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O modelo assistencial contemporâneo e inovador para os idosos

Resumo

O envelhecimento populacional decorrente da nova realidade demográfica e epidemiológica brasileira, fenômeno relativamente recente, exige respostas inovadoras e eficientes. Neste artigo, apresentamos um modelo assistencial para a população idosa com o que há de mais contemporâneo no cuidado integral e com excelente relação custo-benefício. A proposta é voltada para a promoção da saúde, a prevenção e a coordenação do cuidado, com ênfase nas instâncias leves. Os modelos integrados buscam resolver o problema dos cuidados fragmentados e mal coordenados nos sistemas de saúde atuais. Por isso propomos uma unidade de cuidados leves, uma avaliação epidemiológica, um centro de convivência e uma equipe formada por uma dupla de profissionais de medicina e enfermagem, com apoio de gerontólogos. E ainda: um prontuário que cubra aspectos clínicos e sociais, além de um sistema de informação de qualidade - tudo com muita tecnologia, disponível na nuvem para médicos e clientes, que podem acessar a qualquer momento pelo celular. Quanto mais o profissional de saúde conhecer o histórico do seu paciente, melhores serão os resultados. São descritos os conceitos e a estrutura que fundamentam este modelo, que visa reduzir os desperdícios, oferecendo mais qualidade a custos reduzidos. É nossa contribuição para beneficiar - seja no setor público ou no setor suplementar - a assistência médica voltada para o grupo etário que mais cresce no país.

Palavras-chave:
Envelhecimento; Prevenção de Doenças; Coordenação de Cuidado; Tecnologia e Informação; Pagamento por Performance

Abstract

The population aging that has arisen from Brazil’s new demographic and epidemiological reality, a relatively recent phenomenon, requires innovative and efficient responses. This article presents a care model for the older population with the most contemporary comprehensive care and an excellent cost-benefit ratio. The proposal is aimed at health promotion, disease prevention and the coordination of care, with an emphasis on low complexity instances of care. The integrated models seek to solve the problem of fragmented and poorly coordinated care in current health systems. For this reason, we propose a low complexity care unit, an epidemiological assessment, a social center and a team formed by a pair of medical and nursing professionals, with the support of gerontologists. There will also be medical records that cover clinical and social aspects, as well as a quality information system - all involving advanced technology, accessible by doctors and clients at any time via cloud technology and a cell phone app. The more the healthcare professional knows their patient’s history, the better the results. The concepts and structure that underlie this model, which aims to reduce waste, offering greater quality at reduced cost, are set out. It is our contribution to benefit - be it in the public or supplementary sector - health care aimed at the fastest growing age group in Brazil.

Keywords:
Aging; Disease Prevention; Care Coordination; Technology and Information; Performance Payment

INTRODUÇÃO

Uma das maiores conquistas da humanidade foi a ampliação do tempo de vida. Chegar à velhice - antes privilégio de poucos - passou a ser a norma mesmo nos países mais pobres e se fez acompanhar da melhora substancial dos parâmetros de saúde das populações, ainda que essas conquistas estejam longe de se distribuir de forma equitativa nos diferentes contextos socioeconômicos. Nesse cenário, o desafio que se impõe é agregar qualidade aos anos adicionais de vida11 Veras RP, Estevam AA. Modelo de atenção à saúde do idoso: a ênfase sobre o primeiro nível de atenção. In: Lozer AC, Leles FAG, Coelho KSC, organizadores. Conhecimento técnico-científico para qualificação da saúde suplementar. Brasília, DF: OPAS; 2015. p. 73-84..

A transição demográfica e a melhoria dos indicadores sociais e econômicos do Brasil, em comparação com décadas anteriores, trouxeram a ampliação do contingente de idosos e uma maior pressão fiscal sobre os sistemas de saúde público e privado. Se essa parcela da população aumenta, ampliam-se as doenças crônicas e os gastos.11 Veras RP, Estevam AA. Modelo de atenção à saúde do idoso: a ênfase sobre o primeiro nível de atenção. In: Lozer AC, Leles FAG, Coelho KSC, organizadores. Conhecimento técnico-científico para qualificação da saúde suplementar. Brasília, DF: OPAS; 2015. p. 73-84. Um dos resultados é a demanda crescente por serviços de saúde, o que pode, em contrapartida, gerar escassez ou restrição de recursos médicos. As doenças que acometem os idosos são majoritariamente crônicas e múltiplas, exigem acompanhamento constante e cuidados permanentes22 Szwarcwald CL, Damacena GN, de Souza Júnior PRB, Almeida WS, Malta DC. Percepção da população brasileira sobre a assistência prestada pelo médico. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(2):339-50.. Observa-se um excesso de consultas realizadas por especialistas, internações hospitalares tornam-se mais frequentes e o tempo de ocupação do leito é maior se comparado com outras faixas etárias33 Veras RP, Oliveira MR. Linha de cuidado para o idoso: detalhando o modelo. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):887-905..

A atual prestação de serviços de saúde fragmenta a atenção a esse grupo etário, com multiplicação de consultas de especialistas, informação não compartilhada, inúmeros fármacos, exames clínicos e de imagem, entre outros procedimentos que sobrecarregam o sistema, provocam forte impacto financeiro em todos os níveis e não geram benefícios significativos para a saúde ou a qualidade de vida33 Veras RP, Oliveira MR. Linha de cuidado para o idoso: detalhando o modelo. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):887-905.. Um grande ônus produzido por doenças pode ser evitado tanto em termos sociais como econômicos.

