empreendidas, ela acabava sendo apropriada retoricamente a favor dos argumentos explícitos de elitização. Hostilizava argentinos e pessoas por eles denominadas farofeiras, contrapondo-os aos turistas de gostos orientados, em lugar de criticar as políticas desenvolvidas até então, que tinham o claro sentido de atulhar a cidade de turistas, vislumbrando a alta lucratividade. Apesar da suposta oposição entre turistas nacionais e estrangeiros evidenciada nas matérias, esse discurso retórico pretendia elitizar a atividade turística que vinha sendo praticada na cidade. Configurava-se muito mais como uma estratégia que visava a atingir uma classe e não uma nacionalidade específica, visto que a maior parte dos turistas argentinos acessava (e ainda acessa) Florianópolis por meio de automóveis particulares e ônibus fretados, além de hospedar-se em hotéis baratos situados nos balneários ou em casas alugadas diretamente com as pessoas proprietárias, sem intermediação de imobiliárias ou de plataformas como o Airbnb.

O tom elitista passava a aparecer nas narrativas das revistas turísticas quando se referiam a Florianópolis, conjugando-se às falas dos empresários do setor. As estratégias não se resumiam às de mercado, tratava-se de estratégias político-discursivas que contavam com mudanças de zoneamento urbano e permitiam usos específicos para boa parte do território municipal, valendo-se, inclusive, da retórica ambiental.

O direcionamento da matéria “Ilha da Magia: todos os mistérios, trilhas e praias da Florianópolis que ainda não fala castelhano” é significativo para os enunciados do final da década de 1990, pois, embora o turismo já se encontrasse consolidado, a forma como vinha sendo praticado começava a incomodar a população local e preocupar as autoridades. Essa constatação tem ao menos dois vieses. De um lado, havia uma preocupação com a degradação da cidade enunciada pela problemática ambiental, que já se mostrava fortalecida em Florianópolis, haja vista a atuação do Movimento Ecológico Livre (MEL) desde o início da década de 1980. De outro, existia a apropriação desse discurso por parte das elites locais, das autoridades e da imprensa, as quais enxergavam no crescimento das preocupações ambientais uma forma de restringir o turismo de massa. Em consonância com os objetivos da PROTUR, buscava-se construir uma imagem de um lugar turístico que não era “para todos”.

Essas ideias configuravam Florianópolis e confirmavam que quem tinha o poder da enunciação também tinha o poder da ação, o que transformava um processo múltiplo de construção e constante ressignificação do espaço em um objeto do discurso hegemônico. A participação dos jornais na imposição de um discurso único, que fundava uma identidade única para a cidade, era parte de uma estratégia de poder que visava a “dar aparência de ‘natural’ e ‘geral’ a um ponto de vista parcial”, como analisa Maricato (2000MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. Planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, O.; VAINER, C; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 121-192., p. 165). Isso, segundo a autora, leva uma ficção à população, universalizando conquistas de uma pequena parcela da sociedade e restritas a uma porção específica do território.

4. Entre promoção turística e city marketing: uma estratégia global de atração de turistas, investimentos e novos moradores (1997-2020)

Os apelos a turistas mais elitizados se refletiam na cidade, divulgada como mais seletiva. Praias preservadas e tranquilas caracterizavam-na, segundo a revista Check In, como receptora da maior quantidade de voos charter do país (RAMOS, 1997RAMOS, P. C. Florianópolis, a ilha mulher. Check In: aeroportos, aviação, turismo, v. 1, n. 2, p. 38-43, abr. 1997.). Uma outra forma de divulgar Florianópolis, anunciada pela PROTUR décadas antes, marcava as narrativas midiáticas e publicitárias do final da década de 1990 e se estende aos dias de hoje, assumindo diferentes feições.

A mesma matéria expressava diferentes faces do turismo na capital catarinense, bem como uma nova construção de significados para seu espaço urbano. A cidade pequena, presa ao funcionalismo público, onde sol e mar davam conta de inseri-la no circuito turístico do litoral brasileiro e do Mercado Comum do Sul (Mercosul), passava a ser recorrentemente citada como a cidade onde tranquilidade, segurança e cosmopolitismo conviviam. Florianópolis começava a ser reinventada visando a atingir um público de alto poder aquisitivo. Assim, a publicidade divulgava o Costão do Santinho como um dos resorts “mais seletivos” do Brasil e equiparava Jurerê Internacional à Fort Lauderdale e a Boca Raton, na Flórida (RAMOS, 1997RAMOS, P. C. Florianópolis, a ilha mulher. Check In: aeroportos, aviação, turismo, v. 1, n. 2, p. 38-43, abr. 1997.).

