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Transtorno de ansiedade em idosos com dor crônica: frequência e associações

Resumo

Objetivos:

avaliar a frequência de transtornos de ansiedade em idosos longevos com dor crônica e verificar as suas associações.

Método:

estudo descritivo, analítico e de corte transversal do "Projeto Longevos", do qual participam idosos da comunidade com 80 anos de idade ou mais. Selecionados os longevos com dor crônica dos quais se apuraram as características sociodemográficas e os aspectos referentes à dor, principalmente aqueles relacionados às suas multidimensões, segundo o Geriatric Pain Measure-p (GPM-p). Foram realizadas avaliações de funcionalidade e autopercepção de saúde, e os rastreios dos transtornos de depressão e ansiedade, segundo a Escala de Depressão Geriátrica e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado, respectivamente. As associações foram analisadas segundo a correlação de Pearson, o teste de Anova e o Teste de comparações múltiplas de Tukey.

Resultados:

amostra constituída por 41 idosos com média de idade de 85,7 anos, sendo a maioria do sexo feminino, branca, viúva e de baixa escolaridade. Observadas altas prevalências de transtornos de ansiedade, 53,6% e 68,3%, respectivamente, traço e estado de ansiedade. Foi observada correlação significativa, mas não alta, da ansiedade-traço com a dor crônica segundo o GPM-p (r=31,5%; p=0,048) e correlação significativa e alta desse mesmo tipo de ansiedade com a depressão (r=61,3%; p<0,001).

Conclusão:

os transtornos de ansiedade foram muito prevalentes nos longevos com dor crônica, e esses se correlacionaram significativamente com a dor e a depressão, o que poderia justificar a necessidade de medidas terapêuticas multidisciplinares e diferentes nos quadros álgicos persistentes de idosos.

Palavras-chave:
Dor crônica; Idoso; Ansiedade; Depressão.

Abstract

Objectives:

to evaluate the frequency of anxiety disorders in older elderly persons with chronic pain and identify associated factors.

Method:

a descriptive, analytical and cross section study of the "Projeto Longevos" ("Long-Lived Elderly Persons Project") was carried out, featuring elderly persons living in the community who were aged 80 or over. Older elderly persons with chronic pain were selected, and data regarding their sociodemographic characteristics and factors related to pain was gathered, especially with regard to the multidimensional nature of pain, according to the "Geriatric Pain Measure-p" (GPM-p). Self-perception of health was also recorded and functionality assessments were carried out, along with the screenings for depression and anxiety disorders, according to the Geriatric Depression Scale and the State-Trait Anxiety Inventory, respectively. Associations were analyzed by Pearson correlation, the ANOVA Test and Tukey multiple comparisons.

Results:

the sample was composed of 41 elderly persons with a mean age of 85.7 years, most of whom were female, white, widowed and had a low education. A high prevalence of anxiety disorders was observed, being 53.6% and 68.3%, respectively, for trait and state anxiety. A significant, but not high, correlation was found between the anxiety trait and chronic pain according to the GPM-p (r=31.5%; p=0.048), and there was a significant and high correlation between the same type of anxiety and depression (r=61.3%; p<0.001).

Conclusion:

anxiety disorders were very prevalent in older elderly persons with chronic pain, and these correlated significantly with pain and depression, which could justify the need for varied multidisciplinary therapeutic measures against the persistent pain conditions of the elderly.

Keywords:
Chronic pain; Elderly; Anxiety; Depression.

INTRODUÇÃO

O aumento na expectativa de vida cursa com um maior número de idosos portadores de doenças crônicas. Essas doenças frequentemente associam-se a quadros de dor crônica que, por sua vez, podem provocar comprometimento funcional, angústia psicológica (ansiedade, depressão) e privação de sono11 Capela C, Marques AP, Assumpção A, Sauer JF, Cavalcante AB, Chalot SD, et al. Associação da qualidade de vida com dor, ansiedade e depressão. Fisioter Pesqui. 2009;16(3):263-68..

