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Elaboração e confiabilidade da escala funcional do subir e do descer escada para Distrofia Muscular de Duchenne

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: Os instrumentos de avaliação funcional utilizados para pacientes com distrofia muscular de Duchenne (DMD), citados na literatura, são limitados e escassos, dificultando a tomada de decisão clínica fisioterapêutica. OBJETIVOS: Descrever o processo de criação de uma escala de avaliação funcional do subir e do descer escadas, específica para crianças com diagnóstico de DMD, e examinar sua confiabilidade inter e intraexaminadores. MÉTODOS: A construção da escala seguiu cinco etapas, a saber, elaboração de um roteiro para observação dirigida com base na literatura; observação do subir e do descer em 120 registros filmados de 30 crianças com DMD (5 a 11 anos); elaboração da escala, considerando o grau crescente de dificuldade de execução dos movimentos; criação do manual de preenchimento e submissão da escala e do manual a 10 examinadores, seguida de reajustes para criação da versão final. A confiabilidade foi testada pelo pesquisador (repetibilidade) e dois examinadores independentes (reprodutibilidade). Utilizou-se o Índice de Correlação Intra-Classe (ICC) e a Correlação de Kappa Ponderado. RESULTADOS: A escala elaborada abrange cinco fases para o subir e quatro fases para o descer escadas. Encontrou-se excelente confiabilidade intra/interexaminadores, com valores da Correlação de Kappa Ponderado > 0,78 em todas as fases e ICCs > 0,89, com p<0,05 entre todos os escores. CONCLUSÃO: A escala proposta mostrou excelente repetibilidade e reprodutibilidade, sendo necessária a continuidade do estudo com os objetivos de avaliar sua acurácia e validade e de construir uma ferramenta digital para otimizar a coleta de dados.

distrofia muscular de Duchenne; avaliação; reprodutibilidade dos testes; exame físico; escalas; crianças


BACKGROUND: Instruments of functional evaluation for patients with Duchenne Muscular Dystrophy (DMD), available from the literature, are limited and scarce, making clinical decision on Physiotherapy difficulty. OBJECTIVES: To describe the process of creating a functional assessment scale in patients with DMD while going up and down the stairs, as well as to analyse the intra and inter-rater reliability of this scale. METHODS: The scale development consisted of five stages: 1) to elaborate a script for directed observation based upon literature, 2) to describe a sequence of movements assessing 120 video recordings from 30 children (from 5 to 11 years) with DMD while going up and down stairs, 3) to elaborate a scale considering the degree of difficulty to execute the movements, 4) to create handbook, and 5) to submit both the scale and the handbook to be assess by 10 examiners, and review to create the final version. Both repeatability (researcher) and reproducibility (two independent examiners) were tested by using the IntraClass Correlation Coefficient (ICC) and Weighted Kappa respectively. RESULTS: The scale encloses five phases for going up and four phases for going downstairs. Our results showed both excellent intra and intertester reliability, with values of Weighted Kappa > 0.78 in all phases and ICCs > 0.89, with p<0.05 for all scores. CONCLUSION: The proposed scale showed excellent repeatability and reproducibility, requiring continuing the studies to assess its accuracy, validity and to create digital tools to improve data collection.

Duchenne Muscular Dystrophy; evaluation; test reproducibility; physical examination; scale; children


ARTIGO METODOLÓGICO

Elaboração e confiabilidade da escala funcional do subir e do descer escada para Distrofia Muscular de Duchenne

Lilian A. Y. Fernandes; Fátima A. Caromano; Michele E. Hukuda; Renata Escorcio; Eduardo V. Carvalho

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Laboratório de Fisioterapia e Comportamento, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Lilian Yoshimura Fernandes Laboratório de Fisioterapia e Comportamento, USP Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária CEP 05360-000, São Paulo, SP, Brasil e-mail: lilian.fernandes@gmail.com

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: Os instrumentos de avaliação funcional utilizados para pacientes com distrofia muscular de Duchenne (DMD), citados na literatura, são limitados e escassos, dificultando a tomada de decisão clínica fisioterapêutica.

OBJETIVOS: Descrever o processo de criação de uma escala de avaliação funcional do subir e do descer escadas, específica para crianças com diagnóstico de DMD, e examinar sua confiabilidade inter e intraexaminadores.