Nesse período, a linguagem imagética servia para referendar que essa cidade seria o que as imagens proferiam. Por conta das facilidades tecnológicas, as imagens tornaram-se mais “vivas”, coloridas e maiores, recebendo destaque nas páginas e remetendo o leitor aos lugares e sensações retratados, como mostra a Figura 4. A interlocução de fotografias e textos pretendia fazer com que as pessoas se projetassem aos lugares das narrativas. A construção da visibilidade dessa cidade turística, portanto, não se fazia somente por meio de seus atributos visuais, mas também levava em conta o imaginário e as concepções de lugares turísticos em voga em cada época. Como expõe Cosgrove (2008COSGROVE, D. Geography & Vision: seeing, imagining and representing the world. London: I. B. Tauris, 2008.), aquilo que é visível é determinado pelo contexto cultural, visto que a própria visão não é uma faculdade livre de seu contexto. Os textos da publicidade turística começavam a remeter-se ao discurso técnico do planejamento urbano, buscando atrelar uma cidade para turistas de alto poder aquisitivo à necessidade de implementação de planos para controlar o crescimento desordenado da prática turística, bem como às preocupações de fundo ambiental. O planejamento urbano reaparecia como um argumento que, de forma oficial e apoiado na legislação, serviria para legitimar o controle social e o crescimento orientado do turismo e do público na cidade.

Figura 4
Matéria publicada no jornal O Globo

O público que frequentava resorts tornava-se o foco do marketing turístico da cidade, que argumentava que, além de pouco rentável, o turismo de massa seria predatório e não caberia para uma ilha - um claro exemplo de apropriação retórica do discurso ambiental utilizado nas estratégias de elitização dos lugares (ACSELRAD, 2001ACSELRAD, H. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ACSELRAD, H. (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A; CREA-RJ, 2001. p. 27-56.). O que poderia representar um contraponto ou resistência acabava sendo transformado em seu oposto, evidenciando as disputas de narrativas em torno da cidade.

“A Ilha Prometida”, publicada na Revista Mares do Sul, é outra matéria que posicionou Florianópolis como “uma espécie de paraíso terrestre”, onde uma quantidade considerável de turistas acabaria se fixando. Nove páginas descreviam sua “geografia privilegiada” entre praias, fortalezas, histórias e redutos ainda não explorados pelo turismo, além de voltar a divulgar-fabricar Florianópolis como uma cidade que uniria “o modernismo das avenidas e dos arranha-céus [...] à tranquilidade provinciana das cidades do interior, propiciando um estilo de vida único aos que nela resid[ia]m” (BARCELLOS; MONTEIRO, 1997 BARCELLOS, J.; MONTEIRO, R. A Ilha Prometida. Revista Mares do Sul: Turismo e Aventura. Florianópolis, v. 4, n. 18, p. 49-57, out. 1997. ).

Um ponto de inflexão desse período deve-se à modificação das narrativas sobre a cidade e sua relação com o turismo: o que era, até então, a defesa dos atributos de uma cidade turística transformou-se em uma narrativa mais complexa, de promoção da cidade como um todo, com incorporação de valores, imagens e anseios que buscavam atrair, além de turistas, novos moradores e investimentos econômicos. De fato, o mercado imobiliário local soube apropriar-se da nova construção narrativa sobre a cidade para promover seus empreendimentos, sintetizada na ideia de se morar onde os outros passam férias (LENZI, 2021LENZI, M. H. Das imagens, a ausência: projeções do tempo e fragmentos do espaço nas imagens de Florianópolis do início do século XXI. Curitiba: Appris, 2021.). A cidade que antes era naturalmente turística passou a ser naturalmente ideal para se viver, pois possuía os mesmos atributos que vinham sendo elencados para consolidá-la como turística. Essa mudança foi acompanhada pela revista Veja, que em junho de 1998, na matéria “Ilha da Magia”, não falou sobre a temporada de verão, mas sobre a migração de pessoas de outros estados. Segundo Oltramari (1998OLTRAMARI, A. Ilha da magia. Veja, São Paulo, n. 1551, p. 78, 17 jun. 1998.), entre 1991 e 1996, dezesseis mil pessoas se mudaram para a capital catarinense em busca de um estilo de vida mais tranquilo.

A produção de um espaço no qual se suspendia temporariamente as obrigações e preocupações cotidianas - o lugar das férias - convertia-se em parte da própria cidade, da realidade sugerida para os moradores de Florianópolis. Esse tipo de processo leva em consideração as imagens das cidades, pois segue uma estratégia que as apresenta como centros privilegiados de consumo e poder e como detentoras de informação, impondo o consumo e adaptando o urbanismo aos seus objetivos, que nada mais são que os objetivos do mercado, sobretudo a busca de novos investimentos. Segundo Castro (2002CASTRO, C. Narrativas e imagens do turismo no Rio de Janeiro. In: VELHO, G. (org.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 80-87.), a experiência turística e as mudanças urbanísticas e culturais da cidade estão profundamente imbricadas, embora não haja uma relação de determinação direta: “às vezes: muda a cidade, muda o turismo; outras vezes, a partir de modificações no mundo do turismo, introduzem-se alterações urbanísticas na cidade. As narrativas e imagens associadas ao turismo são, portanto, uma importante via de acesso à história e à geografia culturais de uma cidade” (CASTRO, 2002CASTRO, C. Narrativas e imagens do turismo no Rio de Janeiro. In: VELHO, G. (org.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 80-87., p. 84).