Dentre os indivíduos com dor crônica, cerca de 80% relatam interferência dessa na atividade de vida diária e, cerca de dois terços desses, indicam que a dor impacta negativamente nas suas relações pessoais22 Castro MCC, Quarantini LC, Daltro C, Pires-Caldas M, Koenen KC, Kraychete DC, et al. Comorbidade de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes com dor crônica e o impacto sobre a qualidade de vida. Rev Psiquiatr Clín. 2011;38(4):126-29..

Assim, também existem consequências biopsicossociais da dor crônica, o que enfatiza a magnitude do problema, sobretudo nos idosos cuja prevalência de quadros dolorosos crônicos é maior. Transtornos de humor já foram identificados em 21,7% dos pacientes com dor crônica, em um estudo brasileiro33 Brasil ISP, Pondé MP. Sintomas ansiosos e depressivos e sua correlação com intensidade da dor em pacientes com neuropatia periférica. Rev Psiquiatr. 2009;31(71):24-31.. Asmundson e Katz44 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901., revisando três estudos com a temática dor crônica e ansiedade, verificaram que 20% a 70% dos pacientes com transtorno do pânico relataram dor crônica. Mais recentemente, constatou-se que a coexistência de transtornos depressivos ou de ansiedade com dor crônica associaram-se à piora da evolução clínica ao maior uso de serviços médicos e aumento de gastos com assistência à saúde55 Gerrits MMJG, Vogelzangs N, Van Oppen P, Van Marwijk HWJ, Van der Horst H, Penninx BWJH. Impact of pain on the course of depressive and anxiety disorders. Pain. 2012;153(2):429-36..

Entre os anos 2000 e 2015, observou-se um crescimento nas pesquisas referentes à dor crônica e aos transtornos do humor do tipo ansiedade. Entretanto, ainda existem poucos desses estudos, principalmente envolvendo indivíduos idosos, sobretudo os idosos longevos44 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901., parcela populacional que mais cresce no mundo.

O objetivo da presente casuística foi avaliar a prevalência de transtornos ansiosos em idosos longevos com dor crônica e, também, analisar os fatores associados a esses.

MÉTODO

Estudo descritivo, analítico e de corte transversal do "Projeto Longevos", da disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que acompanha, desde o ano de 2010, idosos com idade igual ou maior de 80 anos de ambos os sexos, residentes na comunidade, na cidade de São Paulo, SP. Tem como fator de inclusão a independência funcional nas atividades básicas de vida diária (ABVD) e de exclusão, a perda de autonomia, segundo avaliações clínicas e/ou testes cognitivos, e a presença de doença aguda grave ou crônica descompensada.

A amostra selecionada para esta pesquisa foi de conveniência, a partir de idosos portadores de dor crônica do "Projeto Longevos". Um cálculo amostral garantindo poder estatístico de 80% e erro alfa de 5%, baseou-se numa frequência de transtorno ansioso de 20% (frequência mínima de transtorno ansioso verificada num importante estudo envolvendo a temática dor)44 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901., num universo de 69 indivíduos (ocorrência recente de longevos com dor crônica no "Projeto Longevos")66 Santos FC, Moraes NS, Pastore A, Cendoroglo MS. Dor crônica em idosos longevos: prevalência, características, mensurações e correlação com nível sérico de vitamina D. Rev Dor. 2015;16(3):71-175., apurando-se um N total de 41. Foram incluídos idosos portadores de dor crônica com duração mínima de seis meses e intensidade maior ou igual a 3, segundo a escala visual numérica de dor (EVN)77 Kremer E, Atkinson JH, Ignelzi RJ. Measurement of pain: patient preference does not confound pain measurement. Pain. 1981;10:241-48.. Excluídos aqueles com deficit sensoriais ou cognitivos limitantes; doenças clínicas debilitantes ou potencialmente graves ou fatais; com antecedentes de hospitalização nos últimos três meses e dor de etiologia neoplásica. As avaliações ocorreram no período de abril a dezembro de 2013.