MÉTODOS: A construção da escala seguiu cinco etapas, a saber, elaboração de um roteiro para observação dirigida com base na literatura; observação do subir e do descer em 120 registros filmados de 30 crianças com DMD (5 a 11 anos); elaboração da escala, considerando o grau crescente de dificuldade de execução dos movimentos; criação do manual de preenchimento e submissão da escala e do manual a 10 examinadores, seguida de reajustes para criação da versão final. A confiabilidade foi testada pelo pesquisador (repetibilidade) e dois examinadores independentes (reprodutibilidade). Utilizou-se o Índice de Correlação Intra-Classe (ICC) e a Correlação de Kappa Ponderado.

RESULTADOS: A escala elaborada abrange cinco fases para o subir e quatro fases para o descer escadas. Encontrou-se excelente confiabilidade intra/interexaminadores, com valores da Correlação de Kappa Ponderado > 0,78 em todas as fases e ICCs > 0,89, com p<0,05 entre todos os escores.

CONCLUSÃO: A escala proposta mostrou excelente repetibilidade e reprodutibilidade, sendo necessária a continuidade do estudo com os objetivos de avaliar sua acurácia e validade e de construir uma ferramenta digital para otimizar a coleta de dados.

Palavras-chave: distrofia muscular de Duchenne; avaliação; reprodutibilidade dos testes; exame físico; escalas; crianças.

Introdução

Distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma alteração genética ligada ao cromossomo X, que afeta aproximadamente um em cada 3500 meninos nascidos vivos1. Clinicamente, a DMD é caracterizada por fraqueza muscular progressiva e irreversível como consequência da deficiência ou ausência da distrofina1-3. O acometimento das funções inicia-se nos membros inferiores (MMII), com alterações do ângulo das articulações coxofemoral e do joelho, limitação na dorsiflexão do tornozelo e fraqueza do músculo quadríceps4, caracterizando déficits musculoesqueléticos que comprometem a funcionalidade, a exemplo do subir e/ou do descer escadas. A análise funcional do subir e do descer escadas ao longo do tempo possibilita o acompanhamento evolutivo da doença5 em seus diferentes estágios6 e/ou pode ser um indicativo do uso de órteses ou cadeira de rodas7, além de fornecer dados que auxiliam o direcionamento do tratamento8.

Na prática fisioterapêutica, a avaliação funcional é utilizada juntamente com a análise da força muscular e da mobilidade articular. A quantificação da força muscular e da amplitude dos movimentos não permite adequada compreensão das alterações funcionais4. A criança, mesmo com perda de força muscular e mobilidade, desenvolve posturas e movimentos compensatórios, possibilitando a realização de diferentes atividades. Frente à presença de alterações posturais e compensatórias, as avaliações por meio de escalas de avaliação funcional fornecem dados mais refinados.

Pesquisas para criação de escalas, considerando a população brasileira, têm sido estimuladas, bem como a validação de traduções9. Atualmente, as escalas mais utilizadas em pesquisas brasileiras sobre distrofia muscular são a Escala de Avaliação Motora Funcional de Egen Klassifikation (EK)10, a Motor Function Measure (MFM)11, o Barthel Index (BI)12 e a Escala de Vignos7, essa última, uma das mais antigas e mais citadas. A BI apresenta enfoque nas atividades de vida diária (AVDs), a MFM, já validada para a língua portuguesa, avalia funções estáticas e dinâmicas, porém as tarefas analisadas apresentam certa complexidade. A EK é específica para cadeirantes, e a escala de Vignos fornece dado classificatório, adotando um sistema de pontuação que varia de 0 a 10, sendo que, quanto maior o escore, pior o desempenho. Vignos, Spencer e Archibald7, já em 1963, consideravam a atividade do subir e do descer escadas como parâmetro essencial na avaliação do estadiamento clínico da DMD. No entanto, esses autores adotaram um sistema de avaliação demasiadamente simples, que considerava apenas quatro critérios de classificação, a saber, sobe sem auxílio, sobe com auxílio, sobe com auxílio vagarosamente e incapacidade de subir escadas. A informação obtida pode ser importante como classificatória da doença, mas, ainda assim, tal forma de medida é insuficiente para fornecer dados sobre a qualidade dos movimentos, os quais são fundamentais para a tomada da decisão clínica fisioterapêutica.

