Resumo
A preocupação com o cuidado corporal, com a imagem e a estética enquanto beleza, desperta o interesse alentado nas pessoas. Objetivando descobrir a percepção das mulheres idosas sobre a beleza corporal e o seu significado na velhice, realizou-se um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa com um grupo de sexagenárias. O procedimento de coleta e análise dos dados utilizou o método focal. Os resultados indicam que as sexagenárias, mesmo vivendo em diferentes realidades socioculturais, reconhecem a beleza pautada nos padrões sociais. Estabelecem também um juízo de gosto no que julgam agradável de ver, sentir e observar. A experiência estética sobre si revela uma dualidade de imagens apreciadas e depreciadas, e a beleza na velhice significa saúde e cuidado de si e de suas relações. Os resultados oferecem indícios aos profissionais de saúde quanto à estruturação dos planos terapêuticos e às ações educativas focadas no processo de envelhecimento, particularmente na dimensão feminina.
Palavras-chave:
Mulheres; Feminino; Corpo; Velhice; Beleza.
Abstract
The concern with body care, image, and aesthetics in the context of ideals of beauty is a subject of great interest to people. A descriptive exploratory study with a qualitative approach was carried out with a group of 60-year-old women, aiming to discover their perception of physical beauty and the meaning addressed to it in old age. The focus group method was used in data collection and analysis. The results indicated that 60-year-old women recognize beauty based on social standards, even if they are from different sociocultural realities. They establish a judgment of taste based on what they perceive as pleasant to see, feel, and observe. The aesthetic experience of an individual reveals a duality of images that are appreciated and depreciated, while beauty in old age means caring for oneself and one's relationships. The results offer evidence for health professionals in the structuring of therapeutic plans and educational actions focused on the aging process, especially in a female context.
Keywords:
Women; Female; Body; Old Age; Beauty.
INTRODUÇÃO
A beleza corporal, desde os primórdios das civilizações, é almejada pelos seres humanos, em especial pelas mulheres. Entretanto, o que era considerado belo em décadas passadas não necessariamente o é na atualidade. Os corpos robustos e formas volumosas, que foram contempladas e retratadas por grandes artistas no passado, hoje são admirados pelo valor da obra de arte, mas não como referência de beleza corporal para as mulheres contemporâneas.
Atualmente, as mulheres são confrontadas com imagens que glorificam a jovialidade e o enaltecimento da magreza11 Vieira CM, Turato ER. Percepções de pacientes sobre alimentação no seu processo de adoecimento crônico por síndrome metabólica: um estudo qualitativo. Rev Nutrição 2010;23(3):425-32.,22 Marshall C, Lengyel C, Utioh A. Body dissatisfaction among middle-aged and older women. Can J Diet Pract Res 2012;73(2):241-47.. Os padrões que definem a beleza são variados entre as civilizações, as culturas, o momento histórico e os costumes de cada povo11 Vieira CM, Turato ER. Percepções de pacientes sobre alimentação no seu processo de adoecimento crônico por síndrome metabólica: um estudo qualitativo. Rev Nutrição 2010;23(3):425-32.,33 Nascimento FDS. Velhice feminina: emoção na dança e coerção no papel de avó. Rev Bras Sociol Emoção 2011;10(30):457-506.. Todavia, a busca pela beleza persiste, ultrapassa gerações e sofre grande influência dos padrões estéticos em que estão inseridos. Assim, as concepções de beleza seguem alinhadas ao modo como a sociedade se comporta em relação aos padrões estéticos44 Beauvoir S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990.
5 Blessmann EJ. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2004;6:21-39.-66 Santos IE, Dias CMSB. Homem idoso: vivência de papéis desempenhados ao longo do ciclo vital da família. Aletheia 2008;27(1):98-110.. Adotando a leitura de Jimenez77 Jimenez M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos; 1999. sobre a estética na concepção kantiana, observa-se que a sociedade julga a beleza pelo juízo impuro, pois atribui um conceito de perfeição balizado nos valores socioculturais do momento.
O tema corpo e velhice instiga o desenvolvimento de várias pesquisas. Alguns autores abordam o significado do corpo na velhice quando as transformações corporais, vindas com o envelhecimento, se desviam dos padrões de beleza vigentes na sociedade44 Beauvoir S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990.
5 Blessmann EJ. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2004;6:21-39.-66 Santos IE, Dias CMSB. Homem idoso: vivência de papéis desempenhados ao longo do ciclo vital da família. Aletheia 2008;27(1):98-110.. Outros discutem como viver o envelhecimento numa sociedade que cultua valores como a beleza do corpo e o mito pela eterna juventude66 Santos IE, Dias CMSB. Homem idoso: vivência de papéis desempenhados ao longo do ciclo vital da família. Aletheia 2008;27(1):98-110.,88 Moreira V, Nogueira FNN. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia 2008;19(1):59-79., ao mesmo tempo em que parecem evitar a experiência de velhice enquanto fase de maior proximidade da morte e decrepitude do corpo44 Beauvoir S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990.,55 Blessmann EJ. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2004;6:21-39..
