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Proveniência dos minerais de óxidos de Fe-Ti nas areias da praia do Pântano do Sul, ilha de Santa Catarina (SC), sul do Brasil

Resumos

Nos sedimentos arenosos da praia do Pântano do Sul, situada ao sul da ilha de Santa Catarina, ocorrem significativas concentrações de minerais pesados, principalmente minerais de óxidos de Fe-Ti (ilmenita e magnetita). Com o objetivo de discutir a proveniência desses minerais, fez-se uma comparação entre as texturas e a química de grãos de minerais de óxidos de Fe-Ti (ilmenitas e magnetitas) da areia praial e de minerais de óxidos de Fe-Ti de quatro diques básicos, eleitos como rochas fonte prováveis. Amostras de areia de praia foram impregnadas com resina e estudadas, sob a forma de lâminas delgadas e em microssonda eletrônica.Foram realizadas 66 análises micro químicas em areias de praia e 72 em afloramentos rochosos vizinhos. As análises químicas desses minerais, com microssonda eletrônica, mostraram que os grãos de ilmenita possuem um amplo espectro de variação de composição química, o que aponta para uma procedência variada, advinda não somente de diques básicos, mas provavelmente também de rochas graníticas e vulcânicas ácidas que constituem os costões rochosos da ilha. Composicionalmente, os grãos de ilmenita das areias agruparam-se em quatro conjuntos congruentes à composição química das ilmenitas dos quatro diques básicos acima referidos.Do total de grãos de ilmenita e magnetita analisados, 4,6% apontaram para proveniência a partir do dique 1; 7% do dique 2; 7% do dique 3, 16,3% do dique 4 e 55,8% de outras fontes, possivelmente rochas graníticas ou vulcânicas ácidas, enquanto que 9,3% dos grãos mostraram-se provenientes ou do dique 3 ou do dique 4. Portanto, a comparação da química mineral dos grãos de areia ilmenítica com a da ilmenita das rochas fonte mostrou ser um procedimento potencialmente muito eficaz na determinação da proveniência dos clastos.

indicadores de proveniência; ilmenita; química mineral; praias arenosas


The sandy sediments of the Pântano do Sul beach, located in South coast of Santa Catarina island, have significant concentrations of heavy minerals, especially Fe-Ti oxides minerals (ilmenite and magnetite). In intention to discuss the source area of these minerals, comparison holding texture and chemistry of ilmenite and magnetite of the beach sediments and basic dykes was realized. Beach samples were impregnated, studied by thin sections and the electronic microprobe. The database includes 66 analysis from the beach sands and 72 from nearby outcrops. The use of electronic microprobe showed that ilmenite presents wide chemical variability and diverse provenance, originated from diabases and granitic and acid volcanic lithotypes that constitute the rocky coasts of the island. The ilmenite sandy sediments were arranged in four groups of similar chemical composition, correlationed to adjacent basic dykes. Considering the totality of ilmenite and magnetite grains; 4,6% were derived from dike 1; 7% from dike 2; 7% from dike 3; 16,3% from dike 4 and 55,8% from another source, possibly from granitic or volcanic acid rocks, while 9,3% of the grains showed deriving from dike 3 or dike 4. Therefore the chemical comparison of ilmenite in Pântano do Sul sandy sediments and lithotypes of the Santa Catarina island was very useful to determinate the sedimentary provenance of ilmenite sandy grains.

provenance indicators; ilmenite; mineral chemistry; sandy beach


Proveniência dos minerais de óxidos de Fe-Ti nas areias da praia do Pântano do Sul, ilha de Santa Catarina (SC), sul do Brasil

Edison Ramos TomazzoliI; Ulisses Rocha de OliveiraII; Norberto Olmiro Horn FilhoI

IDepartamento de Geociências, CFH, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Caixa Postal 476, 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil - E-mails: edison@cfh.ufsc.br / horn@cfh.ufsc.br

IIPrograma de Pós-graduação em Geografia, CFH, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Caixa Postal 476, 88040-970, Florianópolis, SC. Brasil - E-mail: ulisseslicke@yahoo.com.br

RESUMO

Nos sedimentos arenosos da praia do Pântano do Sul, situada ao sul da ilha de Santa Catarina, ocorrem significativas concentrações de minerais pesados, principalmente minerais de óxidos de Fe-Ti (ilmenita e magnetita). Com o objetivo de discutir a proveniência desses minerais, fez-se uma comparação entre as texturas e a química de grãos de minerais de óxidos de Fe-Ti (ilmenitas e magnetitas) da areia praial e de minerais de óxidos de Fe-Ti de quatro diques básicos, eleitos como rochas fonte prováveis. Amostras de areia de praia foram impregnadas com resina e estudadas, sob a forma de lâminas delgadas e em microssonda eletrônica.Foram realizadas 66 análises micro químicas em areias de praia e 72 em afloramentos rochosos vizinhos. As análises químicas desses minerais, com microssonda eletrônica, mostraram que os grãos de ilmenita possuem um amplo espectro de variação de composição química, o que aponta para uma procedência variada, advinda não somente de diques básicos, mas provavelmente também de rochas graníticas e vulcânicas ácidas que constituem os costões rochosos da ilha. Composicionalmente, os grãos de ilmenita das areias agruparam-se em quatro conjuntos congruentes à composição química das ilmenitas dos quatro diques básicos acima referidos.Do total de grãos de ilmenita e magnetita analisados, 4,6% apontaram para proveniência a partir do dique 1; 7% do dique 2; 7% do dique 3, 16,3% do dique 4 e 55,8% de outras fontes, possivelmente rochas graníticas ou vulcânicas ácidas, enquanto que 9,3% dos grãos mostraram-se provenientes ou do dique 3 ou do dique 4. Portanto, a comparação da química mineral dos grãos de areia ilmenítica com a da ilmenita das rochas fonte mostrou ser um procedimento potencialmente muito eficaz na determinação da proveniência dos clastos.