Subir e descer escadas são atividades complexas que demandam adequado sinergismo e estabilidade muscular13. São necessários estudos cinesiológicos que quantifiquem e descrevam esses movimentos por meio de escalas, a fim de fornecer dados permanentes e replicáveis14. Pesquisas com crianças normais limitam-se à análise de quedas na descida de escadas15 e do aprendizado do subir e do descer escadas em função da idade16. Considerando-se presença de patologia, descreveu-se a atividade de subir e de descer escadas por crianças com sequelas de paralisia cerebral (PC) que faziam uso de órtese17.

O trabalho mais completo, no que diz respeito à descrição cinesiológica da atividade de subir e de descer escadas, foi publicado por McFadyen e Winter18 em 1988, com a participação de adultos normais, e tornou-se referência-chave para os estudos sobre o tema e, portanto, para este estudo.

A pesquisa apresentada aqui é parte de um projeto amplo que visa a criar e testar confiabilidade, pesquisar correlações e estudar a validade de escalas de avaliação funcional (enfocando quatro atividades) elaboradas especificamente para crianças com DMD.

O subir e o descer escadas é uma atividade complexa, que se perde ao longo do tempo pelas crianças com DMD, e a análise dessa atividade pode ser um parâmetro adicional aos métodos de avaliação dessas crianças. Portanto, os objetivos do presente estudo foram descrever o processo de elaboração de uma escala específica do subir e do descer escadas para DMD e testar sua confiabilidade intra e interexaminadores.

Materiais e métodos

Estudo observacional aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil, processo número 837/05, realizado no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP. Os termos de consentimento livre e esclarecido foram obtidos pelo laboratório de Miopatias do Instituto de Biociências da USP, sob responsabilidade da professora Mayana Zatz. Os consentimentos permitiram a elaboração de um banco de dados audiovisuais utilizado apenas com métodos de pesquisa. A disponibilização destas imagens permitiram a realização desta pesquisa.

Os materiais utilizados limitaram-se a televisão, videocassete, cronômetro e 30 filmes (120 registros) de crianças com DMD realizando atividades funcionais, que incluíam a de subir e de descer escadas.

Procedimento

Construção da escala

Amostra

A amostra utilizada na construção da escala de avaliação funcional (EAF) foi composta de 30 crianças com DMD, filmadas quatro vezes (a cada três meses, a partir da primeira filmagem), num período de um ano, totalizando 120 registros do subir e 120 do descer escadas. Os filmes foram cedidos pelo banco de dados do Laboratório de Miopatias do Instituto de Biociências da USP. A idade média da amostra foi de 7,1(±2,2) anos, segundo informações coletados dos prontuários.

A atividade estudada foi filmada em escada de reabilitação (padronizada), composta por seis degraus em um lado (10 cm de altura x 27 cm de largura, por onde as crianças subiram) e quatro degraus no lado oposto (17 cm de altura x 25 cm de largura, por onde as crianças desceram). A filmadora foi posicionada a 3m, lateralmente à escada, permitindo a visualização dos movimentos da subida e da descida.

A escala aqui proposta foi construída para ser utilizada a partir da filmagem da atividade. Optou-se por esse tipo de coleta com os objetivos de pesquisar material permanente, permitir a avaliação repetitiva e comparativa e não produzir sobrecarga para as crianças. A análise de filmes também possibilita considerações sobre aspectos clínicos e de qualidade do movimento19.

Etapas de elaboração da escala

A construção da escala aconteceu em cinco etapas.

A primeira etapa constitui-se na elaboração de um roteiro de sequência de movimentos normalmente utilizados na atividade de subir e de descer escadas, organizado com base em estudo publicado por McFadyen e Winter18, que descreveu a atividade utilizando, como método de pesquisa, a análise eletromiográfica.

Esse roteiro foi usado posteriormente, na segunda etapa para sistematizar a observação e a coleta de dados referentes aos movimentos realizados pelas 30 crianças com DMD nos 120 registros das atividades de subir e de descer escadas. Dessa forma, foi possível sistematizar a observação dos posicionamentos dos segmentos corporais (pés, joelhos, quadril, tronco, membros superiores (MMSS), cíngulo dos MMSS, cíngulo dos MMII e cabeça), sendo essa observação comparada com os movimentos normais esperados, previamente listados e descritos no roteiro.