A inflexão da narrativa, que passou a focar as qualidades da cidade “boa para se viver”, coincidia com os novos rumos do executivo municipal inaugurado com a chegada ao governo da ex-prefeita Angela Amin (1997-2004). As matérias na mídia abordavam o conforto e a mordomia de se passar o verão e de se viver na capital do estado (BAUCHWITZ, 2006 BAUCHWITZ, N. Mordomia à beira-mar. Veja, São Paulo, n. 1988, p. 20-21, 27 dez. 2006.), novamente comparada à Flórida, ocupando “[...] um lugar singular no imaginário da classe média brasileira” (SILVA, 2003SILVA, A. A Flórida brasileira. Veja, São Paulo, n. 1805, p. 87-88, 04 jun. 2003., p. 87). Não só as praias eram divulgadas, mas também condomínios, shoppings, opções gastronômicas e uma suposta elevada “qualidade de vida”, apesar da evidente carência de infraestrutura urbana (Figura 5). Note-se que os enunciados que exaltavam a qualidade de vida em Florianópolis destacavam o seu elevado Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM),12 12 Em 1991, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Florianópolis era a primeira capital e a terceira cidade com o maior IDHM (0,681) do Brasil. A série histórica mostra uma trajetória ascendente até 2010 (0,847), mantendo-se em terceiro lugar geral e em primeiro entre as capitais. O IDHM é composto de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. No contexto desigual da sociedade brasileira, longevidade e escolaridade são fortemente influenciadas pelo nível de renda da população. Uma distorção comumente observada é o elevado IDHM de municípios ricos em que a população de menor renda é impelida para outros municípios da área conurbada ou metropolitana. PNUD BRASIL; IPEA; FJP. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: Pnud Brasil, Ipea; Belo Horizonte: FJP, 2022. ainda que esse indicador não apresente dados objetivos de qualidade de vida, como mobilidade urbana, tratamento de esgoto ou quantidade de áreas verdes por habitante, o que não impedia o executivo municipal de autoproclamar a cidade como “capital da qualidade de vida”. As disputas de narrativa sobre os rumos da cidade tiveram forte repercussão no debate e no marketing político da exitosa campanha de reeleição da então prefeita no final do ano 2000.

Figura 5
Matéria publicada na revista Veja

Além do objetivo geral do city marketing na atração de investimentos, turistas e novos moradores, evidenciava-se o direcionamento das narrativas para a população local. Como argumentam Philo e Kearns (1993PHILO, C.; KEARNS, G. Culture, history, capital: a critical introduction to the selling of places. In: PHILO, C.; KEARNS, G. (org.). Selling places. The city as cultural capital, past and present. Oxford: Pergamon Press, 1993. p. 1-32.) e Brito Henriques (1994)BRITO HENRIQUES, E. Vender a cidade, ou as lógicas e as estratégias do marketing urbano. Finisterra, v. XXIX, n. 58, p. 403-406, 1994., essa estratégia não pretende controlar a interpretação e “vender a cidade” somente para turistas, mas sobretudo para os próprios habitantes. De maneira similar, o “patriotismo cívico”, evocado por Castells e Borja (1996CASTELLS, M.; BORJA, J. As cidades como atores políticos. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 45, p. 152-166, jul. 1996.) na promoção das cidades, encontra uma dimensão simbólica e política local nas estratégias de city marketing. Chamado de “patriotismo de cidade” por Vainer (2000), o discurso hegemônico unitário é simultaneamente condição e resultado, realizando um paradoxo “em nome de uma cidade unificada cuja construção pretende engendrar através da promoção do patriotismo” (VAINER, 2002VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 75-103., p. 94).

Embora defasado em alguns anos em relação a Curitiba e Santo André, o city marketing de Florianópolis se mostrou efetivo em alcançar seus objetivos na atração de moradores e investimentos. O estilo de vida relaxante junto ao mar e a percepção de reduzida violência urbana passou a atrair novos moradores com alto poder aquisitivo, que se mudaram dos grandes centros do país para Florianópolis. O efeito foi um notável boom imobiliário, com o aumento da área urbanizada e maior verticalização. Multiplicaram-se os condomínios fechados, um produto raro na cidade até então, dedicados aos novos moradores oriundos de outros estados e com poder aquisitivo superior à média local. Atrelados a esse fluxo, despontavam alguns fenômenos mais específicos, como a atração de moradores aposentados vindos das grandes cidades e o estabelecimento de famílias de alto padrão de renda na cidade, cujo “marido viaja[va] para São Paulo ou para o Rio a fim de trabalhar durante a semana, com o aumento considerável do número de voos entre os aeroportos de Florianópolis e as duas metrópoles [...]” (SILVA, 2003SILVA, A. A Flórida brasileira. Veja, São Paulo, n. 1805, p. 87-88, 04 jun. 2003., p. 87).