No livro Repensando a Saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos, M. Porter e E. Teisberg defendem que a saúde precede a assistência. Para os autores, é latente a necessidade de medir e minimizar o risco de doenças, oferecer um gerenciamento abrangente das enfermidades e garantir serviços de prevenção para todos os idosos, inclusive os saudáveis. Afirmam que a saúde deve abranger a preparação para o serviço (aumentando a eficiência da cadeia de valor), intervenção, recuperação, monitoramento e gerenciamento da condição clínica, garantia de acesso, mensuração de resultados e, por fim, disseminação da informação44 Porter ME, Teisberg EO. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Artmed; 2009..

Ainda existem divergências sobre o percentual ideal de investimento em promoção da saúde, se comparado ao volume destinado à assistência. Embora seja uma conta complexa e flexível, uma coisa é certa: deve-se investir cada vez mais para evitar que as pessoas adoeçam44 Porter ME, Teisberg EO. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Artmed; 2009..Prevenção não é custo, mas investimento com lucro certo, desde que bem realizada. Estimulando a prevenção e retardando a ocorrência de enfermidades, colaboramos para preservar a chamada “capacidade funcional”. Com o rápido e intenso envelhecimento da população brasileira, esse passa a ser o novo paradigma e o principal indicador estratégico na saúde.

ENVELHECIMENTO E SAÚDE

A saúde é definida como uma medida da capacidade individual de realização de aspirações e da satisfação das necessidades, independentemente da idade ou da presença de doenças55 de Moraes EM, de Moraes Fl. Avaliação multidimensional do idoso. Belo Horizonte: Folium; 2014.. Assim, uma avaliação geriátrica eficiente e completa, a custos razoáveis, torna-se cada vez mais premente. Seus objetivos são o diagnóstico precoce de enfermidades e a orientação de serviços de apoio sempre que necessário, de modo a evitar internações hospitalares. A história, o exame físico e o diagnóstico diferencial tradicionais não são suficientes para um levantamento extenso das diversas funções necessárias à vida diária do indivíduo idoso66 Silva AMM, Mambrini JVM, Peixoto SV, Malta DC, Lima-Costa MF. Uso de serviços de saúde por idosos brasileiros com e sem limitação funcional. Rev Saúde Pública. 2017;51(supl.):1-10..

Bem-estar e funcionalidade são complementares. Representam autonomia - capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias convicções - e independência - capacidade de realizar algo com os próprios meios -, permitindo que o indivíduo cuide de si e de sua vida55 de Moraes EM, de Moraes Fl. Avaliação multidimensional do idoso. Belo Horizonte: Folium; 2014.. E embora independência e autonomia estejam intimamente relacionadas, são conceitos distintos. Existem pessoas com dependência física capazes de decidir as atividades de seu interesse. Por outro lado, há aquelas com condições físicas para realizar determinadas tarefas do cotidiano, mas incapazes de decidir com segurança como, quando e onde executá-las55 de Moraes EM, de Moraes Fl. Avaliação multidimensional do idoso. Belo Horizonte: Folium; 2014..

A determinação das condições de saúde da população idosa deve considerar seu estado global, ou seja, levar em conta um nível satisfatório de independência funcional e não apenas a ausência de doença. Dessa forma, pensa-se como paradigma de saúde do idoso a ideia de funcionalidade, que passa a ser um dos mais importantes atributos do envelhecimento humano, pois envolve a interação entre as capacidades física, psíquica e cognitiva para realização de atividades no cotidiano55 de Moraes EM, de Moraes Fl. Avaliação multidimensional do idoso. Belo Horizonte: Folium; 2014..

O monitoramento das condições de saúde de uma dada população, assim como de seus fatores associados, é um instrumento-chave para orientar estratégias de prevenção, as quais devem ter como objetivo: interferir favoravelmente na história natural da doença, antecipar-se ao surgimento de complicações, prevenir as exacerbações e complicações das doenças crônicas, aumentar o envolvimento do paciente no autocuidado e construir uma base de dados sobre os doentes crônicos (a maioria dos idosos).É possível prevenir a maioria dos problemas de saúde pública que afetam a população - que dizem respeito não apenas às doenças transmissíveis, mas também às não transmissíveis. A significativa diminuição da mortalidade por doenças coronárias e cerebrovasculares, da incidência e mortalidade por câncer cervical, bem como da prevalência de consumo de fumo e incidência de câncer do pulmão em homens atesta essa afirmativa77 Carvalho VKS, Marques CP, Silva EN. A contribuição do Programa Mais Médicos: análise a partir das recomendações da OMS para provimento de médicos. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2773-84..

As doenças crônicas apresentam uma ou mais das seguintes características88 Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36.: são permanentes, produzem incapacidade ou deficiências, são causadas por alterações patológicas irreversíveis e precisam de períodos longos de supervisão, observação ou cuidados. Em geral, começam lentamente, sem uma causa única. O tratamento envolve mudanças no estilo de vida e cuidados contínuos que não costumam levar à cura, mas permitem manter a enfermidade sob controle e melhorar a qualidade de vida do paciente, de modo a impedir ou amenizar o declínio funcional55 de Moraes EM, de Moraes Fl. Avaliação multidimensional do idoso. Belo Horizonte: Folium; 2014.. Grande parte das doenças crônicas está relacionada com idade, maus hábitos alimentares, sedentarismo e estresse, por isso a maioria delas pode ser prevenida ou postergada. Significa dizer que, apesar da doença, é possível ter uma vida plena por mais tempo99 Veras RP, Caldas CP, Cordeiro HA. Modelos de atenção à saúde do idoso: pensando o sentido da prevenção. Physis. 2013;23(4):1189-1213..