Realizada a coleta dos dados sociodemográficos (idade, cor/raça, estado civil e escolaridade) e daqueles referentes à dor, como: localização, duração, frequência e intensidade segundo a ENV, a qual avalia a dor numa graduação de 0 a 10 (0 representando "nenhuma dor" e 10 indicando "pior dor imaginável")77 Kremer E, Atkinson JH, Ignelzi RJ. Measurement of pain: patient preference does not confound pain measurement. Pain. 1981;10:241-48.. A dor foi avaliada, também, de forma multidimensional segundo o Geriatric Pain Measure-p (GPM-p), instrumento que já teve sua adaptação transcultural para o Brasil e, também, já teve suas propriedades psicométricas estudadas, sendo considerado confiável e válido para o uso em idosos88 Araújo LG, Lima DMF, Sampaio RF, Pereira LSM. Escala de Locus de controle da dor: adaptação e confiabilidade para idosos. Rev Bras fisioter. 2010;14(5):438-45., assim, possibilitando a abordagem da dor segundo as suas várias dimensões: sensório-discriminativa, motivacional-afetiva e cognitivo-avaliativa. Desta forma, essa ferramenta possibilita avaliar quadros dolorosos além de suas intensidades, como também suas naturezas, descomprometimentos e desengajamentos relacionados (exemplo: isolamento social em decorrência de dor à deambulação e em atividade mais vigorosa)99 Motta TS, Gambaro RC, Santos FC. Pain measurement in the elderly: evaluation of psychometric properties of the Geriatric Pain Measure - Portuguese version. Rev Dor. 2015;16(2):136-41..

Foram avaliadas as funcionalidades, segundo as escalas de Katz1010 Katz S, Akpom CA. A measure of primary sociobiological functions. Int J Health Serv 1976;6(3):493-508. e de Lawton1111 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969;9:179-85. que avaliam a capacidade de execução nas ABVD e nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD), respectivamente; as autopercepções de saúde (classificadas em ruim, regular, bom e excelente)1212 Alves LC, Rodrigues RN. Determinantes da autopercepção de saúde entre idosos do Município de São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5/6):333-41., e as presenças de transtornos depressivos. Esses últimos, segundo a Escala de Depressão Geriátrica (GDS), que apresenta sensibilidade de 81% e especificidade de 71% para o diagnóstico de depressão em idosos quando um escore total de 5 pontos é obtido1313 Paradela EMP, Lourenço RA, Veras RP. Validação da escala de depressão geriátrica em um ambulatório geral. Rev Saúde Pública. 2005;39(6):918-23..

O rastreamento dos transtornos de ansiedade foi realizado segundo o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) de Spielberger et al.1414 Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. STAI: manual for the State - Trait Anxiety Invetory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1970., que é uma das ferramentas mais utilizadas na quantificação de componentes subjetivos relacionados à ansiedade, com simplicidade de aplicação aliada à alta evidência sobre a validade e fidedignidade do teste. O IDATE baseia-se num modelo teórico de dois componentes distintos, divididos em duas subescalas: uma que avalia a ansiedade enquanto estado (IDATE-E), referindo-se a um quadro emocional transitório onde sentimentos de apreensão e tensão conscientemente são percebidos, e ainda com aumento na atividade do sistema nervoso autônomo; e outra que avalia a ansiedade enquanto traço (IDATE-T), referindo-se às "tendências" em reagir às situações percebidas como ameaçadoras, ou seja, são "disposições comportamentais adquiridas"1515 Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. Inventário de ansiedade traço-estado (IDATE). Manual de psicologia aplicada. Rio de Janeiro:CEPA; 1979.. As subescalas mencionadas são pontuadas separadamente, com um escore mínimo e máximo de 20 e 80, respectivamente, com os escores mais elevados indicando níveis mais intensos de ansiedade. Os pontos de corte referidos são: <33 equivalendo à ausência de sintomatologia ansiosa ou ansiedade leve, entre 33 e 49 equivalendo à ansiedade média e >49 equivalendo a um alto nível de ansiedade.