Em um contexto de difusão do empresariamento urbano e de redefinição conceitual do planejamento urbano que marcou o início do século XXI, Sánchez (2003SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.) avalia que há uma tendência geral em transformar as cidades como um todo em mercadoria, não apenas algumas partes ou atividades. As cidades entram nos fluxos mercantis e se incorporam a estratégias de agentes imobiliários e empresariais e do turismo:

São as cidades que passam a ser “vendidas” dentro das políticas do Estado que, no atual estágio do regime de acumulação capitalista, procuram cumprir com uma agenda estratégica de transformações exigidas para a inserção econômica das cidades nos fluxos globais. Neste contexto, não basta renovar as cidades, é preciso vendê-las e, ao fazê-lo, vende-se a imagem da cidade renovada (SÁNCHEZ, 2003SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003., p. 50).

Nesse terceiro período, o projeto de elitização do turismo e da cidade, gestado nos anos 1990, não só se consolidou, como também se converteu no centro das atenções da mídia, cada vez mais diversa com a difusão da internet. Além dos já consagrados meios de divulgação das imagens da cidade, como revistas de viagem e turismo, guias e panfletos, surgiu uma miríade de sítios eletrônicos de agências turísticas e publicitárias, instituições governamentais e empreendimentos residenciais. Não se pode negar, ainda, o papel das redes sociais, que contribuem com o estabelecimento de padrões de comportamento e de gosto, mostrando que ideários estéticos são também políticos.

Em 2008, foi realizado o World Travel and Tourism Council (WTTC) em Florianópolis, considerado o fórum mais importante do setor turístico no mundo. O evento foi trazido pelo então governador do estado, Luiz Henrique da Silveira, com o intuito de mostrar o potencial de Santa Catarina e de Florianópolis aos principais investidores do planeta: “Queremos internacionalizar Santa Catarina, sair do desconhecimento, e mostrar o nosso diferencial, um Estado com uma grande vocação para o Turismo” (BEVILACQUA, 2009 BEVILACQUA, V. Santa Catarina no centro do turismo mundial. Diário Catarinense, Florianópolis, 14 maio 2009., n. p.). Gilmar Knaesel, Secretário de Turismo de Santa Catarina à época, expunha que a realização do evento beneficiaria o estado, sobretudo com a visibilidade mundial que ganharia: “Só em mídia internacional, já recuperamos todo o investimento que fizemos no evento. Santa Catarina, a partir do congresso, passa a ser conhecida no mundo inteiro, e isto, em termos de turismo de qualidade, tem um valor inestimável” (BEVILACQUA, 2009 BEVILACQUA, V. Santa Catarina no centro do turismo mundial. Diário Catarinense, Florianópolis, 14 maio 2009., n. p.). Um portfólio com 40 projetos, no valor total de R$ 13,5 bilhões, foi apresentado com a finalidade de firmar grandes parcerias entre investidores internacionais e catarinenses.

No ano seguinte, em matéria local do Diário Catarinense, comentando o que foi divulgado no jornal americano The New York Times, os órgãos do setor turístico municipais e estaduais não se surpreenderam com a inclusão de Florianópolis entre os 44 lugares para ir em 2009, mas destacaram a necessidade de investimentos. Mário Cavalazzi, então secretário de Turismo da PMF, ressaltou que a reportagem refletia o trabalho em publicidade dos governos estadual e municipal (RIBEIRO, 2009RIBEIRO, L. New York Times elege Florianópolis. Diário Catarinense, Florianópolis, p. 22, 12 jan. 2009.).

As notícias que envolviam turistas e moradores de Florianópolis não faziam qualquer tipo de economia para mostrar quão sofisticada estaria ficando a cidade. O jornal O Globo publicou uma matéria de título inusitado - “Os ‘sem lancha’ da cidade classe A” (Figura 4) -, na qual Batista (2012BATISTA, H. Os ‘sem lancha’ da cidade classe A. O Globo, Rio de Janeiro, 14 out. 2012. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/os-sem-lancha-da-cidade-classe-a-6398816. Acesso em: 29 mar. 2022.
https://oglobo.globo.com/economia/os-sem...
) apontava que só não havia mais iates na cidade por falta de marinas. Ele indicava ainda que Florianópolis possuía a maior proporção de pessoas ricas dentre as capitais do país, sendo a única a não contar com o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Em vez de questionar a segregação socioespacial, o texto deixava transparecer que a habitação social seria desnecessária na cidade. Segundo matéria da revista Viagem e Turismo, “mais que uma prainha bonita, SC t[inha], em Florianópolis, uma capital agora sofisticada que pode[ria] até dar as costas para o mar [...]” (OLIVEIRA, 2012 OLIVEIRA, M. Mais que uma prainha bonita. Viagem e Turismo, São Paulo, p. 2-6, 12 nov. 2012. Disponível em: https://viagemeturismo.abril.com.br/materias/mais-que-uma-prainha-bonita/. Acesso em: 29 mar. 2022.
https://viagemeturismo.abril.com.br/mate...
, p. 2). Observados a partir das estratégias que foram sendo construídas por seus agentes hegemônicos locais, os textos e imagens das narrativas midiáticas sobre Florianópolis parecem ter construído e alcançado o sucesso almejado.