Um modelo contemporâneo de saúde do idoso precisa reunir um fluxo de ações de educação, promoção da saúde, prevenção de doenças evitáveis, postergação de moléstias, cuidado precoce e reabilitação de agravos. Ou seja, uma linha de cuidado - estratégias de estabelecimento do percurso assistencial, com o objetivo de organizar o fluxo dos indivíduos de acordo com suas necessidades - ao idoso que pretenda apresentar eficácia e eficiência deve pressupor uma rede articulada, baseada na integralidade do cuidado, com protagonismo do profissional de saúde de referência e sua equipe, gerenciando o indivíduo em vez da doença, utilizando todas as tecnologias disponíveis, trabalhando com as informações obtidas com prontuário de qualidade e monitoramento frequente88 Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36..

Não é razoável transformar os hospitais em porta de entrada do sistema de saúde quando a medicina mostra que essa instância de cuidado, além de mais cara, deve ficar restrita a indicações precisas. O homecare é uma modalidade mais contemporânea. Aliás, a “invenção” do moderno hospital é recente. Até bem pouco tempo atrás, o cuidado se dava na residência1010 Veras RP. Caring Senior: um modelo brasileiro de saúde com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(3):1-7..

Vejamos um exemplo: uma avaliação prospectiva do gerenciamento de doenças1010 Veras RP. Caring Senior: um modelo brasileiro de saúde com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(3):1-7. oferecido aos beneficiários do Medicare (sistema de seguro-saúde para idosos gerido pelo governo dos Estados Unidos) demonstrou que as ações não estavam conseguindo reduzir despesas e que os médicos se ressentiam da decisão das seguradoras de pagar os custos de gerenciamento de doenças, possivelmente reduzindo seus ganhos e interferindo na relação médico-paciente.

Os programas de gerenciamento de doenças para idosos, que são mais complexos, têm relação custo-benefício bastante baixa, pois tratar uma doença apenas reduz os índices de morbidade. Como os pacientes idosos são acometidos por várias doenças crônicas, priorizar apenas uma enfermidade em detrimento das demais não é o mais adequado. A melhor alternativa é estruturar modelos integrados, que deem conta de toda as necessidades desses pacientes. Se não for assim, o problema dificilmente será resolvido, pois as demais doenças e sua fragilidade serão mantidas. Além disso, os recursos serão utilizados inadequadamente1010 Veras RP. Caring Senior: um modelo brasileiro de saúde com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(3):1-7..

O MODELO PROPOSTO

O modelo que defendemos está estruturado no atendimento que privilegia a assistência integral e a prevenção por meio de monitoramento contínuo das condições de saúde e coordenação de cuidados em todas as instâncias de atenção. Assim é possível estabilizar as doenças crônicas e evitar a sobrecarga no sistema1010 Veras RP. Caring Senior: um modelo brasileiro de saúde com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(3):1-7.,1111 Veras RP, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].. E os profissionais envolvidos neste modelo devem ter sua formação e atualização estimuladas permanentemente, buscando máxima qualificação. Os geriatras devem ter formação fundamental em Medicina de Família e Comunidade, concentrando-se na prestação de cuidados primários. Dessa forma, garante-se um atendimento centrado nas necessidades de cada beneficiário atendido, reconhecendo-o como sujeito do processo, e em uma boa comunicação com sua família, reconhecendo suas interações.

Nas unidades de saúde, um espaço importante é o centro de convivência, que desempenha papel fundamental para sua caracterização como local de integração de várias ações educacionais de promoção e prevenção conduzidas pelos profissionais da equipe multidisciplinar.

A avaliação funcional determina a alocação correta do paciente idoso em sua linha de cuidado, além de ser capaz de antecipar seu comportamento assistencial. Há uma série de ferramentas de avaliação para rastreamento de risco validadas e traduzidas para o português. A autonomia funcional é um importante preditor da saúde do idoso, mas avaliar sistematicamente toda a população idosa utilizando escalas longas e abrangentes não é o ideal. A abordagem em duas fases, concentrando a avaliação completa apenas nos idosos em situação de risco, captados por um processo de triagem, é mais eficaz e menos onerosa.

Para esse primeiro contato, optou-se pela ferramenta conhecida como Prisma-7, um questionário desenvolvido no Canadá e composto de sete itens. Sua validação e adaptação transcultural para o Brasil apontou como ponto de corte ideal a pontuação de quatro ou mais respostas positivas. A aplicação desse instrumento, que pode ser realizada em três minutos, não requer tecnologia cara, pessoal com qualificação especial ou longo treinamento. Os níveis sociocultural e de escolaridade dos respondentes não influenciam na compreensão das questões. Se necessário, o questionário pode ser autoaplicado1111 Veras RP, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].. O Prisma-7 tem sido usado como instrumento de rastreio para perda funcional e fragilidade na porta de entrada do sistema de saúde do Canadá, assim como pela British Geriatrics Society e pelo Royal College of General Practitioners, na Inglaterra1212 Saenger ALF, Caldas CP, Motta LB. Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento PRISMA-7: avaliação das equivalências conceitual, de item e semântica. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00072015 [17 p.],1313 Turner G, Clegg A. Best practice guidelines for the management of frailty: a British Geriatrics Society, Age UK and Royal College of General Practitioners, report. Age Ageing. 2014;43:744-7.. Em nossa proposta, serão utilizados alguns dos importantes protocolos já traduzidos e validados no Brasil1414 Veras RP. Guia dos Instrumentos de Avaliação Geriátrica [Internet]. Rio de Janeiro: UnATI/UERJ; 2019 [acesso em 10 abr. 2020]. Disponível em: http://www.unatiuerj.com.br/Guia%20dos%20instrumentos%20Avaliacao%20Geriatrica.pdf.