No presente estudo, a prevalência de transtornos ansiosos foi obtida considerando-se os participantes com sintomatologia moderada a grave, sendo estes agrupados1616 Spence JT, Spence KW. The motivationaI components of manifest anxiety: drive and drive stimuli. New York: Academic Press; 1966.. Para os escores do IDATE, Davidson et al1717 Roy-Byrne PP, Davidson KW, Kessler RC, Asmundson GJG, Goodwin RD, Kubzansky L, et al. Anxiety Disorders and Comorbid Medical Illnes. Focus (Madison). 2008;6(4):467-85.. propuseram uma pontuação de corte >39 para identificar a presença de transtorno de ansiedade, sendo essa classificação também foi aqui utilizada.

Na análise estatística foram calculados a média, desvio-padrão, mediana, valores mínimos e máximos, e intervalo de confiança para as variáveis quantitativas. Para as associações do IDATE foram utilizados a correlação de Pearson, o teste de Anova e de comparações múltiplas de Tukey. Considerou-se um nível de significância de 5%.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob o nº 250.104/2013 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Obteve-se uma amostra composta por 41 idosos com média de idade de 85,7 anos (variando de 80 a 96 anos), maioria do sexo feminino (85,3%), cor/raça branca (63,4%), viúva (58,5%), e com baixa escolaridade (56,0% com apenas ensino primário) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e condições gerais de saúde dos idosos. São Paulo, SP, 2013.

Os participantes, na sua grande maioria, apresentaram-se funcionalmente independentes nas AVD (97,6%) e AIVD (51,2%) e, segundo suas autoavaliações de saúde, as mesmas foram boas e regulares, 43,9% e 42,7%, respectivamente (Tabela 1).

Os transtornos depressivos estavam presentes em 36,6% dos idosos. Quanto à dor crônica, a maioria referiu-a como grave, segundo sua intensidade pela ENV (56,1%) e moderada, segundo sua classificação pelo GPM-p (53,7%) (Tabela 1).

Segundo os escores IDATE de Spielberger et al.1414 Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. STAI: manual for the State - Trait Anxiety Invetory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1970., as prevalências dos transtornos de ansiedade foram 73,2% e 68,3%, respectivamente, IDATE-T e IDATE-E, e de acordo com suas classificações, observou-se frequência de transtorno grave em torno de 19,6% (IDATE-T) e 4,9% (IDATE-E) (Tabela 2). De acordo com os escores IDATE por Davidson et al.1717 Roy-Byrne PP, Davidson KW, Kessler RC, Asmundson GJG, Goodwin RD, Kubzansky L, et al. Anxiety Disorders and Comorbid Medical Illnes. Focus (Madison). 2008;6(4):467-85., as prevalências de ansiedade foram menores (58,5% IDATE-T e 39,0% IDATE-E) (Tabela 2).

Tabela 2
Transtornos de Ansiedade Traço e Estado, segundo o IDATE de Spielberger et al.1414 Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. STAI: manual for the State - Trait Anxiety Invetory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1970. e o IDATE de Davidson et al.1717 Roy-Byrne PP, Davidson KW, Kessler RC, Asmundson GJG, Goodwin RD, Kubzansky L, et al. Anxiety Disorders and Comorbid Medical Illnes. Focus (Madison). 2008;6(4):467-85.. São Paulo, SP, 2013.

Analisando-se as correlações entre os transtornos de ansiedade e as variáveis do estudo, observou-se uma associação significativa e positiva do IDATE-T com a dor crônica, segundo o GPM-p. Contudo, tal associação foi considerada baixa (r=31,5%; p=0,048), com valores entre 20 e 40% (Tabela 3).