A partir de 2008, com a elaboração da agenda de desenvolvimento chamada Floripa 2030, consolidava-se uma estratégia global de city marketing mais complexa, que deixava de ter o foco apenas no turismo e passava a atrair investimentos de setores da economia considerados dinâmicos, como a indústria criativa e as TICs, além de visar a novos habitantes de alto poder aquisitivo. A agenda vem sendo promovida por uma coalizão de entidades empresariais locais, com destaque para aquelas ligadas aos setores turístico e imobiliário, que criaram a organização FloripAmanhã. Também participaram da elaboração universidades, grupos de mídia e diversos outros setores. O grupo gestor responsável pelas estratégias inclui o emergente setor tecnológico, representado pela Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (CERTI). Andrade Neto e Pereira (2021ANDRADE NETO, G. P.; PEREIRA, E. M. Capital e crescimento urbano em Florianópolis: atores e conteúdo de um pensamento estruturado. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA, 14., 2021, online. Anais [...]. Campina Grande: Realize, 2021.) caracterizam essa coalizão como promotora da “máquina de crescimento urbano” de Florianópolis, a partir da teoria desenvolvida por Logan e Molotch (1986LOGAN, J. R.; MOLOTCH, H. Urban Fortunes: The political economy of place. Berkeley: The University of California Press, 1986.).

A Floripa 2030 é apresentada como uma espécie de plano estratégico para o desenvolvimento econômico, incluindo diretrizes urbano-territoriais que orientam e induzem a atuação dos agentes públicos e privados de maneira cada vez mais articulada. Destaque-se o papel da FloripAmanhã na articulação dos diferentes agentes hegemônicos locais em torno de uma pauta de desenvolvimento em comum. Embora patrocinada pela iniciativa privada, a agenda assumiu um rol de planejamento que caberia ao poder público, que figura como “apoiador” do processo. Entre as principais diretrizes pactuadas no seu início, estava a defesa de um “turismo de qualidade”, de uma “cidade de qualidade” e da indústria tecnológica, compatibilizando os interesses dos setores turístico, imobiliário e tecnológico e influenciando o city marketing e o city branding de Florianópolis nos anos seguintes.

Como um dos resultados, ao longo da segunda década do século XXI, a tecnologia e a indústria criativa foram responsáveis por uma nova fase das narrativas midiáticas sobre Florianópolis. Assim, turismo e tecnologia se converteram em “vocação” da cidade por meio dos discursos dos agentes hegemônicos locais. Nesse período, novos atores entraram em cena atendendo aos interesses das empresas de tecnologia, como a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (CERTI) e a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (ACATE), que têm atuado em sintonia com a coalizão empresarial FloripAmanhã.

Além da construção de parques tecnológicos pela referida coalizão, atualizaram-se as narrativas que buscavam antecipar a produção do espaço, como a invenção, em 2013, de uma “rota da inovação” ao longo de estradas que cortavam a Ilha de norte a sul, ligando o parque tecnológico Sapiens Park, promovido pelo governo estadual, ao aeroporto. A idealização da “rota da inovação” e de parques tecnológicos teve a capacidade de impulsionar economicamente partes de Florianópolis que pouco participavam da sua “paisagem turística”, como a rodovia SC-401 e o próprio centro histórico, onde se tenta implantar polos tecnológicos, como o Sapiens Centro e o “Distrito 48” (em clara alusão ao 22@ de Barcelona). Como novo mote, a “Ilha do silício” ou “Silicon Island” aplicou a Florianópolis o vocabulário e o receituário clichês do city marketing e do city branding atuais, a exemplo do que já vinha sendo adotado em outras cidades do Brasil e do mundo com seus inúmeros novos “Silicon Valley”, entendidos como promessas de desenvolvimento econômico e de integração à nova fase do capitalismo (Figura 6).13 13 Assim como têm se generalizado os “distritos tecnológicos” ou “distritos criativos”, como fórmula insistente do city marketing atual, o city branding que acompanha esse fenômeno oferece soluções parecidas, que, invariavelmente, emulam a referência ao Silicon Valley californiano. Surgem nomes como “Ilha do Silício”, no caso de Florianópolis, “Selva do Silício” (Manaus/AM), “Porto Maravalley” (Rio de Janeiro/RJ), “Rapadura Valley” (Fortaleza/CE), entre outros (ARCANJO, 2022). ARCANJO, D. De Vale da Rapadura a Ilha do Silício, cidades competem pelo título de Vale do Silício brasileiro. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 mar. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/amp/mercado/2022/03/de-vale-da-rapadura-a-ilha-do-silicio-cidades-competem-por-titulo-de-polo-tecnologico-brasileiro.shtml. Acesso em: 14 abr. 2022.