Além dos aspectos culturais e sociais, verifica-se que a idade e os fatores socioeconômicos também estão associados à insatisfação do corpo, porém podem agir de forma inversa. Mulheres mais velhas podem experimentar menos insatisfação com o corpo em virtude da sua maturidade, do acúmulo de experiências e de uma autoestima positiva99 Peat CM, Peyerl NL, Muehlenkamp JJ. Body image and eating disorders in older adults: a review. J Gen Psychol 2008;135(4):343-58.. Deste modo, a insatisfação com o corpo pode diminuir à medida que o envelhecimento é acompanhado por uma mudança de prioridades, como ressaltam os autores, a saúde e a afirmação da sua identidade se tornam mais importantes do que a aparência.
Para os profissionais de saúde, trabalhar com tais questões é algo desafiador e necessário, uma vez que essa temática, nas questões de atenção à saúde da mulher, pode passar do desígnio da estética enquanto algo saudável e recomendável para o plano patológico, exigindo intervenção médica.
A aparência pode repercutir fortemente na qualidade de vida, na autoestima e no convívio social das mulheres jovens e de meia-idade em qualquer fase da vida. Entretanto, partindo-se do questionamento sobre a percepção que as mulheres idosas têm acerca da beleza corporal pautou-se a pergunta norteadora do estudo: "que significado elas atribuem à beleza corporal na velhice?". Nos campos da geriatria e da gerontologia é importante para os profissionais de saúde conhecer as respostas, pois medidas interventivas e de promoção da saúde podem ser ancoradas em estudos dessa natureza. Assim, o estudo teve por objetivo descrever o significado de beleza corporal na velhice na percepção de descobrir o entendimento que as mulheres idosas têm sobre a beleza corporal, além de analisar e descrever o significado que elas atribuem à beleza corporal na velhice.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Compuseram a amostra dez mulheres com idade entre 60 e 69 anos, casadas, com diferentes níveis de escolaridade e socioeconômico, residentes numa cidade do interior do norte do estado do Rio Grande do Sul. As participantes foram distribuídas em dois grupos. O primeiro (GF1), composto por cinco mulheres com escolaridade de 12 anos ou mais de estudo e renda superior a seis salários mínimos , residentes na zona urbana central, frequentadoras de um programa nos moldes de uma universidade aberta para a terceira idade, vinculados a uma universidade. O segundo (GF2), constituído de cinco mulheres com escolaridade de 1 a 8 anos de estudo e renda de um salário mínimo, residentes na periferia urbana, integrantes de um grupo de convivência de idosos.
A delimitação do número de participantes deu-se em razão do delineamento do estudo e dos critérios de inclusão: faixa etária, participação em projetos direcionados à terceira idade e distintos níveis escolares e socioeconômicos. Optou-se pelo método do grupo focal (GF), por entender que essa técnica busca capturar formas de linguagem, expressões e tipos de comentários de determinado segmento, alcançar níveis crescentes de compreensão e aprofundamento de um tema a partir de debates focados em assuntos específicos1010 Gatti BA. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília, DF: Líber; 2005.. Para compor o GF, inicialmente foi apresentado o projeto para os respectivos coordenadores; posteriormente foi estendido o convite aos grupos em momentos distintos, ocasião em que foi apresentada a proposta de pesquisa com vistas a seleção das participantes. Embora a técnica de GF recomende um mínimo de seis componentes, neste estudo, cada GF foi composto por apenas cinco, porque a adesão na pesquisa no cenário que deu origem ao GF1 foi de apenas cinco mulheres, o que levou as pesquisadoras a optarem por uma composição paritária no GF2. Na apresentação da proposta de pesquisa no cenário do GF2, como havia potenciais participantes em maior número que atendiam os critérios de inclusão, utilizou-se a estratégia da inscrição estabelecendo cinco vagas. O cenário e os horários das sessões dos GF foram determinados em comum acordo com os participantes e com a anuência das respectivas coordenações. Os encontros com os GF foram independentes e em diferentes horários. As sessões dos GF tiveram como moderador a própria pesquisadora e como observador uma pessoa que tinha pleno conhecimento do projeto de pesquisa. A condução do debate nos GF foi feita pelo moderador e, ao observador, coube os registros das impressões verbais e não verbais no diário de campo e a gravação em áudio. Adotou-se um roteiro em conformidade com os objetivos e as sessões incluíam dois momentos.
