Acessibilidade / Reportar erro

Confiabilidade da fleximetria e goniometria na avaliação da amplitude de movimento cervical em crianças

Resumos

OBJETIVO: Determinar a confiabilidade intra e interexaminadores e correlacionar os valores de amplitudes de movimentos (ADM) cervical obtidas por fleximetria e goniometria em crianças. MÉTODOS: Participaram deste estudo 106 crianças saudáveis, 49 meninos (8,91±2,09 anos) e 57 meninas (9,14±1,46 anos), com idades entre seis e 14 anos, assintomáticas para disfunção cervical. Dois examinadores previamente treinados e dois auxiliares avaliaram a ADM cervical. Os examinadores coletaram as medidas por fleximetria e goniometria (confiabilidade interexaminadores) e repetiram as avaliações, após uma semana (confiabilidade intra-examinador). Todas as medidas foram registradas três vezes por cada examinador e o valor médio foi considerado para análise estatística. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC 2,1 e 2,2) foi utilizado para verificação das confiabilidades e o coeficiente de correlação de Pearson (p<0,05) foi utilizado para verificação da correlação entre as medidas obtidas por ambas as técnicas. RESULTADOS: Foram observadas confiabilidades intra-examinador moderado e excelente para a fleximetria e moderada para a goniometria. As confiabilidades interexaminadores foram moderada e excelente para a fleximetria e pobre e moderada para a goniometria. Foi verificada correlação significativa e pobre entre todas as medidas de ADM cervical obtida pelas técnicas estudadas, exceto para o movimento de rotação à esquerda. CONCLUSÕES: A correlação pobre entre as mensurações de ADM cervical obtidas por fleximetria e goniometria demonstram que as técnicas não apresentam medidas intercambiáveis e, como a fleximetria apresentou maiores níveis de confiabilidade para avaliação da ADM cervical em crianças, seu uso é recomendado em relação à goniometria.

amplitude de movimento; coluna cervical; goniometria; fleximetria; confiabilidade; crianças


OBJECTIVE: To determine the intra and interrater reliability of fleximetry and goniometry in children and correlate the cervical spine range of motion (ROM) values obtained from these methods. METHODS: One hundred six children participated in this study: 49 males (8.91±2.09 years) and 57 females (9.14±1.46 years). Their ages ranged from six to 14 years and symptom-free to cervical dysfunction. Two previously trained raters and two assistants assessed neck ROM. The measurements were made using fleximetry and goniometry (interrater reliability) and repeated them one week later (intrarater reliability). All measurements were made three times by each rater and the mean value was used for statistical analysis. Intraclass correlation coefficients (ICC 2.1 and 2.2) were used to investigate reliability and Pearson's correlation coefficient (p<0.05) was used to investigate the correlation between measurements obtained from the two techniques. RESULTS: Moderate and excellent levels for intrarater reliability were observed for fleximetry and moderate reliability for goniometry. The interrater reliability was moderate and excellent for fleximetry and poor and moderate for goniometry. Significantly poor correlation was found among all neck ROM measurements obtained using both techniques, except for rotation to the left. CONCLUSIONS: The poor correlation between neck ROM measurements obtained from fleximetry and goniometry demonstrated that these techniques do not present interchangeable measurements. Since fleximetry presented higher reliability levels for assessments of neck ROM among children, the use of fleximetry rather than goniometry is recommended.

range of motion; cervical spine; goniometry; fleximetry; reliability; children


ARTIGO CIENTÍFICO

Confiabilidade da fleximetria e goniometria na avaliação da amplitude de movimento cervical em crianças

Chaves TCI; Nagamine HMII; Belli JFCII; de Hannai MCTII; Bevilaqua-Grossi DIII; de Oliveira ASIII

IPrograma de Pós-graduação em Ortopedia, Traumatologia e Reabilitação, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIFisioterapeuta

IIIDepartamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, FMRP/USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Anamaria Siriani de Oliveira Avenida Bandeirantes, 3.900, Vila Monte Alegre CEP 14049-900, Ribeirão Preto (SP), Brasil e-mail: siriani@fmrp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a confiabilidade intra e interexaminadores e correlacionar os valores de amplitudes de movimentos (ADM) cervical obtidas por fleximetria e goniometria em crianças.