EQUIPE INTERDISCIPLINAR

O programa que propomos tem como base uma dupla formada por médico(a) geriatra e enfermeiro(a) gerontólogo(a). O(A) médico(a) faz a gestão clínica e o(a) enfermeiro(a) coordena os cuidados, monitorando as condições de saúde dos usuários e consolidando o papel de referência por meio do acolhimento e do fortalecimento de vínculo.

A equipe também é composta por profissionais de fisioterapia, psicologia, assistência social e nutrição, além de oficineiros (que desenvolvem atividades dinâmicas integrativas vinculadas ao programa). Todas as vezes que forem identificadas necessidades de atendimento dos usuários em outros níveis de atenção, os encaminhamentos serão feitos pelo(a) médico(a) generalista aos especialistas. O mesmo procedimento ocorre para a hospitalização. Médico(a) e enfermeira(o) terão a preocupação de entrar em contato com o hospital para ter conhecimento do caso, preferencialmente atuando para garantir o melhor atendimento e o menor tempo de internação.

O modelo conta com um gerente de cuidados, que é um profissional de enfermagem com especialização em Gerontologia que acompanha o idoso e sua família. Esse(a) profissional é responsável pela transição do cuidado entre os serviços e reavalia anualmente - ou quando necessário - a capacidade funcional da pessoa, incentivando-a a participar do processo. Seu papel é de extrema importância para o modelo proposto e sua atuação segue a mesma lógica do navegador (navigator) norte-americano, criado para orientar os pacientes mais frágeis. Também é responsabilidade desse profissional o gerenciamento do cuidado do usuário ao longo dos diferentes níveis de complexidade do sistema de saúde, verificando se as prescrições e orientações estão sendo cumpridas1515 Veras R. Bem Cuidado: um modelo integrado com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rio de Janeiro: ANS; 2018.. E embora nem sempre seja possível manter os pacientes nas instâncias mais leves de cuidado, é importante reforçar que isso não significa impedir sua progressão nas instâncias mais pesadas. Um exemplo é a utilização do hospital, que deveria ser uma exceção - se possível, por um tempo menor. Para tanto, é organizada a estratégia do cuidado integral e do monitoramento intenso, assim fica bastante marcada a diferenciação entre instâncias leves e pesadas.

Agregado à equipe interdisciplinar que presta atendimento presencial, o modelo conta com uma equipe de médicos e enfermeiros atuando em modo virtual por intermédio do GerontoLine, uma linha telefônica direta que garante cobertura em tempo integral, seja de forma passiva (atendendo e orientando) ou ativa (fazendo contato para mantê-los no radar de cuidados).

A qualidade assistencial demanda maior conscientização de gestores de saúde e da sociedade. Discute-se que seria caro aplicar instrumentos de qualificação do atendimento, acreditações e certificações, mas bons serviços são mais efetivos em termos de custo, têm menor desperdício e melhores resultados assistenciais para os pacientes. Em alguns países, a acreditação e a avaliação de indicadores de qualidade são requisitos obrigatórios. No Brasil, porém, falta uma política de estímulo à qualidade porque tanto a saúde pública como a privada a consideram um custo adicional.

Apesar de os pressupostos serem aceitos pela maioria dos gestores de saúde, muito pouco é realizado. Por esse motivo, para um modelo de cuidado adequadamente estruturado,1616 Veras PR, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.]. alguns elementos não podem faltar. De forma resumida e concisa, os itens considerados fundamentais para um modelo de cuidado de saúde contemporâneo e inovador1717 Veras RP, Caldas CP, da Motta LB, de Lima KC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saúde Pública. 2014;48(2):357-65.,1818 Oliveira MR, Veras RP, Cordeiro HA. Supplementary Health and aging after 19 years of regulation: where are we now? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(5):624-33. são apresentados no Quadro 1, a seguir:

Quadro 1
Itens fundamentais para um modelo de cuidado de saúde contemporâneo e inovador. Rio de Janeiro, 2018.

CRITÉRIOS PARA PARTICIPAR DO MODELO

Para inclusão no programa, é necessário ter 60 anos ou mais. O número de comorbidades dos pacientes não é utilizado como fator de inclusão ou exclusão. Após a admissão, os interessados são direcionados para a consulta com o(a) enfermeiro(a), que será seu(sua) gerente de acompanhamento. Em um primeiro momento, este(a) profissional reforçará os objetivos do programa. Na sequência, fará a Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), estabelecendo o protocolo de acompanhamento com base no risco identificado após a avaliação (robusto, em risco de fragilidade ou frágil). Em seguida, o paciente é encaminhado para avaliação médica com o profissional que será a sua referência no acompanhamento de saúde.