Na primeira sessão, no momento inicial, ocorreu a exposição da proposta de estudo, a leitura explicativa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a formalização por meio da assinatura, seguida da apresentação dos participantes e na sequência a discussão acerca do tema beleza e beleza corporal. Na segunda sessão, no início, para estimular a discussão sobre a temática velhice e beleza, com auxílio de recurso multimídia e um telão, foram projetadas várias imagens de pessoas idosas em diversas situações da vida cotidiana. Após a sessão de imagens, foi lançado o questionamento: "o que é beleza na velhice?" E na sequência o debate. Ainda nessa sessão, no segundo momento, foi utilizada a técnica de exercício imaginário eu diante do espelho, no qual foram convidadas a fazer um "instante de silencio", fechando os olhos e se imaginando diante do espelho. Passados alguns minutos, na sequência, foi feita a pergunta: O que o espelho mostrou? No último encontro, apresentou-se a síntese dos encontros anteriores e procedeu-se a validação dos dados. Essa proposição de desenvolvimento das sessões aconteceu com ambos os contextos selecionados.
Foram realizados três encontros com duração média de 90 minutos cada um. Para preservar a identidade e anonimato, no início da primeira sessão, foram distribuídos crachás com codinome de flores.
Para a análise e interpretação dos dados, foi considerada a perspectiva de análise dos GF proposta por Gatti1010 Gatti BA. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília, DF: Líber; 2005.. Reuniram-se as anotações do observador, as sínteses apreendidas nas sessões e as transcrições dos encontros. De posse desse material, deu-se o início ao processo de leitura e releitura deste para fins de codificação. A frequência das menções nessas unidades orientou o roteiro para a interpretação dos dados. A análise aconteceu numa dimensão interacionista e a interpretação ancorada no referencial construído.
O período de coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2013, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, parecer nº 254.318; as participantes assinaram o TCLE.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As percepções das mulheres acerca da beleza corporal na velhice expressada nos grupos focais convergiram em três categorias: a beleza em palavras; a experiência estética diante de um espelho (revelações sobre beleza e velhice); e a beleza da mulher na velhice.
A beleza corporal em palavras
A beleza corporal pode ser expressa de diversas formas. Neste estudo, quando solicitado para as participantes que se manifestassem por meio de palavras sobre a temática, afloraram variadas expressões, como se confere na Figura 1.
As várias indicações que termos acerca da beleza corporal evidenciadas no estudo seguem alinhadas, em parte, ao pensamento de Eco1111 Eco U. História da beleza. Rio de Janeiro: Record; 2012., quando expressa que a beleza está vinculada às várias indicações adjetivas (alegria, bonita, beleza/belo) daquilo que acaricia a visualidade sensitiva e o imaginário das pessoas, como também das sensações do sublime, do maravilhoso e do divino (Deus, viver). Entretanto, o ser humano é vulnerável às pressões socioculturais de tal forma que algumas palavras evocadas refletem a beleza como um modelo a ser atendido (corpo, aparência, saúde, cuidado), uma resposta ao padrão social. A sociedade imprime à mulher a condição de se esquivar da velhice e ela o faz por meio de variados recursos66 Santos IE, Dias CMSB. Homem idoso: vivência de papéis desempenhados ao longo do ciclo vital da família. Aletheia 2008;27(1):98-110., como cuidados rigorosos com a aparência, com o corpo, com os cabelos alinhados e pintados, numa demonstração de esquivo da velhice, o que nos sugere as indicações de tais palavras nos GF (Figura 1).
Há um modo mais ou menos constante de agir e perceber o mundo no cotidiano, forma essa determinada por uma série de fatores e processos psicológicos e sociais que determinam nossa percepção usual do que é belo ou do que seja beleza. Duarte Jr1212 Duarte Junior JF. O que é Beleza. São Paulo: Brasiliense; 1991. enfatiza que "o que é belo para um não o é para outro", pois a beleza não é uma qualidade objetiva que certos objetos possuem. Para o autor, a beleza habita a relação que um sujeito mantém com um objeto, no caso, o corpo.
Ao se tratar da beleza corporal, destaca-se o pensamento de Ferreira1313 Ferreira FR. A produção de sentidos sobre a imagem do corpo. Interface 2008;12(26):471-83., quando afirma que o corpo é o principal elo entre o sujeito e o mundo, é socialmente construído e nele se materializa a relação sujeito versus sociedade, é o espaço onde os conflitos simbólicos refletem as questões da realidade preponderante em nossa existência. As sínteses abstraídas no grupo focal exemplificam:
"Pessoa bonita, magra, elegante, bem vestida, cabelo bem feito todo mundo quer do lado; já aquelas que falam mal dos outros, sem educação e mal humoradas ninguém quer chegar perto; nunca vai ser admirada [...] bem arrumadinha, cabelo bem cortadinho, maquiada, olha lá que bonita! Que coroa bonita! A gente nota "de vereda" as pessoas que se cuidam da beleza. Olha a fulana que bem bonitinha" (GF2).