Na terceira etapa, a partir dos registros obtidos nas observações, realizou-se a organização das sequências dos movimentos. Primeiramente, criaram-se categorias de movimentos por segmento corporal. Em seguida, as categorias encontradas foram organizadas em grau crescente de dificuldade de execução. Estabeleceu-se, então, um escore para cada categoria de movimento encontrado, considerando-se o grau de dificuldade de execução por parte das crianças com DMD, o que ocorre em função da presença de deformidades, encurtamentos e fraqueza muscular decorrentes da evolução da doença. Elaborou-se, assim, uma escala preliminar, refinada nas etapas subsequentes de desenvolvimento do instrumento.

A quarta etapa constituiu-se na confecção do manual de coleta de dados para o uso da escala proposta, o qual descreveu, em detalhes, o processo de filmagem, os movimentos a serem observados, considerando-se cada segmento corporal, a forma de pontuação para obtenção do escore final para o desempenho do subir e do descer escadas e como coletar o tempo gasto pelas crianças na realização da atividade20.

Construídos a escala e o manual, numa quinta etapa, ambos foram submetidos à apreciação de dez examinadores independentes (médicos e fisioterapeutas), recrutados segundo pré-requisitos sugeridos por Fehring21; no caso deste estudo, experiência clínica em pediatria e em DMD, titulação mínima de mestre e artigo na área publicado em revista científica. Para tal, elaborou-se um questionário que abordava aspectos de qualidade estética, técnica e de adequação e clareza da linguagem. As sugestões pertinentes e viáveis foram incorporadas e criou-se a versão final da EAF do subir/descer escadas e seu manual.

Coleta de dados para análise de confiabilidade da EAF

A EAF foi submetida à análise da reprodutibilidade intraexaminadores e interexaminadores. Para tanto, foram utilizados os 30 primeiros registros filmados (primeira avaliação) de cada criança quando realizava a subida e a descida das escadas.

A repetibilidade foi obtida pela comparação de três avaliações distintas do mesmo registro, realizadas pelo pesquisador em diferentes datas (intervalo mínimo de quatro semanas) para evitar a memorização dos resultados22.

A reprodutibilidade foi analisada com a participação do pesquisador e de dois examinadores independentes (fisioterapeutas), sem treinamento prévio, recrutados segundo requisitos sugeridos por Fehring21. As avaliações foram realizadas em laboratórios diferentes para evitar o conhecimento dos resultados, conforme proposto por Iunes et al.22.

Coleta dos tempos de desempenhos da amostra

A subida e a descida foram realizadas com comando verbal simples que requisitava a maior velocidade possível, e mensurava-se o tempo despendido após a segunda tentativa. O tempo gasto em cada filmagem foi paciente dependente, de acordo com o entendimento e a colaboração da criança. O tempo de subida foi cronometrado a partir do momento em que a criança se posicionou de frente para a escada, após o comando de início, até tocar os dois pés no solo no topo da escada. O tempo de descida foi mensurado a partir do momento em que a criança parou no topo da escada e solicitou-se a descida, até tocar os dois pés no solo. Foram realizadas três coletas e, para fins de estudo, utilizou-se a medida que se repetiu ou a média dos dois tempos mais próximos, tanto para o subir como para o descer escadas.

Análise estatística

Para tratamento matemático e análise estatística dos dados, utilizaram-se os programas Excel 2003, Minitab v. 14 e Statistica v. 8, MedCalc® 9.6. Realizou-se análise estatística descritiva com o cálculo do valor de média e o desvio-padrão utilizados para descrever as características gerais da amostra.

Primeiramente foi testada a normalidade de cada variável por meio do teste de aderência - Shapiro Wilk. Depois de verificada a não normalidade de algumas variáveis (tempo subir/descer), foram realizados testes não paramétricos.

Para as análises de correlações das variáveis dependentes (escore subir/ tempo de subir, escore descer/ tempo de descer), utilizou-se o Coeficiente de Correlação de Spearman e, para a análise da comparação entre o tempo de subida e o tempo de descida, aplicou-se o Teste de Wilcoxon. Considerou-se alta correlação valores ³0,82 para ambos os testes aplicados e nível de significância valores de p<0,05.