Para os pacientes robustos, as consultas médicas são realizadas semestralmente. Aqueles em risco de fragilidade ou frágeis se consultam com o médico assistente a cada três meses. O(A) gerente de acompanhamento faz monitoramento telefônico mensal, assim como consultas de enfermagem periódicas e atendimentos pontuais de urgência, conforme a necessidade do associado. Nas situações em que há necessidade de acompanhamento multidisciplinar, o(a) enfermeiro(a) ou a equipe médica encaminham o paciente idoso para o centro de convivência, local de integração de várias ações essenciais à manutenção da capacidade funcional. O centro de convivência tem papel fundamental para a caracterização da unidade como local de integração de várias ações essenciais à manutenção da capacidade funcional.

O prontuário eletrônico único fundamenta a organização das informações de saúde dos usuários, permitindo o desenvolvimento de estratégias de ações individuais e coletivas com foco na prevenção. A informatização e a integração dos sistemas de gestão contribuem para o controle financeiro, evitando que receitas programadas não sejam cobradas, permitindo análise de dados e cadastros e atuando como ferramenta de ações preventivas.

Um programa estruturado de atenção ao idoso não traz apenas benefícios à qualidade de vida dos pacientes em acompanhamento; ele permite que a operadora de saúde gerencie melhor o uso de seus recursos financeiros.

O ACOLHIMENTO

O idoso e sua família devem se sentir protegidos e amparados ao entrar no sistema de saúde. Acolher é fundamental para quem chega e um estímulo para o desenvolvimento da confiança.

O acolhimento se dá em duas etapas. A primeira tem cunho administrativo e institucional. É feita ampla exposição das ações propostas, enfatizando sobretudo a promoção da saúde e a prevenção de doenças. O usuário é informado de modo didático sobre toda a dinâmica de cuidados diferenciados que serão ofertados para melhorar sua saúde e sua qualidade de vida. Na segunda etapa, inicia-se o atendimento propriamente dito.

Como forma de organizar o acesso aos níveis do modelo, é aplicado o questionário de identificação de risco Prisma-7. Em seguida, o paciente é submetido aos demais instrumentos que fazem parte dessa avaliação funcional1414 Veras RP. Guia dos Instrumentos de Avaliação Geriátrica [Internet]. Rio de Janeiro: UnATI/UERJ; 2019 [acesso em 10 abr. 2020]. Disponível em: http://www.unatiuerj.com.br/Guia%20dos%20instrumentos%20Avaliacao%20Geriatrica.pdf,1919 Costa ALFA, dos Santos VR. Da visão à cidadania: tipos de tabelas de avaliação funcional da leitura na educação especial. Rev Bras Oftalmol.2018;77(5):296-302.

20 Lourenço RA, Veras RP. Mini-Exame do Estado Mental: características psicométricas em idosos ambulatoriais. Rev Saúde Pública. 2006;40:712-9.
-2121 Machado RSP, Coelho MASC, Veras RP. Validity of the Portuguese version of the mini nutritional assessment in Brazilian elderly. BMC Geriatrics. 2015;15:1-10.: Escala de Lachs, Escala de Katz, Escala de Lawton, Mini avaliação Nutricional, Escala de Tinetti, Cartão de Jaeguer, Miniexame do Estado Mental e Escala de Yesavage, discriminadas no Quadro 2.

Quadro 2
Instrumentos empregados na avaliação funcional de idosos. Rio de Janeiro, 2018.

Além da identificação de risco e de protocolos de rastreio, os demais instrumentos epidemiológicos são utilizados anualmente. Médico(a) e gerente de acompanhamento, além da equipe interprofissional geriátrica, realizam avaliações mais detalhadas, a fim de propor um plano de intervenção. Essas informações constarão no prontuário do paciente e serão mantidas até o fim do percurso assistencial1212 Saenger ALF, Caldas CP, Motta LB. Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento PRISMA-7: avaliação das equivalências conceitual, de item e semântica. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00072015 [17 p.]. Define-se então um plano terapêutico individual com periodicidade de consultas, encaminhamento para equipe multidisciplinar e centro de convivência - e, se for o caso, avaliação de especialistas médicos. É então aberto um prontuário eletrônico único, longitudinal e multiprofissional onde estarão armazenadas as informações de todas as instâncias de cuidado do modelo assistencial, desde o primeiro contato até o cuidado paliativo na fase final da vida. Esse prontuário deve conter informações sobre a história clínica e os exames físicos do paciente idoso, mas é essencial que tenha informações sobre seu dia a dia, sua família e seu apoio social, entre outras. Seu prontuário deverá também contar com os registros dos demais profissionais da equipe interdisciplinar, como fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. A participação da família, a explicação das atividades e os screenings epidemiológicos decorrentes de atendimentos nos serviços ofertados são outros importantes diferenciais. A informação sobre todos os procedimentos é fundamental para o monitoramento do idoso.

COORDENAÇÃO DOS CUIDADOS

Existem vários modelos de linhas de cuidado, mas o importante é que cada instituição de saúde conheça sua carteira, perfil e necessidades, e organize da melhor maneira sua prestação de serviços1111 Veras RP, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].,1616 Veras PR, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.]..