Figura 6
Especial Publicitário da Prefeitura de Florianópolis publicado no site G1

A busca por atrair novos habitantes e empresas de tecnologia não tem, aparentemente, relação direta com o turismo, embora existam fenômenos, como o “nomadismo digital” e a expansão do trabalho remoto, que desfiguram os contornos entre turista e morador. De todo modo, a estratégia global do city marketing das primeiras décadas do século XXI procurou compatibilizar o turismo com a imagem da cidade como um todo.

5. Considerações finais: reinventando as narrativas sobre Florianópolis

Como discutido neste artigo, as diferentes construções narrativas acionadas na promoção de Florianópolis expressam mudanças nos contextos histórico-político-discursivos, na organização e na sistematização das formas de ver e de dizer a cidade por meio de imagens e textos, bem como mudanças institucionais e diferentes arranjos entre empresariado, governantes e habitantes. Apesar de algumas inflexões durante o percurso, o terceiro período herda características dessa construção cumulativa. A antiga “cidade de sol e mar” inscreveu o adjetivo “turística” em Florianópolis, do qual não mais se desvencilhou, ainda que o “turístico”, naquele momento, não tivesse um foco específico e fosse atividade acessória do planejamento urbano. Já a invenção da “vocação turística” da cidade serviu de amálgama entre a iniciativa privada e o poder público local, que passaram a atuar cada vez mais em uníssono na coalizão hegemônica local.

Em tempos recentes, quando já se partia do pressuposto de que a cidade era “turística por natureza”, concorreram imagens múltiplas, direcionadas a públicos diversos e com objetivos diferentes, sem deixar de lado a expectativa de turistas e de novos habitantes seletos, o que acompanhou estratégias de mercado que visavam à segmentação turística nas escalas nacional e internacional. Como novidade, o discurso turístico convergiu com uma estratégia global de city marketing na divulgação da cidade como um todo, que pretendeu atrair, além do turismo elitizado, investimentos e novos habitantes de alto poder aquisitivo.

Se, nas primeiras décadas analisadas, a narrativa sobre Florianópolis correspondia aos interesses ligados ao turismo, a virada do século assistiu à crescente articulação do setor turístico e imobiliário em torno do city marketing de Florianópolis. Mais recentemente, verifica-se a emergência do setor de tecnologia de maneira articulada ao setor turístico-imobiliário. Pode-se falar, então, da articulação dos setores turístico-imobiliário-tecnológico. A entrada em cena de novos atores do setor tecnológico e a articulação entre eles em associações, como a FloripAmanhã, têm reflexos diretos na transformação do city marketing de Florianópolis nos últimos anos.

No período analisado, percebem-se momentos de inflexão e reinvenção da imagem da cidade, que nas últimas décadas se combinou com o city marketing, sua principal expressão entre os anos 1997 e 2020. As narrativas midiáticas e as estratégias de city marketing oscilaram entre enunciações dos recursos “sol e mar” e iniciativas mais abstratas ligadas ao branding e a ativos intangíveis, evidenciando uma virada no modelo de divulgação da cidade.

Alguns reducionismos, como “vocação” e “destino” da cidade, acabaram transformando objetivos e ideais de uma minoria em concretude espacial, em paisagem urbana, em materialidade. Quando associados ao pretendido caráter “exclusivo” e “de qualidade” desejado para o turismo, turistas e moradores, observa-se uma narrativa que legitimou e perpetuou desigualdades ao mesmo tempo que invisibilizou narrativas alternativas, assim como cidadãos e paisagens que não se enquadravam nas narrativas hegemônicas. Embora a narrativa midiática mais recente caracterize Florianópolis como “cidade Classe A”, cujos cidadãos menos favorecidos seriam aqueles “sem lancha”, é evidente que essa percepção é enviesada e limitada. O resultado das afirmações narrativas parece ser o cerceamento a formas de socialização, habitação e lazer que se pretendem alternativas àquelas que são impostas pelo arranjo político-discursivo hegemônico, o qual adota uma única forma de ver e de dizer a cidade. Para uma análise de práticas espaciais contra-hegemônicas em Florianópolis, ver os trabalhos de Siqueira (2016SIQUEIRA, M. T. Entre manezinhos e haules: velhos e novos conflitos na identidade socioespacial florianopolitana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 18, n. 1, p. 40-56, jan./abr. 2016. DOI: 10.22296/2317-1529.2016v18n1p40.
https://doi.org/10.22296/2317-1529.2016v...
), Lenzi e Cazetta (2017LENZI, M. H.; CAZETTA, V. Micropolíticas no Campeche: entre diagramas cristalizados, planejamento urbano e produção de desejos. Geousp, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 601-618, 2017. DOI: 10.11606/issn.2179-0892.geousp.2017.124339.
https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892....
) e Pereira (2021PEREIRA, E. M. Práticas espaciais insurgentes em Florianópolis: conteúdos e níveis de insurgência desiguais. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA, 14., 2021, online. Anais [...]. Campina Grande: Realize, 2021. ).