Palavras-chave: indicadores de proveniência, ilmenita, química mineral, praias arenosas.

ABSTRACT

The sandy sediments of the Pântano do Sul beach, located in South coast of Santa Catarina island, have significant concentrations of heavy minerals, especially Fe-Ti oxides minerals (ilmenite and magnetite). In intention to discuss the source area of these minerals, comparison holding texture and chemistry of ilmenite and magnetite of the beach sediments and basic dykes was realized. Beach samples were impregnated, studied by thin sections and the electronic microprobe. The database includes 66 analysis from the beach sands and 72 from nearby outcrops. The use of electronic microprobe showed that ilmenite presents wide chemical variability and diverse provenance, originated from diabases and granitic and acid volcanic lithotypes that constitute the rocky coasts of the island. The ilmenite sandy sediments were arranged in four groups of similar chemical composition, correlationed to adjacent basic dykes. Considering the totality of ilmenite and magnetite grains; 4,6% were derived from dike 1; 7% from dike 2; 7% from dike 3; 16,3% from dike 4 and 55,8% from another source, possibly from granitic or volcanic acid rocks, while 9,3% of the grains showed deriving from dike 3 or dike 4. Therefore the chemical comparison of ilmenite in Pântano do Sul sandy sediments and lithotypes of the Santa Catarina island was very useful to determinate the sedimentary provenance of ilmenite sandy grains.

Keywords: provenance indicators, ilmenite, mineral chemistry, sandy beach.

INTRODUÇÃO

A ilmenita é um mineral que muitas vezes ocorre em grandes concentrações nas areias de praia. Devido a sua grande variabilidade química na rocha-fonte, relacionada à oscilação nos teores de Fe, Mg, Mn e Ti, os grãos de areia ilmenítica podem ter sua procedência sedimentar determinada a partir da comparação de sua composição química com a da ilmenita presente nas rochas que constituem as áreas fonte primárias.

Nas areias praiais de Pântano do Sul, uma praia de enseada situada no sul da Ilha de Santa Catarina (Fig. 1), ocorre expressivo depósito de minerais pesados, com grande proporção em grãos negros de minerais de óxidos de Fe-Ti constituídos, predominantemente por ilmenita, que se dispõem em finas camadas escuras, intercaladas com camadas claras compostas, predominantemente, por grãos de quartzo (Fig. 2A). A estruturação dessas camadas está basicamente associada a origem de lâminas superficiais, onde o fenômeno de retrolavagem opera como fator seletivo (Clifton, 1969). Quando, em eventos de ressaca, a onda atinge a face da praia, transporta os sedimentos, ao mesmo tempo que parte da água se infiltra e retorna ao mar em subsuperfície, diminuindo o volume de água que reflui e diminuindo também a capacidade de transporte de sedimentos quando de retorno ao mar, formando depósitos residuais (Muehe, 2001), representados pelas camadas ricas em ilmenita e outros minerais pesados.



Com o objetivo de discutir a proveniência das ilmenitas e magnetitas do depósito praial de Pântano do Sul, realizou-se neste trabalho, uma comparação entre a textura e, principalmente, a química mineral de óxidos de Fe-Ti (ilmenitas e magnetitas) de areias praiais com as de quatro diques básicos que ocorrem no sul da Ilha de Santa Catarina, a distâncias variáveis da praia estudada (Fig. 1).

O desenvolvimento e posterior aplicação dessa metodologia pode ser de grande utilidade em estudos de processos de transporte sedimentar, indispensáveis no manejo de áreas costeiras.

CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO

Contexto geológico local

Geologicamente, o sul da ilha de Santa Catarina é constituído por maciços graníticos e de rochas vulcânicas ácidas, de idade neoproterozóica, cortadas por diques ácidos, também neoproterozóicos, bem como por diques básicos formados no Cretáceo. Os sedimentos de planície costeira unem o maciços rochosos e são constituídos por depósitos eólico, marinho praial, flúvio-lagunar e de leque aluvial (Caruso Jr., 1993), de idades cenozóicas (Fig. 1).

Maciços graníticos/vulcânicos ácidos

Os maciços graníticos são constituídos por granito eqüigranular médio a grosso, de coloração cinza a rósea, denominado Granito Ilha, originalmente descrito por Scheibe & Teixeira (1970), e integrante dos granitos alcalinos que compõem a Suíte Intrusiva Pedras Grandes (Zanini et al., 1997). Podem variar entre termos monzoníticos, sienograníticos e, subordinadamente, quartzo-monzoníticos e quartzo-sieníticos. Nessas rochas, os minerais essenciais são quartzo, feldspato alcalino ebiotita (anfibólio); os acessórios são zircão, alanita, apatita e minerais de óxidos de Fe-Ti (magnetita/ilmenita); os secundários, epidoto, sericita/muscovita, clorita, titanita, carbonatos e fluorita.Datações Rb-Sr revelaram idade isocrônica de 524 ±68Ma (Basei, 1985).

As rochas vulcânicas ácidas ocorrem, preferencialmente,no maciço rochoso que circunda a praia de Lagoinha do Leste (Fig. 1), e integram a unidade litoestratigráfica conhecida como Suíte Plutono-Vulcânica Cambirela. São constituídas por tufos e lapilli tufos ignimbríticos, intercalados com finos derrames deriolito fluidal. Essas rochas apresentam cristaloclastos de quartzo, K-feldspato e plagioclásio, com bordos angulosos ou arredondados e embaiados por reação com a matriz, usualmente vítrea ou muito fina, constituída, dominantemente, por quartzo e feldspato. Em alguns locais, exibem grandes concentrações de lapillis e bombas, as últimas com formas arredondadas, elipsóidicas ou retorcidas. Nessas rochas, os minerais essenciais são K-feldspato, quartzo e plagioclásio; os acessórios são biotita, epidoto, zircão, alanita e minerais opacos (minerais de óxidos de Fe-Ti); os secundários, clorita, sericita e carbonatos.Rochas da Suíte Plutono-Vulcânica Cambirela apresentaram idades isocrônicas (Rb-Sr) de 552 ± 17Ma (Basei, 1985).