MÉTODOS: Participaram deste estudo 106 crianças saudáveis, 49 meninos (8,91±2,09 anos) e 57 meninas (9,14±1,46 anos), com idades entre seis e 14 anos, assintomáticas para disfunção cervical. Dois examinadores previamente treinados e dois auxiliares avaliaram a ADM cervical. Os examinadores coletaram as medidas por fleximetria e goniometria (confiabilidade interexaminadores) e repetiram as avaliações, após uma semana (confiabilidade intra-examinador). Todas as medidas foram registradas três vezes por cada examinador e o valor médio foi considerado para análise estatística. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC 2,1 e 2,2) foi utilizado para verificação das confiabilidades e o coeficiente de correlação de Pearson (p<0,05) foi utilizado para verificação da correlação entre as medidas obtidas por ambas as técnicas.

RESULTADOS: Foram observadas confiabilidades intra-examinador moderado e excelente para a fleximetria e moderada para a goniometria. As confiabilidades interexaminadores foram moderada e excelente para a fleximetria e pobre e moderada para a goniometria. Foi verificada correlação significativa e pobre entre todas as medidas de ADM cervical obtida pelas técnicas estudadas, exceto para o movimento de rotação à esquerda.

CONCLUSÕES: A correlação pobre entre as mensurações de ADM cervical obtidas por fleximetria e goniometria demonstram que as técnicas não apresentam medidas intercambiáveis e, como a fleximetria apresentou maiores níveis de confiabilidade para avaliação da ADM cervical em crianças, seu uso é recomendado em relação à goniometria.

Palavras-chave: amplitude de movimento; coluna cervical; goniometria; fleximetria; confiabilidade; crianças.

Introdução

A avaliação da amplitude de movimento (ADM) tem sido amplamente utilizada para quantificar o déficit músculo-esquelético, além de servir como base para a avaliação da eficácia de intervenções terapêuticas1.

Uma das disfunções músculo-esqueléticas mais comuns na população é disfunção da coluna cervical2. A prevalência de dor cervical na população adulta pode variar de seis a 50%3-5. Estimativas mostram que 67% dos indivíduos vão sofrer de dor cervical ao longo de suas vidas6. Em crianças, as estimativas de relato de dor cervical podem variar de 19 a 43%7-10.

Para diagnóstico da disfunção cervical, a avaliação clínica é comumente aplicada2. Assim, a verificação da ADM tem sido utilizada como parte integrante desse procedimento1,10,11, tanto em indivíduos sintomáticos2,11,12 quanto em assintomáticos13 para a disfunção cervical.

Recentemente, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para avaliação da ADM cervical, desde dispositivos simples como os flexímetros14 até sistemas eletromagnéticos de análise cinemática computadorizados15 ou equipamentos de ultra-som tridimensionais1,16. Entretanto, no geral, esses equipamentos são cada vez mais complexos, de uso específico para apenas um segmento, de custo elevado e, dessa maneira, pouco acessíveis à prática clínica. Assim, instrumentos como o goniômetro universal e o flexímetro se destacam como alternativas simples de ampla utilização e baixo custo.

A utilização de métodos de avaliação para definição de valores de normalidade e para fins diagnósticos, tanto na prática clínica quanto na pesquisa, depende da verificação dos níveis de confiabilidade intra e interexaminadores (quando o procedimento depende de examinador para obtenção das medidas) bem como da verificação dos níveis de validade, sensibilidade e especificidade de suas medidas1,17.

Alguns estudos têm demonstrado níveis de confiabilidade intra-examinador aceitáveis para as medidas de ADM cervical obtidas por goniometria18,19 e, para a fleximetria, níveis de confiabilidade excelentes tanto para as mensurações intra quanto interexaminadores14,17,19, em populações de adultos.