Um dos principais fatores para o controle de custos dos usuários do programa é o acompanhamento em todas as instâncias de cuidado. O paciente não tem uma lacuna na atenção quando é encaminhado à rede assistencial ou quando necessita de cuidados terciários ou atendimento hospitalar2222 Nunes BP, Soares UM, Wachs LS, Volz PM, Saes MO, Duro MSS, et al. Hospitalização em idosos: associação com multimorbidade, atenção básica e plano de saúde. Rev Saúde Pública. 2017;51:1-10.. A transição entre as instâncias é acompanhada pela equipe, que preza pela fluidez no fluxo de informações, aproximando os profissionais assistentes e buscando preservar o princípio da direção predominante da dupla formada por geriatra e enfermeiro(a). O controle das hospitalizações se dá por intermédio de fluxo determinado, garantindo que os responsáveis pelo atendimento conheçam seu histórico clínico e de tratamento, além do entendimento de que essa pessoa tem um acompanhamento frequente e deve retornar à sua equipe de saúde quando o período de agravamento clínico for superado2323 Caldas CP, Veras RP, da Motta LB, Guerra ACLC, Trocado CVM. Atendimento de emergência e suas interfaces: o cuidado de curta duração a idosos. J Bras Econ Saúde. 2015;7(1):62-9..

Em caso de internação, o monitoramento do paciente é feito diariamente por duas vertentes. Em uma delas, o(a) enfermeiro(a) mantém contato com a família para dar apoio, esclarecimento ou identificar necessidades (do paciente ou da própria família). A outra vertente envolve o(a) gestor(a) de prevenção, que atua como elo entre ambulatório e hospital, fazendo acompanhamento diário com o(a) médico(a) assistente hospitalar. Nos hospitais onde existe a figura do médico internista, esse contato é facilitado e direto. Nos demais, existe o apoio dos médicos auditores ou da equipe assistente.

A porta de entrada do sistema de saúde não pode ser o hospital. Deve-se desenhar um modelo com várias instâncias de cuidado anteriores. Ver o hospital como local privilegiado da cura é um erro conceitual. No caso de pessoas idosas, a internação deve ocorrer somente no momento agudo da doença crônica e pelo menor tempo possível, ou em casos de urgências1111 Veras RP, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].,1616 Veras PR, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].. Igualmente importante é a ênfase para que os idosos participem das atividades do centro de convivência, lugar de integração e reforço das políticas de cuidado integral. Pesquisas demonstram o efeito positivo na redução do encaminhamento para os médicos especialistas33 Veras RP, Oliveira MR. Linha de cuidado para o idoso: detalhando o modelo. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):887-905.,1010 Veras RP. Caring Senior: um modelo brasileiro de saúde com ênfase nas instâncias leves de cuidado. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(3):1-7.,1111 Veras RP, Gomes JAC, Macedo ST. A coordenação de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e1900073 [12 p.].. Além do mais, os profissionais que comandam as atividades são identificados como membros da equipe, portanto possuem alta credibilidade. Os centros de convivência promovem encontros e interações mediados por intenções pedagógicas voltadas para a pessoa idosa, como oficinas de saúde, grupos terapêuticos, ioga, dança de salão, estimulação cognitiva, grupos de psicologia, nutrição, canto, orientação postural, fortalecimento pélvico e muscular. O objetivo é reduzir os problemas de solidão dos idosos, melhorar seu contato social e desenvolver novas capacidades em idade mais avançada, pois é um espaço estimulante para troca de experiências, mediado por uma instância pedagógica.

TECNOLOGIA COMO DIFERENCIAL

Ao chegar ao centro de saúde, o cliente tem seu rosto identificado, o que abre de forma instantânea seu prontuário na mesa da recepcionista. Ao recebê-lo, ela o chama pelo nome, pergunta pela família e confere a lista de remédios que o idoso está tomando. São ações absolutamente simples, mas que agregam enorme confiança ao relacionamento, fazendo com que o idoso se sinta protegido e acolhido desde o primeiro momento.

Registrar os percursos assistenciais do paciente é outro forte diferencial. Um sistema de informação amplo e de qualidade é capaz de documentar não somente a evolução clínica da pessoa idosa, mas também sua participação em ações de prevenção individuais ou coletivas, assim como o apoio dos profissionais de enfermagem e os contatos telefônicos, que devem ser resolutivos, com pessoal qualificado e total compartilhamento da informação com a equipe, em benefício de uma avaliação integral do indivíduo.

O sistema de informação, que se inicia com o registro do beneficiário, é um dos pilares do programa. Por intermédio dele, todo o percurso assistencial será monitorado em cada nível, verificando a efetividade das ações e contribuindo para a tomada de decisão e o acompanhamento. É um registro eletrônico único, longitudinal e multiprofissional, que irá acompanhar o paciente a partir do acolhimento, e que se diferencia dos existentes pelo fato registrar sua história de vida e eventos de saúde.

Outro importante diferencial é a disponibilização de um aplicativo para celular com informativos individualizados e lembretes de consultas e ações prescritas. O aplicativo poderá, entre outras ações, solicitar que o cliente faça uma foto do seu café da manhã e a envie para o(a) nutricionista, que observará se a alimentação está balanceada, se há fibras em quantidade adequada etc. Todo o esforço será para manter os usuários nas unidades do programa, sem a utilização de consultas desnecessárias com especialistas.

AÇÕES E MÉTRICAS

São atribuições do(a) médico(a) geriatra: Gerenciar o histórico de saúde da sua carteira, estabelecendo um plano de cuidados individualizados; definir o risco clínico de cada paciente e gerenciar as demandas de cuidados de cada paciente, junto com o(a) enfermeiro(a); monitorar internações; avaliar e processar necessidades de encaminhamentos aos especialistas; e coordenar a discussão de casos clínicos de maior relevância, de forma a manter a equipe integrada e alinhada na conduta mais adequada para cada caso.