Diques de riolito, com espessuras métricas a decimétricas, ocorrem seccionando as rochas vulcânicas ácidas e também os granitos. Apresentam, geralmente, textura porfirítica, com fenocristais de quartzo e feldspatos, milimétricos a centimétricos, sob matriz muito fina ou afanítica, micrográfica ou microcristalina, composta por quartzo, K-feldspato, biotita, epidoto, anfibólio e apatita (Zanini et al., 1997).

Diques de composição básica formam o chamado Enxame de Diques Florianópolis. Apresentam dimensões variadas, desde pequenos diques centimétricos a métricos, até grandes diques com espessuras de mais de cem metros, que se prolongam, de forma descontínua, por dezenas de quilômetros. A grande maioria dos diques está orientada segundo a direção preferencial N10º-20ºE. Com menor freqüência, orientam-se segundo as direções N20º-40ºW e E-W. Os diabásios possuem textura variando de afanítica a porfirítica (mais rara), com o predomínio de trama intergranular fina, com cristais de piroxênio e óxidos de Fe-Ti envolvidos por plagioclásio tabular fino. No sul da Ilha de Santa Catarina foram reportados diques compostos, com bordos de diabásio e centro de riodacito, que representam diferenciados ácidos(Tomazzoli et al., 2005). Esses diques foram datados por Raposo et al. (1998) e Tomazzoli et al. (2005), que obtiveram idades entre 119 e 128Ma, utilizando o método 40Ar/40Ar.

Depósitos da planície costeira

A planície costeira do Pântano do Sul (Fig. 1) é constituída pelo sistema deposicional continental, composto por depósitos coluvial e de leque aluvial do Quaternário indiferenciado, e pelo sistema deposicional transicional, composto pelos depósitos marinho praial recoberto por depósito eólico do Pleistoceno superior e do Holoceno e depósitos lagunar e flúvio-lagunar do Holoceno (Gré et al., 1995).

Os depósitos coluvial e de leque aluvial apresentam-se na forma de rampas nas encostas dos morros do embasamento cristalino atingindo parte da planície costeira. São constituídos por sedimentos imaturos e mal selecionados, compostos por areias de granulometria grossa com seixos esparsos e matriz síltico-argilosa (Caruso Jr., 1993).

O depósito marinho praial ocorre na forma de dois sistemas de cordões litorâneos. O de idade pleistocênica ocorre recoberto por dunas de mesma idade e localiza-se no segmento sudoeste da planície costeira onde está situada a praia de Pântano do Sul (Fig. 1). É constituído por areias de coloração amarronzada, impregnadas por óxido de ferro. O depósito marinho praial de idade holocênica é adjacente a todo o arco praial, sendo composto por areias finas quartzozas de coloração esbranquiçada, bege claro a amarela, contendo uma menor fração em minerais pesados dispostos em camadas plano-paralelas (Gré et al., 1995).

O depósito eólico recobre superficialmente o depósito marinho praial, mantendo preservada a morfologia original de cristas e cavas. Nestes depósitos, predominam areias finas quartzosas, bem selecionadas, de coloração esbranquiçada. Nota-se também a presença de minerais pesados opacos (óxidos de Fe-Ti) marcando e evidenciando estratificações dos tipos plano paralela e cruzada destes depósitos (Fig. 2B).

Dinâmica praial

A praia do Pântano do Sul (Fig. 1) possui forma de enseada em planta, sendo limitada por maciços rochosos. É uma praia semi-exposta à energia das ondas (Oliveira, 2004). Apresenta uma zona de sombra a nordeste, protegida da energia direta das ondas provenientes de nordeste-leste e leste-sudeste pelo costão rochoso. Neste trecho a linha de costa é mais curvada. No restante da praia, onde a linha de costa passa a ser mais retilínea, a praia é mais exposta à ação das ondas provindas de leste, como também de sul-sudeste (Oliveira, 2004). Observações das isóbatas da carta batimétrica Canal Sul de Florianópolis (DHN, 1977) indicam que a morfologia da antepraia da enseada do Pântano do Sul também varia ao longo do arco praial. Adjacente ao setor nordeste (zona de sombra) a antepraia é mais rasa que no restante da praia, provavelmente devido à presença de um banco submerso adjacente ao promontório rochoso.

A praia de Pântano do Sul está submetida ao regime de micro marés, com altura máxima de 1,4 m e regime semidiurno.As maiores variações do nível do mar ocorrem devido a marés meteorológicas, definidas por Pugh (1987) como sendo a diferença entre a maré astronômica e a maré realmente observada.Quanto ao regime de ondas, ao longo do ano predominam ondulações de sul, com período em torno de 12s e vagas de leste, com período de 8s. Durante o outono e inverno as ondulações de sul prevalecem sobre as vagas de leste, no verão há um balanço entre ambas as direções e na primavera prevalecem as vagas de leste. Condições de alta energia de onda estão, geralmente associadas a ondulações de sul/sudeste, com períodos de pico acima de 11s e ondas maiores que 4 m em águas profundas,podendo ser encontradas em todas as estações do ano (Araújo et al., 2003). A incidência de ondas de tempestade, geralmente associada à direção sul/sudeste, gera empilhamento de água no Pântano do Sul (maré meteorológica positiva), processo favorecido pela a orientação NE-SW desta praia. Na zona de sombra(setor nordeste da praia) durante esses períodos de alta energia de onda não incidem ondas com altura significativa comparada aos outros setores da praia, embora seja observado um significativo avanço da maré (Oliveira, 2004), o que pode acarretar na destruição de propriedades e estruturas de contençãoali existentes.