A atenção às produções midiáticas deve-se à sua participação ativa no processo de invenção dos lugares. Por interpretarem os acontecimentos, jornais e revistas não só retratam ou noticiam fatos, eles respondem a interesses próprios e compõem as redes de significados da cidade. A paisagem, que passa a ser lida, ouvida e vista através dos meios de comunicação, contribui para a naturalização de sua “vocação” e para a legitimação dessa verdade discursiva.

As narrativas inventaram a Florianópolis atual e sua paisagem a partir dos interesses de agentes dominantes locais ao longo de quase cinco décadas. Nesse processo, é notório o papel da construção das narrativas midiáticas e de promoção das cidades, de forma tanto objetiva quanto subjetiva da expressão do poder hegemônico. Desnaturalizar as narrativas midiáticas sobre Florianópolis ajuda a compreender que a história não é um fluxo contínuo e que a cidade e sua paisagem não são apenas seu resultado visível.

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  • VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 75-103.
  • 1
    Embora Florianópolis seja considerada um destino turístico consolidado no país e em Santa Catarina, os dados que evidenciam o fluxo de turistas na cidade não contemplam as especificidades locais. Segundo a Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santa Catarina (SANTUR) (2022), Florianópolis registrou a entrada de 2.136.937 turistas em 2022. Observando os locais de origem dessas pessoas, nota-se que a maioria dos registros se refere às cidades onde estão situados os principais aeroportos do país: São Paulo (28,76%), Guarulhos (19,44%), Campinas (9,17%) e Rio de Janeiro (8,94%). O fluxo de turistas de Buenos Aires, principal destino estrangeiro emissor para Florianópolis, ficou em 23.275 pessoas, conforme o levantamento da SANTUR (2022), o que corresponderia a apenas 1,09% do total. Contudo, o dado desconsidera a entrada massiva de turistas argentinos em Florianópolis por meio de automóveis particulares e de ônibus fretados, os quais ocupam inúmeros balneários da Ilha, sobretudo entre os meses de dezembro e março. A título de ilustração, para a temporada de 2023, a Secretaria de Turismo de Florianópolis estimou a entrada de 80 mil pessoas do país vizinho na capital (COM, 2023). AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO DE SANTA CATARINA (SANTUR). Almanach 3: dados sobre o turismo catarinense. Florianópolis: SANTUR, 2022; COM a volta dos turistas argentinos, Florianópolis comemora a melhor temporada dos últimos 10 anos, mas enfrenta epidemia de diarreia. G1, 14 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/14/com-a-volta-dos-turistas-argentinos-florianopolis-comemora-a-melhor-temporada-dos-ultimos-10-anos-mas-enfrenta-epidemia-de-diarreia.ghtml. Acesso em: 14 fev. 2023.
  • 2
    Partindo das reflexões de Walter Benjamin sobre a evolução das narrativas urbanas, Barreira (2013) oferece uma interessante construção conceitual sobre narrativas de cidades, apoiando-se na análise de guias turísticos de cidades como Fortaleza, Lisboa, Lyon e Berlim. Com o objetivo de apresentar a cidade para turistas e visitantes, esses guias costumam articular uma construção narrativa coerente de textos e imagens, com “citações alegóricas” que dão unidade ao discurso do autor sobre aquilo que é apresentado. Para além da caracterização das narrativas, Barreira (2013) apresenta as situações de disputas simbólicas entre elas. A autora identifica e compara as conotações ideológicas das narrativas de guias antigos sobre Berlim Oriental com aqueles de Berlim Ocidental. Como se pode esperar, as imagens e os textos são densos de carga simbólica, em que a cidade apresentada sintetiza e expressa posições políticas antagônicas da Guerra Fria. Barreira (2013) identifica também as narrativas dos guias mais atuais sobre o muro e a “Nova Berlim” reunificada, que deu lugar a uma ressignificação da sua história no esforço de lançar-se como capital do país que é o motor econômico da União Europeia no século XXI. BARREIRA, I. A. F. A cidade como narrativa. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2013.
  • 3
    As pesquisas que analisam o turismo em Florianópolis podem ser divididas em três grupos: as de viés econômico, que explicam o turismo pelos seus impactos na sazonalidade e no subemprego e mostram que ele produz mais uma ilusão do que retornos concretos à sociedade; as de caráter ambiental, que também consideram os impactos negativos do turismo superiores às suas benesses; e as de viés político, que identificam o turismo como uma construção histórica da cidade e expoente de relações de poder entre atores públicos e privados, instituições, normas de planejamento urbano e movimentos sociais (LENZI, 2016LENZI, M. H. A invenção de Florianópolis como cidade turística: discursos, paisagens e relações de poder. 2016. 246 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).
  • 4