No entanto, apesar da existência de estudos na literatura voltados para a comparação dos níveis de confiabilidade de duas ou mais técnicas de mensuração de ADM cervical em adultos1,18,20,21, especificamente em crianças não foram encontrados, na literatura consultada, trabalhos que tenham verificado o nível de confiabilidade e a correlação entre técnicas para avaliação da ADM cervical. Assim, observa-se a importância de se conduzir estudos com essas características nessa faixa etária, considerando-se que, para técnicas como a goniometria e fleximetria, a colaboração do voluntário e capacidade de entendimento do procedimento podem comprometer os níveis de confiabilidade obtidos.

O objetivo desse estudo foi determinar a confiabilidade intra e interexaminadores dos valores médios das medidas de ADM cervical obtidas por fleximetria e goniometria e correlacionar as medidas obtidas entre as diferentes técnicas em crianças. Também foram comparados os valores de ADM cervical com relação ao gênero e as diferentes faixas etárias da infância consideradas nesse estudo.

Materiais e métodos

Voluntários

Participaram deste estudo 106 crianças, de ambos os gêneros, com idades entre seis e 14 anos, estudantes de uma escola pública de Ribeirão Preto. Do total da amostra participaram 49 meninos (8,91±2,09 anos, 36,62±14,07kg e 1,36±0,13m) e 57 meninas (9,14±1,46 anos, 34.08±9,99kg, 1,37±0,10m). A partir da amostra inicial (n=106), foram selecionadas aleatoriamente 30 crianças que não apresentaram relato de dor cervical, segundo um questionário de pré-triagem respondido pelo responsável pela criança. Dessas 30 crianças, 29 participaram das etapas de confiabilidade da fleximetria e 20 das etapas de confiabilidade da goniometria. Entretanto, seis crianças estavam ausentes na etapa de confiabilidade interexaminadores da fleximetria e duas na etapa de confiabilidade interexaminadores da goniometria.

Foram excluídas as crianças que apresentavam doenças degenerativas sistêmicas (artrite reumatóide, lúpus eritematoso e etc.), alterações cervicais diagnosticadas e as que realizaram tratamento prévio para tais condições. Os responsáveis pelas crianças assinaram termo de consentimento para participação no estudo. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo HC-FMRPUSP (processo n° 8562/2003).

Procedimentos

Foram avaliados, de forma aleatória, os movimentos de flexão, extensão, rotação direita e esquerda e flexão lateral direita e esquerda em todas as crianças participantes (n=106). Para todos os movimentos cervicais foram obtidos três valores consecutivos através da utilização das técnicas de goniometria e fleximetria, por dois examinadores previamente treinados (examinador 1 e 2) e dois auxiliares, que anotavam os registros obtidos nas coletas, auxiliavam os examinadores na mensuração dos dados coletados e observavam possíveis padrões compensatórios na realização dos movimentos cervicais.

• Fleximetria cervical: para realização da fleximetria foi utilizado um flexímetro (Fleximeter®, Instituto Code de Pesquisas, Brasil)22. O equipamento possui uma escala em graus (de dois em dois graus) para medir os ângulos articulares e uma fita para fixá-lo ao seguimento móvel17.

As medidas obtidas com o flexímetro foram feitas segundo o manual de instruções22. A figura 1 (itens A, B, C e D) demonstra os procedimentos para avaliação da ADM cervical através da fleximetria.


• Goniometria cervical: para realização da goniometria foi utilizado um goniômetro universal (Carci®, Indústria e Comércio de Aparelhos Cirúrgicos e Ortopédicos Ltda, Brasil) com escala de medida de dois em dois graus.

Para mensuração da ADM cervical através da goniometria foi considerado o sistema de mensuração desenvolvido por Kapandji23 e Marques24. A figura 1 (itens E, F, G e H) demonstra os procedimentos para avaliação da ADM cervical através da goniometria.