Segundo Oliveira (2004), ao longo da praia do Pântano do Sul ocorre uma variação longitudinal no diâmetro médio dos sedimentos. No setor nordeste da praia, o diâmetro médio dos sedimentos oscila em torno de 0,162 mm, predominando areias finas a muito finas. Nos setores central e sudoeste da praia, o diâmetro médio dos sedimentos é de 0,215 mm e 0,219 mm, respectivamente. Segundo esse autor, o tamanho dos sedimentos está provavelmente associado à variação na altura de onda ao longo da praia, com o diâmetro do grão progressivamente aumentando de nordeste para sudoeste. As maiores concentrações dos minerais de Fe-Ti nas areias de praia ocorrem no setor nordeste da praia do Pântano do Sul (zona de sombra), onde predominam areias de granulometria fina a muito fina (Oliveira, 2004). Concentraçõesde minerais pesados são encontrados em outras porções da praia, bem como ao longo da planície costeira adjacente, só que em menores proporções.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os trabalhos de campo, realizados no setor nordeste da praia do Pântano do Sul, consistiram na abertura de 11 trincheiras no pós-praia (Figs. 3A, 3B), onde foram coletadas 32 amostras indeformadas de sedimentos. As trincheiras tiveram espaçamento médio de 30 m e foram escavadas até atingirem o lençol freático, encontrado a uma profundidade entre 0,5 e 1 m. Foram coletadas, também, amostras indeformadas no depósito eólico do Holoceno (Fig. 2B).



Para coleta das amostras indeformadas procedeu-se àseparação de pequenos volumes de sedimentos indeformados (Fig. 3C) que foram acondicionadas em pequenas caixas confeccionadas em cartolina, com cerca de 15 cm × 8 cm × 8 cm (Figs. 3C e 3D), para preservar suas estruturas. Antes do processo de coleta foi tomada a orientação espacial de cada amostra. Em laboratório, as amostras foram impregnadas com resina de poliéster, utilizando-se bomba de vácuo, seguindo-se os procedimentos descritos em Murphy (1976) e Castro (1985). Após asecagem da resina, as amostras foram serradas em fatias, segundo planos perpendiculares ao acamadamento.Lâminas delgadas polidas foram confeccionadas a partir destas fatias, seguindo-se a metodologia usual para esse procedimento (Hutchison, 1974). Nessas lâminas, foi possível, ao microscópio, visualizar estruturas sedimentares, além da disposição original dos minerais pesados (Fig. 4).


Para fins comparativos, também foram confeccionadas lâminas delgadas polidas de possíveis áreas fonte, representadas por quatro diques básicos (dique 1, dique 2, dique 3, dique4), reconhecidos no mapa geológico (Fig. 1).

Tanto nas lâminas confeccionadas a partir dos diques de diabásio como nas das amostras indeformadas dos sedimentos arenosos praiais, procedeu-se à descrição petrográfica detalhada e à identificação dos minerais pesados por microscopia óptica (luz transmitida e refletida). Seguiram-se análises em microscópio eletrônico de varredura (MEV) com microssonda eletrônica EDS acoplada, com o objetivo de determinar, com maior precisão, possíveis texturas de intercrescimento entre óxidos de Fe-Ti. Em seguida, foram realizadas análises químicas de minerais com microssonda eletrônica WDS. No total, foram realizadas 72 análises químicas de óxidos de Fe-Ti de lâminas de diques e de 66 grãos de óxidos de Fe-Ti clásticos. Todas essas análises foram realizadas no Laboratório de Microssonda Eletrônica do Centro de Estudos em Petrologia e Geoquímica - IG-UFRGS. O equipamento utilizado foi o CAMECA SX50, composto por quatro espectrômetros tipo dispersão em comprimento de onda (WDS - wavelenght dispersive spectrometer).As análises foram realizadas com tensão de aceleração do feixe de 15 kV. Os valores de corrente (amperagem) e diâmetro do feixe (spot) foram, respectivamente, 25 nA e 1 µm. A descrições sobre equipamentos e técnicas de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e de microssonda eletrônica podem ser obtidas em Gomes (1984) e Figueiredo (2000).

Micro-análises representativas dos minerais de óxidos de Fe-Ti do depósito e dos diques, obtidas por microssonda eletrônica, foram reunidas na Tabela 1 onde, nas linhas iniciais, são colocadas as percentagens de óxidos (p.ex.: SiO2, TiO2). A partir dessas percentagens de óxidos, foram calculados os números de cátions da fórmula estrutural da ilmenita (na parte inferior da tabela), com base em 3 oxigênios, seguindo-se os procedimentos descritos em Deer et al. (1995). Segundo esses autores, a fórmula estrutural da ilmenita é XYO3, onde a posição estrutural X pode ser ocupada pelos cátios Fe+2, Mg ou Mn, enquanto que a posição Y é geralmente ocupada pelos cátions Ti, Fe+3 ou Cr. Os cálculos das fórmulas estruturais e os gráficos/diagramas referentes ao quimismo mineral foram elaborados utilizando-se o programa Minpet 2.02 - Mineralogical and Petrological Data Processing System.

RESULTADOS

Minerais de óxidos de Fe-Ti nos diques básicos

O dique 1 (Fig. 1) localiza-se próximo ao local onde foram coletadas as amostras de areias ricas em minerais de Fe-Ti. Esse dique possui espessura aproximada de 10 a 15 m e orientação N10ºE. É constituído por diabásio com textura intergranular fina a média exibindo cristais de augita e de óxidos de Fe-Ti dispostos entre a trama de cristais tabulares de andesita-labradorita. A Mg-hornblenda pode ocorrer substituindo bordas de augita ou como grãos individuais. Os óxidos de Fe-Ti são constituídos, exclusivamente, por magnetita titanífera, sem texturas de intercrescimento.