Tabela 3
Associações entre ansiedade, dor, depressão e funcionalidades. São Paulo, SP, 2013.

Quanto a variável depressão, os transtornos de ansiedade do tipo "traço" associaram-se de forma significativa e positiva com aquela, e agora, considerada uma boa correlação (r=61,3%, p<0,001), ou seja, valores entre 60 e 80% (Tabela 3).

Não foram observadas correlações estatisticamente significantes da ansiedade com funcionalidades (AVD e AIVD) e autopercepção de saúde.

DISCUSSÃO

Obteve-se uma amostra composta por 41 idosos longevos, sendo a maioria mulheres, o que corrobora a feminilização do envelhecimento, principalmente, entre aqueles com idade de 80 anos ou mais1818 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LAST, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9.,1919 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latinoam Enferm. 2014;22(4):662-9.. Tem-se sugerido que o sexo feminino apresenta riscos mais elevados de dor crônica. Ademais, as mulheres relatam mesmo mais problemas somáticos do que os homens1919 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latinoam Enferm. 2014;22(4):662-9.,2020 Haug TT, Mykletun A, Dahl AA. The association between anxiety, depression, and somatic symptoms in a large population: the HUNT-II study. Psychosom Med. 2004;66(6):845-51..

A dor crônica foi considerada, na sua grande maioria, grave quando avaliada de forma unidimensional pela ENV (56,1%), que se refere apenas à intensidade dolorosa, e moderada e grave quando avaliada de forma multidimensional pelo GPM-p (78,2%). Ainda, a dor crônica pelo GPM-p correlacionou-se de forma significativa com o IDATE-T, apesar de baixa correlação (r=31,5%; p=0,048), contudo, apontando para a possibilidade de piores evoluções clínicas dos quadros dolorosos, e também, para a possibilidade de maiores custos envolvidos na terapêutica55 Gerrits MMJG, Vogelzangs N, Van Oppen P, Van Marwijk HWJ, Van der Horst H, Penninx BWJH. Impact of pain on the course of depressive and anxiety disorders. Pain. 2012;153(2):429-36..

Os transtornos depressivos ocorreram em 36,6% dos participantes, e esses também se correlacionaram de forma significativa e positiva com o IDATE-T; representando uma importante correlação (r=61,3%; p<0,001). Revisando a literatura científica, verifica-se que a depressão frequentemente está associada à dor crônica, o que aponta para uma pior qualidade de vida2121 Lliffe S, Kharicha K, Carmaciu C, Stuck A. The relationship between pain intensity and severity and depression in older people: exploratory study. BMC Family Practice. 2009;10:1-7.. A prevalência de depressão em indivíduos com dor crônica geralmente é alta, como verificado num estudo chinês, onde 41,6% dos portadores de dor crônica apresentavam-se deprimidos1818 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LAST, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9.,2222 Ho PT, Li CF, Nq YK, Tsui SL, Nq KF. Prevalence of and factors associated with psychiatric morbidity in chronic pain patients. J Psychosom Res. 2011;70(6):541-7.. Também, resultados semelhantes foram verificados num estudo de Taiwan, em que os transtornos de depressão coexistiram em 31,5% dos participantes portadores de dor crônica2323 Huang T, Lee Y, Chong M. Psychological distress and help-seeking in patients with chronic pain. Psychol Asp Chronic Pain. 2005;(123):247-53.. Elbinoune et al.2424 Elbinoune I, Amine B, Shyen S, Gueddari S, Abougal R, Hassouni NH. Chronic neck pain and anxiety-depression: prevalence and associated risk factors. Pan Afr Med J. 2016;24:1-8. demonstraram que a depressão e ansiedade foram prevalentes nos individuos com dor cervical crônica e que esses transtornos relacionaram-se com intensidade da dor. Neste sentido, Stubbs et al.2525 Stubbs B, Koyanagi A, Thompson T, Veronese N, Carvalho AF, Mugisha MSJ, et al. The epidemiology of back pain and its relationship with depression, psychosis, anxiety, sleep disturbances, and stress sensitivity: Data from 43 low- and middle-income countries. Gen Hosp Psychiatr. 2016;43:63-70. identificaram que qualquer tipo de dor nas costas e, ainda, a dor crônica naquela mesma região estão associadas a maior risco de ansiedade, bem como de depressão e distúrbio do sono.