Considerando carga horária de 20 horas semanais, cada médico(a) terá semanalmente quatro turnos de cinco horas. Cada turno terá disponibilidade para agendamento de 12 pacientes, com 20 minutos de consulta, além de três horários “curingas” (60 minutos) a serem utilizados para demandas extras, como interconsultas com enfermeiro(a), revisão de casos ou eventual contato com pacientes hospitalizados. Assim, a cada mês, o médico terá realizado em média 200 atendimentos, o que permite que toda a carteira de usuários seja consultada a cada trimestre.

AÇÕES E MÉTRICAS DO(A) ENFERMEIRO(A)

O(A) enfermeiro(a) terá em seu escopo quatro ações distintas e integradas em todo o processo.

Avaliação funcional breve - trata-se da primeira consulta do paciente, em que são aplicados os testes de rastreio e é colhida a história clínica.

Consulta de enfermagem - a frequência das consultas de enfermagem será estabelecida conforme o grau de fragilidade, assim classificado: Risco 1 - agendamento a cada quatro meses; Risco 2 - agendamento a cada três meses; e Risco 3 - agendamento a cada dois meses.

Durante as consultas, o(a) enfermeiro(a) deverá: acompanhar os casos mais complexos; avaliar o cumprimento das metas propostas; e restabelecer novas metas quando necessário e rastrear possíveis necessidades de abordagem médica, engajar os beneficiários no desenvolvimento de um plano de cuidados individualizado que possa distinguir suas necessidades e atender suas prioridades, além de garantir que o beneficiário e sua família entendam seu papel na promoção do cuidado e sintam-se seguros para desempenhar suas responsabilidades conjuntas.

Concomitantemente, o(a) enfermeiro(a) poderá: identificar as barreiras de natureza psicológica, social, financeira e ambiental que estejam afetando a habilidade do beneficiário para a adesão aos tratamentos ou promoção de saúde, estabelecendo uma estratégia que solucione ou minimize a questão envolvida; e realizar atendimentos coletivos, chamados de grupos terapêuticos, que reúnem pacientes com a mesma comorbidade, a fim de prover uma dinâmica de informação e conscientização de práticas saudáveis.

Atendimento breve de enfermagem (ABE) - é um atendimento pontual, realizado presencialmente, no qual o(a) enfermeiro(a), em caráter especial e sem agendamento prévio, atende pacientes que, via GerontoLine, demandaram uma orientação presencial. Considerando que a maior parte das intercorrências apresentadas via telefone ou call-center será administrada virtualmente ou encaminhada para um serviço de emergência, o tempo reservado na agenda do profissional para essa ação representa 10% de cada turno de trabalho.

Monitoramento - tem como principal objetivo manter o paciente sob o radar da dupla que gerencia sua saúde. Conforme o grau de fragilidade, os idosos receberão contatos mais frequentes. Toda a carteira será monitorada ao menos uma vez ao mês. Os contatos serão via telefone ou pelo aplicativo e seguirão um protocolo estruturado para garantir a efetividade da abordagem e a atualização do histórico de informações e dados eletrônicos da saúde dos beneficiários. Os profissionais do serviço estarão à disposição dos usuários 24 horas no atendimento virtual.

REMUNERAÇÃO POR DESEMPENHO

O modelo hegemônico de remuneração dos serviços de saúde em muitos países, tanto em sistemas públicos como naqueles orientados ao mercado de planos privados de saúde, ainda é o de fee-for-service, que se caracteriza por remunerar a quantidade de serviços produzidos (volume) e estimular a competição por usuários.

Mudar o modelo de remuneração sem alterar o modelo assistencial, ou vice-versa, não é suficiente, tendo em vista que ambos são interdependentes. Alguns dos problemas do sistema de saúde brasileiro (em especial o suplementar) que afetam primordialmente o idoso são consequência do modelo adotado há décadas. Para dar conta dessa nova e urgente demanda da sociedade, modelos alternativos de remuneração devem ser implementados para romper o círculo vicioso de sucessão de consultas e procedimentos fragmentados e descontextualizados da realidade social e de saúde da pessoa idosa2424 Oliveira MR, Veras RP, Cordeiro HA. O modelo de remuneração definindo a forma de cuidar. J Bras Econ Saúde. 2018;10(2):198-202..

A remuneração atrelada ao desempenho é uma recompensa que contempla os resultados em determinado período. Como os requisitos técnicos e comportamentais exigidos dos profissionais são de alto padrão, pretende-se que a remuneração proposta tenha a adequada equivalência.

O pagamento por desempenho, por exemplo, estabelece níveis de bônus que podem chegar a 30% a mais na remuneração no trimestre. A cada três meses, é feita uma avaliação do desempenho do profissional a partir de indicadores predeterminados. Considerando que existe a necessidade de quatro consultas médicas/ano como premissa do programa, é exigida uma consulta por trimestre para a totalidade dos clientes vinculados aos médicos. Ou seja: todos serão atendidos pelo seu(sua) médico(a) quatro vezes ao ano.

São pré-requisitos da premiação a assiduidade e a pontualidade, fundamentais para a garantia do quantitativo de consultas, que é fator de qualidade do funcionamento do serviço. Há ainda uma exigência para participar do programa de pontuação para pagamento do bônus: o registro adequado das informações no prontuário eletrônico dos participantes, bem como de suas eventuais internações. Como estas constituem o principal fator de custo, o controle rígido pela equipe determina o sucesso econômico-financeiro de qualquer iniciativa ou projeto.