O dique 2, situado ao sul da praia da Solidão (Fig. 1), possui espessura aproximada de 30 a 40 m e orientação N10º-15ºE. Também é constituído por diabásio, com textura intergranular fina a subofítica. Seus constitutivos minerais são andesina-labradorita, augita, hornblenda e minerais de óxidos de Fe-Ti.Esses últimos são formados por grãos monominerálicos de ilmenita ou por cristais compostos de magnetita com finas lamelas de oxi-exolução de ilmenita que se desenvolvem, muitas vezes, segundo as direções (111) da magnetita (Fig. 5a) e que correspondem às lamelas de oxi-exolução com padrão de treliça, descritas por Haggerty (1991).


O dique 3, localizado ao sul do dique 2 (Fig. 1), possui espessura em torno de 40 m e orientação N20ºE. Também é constituído por diabásio mas, ao contrário dos diques descritos anteriormente, exibe contatos irregulares e por vezes gradacionais com a rocha encaixante granítica, sugerindo uma interação sub-sólida entre ambas as rochas. É constituído, dominantemente, por plagioclásio, augita (às vezes substituída por hornblenda), hornblenda e minerais de óxidos de Fe-Ti, dispostos sob a forma de grãos monominerálicos de ilmenita ou de magnetita, ou ainda como grãos compostos, formados por bandas relativamente largas de ilmenita justapostas a bandas de magnetita (Fig. 5b).Estas bandas se diferenciam das lamelas de oxi-exolução do dique 2 por serem mais espessas e por ocorrerem segundo uma única direção.

O dique 4, situado no extremo sul da ilha de Santa Catarina (Fig. 1), possui espessura aproximada de 30 m e orientação N30º-40ºE e é formado por diabásio eqüigranular fino a médio, com textura subofítica. Seus constitutivos mineralógicos essenciais são andesita-labradorita, augita e minerais de óxidos de Fe-Ti, estes últimos formados por grãos monominerálicos deilmenita ou por grãos compostos, constituídos por subgrãos ou bandas espessas de magnetita e ilmenita. Menos freqüentemente, são observados grãos compostos constituídos por porções deilmenita pura justapostas a porções de magnetita com finas lamelas de oxi-redução de ilmenita, dispostas em três direções, semelhantes às encontradas no dique 2.

Minerais de óxidos de Fe-Ti no depósito praial

A análise das seções verticais coletadas nas trincheiras durante o trabalho de campo (Fig. 6A), indicou a presença de areias predominantemente quartzosas intercaladas com poucos níveis com minerais pesados escuros, desde a superfície até 10 a 15cm de profundidade. Abaixo dessa camada, aumenta a proporção de camadas com areias escuras, ricas em minerais de óxidos de Fe-Ti e outros minerais pesados, intercaladas com areias claras.Em algumas seções, abaixo das camadas ricas em minerais pesados, ocorreu camada formada por areias grossas (Fig. 6B), contendo materiais de origem tecnógena, como fragmentos de telhas e de tijolos.


As partículas de minerais pesados são arredondadas, com esfericidade variável e dispõem-se em finas camadas milimétricasa centimétricas, intercaladas com camadas claras com o predomínio de grãos arredondados e esféricos de quartzo (Fig. 4A). Nota-se que os grãos negros (de minerais de óxidos de Fe-Ti) possuem, freqüentemente, diâmetros médios menores que os minerais claros (Fig. 4B). Em geral, os grãos de quartzo se concentram na fração areia fina, enquanto os grãos de minerais de óxidos de Fe-Ti se concentram na fração areia muito fina.

Análises com microssonda eletrônica, apoiadas por observações e análises com microscópio eletrônico de varredura (com microssonda EDS acoplada) mostram que nas amostras coletadas no depósito de minerais pesados da praia do Pântano do Sul, cerca de 65% dos grãos de minerais de óxidos de Fe-Ti são constituídos por ilmenita monominerálica, e cerca de 30% por grãos de ilmenita alterados por intemperismo. Por outro lado, grãos de magnetita titanífera monominerálica ocorrem em quantidade bem menor, perfazendo cerca de 5% dos grãos de óxidos de Fe-Ti. Não foram registradas ocorrências de grãos compostos, com textura de intercrescimento entre magnetita e ilmenita, como as observadas nos diques 2, 3 e 4.

Além dos óxidos de Fe-Ti, a fração pesada é composta por grãos de zircão, turmalina, epidoto, anfibólio, titanita, silimanita e, mais raramente, por ortopiroxênio (Fig. 4B). As areias do depósito da duna frontal, adjacente ao depósito praial, podem exibir também finas camadas de areia rica em minerais de Fe-Ti bem como outros minerais pesados. Essas finas camadas de areia mais escura tendem a destacar estruturas tipo estratificação cruzada (Fig. 2B), formadas como resultado do transporte eólico.

Os grãos de ilmenita alterados por intemperismo podem apresentar manchas mais claras, quando observados ao microscópio sob luz refletida, embora esta feição seja melhor observável ao MEV, no modo de retroespalhamento de elétrons; apresentamteores mais elevados em TiO2 e mais baixos em FeOt (FeO + Fe2O3), como pode ser observado nas análises 9 e 10 da Tabela 1. Para essas análises não há sentido em calcular o número de cátions da fórmula estrutural da ilmenita, com base em 3 oxigênios, uma vez que seus elementos já estão parcialmente re-equilibrados para outras fases minerais de alteração, distintas da ilmenita. Análises desse tipo não foram consideradas neste estudo sobre proveniência.

Morad & Aldahan (1986) mostram que a alteração intempérica da ilmenita se envolve a ocorrência de várias fases minerais intermediárias, sucessivamente enriquecidas em Ti e empobrecidas em Fe até atingir uma forma quase pura de TiO2. Portanto, as análises 9 e 10 da Tabela 1 com grande erro de fechamento (seus óxidos somam, respectivamente, 91,08 e 92,40%) parecem representar fases intermediárias de alteração da ilmenita, com razões de FeOt/TiO2 mais baixas e quimismo similar ao do mineral pseudo-rulito, um produto de alteração de ilmenita comum em praias.