• Confiabilidade das medidas obtidas por fleximetria e goniometria: em uma primeira avaliação, três medidas consecutivas de cada movimento cervical foram obtidas por dois examinadores previamente treinados. Assim, o examinador 1 realizou a goniometria e examinador 2 obteve as medidas através da fleximetria. Após um intervalo de um dia, as crianças que optaram por participar, novamente foram reavaliadas pelos mesmos examinadores, entretanto as técnicas de avaliação de ADM foram alternadas pelos examinadores. Dessa forma, o examinador 1 realizou a fleximetria e examinador 2 realizou a goniometria. Após um período de sete dias, as medidas foram coletadas novamente por cada examinador (o examinador 1 realizou a goniometria e examinador 2 obteve as medidas através da fleximetria) para verificação da confiabilidade intra-examinador.

Análise estatística

Os dados apresentaram distribuição normal de acordo com o teste de Shapiro-Wilk (p<0,05) e por isso testes paramétricos foram utilizados. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC) foi utilizado para verificar a confiabilidade intra (ICC 2,1) e interexaminadores (ICC 2,2) dos valores médios de ADM cervical. Os valores de ICC foram classificados da seguinte maneira: <0,4, confiabilidade pobre; entre 0,4-0,75, confiabilidade moderada e >0,75, confiabilidade excelente25. Para a análise da correlação entre os valores obtidos através da goniometria e fleximetria, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (p<0,05). Valores de r<0,3, caracterizam nível de correlação pobre, entre 0,3 e 0,5, nível de correlação leve, entre 0,6 e 0,8, correlação moderada e >0,80, níveis de correlação excelentes26. Os erros absoluto e relativo das medidas correlacionadas também foram calculados. O teste t de Student (p<0,05) foi utilizado para verificar diferenças entre os valores médios de ADM cervical entre os gêneros, e a análise de variância (ANOVA-one way), (p<0,05) foi utilizada para verificar diferenças entre os valores médios de ADM cervical entre os diferentes grupos divididos quanto à idade. A homogeneidade das variâncias foi testada pelo teste de Levene e o teste de post hoc de Duncan para localização das diferenças.

Resultados

Confiabilidade intra e interexaminador

A confiabilidade intra-examinador dos valores médios de ADM cervical obtidos através da goniometria foi considerada moderada para todos os movimentos cervicais (Tabela 1). Nas medidas obtidas por fleximetria, foi verificada confiabilidade intra-examinador moderada para os valores médios de flexão, extensão, rotação direita e flexão lateral direita e confiabilidade excelente apenas para os valores médios de flexão lateral esquerda (Tabela 1).

Os valores de ICC para a confiabilidade interexaminadores das medidas obtidas por goniometria foram pobres para os movimentos de flexão, extensão e flexão lateral direita e, moderados para os movimentos de rotação direita e esquerda e flexão lateral esquerda (Tabela 1). Já para a confiabilidade interexaminadores das medidas obtidas por fleximetria, foi observada confiabilidade moderada para os valores médios de rotação direita e flexão lateral esquerda e excelentes para os valores médios de flexão, extensão, rotação esquerda e flexão lateral direita (Tabela 1).

Correlação entre os valores obtidos através da goniometria e fleximetria

Foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa entre os valores médios de flexão, extensão, rotação direita e flexão lateral direita e esquerda entre as duas técnicas (Tabela 2). Porém, a correlação para todos os movimentos foi considerada pobre (0,24<r<0,39) (Tabela 2).

Diferenças entre os gêneros e as idades

Foram verificadas diferenças significativas entre os gêneros para os valores médios de flexão da coluna cervical obtidos por goniometria e para os valores médios de rotação para direita e esquerda obtidos por fleximetria (Tabela 2).