Para a análise de confiabilidade, como os coeficientes de correlação não levam em consideração a probabilidade de concordância devido ao acaso, utilizou-se a Correlação do Kappa Ponderado e o Índice de Correlação Intraclasses (ICCs) para verificação da confiabilidade intra e interexaminadores do método de avaliação proposto. Para as análises da concordância das variáveis qualitativas ordinais (escore de cada fase subir/descer), utilizou-se o Kappa Ponderado23, pois os dados produzem medidas categóricas ordenadas (classificatórias) como forma de diagnóstico segundo determinado critério. Foram considerados os valores de 0-0,20 como indicativos de concordância pobre; de 0,21-0,40, concordância ligeira; de 0,41-0,60, concordância considerável; de 0,61-0,80, concordância substancial e valores maiores que 0,81, concordância excelente.

Para avaliação da confiabilidade dos escores totais do subir e do descer escadas, ou seja, variáveis quantitativas, números discretos ou contínuos, utilizou-se o ICC na forma 3.1 para análise intraexaminadores e a forma 2.124 para interexaminadores. Foram considerados, os valores de ICCs<0,70 como não aceitáveis; 0,71<ICCs<0,79, como aceitáveis; 0,80<ICCs<0,89, como muito bons e ICCs>0,90, como excelentes, e o nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Características da EAF

A EAF foi, com objetivo didático, dividida em duas partes: uma para o subir e outra para o descer escadas, e cada uma foi subdividida em fases compostas por diferentes itens, considerando-se o segmento a ser observado. A atividade funcional de subir escadas foi dividida em cinco fases (fase de preparo, fase de propulsão, fase de balanço, fase de apoio e fase do MI de balanço) (Anexo 1 Anexo 1 ) e a de descer escadas foi composta por quatro fases (fase de preparo, fase de propulsão, fase de balanço e fase de apoio) (Anexo 2 Anexo 2 ).

O escore mínimo para a escala, tanto para subir quanto para descer escadas, é zero e o máximo é de 43 pontos. Para obtenção do escore final, somam-se os escores de cada fase. Quanto menor o escore, melhor o desempenho na atividade estudada.

A escala permite o registro de compensações posturais que não estejam contempladas pelos critérios de avaliação estabelecidos. A presença dessa(s) compensação(ões) extraordinária(s) afeta(m) o escore final.

Para aplicação da escala, a criança deve ser filmada ao subir e ao descer escadas, sendo necessário treinamento prévio do avaliador e uso do manual de preenchimento.

Características gerais de desempenho

As médias encontradas na EAF-subir foram de 16,7±8,44 e na EAF-descer de 16,8±8,57. As médias de cada fase do subir foram de 2,4±51,45 (fase I), 5,5±22,03 (fase II), 1,7±41,36 (fase III), 1,6±39,22 (fase IV) e 2,8±28,66 (fase V), e as médias de cada fase do descer foram de 2,4±41,33 (fase I), 4,03±59,82 (fase II), 4,3±12,83 (fase III) e 2,4±45,36 (fase IV). O tempo médio de subida foi de 11,2±10,7 segundos e, para a descida, foi de 11,1±13,4 segundos.

Análise de confiabilidade

A reprodutibilidade do subir escadas apresentou, em todas as fases, classificação excelente. Na fase I, encontrou-se kp=0,91±0,07; na fase II, kp=0,96±0,02; na fase III, kp=1,0±0; na fase IV, kp=0,96±0,04 e, na fase V, kp=1,00±0. A reprodutibilidade das fases do descer escadas apresentou valores de Kappa Ponderado de 0,8±0,10, 0,85±0,09 e 0,92±0,05, respectivamente para as fases I, III e IV, valores classificados excelentes, apresentando somente valor de 0,79±0,22 para a fase II, com classificação substancial.

A repetibilidade referente ao subir escadas apresentou classificação excelente nas fases I, II e III, com valores de Kappa Ponderado respectivamente de 0,81±0,07, 0,94±0,03 e 1,0±0. Nas fases IV e V, a concordância apresentou-se substancial com valores de 0,78±0,14 e 0,79±0,11, respectivamente. Na análise das fases do descer escadas, os valores do Kappa Ponderado para as fases I, II, III e IV foram, respectivamente, de 0,94±0,04, 1,0±0, 1,0±0 e 1,0±0, todas com classificação excelente.