Na figura 7 são apresentados os diagramas de variação de diversos óxidos em relação ao TiO2, para ilmenitas dos diques básicos e de areias praiais do Pântano do Sul. Observa-se que os teores em TiO2 em ilmenitas de diques básicos (diagramas à direita, na Fig. 7) apresentam uma pequena faixa de variação (entre 48,39 e 51,22%), aspecto muito útil para a determinação da proveniência da ilmenita clástica (diagramas à esquerda, na Fig. 7), cujo intervalo de variação é muito mais amplo, oscilando entre 25,82 e 52,35% (Tab. 2). O mesmo se aplica a Al2O3, FeOt e MgO. Já o Cr2O3 não se apresenta, neste caso, como bom discriminador de proveniência, visto que seus intervalos de variação em ilmenitas de diques básicos não diferem muito dos apresentados em ilmenitas clásticas.


Na Tabela 2 são apresentados os percentuais máximo e mínimo dos diversos óxidos analisados para as ilmenitasclásticas e diques básicos, enquanto que na Tabela 3 estão listados os coeficientes de correlação entre os principais óxidos analisados. O dique 1 não está representado nessa tabela, uma vez que não apresentou ilmenita, apenas magnetita titanífera.

A molécula de ilmenita pode ser visualizada como a justaposição entre diferentes proporções (frações molares) das moléculas de ilmenita - II (FeTiO3 ), hematita - hem (FeFeO3), geikielita - gk (MgTiO3) e pyrophanita - py (MnTiO3), como mostram, por exemplo, Deer et al. (1995). Na Figura 8 são apresentados os diagramas triangulares, envolvendo as frações molares de ilmenita (Xil), hematita (Xhem) e geikielita (Xgk).



Na Figura 8A são apresentados os diagramas Xil-Xhem-Xgk para análises de diques básicos. A Figura 8B mostra a distribuição das amostras de ilmenita clástica (somente para os grãos isentos de alteração intempérica).Nesse diagrama, observa-se que a grande maioria das análises localiza-se fora do campo sombreado, que corresponde ao campo de ilmenitas de diques básicos. Essas análises representam ilmenitas por vezes bastante enriquecidas em FeOt e MgO e com teores mais baixos de TiO, como mostram, também os diagramas da Figura 7. Ilmenitas desse tipo não foram encontradas em nenhum dos quatro diques básicos analisados, embora existam registros de ocorrência de ilmenitas ricas em Fe, Mg e Mn em rochas ácidas plutônicas e vulcânicas (Frost & Lindsley, 1991).

A Figura 8C representa a parte superior do diagrama da Figura 8A, onde foram traçados os campos de distribuição das análises de ilmenita dos diques 2, 3 e 4. O dique 1 não é representado nesse diagrama, uma vez que não apresentou ilmenita,somente magnetita titanífera. Esses mesmos campos de distribuição de ilmenitas dos diques 2, 3 e 4 foram transportados para a Figura 8D que, por sua vez, representa o ápice do diagrama triangular da Figura 8B. Na Figura 8D, admite-se que os grãos de ilmenita clástica tiveram origem no dique em cujo campo suas análises encontram-se plotadas, devido à congruência entre suas composições químicas.

Dos 41 grãos de ilmenita e 2 grãos de magnetita titanífera analisados de amostras de areias da praia de Pântano do Sul, 4,6% apontaram para uma proveniência do dique 1, o único dos diques analisados que não possui ilmenita e sim magnetita titanífera; 7% apontaram proveniência do dique 2, 7% do dique 3 e 16,3% do dique 4; 9,3% apresentam características químicas que permitem associá-los tanto ao dique 3 como ao dique 4 (Tab. 4). A grande maioria dos clastos (55,82%) tem outras áreas fonte, possivelmente as rochas graníticas e/ou vulcânicas ácidas que compõem a maior parte dos costões da região.

DISCUSSÃO

Avaliação do método

A ilmenita tem sido apontada por diversos autores (p.ex., Basu & Molinaroli, 1991; Grigsby, 1992) como um mineral muito útil em estudos de proveniência sedimentar, pois seus grãos sedimentares podem reter características químicas dos cristais da rocha fonte. Ilmenitas clásticas, provenientes de litotipos diversos, costumam apresentar diferenças químicas significativas. Por vezes, mesmo entre dois corpos rochosos do mesmo litotipo, podem ocorrer diferenças na composição química da ilmenita, relacionadas a processos de oxidação a alta e média temperatura. Essas características permitem identificar a fonte do grão sedimentar.

Estudos da proveniência sedimentar da ilmenita, a partir de sua composição química, vêm sendo realizados há muitos anos; no entanto, a relativa variabilidade química do mineral dificulta o estabelecimento de um procedimento padrão para o tratamento de dados, aplicável em diferentes regiões, com contexto geológico diversificado. Tratamentos estatísticos foram utilizados em diversos trabalhos (p.ex., Basu & Molinaroli , 1989, 1991 e Grigsby, 1992), uma vez que se reconheceu não haver soluções gráficas simples para determinar a procedência dos grãos.