Com relação aos grupos divididos em relação às idades consideradas nesse estudo, foram verificados aumentos significativos dos valores médios de rotação direita na faixa etária de nove e dez anos e da rotação esquerda apenas aos dez anos, para as medidas obtidas através da goniometria (Tabela 3). Também foi verificada diminuição significativa dos valores médios de flexão lateral direita no grupo de sete anos, posterior aumento aos oito anos e nova diminuição aos nove anos. Não foram verificadas diferenças significativas entre os valores médios de ADM de todos os movimentos cervicais através da fleximetria para os grupos divididos quando a idade (Tabela 3).

Discussão

O presente estudo foi realizado para verificar a confiabilidade das medidas de ADM cervical obtidas através de equipamentos comumente utilizados na prática clínica, o goniômetro e o flexímetro, e a correlação entre essas medidas, bem como verificar diferenças entre os valores de ADM entre os gêneros e faixas etárias.

De acordo com a confiabilidade das medidas de ADM cervical obtidas por goniometria e fleximetria, o flexímetro apresentou uma confiabilidade intra-examinador moderada e interexaminadores excelentes para a maioria dos movimentos avaliados.

No estudo de Lima et al.17, por outro lado, foram verificados níveis de confiabilidade interexaminadores excelentes e moderados para as medidas obtidas através de fleximetria. Porém, os valores de classificação do nível de confiabilidade utilizados no estudo de Lima et al.17 foram diferentes dos utilizados no presente trabalho e, dessa maneira, considerando-se a classificação do nosso estudo, a confiabilidade interexaminadores do flexímetro para o movimento de rotação da cervical obtida no estudo citado seria considerada moderada, enquanto que a para flexão lateral, pobre. Já os dados de Youdas, Carey e Garrett19, que utilizaram um tipo de flexímetro (CROM®), concordam com os achados desse estudo, uma vez que foram verificados níveis de confiabilidade excelentes para as medidas de ADM cervical.

Com relação à goniometria, foram obtidos níveis de confiabilidade intra-examinador moderados para todos os movimentos considerados e confiabilidade interexaminadores moderada e pobre para avaliação das medidas de ADM cervical. Tucci et al.18 que estudaram apenas a confiabilidade interexaminadores, evidenciaram níveis de confiabilidade pobre para a maioria das medidas de ADM cervical consideradas. Concordando com os achados desse estudo, Youdas, Carey e Garrett19 relataram níveis de confiabilidade intra-examinador moderados e excelentes e confiabilidade interexaminadores de pobre a moderada25.

Os menores valores de confiabilidade obtidos através da goniometria em relação à fleximetria podem ser atribuídos a diferenças no manuseio dos diferentes equipamentos. Na goniometria, deve-se considerar a dificuldade de localização dos pontos de referência anatômicos e a profundidade dos tecidos moles ao longo da coluna cervical27 para colocação do eixo e braços fixo e móvel do equipamento. Outro aspecto está relacionado à possibilidade de fixação do flexímetro, que não pode ser efetuada no uso do goniômetro. Assim, pequenas oscilações no posicionamento do goniômetro podem prejudicar os níveis de reprodutibilidade da medida.

Além dos possíveis erros relacionados ao manuseio dos equipamentos, existe ainda o erro introduzido pelo examinador que, como observado nesse estudo e no estudo de Youdas, Carey e Garrett19, é maior quando se considera a goniometria. Para realização da fleximetria, o examinador precisa instruir o voluntário a realizar os movimentos e fazer a leitura do equipamento ao final do movimento. Já para realização da goniometria, o examinador precisa realizar os mesmos procedimentos, mas também precisa localizar visualmente a estrutura anatômica que será utilizada como referência para determinação da posição do braço móvel do equipamento. Entre diferentes examinadores, dessa maneira, é preciso, portanto, considerar a habilidade do examinador em acompanhar visualmente as estruturas anatômicas consideradas.