A análise das fases do subir e do descer escadas mostrou excelente confiabilidade no estudo da reprodutibilidade, assim como de repetibilidade, de acordo com os ICCs encontrados. Os valores dos ICCs na reprodutibilidade foram de 0,94 e 0,91 para subir e descer escadas, respectivamente. A repetibilidade apresentou ICCs de 0,92 e 0,89 para o subir e para o descer escadas, respectivamente. Os valores de p, em todas as análises, apresentaram-se menores que 0,05.

Análise das correlações

Todas as correlações encontradas foram positivas, obtendo-se valor de 0,82 (p=0,001) entre o tempo de subida e EAF–subir; 0,66 (p=0,001) entre o tempo de descer e EAF–descer e, entre tempo de subida e tempo de descida, encontrou-se valor de 0,90 (p=0,368).

Discussão

Relatórios descritivos são utilizados como métodos de avaliação na prática clínica fisioterapêutica e normalmente demandam tempo, são extensos, sem padronização, pobremente replicáveis e de difícil comparação. Nesse sentido, escalas similares à EAF podem ser um auxiliar interessante e otimizador de tarefa.

Mensuração de força muscular é frequente na avaliação da DMD, no entanto, força per si não é indicativo de desempenho motor6,25,26. A realização de uma determinada atividade motora depende não apenas da integridade muscular e articular, mas também da capacidade de desenvolver movimentos compensatórios capazes de minimizar essas disfunções26,27. No Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da USP, foi possível a observação clínica de crianças com DMD que, por miometria, apresentavam em torno de 40% da força esperada para a maioria dos músculos avaliados, considerando sexo e idade e, ainda assim, estavam deambulantes e utilizavam os MMSS para a maioria das tarefas de AVDs. Por outro lado, foi possível encontrar crianças com aproximadamente 60% da força esperada, e cadeirantes. Nossos achados são compatíveis com os de Beenakker et al.6, que afirmaram que testes funcionais são mais sensíveis para avaliar a progressão da DMD quando comparados com os de quantificação de força.

A criação de EAFs se faz necessária, principalmente quando se considera a descoberta de novas drogas que, associadas com intervenção fisioterapêutica, estão permitindo o aumento da expectativa e qualidade de vida das pessoas com distrofia. No entanto, a maior dificuldade encontrada durante a elaboração do instrumento proposto é a escassez de escalas similares, que avaliem o subir e o descer escadas especificamente em DMD, dificultando sua comparação e validação. Algumas das EAFs utilizadas na avaliação da DMD, a exemplo da EK10, que visa quantificar o grau de acometimento funcional na DMD, é específica para cadeirantes. A BI12 é uma ferramenta citada como satisfatória para avaliar a função motora de crianças com DMD, mas com enfoque em mensurar o grau de dependência do indivíduo. A atividade em escadas é avaliada nessa escala de três formas: é incapaz, necessita de auxílio ou realiza independentemente. Na prática, elas auxiliam na orientação e na intervenção em relação às AVDs, mas não colaboram com a tomada de decisão sobre a intervenção fisioterapêutica propriamente dita.

A escala de Vignos, Spencer e Archibald7, amplamente utilizada na clínica médica, traduzida para o português em diferentes versões não validadas, é uma ferramenta que visa a estabelecer especificamente o estadiamento da DMD. Ela apenas classifica a funcionalidade dos MMII de forma grosseira (sobe ou anda sem ou com auxílio, com auxílio vagarosamente ou não executa a tarefa), não mensura as alterações motoras apresentadas na realização dessas atividades, diferentemente da EAF, que analisa detalhadamente o subir e o descer escadas. Outra escala que avalia funcionalidade é a MFM.

A MFM11 é uma escala que avalia as transferências em diferentes posturas e a funcionalidade global tanto dos MMSS como dos MMII. É uma escala ampla e complexa, ao contrário da EAF, que avalia uma função específica de forma detalhada, permitindo que a informação gerada seja utilizada de maneira direcionada.

A confiabilidade da MFM, segundo o Kappa Ponderado, apresentou valores entre 0,81 e 0,94, enquanto a EAF obteve valores entre 0,78 e 1,0. Os ICCs na análise da MFM apresentaram valores tanto intra como interexaminadores entre 0,96 e 0,99, enquanto a EAF, valores entre 0,89 e 0,94. A EAF mostrou-se tão confiável quanto a MFM, tanto na repetibilidade como na reprodutibilidade.