    Como representativos da abordagem que não considera a dimensão espacial da cidade como produção discursiva, podem ser citados os trabalhos de Moretto Neto (1993), Santos (1993), Januário (1997), Ouriques (1998; 2005), Zanela (1999), Assis (2000), Mingori (2001), Güttler (2002) e Lohn (2002). MORETTO NETO, L. A atividade turística e o desenvolvimento sustentado. Estudo de caso: o Balneário de Ingleses e o Projeto Costa Norte - Ilha de Santa Catarina, no período de 1960-1990. 1993. 660 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993; SANTOS, C. Planejamento turístico e seus reflexos no processo de urbanização nas praias de Canasvieiras e Jurerê Internacional. 1993. 247 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993; JANUÁRIO, S. S. Organização, ação e representação de interesses do empresariado do setor turístico em Florianópolis. 1997. 136 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997; OURIQUES, H. R. Turismo em Florianópolis: uma crítica à indústria pós-moderna. Florianópolis: Ed. UFSC, 1998; OURIQUES, H. R. A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas: Alínea, 2005; ZANELA, C. C. Atrás da porta: o discurso sobre o turismo na Ilha de Santa Catarina (1983-1998). 1999. 132 f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999; ASSIS, L. P. Planos, ações e experiências na transformação da “pacata” Florianópolis em capital turística. 2000. 127 f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000; MINGORI, J. O desenvolvimento turístico na Ilha de Santa Catarina: dos percalços do turismo massivo às proposições de um turismo sustentável - a análise do Projeto Ambiente Sul. 2001. 165 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001; GÜTTLER, M. A. C. C. A comunicação do turismo em Florianópolis. 2002. 501 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.
  • 5
    O Diário catarinense é o jornal de maior circulação do estado de Santa Catarina. Pertenceu ao Grupo RBS, empresa gaúcha de comunicação, até 2016, quando foi vendido para o Grupo NC, que atualmente responde pelo conglomerado de comunicação NSC Comunicação, responsável pela produção do Diário Catarinense.
  • 6
    O jornal O Estado encerrou suas atividades em 2009.
  • 7
    O município de Florianópolis é formado por duas porções, uma insular e outra continental, que representam, respectivamente, 97,23% e 2,77% de sua área total (674,844 km2). As praias consideradas turísticas encontram-se na Ilha, tendo em vista que as praias continentais, além de poucas, não apresentam condições de balneabilidade.
  • 8
    Matéria intitulada “A natureza e o povo: as atrações da cidade”, publicada entre os anos de 1977 e 1978. Não foi encontrada a referência do veículo em que a notícia foi publicada, visto compor uma clipagem de notícias organizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC), na qual não há menção da fonte nem da data exata da publicação, a não ser os anos citados.
  • 9
    Criado em 1991, o Costão do Santinho Resort foi um dos primeiros empreendimentos turístico-imobiliários de grande porte de Florianópolis. Foi eleito, inúmeras vezes, como um dos melhores resorts do país.
  • 10
    Os títulos das matérias eram “Florianópolis é polo turístico internacional”; “Fundação veio para consolidar”; e “É necessário investir em pessoal. Turismo se faz com ações”.
  • 11
    Rancho de Amor à Ilha, composição de Cláudio Alvim Barbosa (Zininho).
  • 12
    Em 1991, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Florianópolis era a primeira capital e a terceira cidade com o maior IDHM (0,681) do Brasil. A série histórica mostra uma trajetória ascendente até 2010 (0,847), mantendo-se em terceiro lugar geral e em primeiro entre as capitais. O IDHM é composto de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. No contexto desigual da sociedade brasileira, longevidade e escolaridade são fortemente influenciadas pelo nível de renda da população. Uma distorção comumente observada é o elevado IDHM de municípios ricos em que a população de menor renda é impelida para outros municípios da área conurbada ou metropolitana. PNUD BRASIL; IPEA; FJP. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: Pnud Brasil, Ipea; Belo Horizonte: FJP, 2022.
  • 13
    Assim como têm se generalizado os “distritos tecnológicos” ou “distritos criativos”, como fórmula insistente do city marketing atual, o city branding que acompanha esse fenômeno oferece soluções parecidas, que, invariavelmente, emulam a referência ao Silicon Valley californiano. Surgem nomes como “Ilha do Silício”, no caso de Florianópolis, “Selva do Silício” (Manaus/AM), “Porto Maravalley” (Rio de Janeiro/RJ), “Rapadura Valley” (Fortaleza/CE), entre outros (ARCANJO, 2022). ARCANJO, D. De Vale da Rapadura a Ilha do Silício, cidades competem pelo título de Vale do Silício brasileiro. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 mar. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/amp/mercado/2022/03/de-vale-da-rapadura-a-ilha-do-silicio-cidades-competem-por-titulo-de-polo-tecnologico-brasileiro.shtml. Acesso em: 14 abr. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2022
  • Aceito
    01 Fev 2023
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