Assim, para se alcançar níveis mais elevados de confiabilidade das medidas de ADM cervical obtidas através da goniometria, sugere-se uma familiarização efetiva dos pacientes avaliados com relação ao procedimento a ser realizado, principalmente na faixa pediátrica, para que o movimento possa ser realizado mais suavemente e o examinador possa evitar oscilações bruscas na tentativa de posicionar o equipamento, uma vez que o goniômetro não pode ser fixado. Além disso, o treinamento prévio e se necessário o re-treinamento dos examinadores, especificamente para localização através de palpação das estruturas anatômicas cervicais, poderia contribuir para elevar os níveis de confiabilidade da goniometria para avaliação da ADM cervical e minimizar o efeito desses erros na realização do procedimento. Para avaliação da ADM mandibular foram observados maiores valores de confiabilidade após re-treinamento de examinadores28.

Com relação aos erros sistemáticos foram observados baixos valores de erros absoluto e relativo para as medidas de ADM cervical obtidas através da goniometria e fleximetria. Para nenhum dos movimentos cervicais analisados através de ambos os equipamentos foi verificado valor de erro absoluto superior a 10% indicando dessa maneira uma exatidão satisfatória das medidas29.

Especificamente na faixa etária considerada nesse estudo, é importante destacar que eram esperados menores níveis de colaboração e entendimento do procedimento, o que podem justificar os menores níveis de confiabilidade obtidos para as medidas de goniometria, já que se trata de uma medida que sofre maior influência de erros que se somam à medida que o procedimento é repetido.

A correlação entre o goniômetro e o flexímetro foi considerada pobre para todos os movimentos analisados, exceto para a rotação à esquerda. Estes achados estão em concordância com os achados de Youdas, Carey e Garrett 19, que também encontraram uma correlação pobre para os movimentos de flexão e extensão da coluna cervical quando compararam as medidas obtidas através do uso do CROM e do goniômetro universal.

Foram encontradas diferenças significativas entre os gêneros para as medidas obtidas através de ambas as técnicas na amostra de crianças considerada. Através da goniometria, os meninos apresentaram valores significativamente maiores (para o movimento de flexão) e o oposto foi observado para a fleximetria, uma vez que as meninas apresentaram maiores valores para alguns movimentos cervicais (rotações).

Os achados do presente estudo concordam parcialmente com os de Chen et al.30, que em um estudo de revisão, compararam trabalhos sobre a ADM da coluna cervical com diferentes instrumentos de medida e relataram que, na maioria dos estudos considerados em populações adultas, as mulheres apresentaram valores de ADM cervical maiores em relação aos homens, embora os autores considerassem essas diferenças pequenas ou sem significância estatística.

Por outro lado, os achados do presente estudo não concordam com os de Mannion et al.1 e Hole, Cook e Bolton21, que não encontraram diferenças significativas entre os gêneros quando utilizaram diferentes equipamentos para avaliação da ADM cervical em adultos. A explicação para as diferenças nos valores observados entre os gêneros poderia estar relacionada a alterações hormonais e suas diferentes ações nos diferentes gêneros7. Entretanto, como em adultos tais diferenças desaparecem, é pouco provável que as diferenças hormonais sejam a explicação para as diferenças observadas entre os sexos em nosso estudo. Por outro lado, tais diferenças estatísticas, podem ter pouca importância em termos clínicos, uma vez que o desvio padrão (dp) supera a estimativa da diferença, bem como apesar das diferenças para ambos os gêneros, os valores de ADM cervical obtidos através de ambos os instrumentos estão acima da faixa de normalidade descrita para adultos31.

Com relação à progressão em idade, nesse estudo foi verificado um aumento significativo dos valores médios dos movimentos de rotação e flexão lateral, quando as medidas foram obtidas através da goniometria na faixa etária de oito a dez anos. No entanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos divididos quanto à idade nas medidas obtidas através da fleximetria. No geral, observou-se um aumento das ADM de rotação e flexões laterais dos oito aos dez anos, seguido de decréscimo significativo nos valores.