Outro princípio básico é a resolutividade do(a) geriatra. De acordo com estudos internacionais,2525 Tanaka OU, Oliveira VE. Reforma(s) e estruturação do Sistema de Saúde Britânico: lições para o SUS. Saúde Soc. 2007;16(1):7-17. médicos generalistas podem resolver de 85% a 95% das situações clínicas. Os encaminhamentos para especialidades clínicas devem ser exceção. Se o(a) médico(a) encaminhar até 15% dos clientes da sua carteira no trimestre, estará demonstrada uma boa capacidade resolutiva, merecedora de pontuação.

O engajamento dos usuários do programa pela equipe multidisciplinar e pelo centro de convivência determina o vínculo do cliente e a resolutividade. Com isso, foi incluído um item que avalia a participação dos associados de cada carteira médica em consultas com os gerontólogos da equipe e nas atividades coletivas do centro de convivência, valendo pontos para a bonificação2626 Veras R. The Current Challenges of Health Care for the Elderly. J Gerontol Geriatr Res. 2015;4:1-1..

A sinistralidade é o principal indicador econômico-financeiro estabelecido para avaliação do programa, razão pela qual foi conferido peso maior a esse item, podendo o(a) médico(a) ganhar até dois pontos na avaliação de sua performance. Com essa avaliação, o que se exige é a excelência do cuidado, sendo justo o estímulo aos profissionais dentro da premissa de ganha-ganha.

Pontuação para a bonificação

Os itens da carteira de cada médico(a) avaliados trimestralmente estão apresentados no Quadro 3.

Quadro 3
Itens da carteira de cada médico avaliados trimestralmente. Rio de Janeiro, 2018.

Não há dúvidas de que modelos com pagamento por desempenho serão uma realidade em nosso país. Os profissionais do setor de saúde devem se dar conta de que a remuneração baseada na performance não é uma questão de “quando” ou “se”, mas de “como” ocorrerá1212 Saenger ALF, Caldas CP, Motta LB. Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento PRISMA-7: avaliação das equivalências conceitual, de item e semântica. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00072015 [17 p.],1717 Veras RP, Caldas CP, da Motta LB, de Lima KC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saúde Pública. 2014;48(2):357-65..

SINISTRALIDADE

Calcula-se a sinistralidade através da relação entre os custos arcados com os sinistros e o prêmio, o qual corresponde à receita recebida pela operadora do plano de saúde. Desta forma, obtém-se o percentual calculado pelo valor gasto dividido por quanto foi pago.

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a taxa de sinistralidade é definida como a relação expressa, em porcentagem, entre a despesa assistencial e a receita de contraprestações das operadoras. Em uma operadora de saúde que segue esse modelo de cuidado,1212 Saenger ALF, Caldas CP, Motta LB. Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento PRISMA-7: avaliação das equivalências conceitual, de item e semântica. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00072015 [17 p.],1717 Veras RP, Caldas CP, da Motta LB, de Lima KC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saúde Pública. 2014;48(2):357-65. os seus dados de sinistralidade do período de junho de 2014 a julho de 2018 foram analisados. A média etária da população participante deste programa em 2019 foi de 71 anos, e a sinistralidade ao longo do tempo é apresentada na figura 1, a seguir.

Figura 1
Sinistralidade em modelo de cuidado a pessoas idosas. Rio de Janeiro, 2014-2018.

Observa-se o declínio constante da sinistralidade, o que sugere que as ações propostas pelo modelo determinam um resultado bastante positivo. Espera-se que a sinistralidade de uma população idosa seja maior do que a de pessoas mais jovens devido à maior demanda por exames, consultas, terapias e internações. Mas aqui ocorreu o inverso, os resultados foram excelentes.

CONCLUSÃO

Transformar a lógica do cuidado em saúde no Brasil é um grande desafio e também uma necessidade. Ganha relevância ainda maior quando se fala da atenção à saúde de pessoas em situações de maior vulnerabilidade, como é o caso das pessoas idosas.

O modelo apresentado está estruturado no atendimento que privilegia a assistência integral e a prevenção por meio de monitoramento contínuo das condições de saúde e coordenação de cuidados em todas as instâncias de atenção. Assim é possível estabilizar as doenças crônicas e evitar a sobrecarga no sistema. Os profissionais envolvidos nesse modelo devem ter sua formação e atualização estimuladas permanentemente, buscando máxima qualificação.

Esse tipo de mudança e inovação precisa ser construída no cotidiano dos serviços, na formação dos profissionais de saúde, na forma como o sistema de saúde é gerido e organizado para a assistência e no seu financiamento. Não há como falar de reorganização da prestação dos serviços sem discutir modelos de remuneração, pois um determina o outro. Deve-se enfrentar esse debate para avançar em direção a uma maior qualidade do cuidado em saúde e para que se consiga remunerar de forma adequada.

É possível envelhecer com saúde e qualidade de vida desde que todos os envolvidos ativamente se percebam responsáveis e se permitam inovar. Cabe lembrar que, muitas vezes, inovar significa resgatar cuidados e valores mais simples, que se perderam dentro do nosso sistema de saúde. É preciso iniciar o quanto antes a construção dessa nova forma de cuidar das pessoas idosas.

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  • Não houve financiamento na execução deste trabalho.

Editado por

Edição:

Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2020
  • Aceito
    06 Maio 2020
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