Para a área de estudo, o diagrama triangular das frações molares de ilmenita, hematita e geikielita (Xil-Xhem-Xgk) (Fig. 8) mostrou-se muito eficiente na correlação entre a química mineral das ilmenitas detríticas e a ilmenita da rocha fonte, podendo ser utilizado neste estudo de proveniência. A escolha dos índices Xil (extremo titanífero), Xhem (extremo ferroso) e Xgk (extremo magnesífero) para a confecção dos diagramas deu-se pela relação entre os limites máximo e mínimo de TiO, FeOt e MgO entre as ilmenitas das areias e dos diques básicos (Tab. 2 e Fig. 7). Para esses três óxidos, as ilmenitas dos diques básicos apresentam intervalos relativamente pequenos entre os valores máximos e mínimos, quando comparados ao intervalo entre máximos e mínimos da ilmenita clástica (Tab. 2). Portanto, TiO2, FeOt e MgO são favoráveis a este estudo da proveniência, o que não acontece, por exemplo com Cr2O3, cujo intervalo nos diques (de 0 a 0,09%) é quase tão extenso como nas ilmenitas clásticas (de 0 a 0,12%). Outro fator considerado na escolha desses três óxidos para a elaboração dos diagramas triangulares foi o fato de que esses elementos condicionam o comportamento geoquímico de outros. Na Tabela 3 é apresentado o diagrama dos coeficientes de correlação entre os diversos óxidos analisados. Observa-se, por exemplo, que o Al2O3, apresenta forte correlação positiva com o FeOt e negativa com o TiO2. Isso significa que, nesse caso, o teor em Al2O3 na ilmenita é dependente dos teores em FeOt e TiO2: por isso, o Al2O3 não deve ser utilizado, num diagrama triangular, em conjunto com esses óxidos, sob pena de haver redundância.

Na Figura 8B, observa-se que grande parte das análises de ilmenita clástica é plotada fora do campo relativo aos diques básicos. Supõe-se que a proveniência primária desses clastos seja de rochas graníticas ou vulcânicas ácidas dos costões, já que nesses litotipos costuma imperar, com mais freqüência que em rochas básicas toleíticas, condições de elevada fugacidade de oxigênio, que levam às chamadas alterações de alta temperaturada ilmenita. Haggerty (1991) descreve sete estágios progressivos de oxidação da ilmenita em alta temperatura (no ambiente magmático) com a formação, primeiramente, de ilmenita mais férrica antes da passagem para rutilo, titanohematita e pseudobrookita, que representam os estágios de maior oxidação.

A suposição de que os clastos de ilmenita férrica sejam decorrentes da alteração por intemperismo foi descartada, visto que a alteração intempérica da ilmenita atua no sentido inverso, ou seja, promove uma lixiviação de Fe e um aumento na concentração de Ti (Morad & Aldahan, 1986).

Proveniência dos minerais de óxidos de Fe-Ti da praia do Pântano do Sul

A intercalação entre camadas quartzosas claras e camadas escuras, ricas em minerais pesados (Fig. 6A) parece estar associada à origem de lâminas superficiais, onde o fenômeno de retrolavagem opera como fator seletivo (Clifton, 1969). Quando a onda sobe a rampa que forma a face da praia, transporta os sedimentos,ao mesmo tempo em que parte da água se infiltra e retorna ao marem subsuperfície, diminuindo o volume de água que reflui e o transporte de sedimentos de volta ao mar, formando depósitos residuais (Muehe, 2001). A Figura 9 demonstra um modelo empírico de deposição de minerais pesados em praias, associado à variação no regime de ondas formulado por Cascalho & Taborda (2006). Segundo este modelo, a fase inicial (Fig. 9A), representa uma praia com areias claras e escuras. Durante um período de erosão do depósito, promovido pela significativa ação do refluxo das ondas, há transporte sedimentar da porção subaérea da praia para a porção subaquosa (Fig. 9B). Após o máximo estágio de remoção de areias, o perfil começa a recuperar seu estoque sedimentar, também pela ação do refluxo das ondas, fase em que a praia apresenta, em sua porção superficial, uma maior concentração de minerais pesados, com grande selecionamento dos grãos (Fig. 9C). Com a diminuição da energia de onda, a praia continua a recuperar seu estoque de sedimentos, formados por grãos de diferentes composições. Segundo Del Rio & Shnack (1985), em períodos em que ocorrem de tempestades o fenômeno de retrolavagem, responsável pelo processo seletivo dos minerais pesados, é acentuado.


A composição dos sedimentos trazidos à costa é redistribuída na direção da deriva litorânea resultante (Addad, 2001), bem como devido a processos de transporte sedimentar transversal à linha de costa. A areia mais grossa e o cascalho, geralmente ficam retidos em estuários ou lagunas ou são depositados em praias próximas, enquanto que os sedimentos mais finos são levados deriva abaixo. Os minerais pesados acompanham esse padrão. Komar & Wang (1984) indicam que os processos seletivos como ondas e correntes selecionam os minerais pesados de acordo com seu tamanho, densidade e forma, tanto paralela como transversalmente à linha de costa. Áreas erodidas estão associadas a sedimentos mais ricos em seu conteúdo total de minerais pesados. Como resultado será formado um depósito residual constituído por sedimentos quartzosos de maior tamanho e minerais pesados de maior densidade que, em geral, se concentram nas frações areia fina e muito fina.

Supõe-se que a concentração de minerais de óxidos de Fe-Ti e outros minerais pesados, no setor nordeste da praia do Pântano do Sul, esteja associada a três aspectos: (1) concentração dos minerais pesados nas areias fina a muito fina, como ocorre ao longo das praias de toda a ilha de Santa Catarina (Martins et al., 1970); (2) concentração de areias fina a muito fina (e minerais pesados) associada à baixa atividade hidrodinâmica neste setor (depósito residual) e (3) erosão da praia de Pântano do Sul, o que acentuaria a exposição dos minerais pesados em superfície. Evidências erosivas ao longo da praia do Pântano do Sul foram diagnosticadas pelo registro de danos a propriedades (Simó, 2003), presença de estruturas de contenção à erosão e freqüente ocorrência deescarpas na duna frontal.