Diferentemente dos achados desse estudo, a literatura menciona uma tendência à diminuição da ADM cervical com a progressão da idade, que estaria vinculada às alterações articulares relativas ao processo de envelhecimento32. Porém, os achados não podem ser diretamente comparados aos existentes na literatura, uma vez que não foram verificados estudos que avaliaram a ADM cervical em crianças.

Conclusão

O presente estudo demonstrou que para crianças na faixa etária de seis a 14 anos não foram verificadas diferenças nas medidas obtidas através de fleximetria. Entre os gêneros, a fleximetria foi capaz de demonstrar diferenças para um maior número de movimentos cervicais, apesar das diferenças serem estatísticas e não clínicas. A correlação pobre entre as mensurações de ADM cervical obtidas através de fleximetria e goniometria demonstram que essas técnicas não apresentam medidas intercambiáveis, e como a fleximetria apresentou maiores níveis de confiabilidade para avaliação da ADM cervical em crianças, seu uso é recomendado em relação ao uso da goniometria.

Recebido: 17/05/2007

Revisado: 13/11/2007

Aceito: 06/05/2008

  • 1. Mannion AF, Klein GN, Dvorak J, Lanz C. Range of global motion of the cervical spine: intraindividual reliability and the influence of measurement device. Eur Spine J. 2000;9(5):379-85.
  • 2. Hoving JL, Pool JJ, van Mameren H, Devillé WJ, Assendelft WJ, de Vet HC et al. Reproducibility of cervical range of motion in patients with neck pain. BMC Musculoskelet Disord. 2005;6(59):1-8.
  • 3. Bovim G, Schrader H, Sand T. Neck pain in the general population. Spine. 1994;19(12):1307-9.
  • 4. Côté P, Cassidy JD, Carroll L. The Saskatchewan Health and Back Pain Survey. The prevalence of neck pain and related disability in Saskatchewan adults. Spine. 1998;23(15):1689-98.
  • 5. Catanzariti JF, Debuse T, Duquesnoy B. Chronic neck pain and masticatory dysfunction. Joint Bone Spine. 2005;72(6):515-9.
  • 6. Falla D. Unravelling the complexity of muscle impairment in chronic neck pain. Man Ther. 2004;9(3):125-33.
  • 7. Ståhl M, Mikkelsson M, Kautiainen H, Häkkinen A, Ylinen J, Salminen JJ. Neck pain in adolescence. A 4-year follow-up of pain-free preadolescents. Pain. 2004;110(1-2):427-31.
  • 8. Poussa MS, Heliövaara MM, Seitsamo JT, Könönen MH, Hurmerinta KA, Nissinen MJ. Predictors of neck pain: a cohort study of children followed up from the age of 11 to 22 years. Eur Spine J. 2005;14(10):1033-6.
  • 9. Murphy S, Buckle P, Stubbs D. A cross-sectional study of self-reported back and neck pain among English schoolchildren and associated physical and psychological risk factors. Appl Ergon. 2007;38(6):797-804.
  • 10. Lantz CA, Klein G, Chen J, Mannion A, Solinger AB, Dvorak J. A reassessment of normal cervical range of motion. Spine. 2003;28(12):1249-57.
  • 11. Piva SR, Erhard RE, Childs JD, Browder AD. Inter-tester reliability of passive intervertebral and active movements of the cervical spine. Man Ther. 2006;11(4):321-30.
  • 12. Cleland JA, Childs JD, Fritz JM, Whitman JM. Interrater reliability of the history and physical examination in patients with mechanical neck pain. Arch Phys Med Rehabil. 2006;87(10):1388-95.
  • 13. Agarwal S, Allison GT, Singer KP. Reliability of the spin-T cervical goniometer in measuring cervical range of motion in an asymptomatic Indian population. J Manipulative Physiol Ther. 2005;28(7):487-92.