A percepção da dor pode ser ampliada no contexto de ansiedade e, também, no contexto de depressão, e em tais sentidos, pesquisa em portadores de lombalgia crônica demonstrou que o medo de exacerbações dolorosas por movimentos ou pela presença de catastrofização ("inadaptações emocionais"), conduz a quadros dolorosos mais severos e a maiores incapacidades2626 Elliott TE, Renier CM, Palcher JA. Chronic pain, depression, and quality of life: correlations and predictive value of the SF-36. Pain Med. 2003;4(4):331-9..

Há uma substancial importância das associações de quadros psiquiátricos com condições clínicas crônicas, como as síndromes dolorosas crônicas. Ao mesmo tempo em que boa parte das investigações acerca dos sintomas psiquiátricos e condições clínicas crônicas centram-se na depressão e com aparentes associações significativas entre aquelas condições, há evidências crescentes de que também a ansiedade coexiste com tais quadros crônicos e, ainda, coexiste com suas complicações, e vice-versa1717 Roy-Byrne PP, Davidson KW, Kessler RC, Asmundson GJG, Goodwin RD, Kubzansky L, et al. Anxiety Disorders and Comorbid Medical Illnes. Focus (Madison). 2008;6(4):467-85.,2525 Stubbs B, Koyanagi A, Thompson T, Veronese N, Carvalho AF, Mugisha MSJ, et al. The epidemiology of back pain and its relationship with depression, psychosis, anxiety, sleep disturbances, and stress sensitivity: Data from 43 low- and middle-income countries. Gen Hosp Psychiatr. 2016;43:63-70.. Bener et al.2727 Bener A, Verjee M, Dafeeah EE, Falah O, Juhaishi TA, Schlogl J, et al. Psychological factors: anxiety, depression, and somatization symptoms in low back pain patients. J Pain Res. 2013;6:95-101. observaram associação significativa entre o estresse psicológico e a dor lombar. Nesse estudo, os transtornos de ansiedade ocorreram em 9,5% dos indivíduos com lombalgia versus 6,2% dos sem dor (p=0,007), e ainda, a depressão foi observada em 13,7% daqueles com lombalgia versus 8,5% dos sem dor (p=0,002).

No presente estudo, os transtornos ansiosos foram prevalentes e mais frequentes que os transtornos depressivos, principalmente, se considerado o IDATE-T, que prevaleceu em 73,2% dos idosos longevos com dor. Esse fato repetiu-se quando considerado, também, os escores de Davidson et al.1717 Roy-Byrne PP, Davidson KW, Kessler RC, Asmundson GJG, Goodwin RD, Kubzansky L, et al. Anxiety Disorders and Comorbid Medical Illnes. Focus (Madison). 2008;6(4):467-85. no rastreio do IDATE-T (58,5%).