Um outro aspecto a ser considerado é que ao longo da praia de Pântano do Sul predominam correntes longitudinais no sentido SW para NE, relacionadas ao fato de as ondulações dominantes na região virem de sul/sudeste (Araújo et al., 2003; Oliveira, 2004). Além disso, a menor altura de onda encontrada no setor nordeste promove a geração de correntes do setor sudoeste, mais exposto, para o nordeste, mais abrigado, uma vez que variações na altura de onda ao longo de uma praia de enseada podemgerar correntes litorâneas da porção mais exposta para a mais abrigada da praia (Bascom, 1951). Diferenças no diâmetro do grão ao longo de praias de enseada foram primeiramente investigadas por esse autor. Ele mostra que, ao longo de uma mesma praia, que recebe sedimentos de uma mesma área fonte, o diâmetro do grão aumenta conforme aumenta a energia das ondas. As características da antepraia observadas na carta batimétrica (DHN, 1977) indicam que esta área da enseada é uma provável área de deposição sedimentar residual. A forma e o posicionamento espacial do setor nordeste do arco praial, com concavidade voltada para sudoeste (Fig. 1) parecem funcionar como uma espécie de ''armadilha'', retendo os sedimentos provindosdaquela direção.

A correlação inicial entre a rocha fonte primária e os depósitos de minerais de óxidos de Fe-Ti encontrados no setor nordeste da praia do Pântano do Sul deve ter sido influenciada pelos inúmeros processos de transporte sedimentar desde a sua retirada da rocha fonte primária. Entres estes processos destacam-se as oscilações do nível relativo do mar. Ao longo dos últimos 120.000 anos (do Pleistoceno superior ao Holoceno), há registros destas variações na planície costeira da ilha de Santa Catarina (Caruso Jr., 1993).

Em períodos em que o nível do mar se encontrava abaixo do atual, depósitos de minerais pesados podem ter se formado na margem da plataforma continental e, em determinados casos, com a subseqüente elevação do nível marinho, muito desses depósitos foram soterrados por sedimentos transgressivos(Kudras, 1987, 2000 apud Murton, 2000). A posterior exposição destes depósitos possibilitou seu retrabalhamento pela ação das correntes e das ondas, sendo depositados nas praias como resultado da migração transgressiva da atual linha de costa (Souza, 2004). No entanto, apesar de todos estes processos, foi possível estabelecer uma boa correlação geoquímica entre os minerais de óxidos de Fe-Ti da praia do Pântano do Sul com os de diques analisados, possibilitando um elo de ligação entre a fonte primária e o sedimento atualmente depositado.

Através da medição de perfis de praia na área de estudo (Fig. 10), pôde-se associar a camada superficial predominantemente clara do pós-praia ao desenvolvimento de uma berma na praia nos meses anteriores à coleta (outubro e novembro de2002) durante um período de baixa energia hidrodinâmica na área (Oliveira, 2004). As camadas de areias claras intercaladas com areias escuras (Fig. 6A) foram depositadas em períodos anteriores à formação da berma.


CONCLUSÕES

Por muitas décadas considerou-se que os grãos de ilmenita encontrados na praia do Pântano do Sul fossem provenientes de um dique de diabásio localizado no limite com o depósito (dique1, Fig. 1). Essa idéia era reforçada pelo fato de que o referido dique constituir parte do costão diretamente voltado para o depósito que, por sua vez, encontra-se num setor de baixa hidrodinâmica.

Análises de microssonda eletrônica mostraram, contudo, que os clastos de ilmenita possuem um amplo espectro de variação química, o que aponta para uma procedência variada, advinda não somente de diabásios, como principalmente de rochas graníticas e vulcânicas ácidas que constituem os costões rochosos da região, implicando num processo de transporte mais longo e mais complexo. Por sua vez, o dique 1 contribui apenas com cerca de 4,6% dos óxidos de Fe-Ti encontrados na praia. Os diques de diabásio contribuíram com cerca de 44% dos óxidos de Fe-Ti analisados na praia de Pântano do Sul (Tab. 4), uma proporção bastante elevada, considerando-se a reduzida área de exposição atual dos diques nos costões, em relação às rochas graníticas.

Inicialmente supunha-se que as texturas de intercrescimento (ou de oxi-exolução) entre ilmenita e magnetita, presentes em algumas dessas rochas fonte fossem úteis como indicadores secundários das fontes sedimentares; entretanto, observou-se que os clastos de ilmenita e magnetita do depósito praial são monominerálicos sem texturas de intercrescimento como as que ocorrem nos diques 2, 3 e 4, provavelmente devido a uma menor resistência dos grãos poliminerálicos à degradação num ambiente marinho de alta energia.

Dentre os diques básicos estudados, foi o dique 4, justamente o mais distante da praia do Pântano do Sul, que demonstrou ter dado uma maior contribuição ao depósito (16,3%). Provavelmente, sua localização, num ambiente de alta energia de onda, o torne mais suscetível à erosão e a um fornecimento sedimentar maior.

Apesar do pequeno número de análises, a metodologia apresentada mostrou grande potencial para a identificação da rocha-fonte dos grãos de areia ilmenítica. Com o posterior desenvolvimento e aprimoramento do método, poderá ser avaliado o seu emprego em trabalhos de modelamento de correntes de deriva litorânea.

Recebido em 20 maio, 2005 / Aceito em 1 setembro, 2006

Received on May 20, 2005 / Accepted on September 1, 2006

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Edison Ramos Tomazzoli. Geólogo, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Geologia pela Universidade de Brasília (UnB) e Doutor em Geologia pela mesma universidade. Realizou Pós-Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é professor do Departamento de Geociências e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As áreas de interesse são geoquímica, geomorfologia e minerais pesados.

Ulisses Rocha de Oliveira. Geógrafo formado pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) onde atuou na área de paleontologia do Quaternário costeiro e erosão costeira na província costeira do Rio Grande do Sul. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde atualmente faz doutorado. Atua na área de morfodinâmica de praias arenosas.

Norberto Olmiro Horn Filho. Geólogo formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Mestre em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor do Departamento de Geociências e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As áreas de interesse são geologia costeira, morfodinâmica e sedimentologia de ambientes praiais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    2007

Histórico

  • Aceito
    01 Set 2006
  • Recebido
    20 Fev 2005
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