  • 14. Tousignant M, Smeesters C, Breton AM, Breton E, Corriveau H. Criterion validity study of the cervical range of motion (CROM) device for rotational range of motion on healthy adults. J Orthop Sports Phys Ther. 2006;36(4):242-8.
  • 15. Jordan K, Haywood KL, Dziedzic K, Garratt AM, Jones PW, Ong BN et al. Assessment of the 3-dimensional Fastrak measurement system in measuring range of motion in ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2004;31(11):2207-15.
  • 16. Strimpakos N, Sakellari V, Gioftsos G, Papathanasiou M, Brountzos E, Kelekis D et al. Cervical spine ROM measurements: optimizing the testing protocol by using a 3D ultrasound-based motion analysis system. Cephalalgia. 2005;25(12):1133-45.
  • 17. Lima LAO, Gomes S, Goulart F, Dias RC. Estudo da confiabilidade de um instrumento de medida de flexibilidade em adultos e idosos. Rev Fisioter Univ Sao Paulo. 2004;11(2):83-9.
  • 18. Tucci SM, Hicks JE, Gross EG, Campbell W, Danoff J. Cervical motion assessment: a new, simple and accurate method. Arch Phys Med Rehabil. 1986;67(4):225-30.
  • 19. Youdas JW, Carey JR, Garrett TR. Reliability of measurements of cervical spine range of motion comparison of three methods. Phys Ther. 1991;71(2):98-106.
  • 20. Zachman ZJ, Traina AD, Keating JC Jr, Bolles ST, Braun-Porter L. Interexaminer reliability and concurrent validity of two instruments for the measurement of cervical ranges of motion. J Manipulative Physiol Ther. 1989;12(3):205-10.
  • 21. Hole DE, Cook JM, Bolton JE. Reliability and concurrent validity of two instruments for measuring cervical range of motion: effects of age and gender. Man Ther. 1995;1(1):36-42.
  • 22. Achour Jr A. Avaliando a flexibilidade. Londrina: Midiograf; 1997.
  • 23. Kapandji IA. Fisiologia articular: esquemas comentados de mecânica vertebral: tronco e coluna vertebral. 5Ş ed. Sao Paulo: Pan-Americana; 2000.
  • 24. Marques AP. Manual de Goniometria. 2Ş ed. São Paulo: Manole; 2003.
  • 25. Fleiss JL, Levin B, Paik MC. Statistical Methods for Rates and Proportions. Hoboken. New Jersey: John Wiley & Sons. Inc.; 2003.
  • 26. Chan YH. Biostatistics 104: correlational analysis. Singapore Med J. 2003;44(12):614-9.
  • 27. Cole TM. Measurement of musculoskeletal function: Goniometry. In: Kottke FJ, Stillwell GK, Lehamann JF (eds): Krusen's Handbook of Physical Medicine and Rehabilitation. 3rd ed. Philadephia: WB Saunders Co; 1982.
  • 28. List T, John MT, Dworkin SF, Svensson P. Recalibration improves inter-examiner reliability of TMD examination. Acta Odontol Scand. 2006;64(3):146-52.
  • 29
    http://profs.ccems.pt/PauloPortugal/CFQ/Medidas/Medidas.html#Qualidade%20de%20uma%20Medida Extraído de http://profs.ccems.pt/PauloPortugal/ Janeiro de 2008.
    » link
  • 30. Chen J, Solinger AB, Poncet JF, Lantz CA. Meta-analysis of normative cervical motion. Spine. 1999;24(15):1571-8.
  • 31. Wallace C, Klineberg IJ. Management of Temporomandibular disorders. Part I: A craniocervical dysfunction index. J Orofac Pain. 1994;8(1):42-54.
  • 32. Dvorak J, Antinnes JA, Panjabi M, Loustalot D, Bonomo M. Age and gender related normal motion of the cervical spine. Spine. 1992;17(10 Suppl):S393-8.
  • Correspondência para:

    Anamaria Siriani de Oliveira
    Avenida Bandeirantes, 3.900, Vila Monte Alegre
    CEP 14049-900, Ribeirão Preto (SP), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      17 Maio 2007
    • Revisado
      13 Nov 2007
    • Aceito
      06 Maio 2008
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br