Estudos demonstram que os transtornos do humor, do tipo ansiedade e depressão, frequentemente coexistem com dor crônica1515 Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. Inventário de ansiedade traço-estado (IDATE). Manual de psicologia aplicada. Rio de Janeiro:CEPA; 1979.,1616 Spence JT, Spence KW. The motivationaI components of manifest anxiety: drive and drive stimuli. New York: Academic Press; 1966.,2121 Lliffe S, Kharicha K, Carmaciu C, Stuck A. The relationship between pain intensity and severity and depression in older people: exploratory study. BMC Family Practice. 2009;10:1-7.,2222 Ho PT, Li CF, Nq YK, Tsui SL, Nq KF. Prevalence of and factors associated with psychiatric morbidity in chronic pain patients. J Psychosom Res. 2011;70(6):541-7.. No Brasil, os autores Brasil e Pondé33 Brasil ISP, Pondé MP. Sintomas ansiosos e depressivos e sua correlação com intensidade da dor em pacientes com neuropatia periférica. Rev Psiquiatr. 2009;31(71):24-31. já evidenciaram em suas pesquisas que quase a metade dos pacientes com dor crônica neuropática, precisamente 46,3% da amostra estudada, apresentava concomitantemente transtornos do humor depressivo e ansioso, mas, ainda, sem dados nacionais referindo-se a população idosa.

Tem-se que tanto a ansiedade quanto a depressão atuam em níveis centrais como facilitadores das referências dolorosas. Assim, tais transtornos participam da patogênese da dor, compartilhando os mesmos neurotransmissores (serotonina, noradrenalina, glutamato e adenosina), bem como compartilhando áreas comuns na ativação cerebral33 Brasil ISP, Pondé MP. Sintomas ansiosos e depressivos e sua correlação com intensidade da dor em pacientes com neuropatia periférica. Rev Psiquiatr. 2009;31(71):24-31.,2828 Katz J, Rosenbloom BN, Fashler S. Chronic Pain, Psychopathology, and DSM-5 Somatic Symptom Disorder. Can J Psychiatr. 2015;60(4):160-7..

Sobre a ansiedade, sabe-se que há diferenças individuais relativamente estáveis na tendência de reagir à situações percebidas como ameaçadoras, e se tal tendência ocorre, se está diante do IDATE-T22 Castro MCC, Quarantini LC, Daltro C, Pires-Caldas M, Koenen KC, Kraychete DC, et al. Comorbidade de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes com dor crônica e o impacto sobre a qualidade de vida. Rev Psiquiatr Clín. 2011;38(4):126-29.. Resta fortalecida, portanto, a ideia de que indivíduos com personalidade ansiosa, e não apenas estado emocional ansioso (ansiedade-estado), apresentam mais dor crônica44 Asmundson GJG, Katz J. Understanding the co-occurrence of anxiety disorders and chronic pain: state-of-the-art. Depress Anxiety. 2009;26(10):888-901.,2020 Haug TT, Mykletun A, Dahl AA. The association between anxiety, depression, and somatic symptoms in a large population: the HUNT-II study. Psychosom Med. 2004;66(6):845-51.. Em geral, se espera que indivíduos com altos níveis de IDATE-T também demonstrem altos níveis de IDATE-E. Isso ocorre porque, quando presente o traço de ansiedade, ocorrem reações a uma larga faixa de situações como sendo muito perigosas ou ameaçadoras.

Neste estudo, existiram algumas limitações que precisariam ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados. O desenho transversal excluiu a possibilidade de se examinar as relações causais entre a dor, a ansiedade e a depressão, e ainda, a amostra obtida foi pequena, o que não permitiu generalizar os resultados. Todavia, a presente pesquisa pode contribuir com dados inusitados envolvendo a dor crônica e os transtornos do humor em idosos longevos no nosso meio.

CONCLUSÃO

Foram apuradas altas frequências de transtornos de ansiedade em longevos com dor crônica e correlações significativas da ansiedade-traço com a dor, e também, com a de depressão. Correlações frequentes entre ansiedade e dor crônica justificariam a necessidade de associar medidas distintas e multidisciplinares, como a intervenção psicológica, no manejo terapêutico de idosos longevos com quadros álgicos persistentes. São de mérito científico as pesquisas, ainda pouco emergentes, nesse grupo populacional que vem crescendo tão rapidamente e que apresenta tão prevalentemente quadros dolorosos crônicos de difíceis manejos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2016
  • Revisado
    14 Set 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
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