Os tempos de subida e de descida de escadas foram analisados e sugeridos como parâmetro de avaliação por Vignos, Spencer e Archibald7 e Brooke et al.28. Na população estudada, somente o tempo de subida apresentou forte correlação com os escores de subida, o mesmo não ocorreu com o escore de descida e o tempo de descida, resultado que pode se justificar pela maior facilidade em descer escadas quando se compara com o subir18; pois, ao subir, a exigência muscular é mais precoce e, ao descer, mais tardia. Os tempos gastos não foram maiores nas crianças com escores de desempenho piores (maiores) durante a descida.

O tempo utilizado de forma isolada parece insuficiente para demonstrar o progresso da doença nesta população, uma vez que fraqueza muscular implica movimentos compensatórios não considerados na mensuração desta variável; em contrapartida, o escore de descida não perde sua importância, pois quedas em escadas são frequentes e são consideradas uma das principais causas de acidentes na população em geral29. Cabe ao fisioterapeuta orientar a necessidade de suporte ou auxílio durante a descida ou até mesmo a não realização dessa atividade.

A amostra de 120 registros, avaliada com base no roteiro previamente elaborado, permitiu a criação de uma escala estratificada, que avalia os desalinhamentos e as compensações funcionais dos MMSS, MMII, tronco e cabeça durante o subir e o descer escadas. A exatidão encontrada em nossa análise pode ser explicada pela experiência dos examinadores com tal população.

Os estudos das atividades de subir e de descer escadas, realizados com adultos, apresentam enfoques para a elaboração de próteses30 e avaliação de atletas31. Esses estudos utilizam instrumentos sofisticados, como eletromiografia, análise cinemática e plataforma de força, que são úteis e precisos, mas nem sempre se encontram disponíveis. O instrumento criado no presente estudo fornece dados comparáveis, mensuráveis, sem gasto excessivo de tempo, sem custo elevado e pode ser acessado facilmente, favorecendo sua utilização na prática clínica.

Após a criação das escalas por atividade e aplicação dos testes de confiabilidade, elas deverão ser submetidas à validação, ou seja, comparação dos dados obtidos com instrumento padrão-ouro, provavelmente a cinemática. Posteriormente, serão realizadas as devidas correções, se necessário, e criado um software para otimizar a coleta de dados e elaboração de relatórios, inclusive os que deverão comparar coletas obtidas em diferentes momentos. Só então, será possível testar a sensibilidade da escala em detectar alterações funcionais em períodos de três, seis e 12 meses.

Apesar de ser uma pesquisa extensa, ela é fundamental e de relevância clínica, pois beneficia diretamente o paciente, uma vez que disponibiliza métodos de avaliação rápida, fornece informações claras e objetivas e viabiliza um atendimento mais direcionado e personalizado.

Conclusão

Neste estudo, descreveu-se o processo de criação de uma escala, com elaboração de um protocolo detalhado de pontuação do subir e do descer escadas para crianças com DMD, o qual permite o cálculo de um escore final, podendo ser útil para comparar o desempenho dessa população. Tal metodologia pode ser replicada em outros estudos.

As análises realizadas demonstraram que a EAF apresenta correlação com o tempo de subida, mas não com o tempo de descida, resultados que podem ser justificados pela presença de mecanismos compensatórios que, associados com a gravidade, podem acelerar a descida de forma perigosa.

Em relação à confiabilidade, os resultados preliminares foram promissores, mas trabalhos futuros devem explorar a aplicabilidade clínica da escala proposta.

Agradecimentos

À Mayana Zatz e à Mariz Vainzof pela permissão de uso do banco de imagens (filmes) do Laboratório de Miopatias do Instituto Biociências da USP.

Recebido: 31/03/2009 - Revisado: 15/10/2009 - Aceito: 25/05/2010

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Anexo 1

Anexo 2

  • Correspondência para:

    Lilian Yoshimura Fernandes
    Laboratório de Fisioterapia e Comportamento, USP
    Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária
    CEP 05360-000, São Paulo, SP, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      31 Mar 2009
    • Aceito
      25 Maio 2010
    • Revisado
      15 Out 2009
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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