Na visão de Beauvoir44 Beauvoir S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990., o ser humano nunca vive em seu estado natural, porque durante a sua velhice, como em qualquer idade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade a que pertence.
Nos estudos de Santos e Dias66 Santos IE, Dias CMSB. Homem idoso: vivência de papéis desempenhados ao longo do ciclo vital da família. Aletheia 2008;27(1):98-110. compreende-se uma crescente preocupação das mulheres no que diz respeito à valorização da imagem jovial, ao aspecto saudável e à beleza vinculada aos modelos sociais como uma idealização a ser almejada, padrões esses influenciados maciçamente pela mídia.
Se o contexto social valoriza um modelo de corpo magro, correspondendo ao padrão de beleza, sobrepeso e obesidade causam constrangimento. O debate entre as participantes fomentou comentários como:
"As gordonas não têm roupa que fique bem, as magrinhas todas as roupas caem bem, é que nem pé grande; eu chego à loja e tenho vergonha porque calço 39-40. Os calçados bonitos não dá para comprar, pois não servem. Minha filha me levou na loja para escolher uma bota e tive que pegar a mais comum, pois não servia as melhores. Corre o olho tu vê defeito nas gordas, já nas magras não. Mas as gordinhas que não são demais, bem arrumadinhas também são bonitinhas, mas tem as exageradas e as esqueléticas também são feias" (GF2).
A percepção usual das mulheres expressa no GF2 reforça o padrão cultural atual de enaltecimento da magreza e da cultura lipofóbica11 Vieira CM, Turato ER. Percepções de pacientes sobre alimentação no seu processo de adoecimento crônico por síndrome metabólica: um estudo qualitativo. Rev Nutrição 2010;23(3):425-32.,22 Marshall C, Lengyel C, Utioh A. Body dissatisfaction among middle-aged and older women. Can J Diet Pract Res 2012;73(2):241-47.. A obesidade é visualmente considerada um incômodo, uma característica que não se pode esconder, que foge à beleza, portanto, é feia. As percepções sobre o excesso de peso são reforçadas pelo fenômeno de rejeição social e cultural à obesidade. A vergonha proclamada está na interpretação que as mulheres fazem da sua situação de ser gorda e calçar número avantajado, uma demonstração de quanto as emoções estão interligadas às ideias que fazemos sobre os nossos corpos1414 Rezende C, Coelho MC. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: FGV; 2010..
Os estudos de Goldenberg1515 Goldenberg M. Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade. Rio de Janeiro: Record; 2008. alertam que, no Brasil, o fato de deixar o corpo na sua aparência natural, para a sociedade é sinônimo de desleixo e falta de cuidado, principalmente se esse corpo é gordo ou envelhecido. Assim, nas últimas décadas, a preocupação de as brasileiras se manterem jovens cresce absurdamente em razão do padrão imposto pela sociedade que enfatiza a juventude como ideal.
O olhar e o julgamento que a mulher idosa tem sobre seu corpo é pautado pelos costumes contemporâneos, que anunciam que o corpo belo necessita aparentar juventude e ser magro, daí as roupas serem adequadas para esconder as imperfeições, as gorduras localizadas22 Marshall C, Lengyel C, Utioh A. Body dissatisfaction among middle-aged and older women. Can J Diet Pract Res 2012;73(2):241-47.,33 Nascimento FDS. Velhice feminina: emoção na dança e coerção no papel de avó. Rev Bras Sociol Emoção 2011;10(30):457-506.. A roupa será a embalagem que desvela e vela, simula e dissimula o que é necessário esconder.
Essas exigências sociais também ocorrem no meio intrafamiliar, expressas pelo GF1. Para esse grupo, os jovens cobram das mães envelhecidas cuidados com a aparência, reforçando, assim, o modelo social construído e difundido.
"Hoje em dia é que estou cuidando de mim, porque os filhos estão me cobrando e começaram a me dar coisas e dizem que eu tenho que andar bonita, ou seja, me arrumar porque pra mim qualquer coisa servia" (GF1).
A beleza está presente na essência do ser e pode ser expressa pelas atitudes e formas de como a pessoa se comporta. Neste estudo, percebeu-se que as participantes dos dois grupos emitem juízos acerca da beleza dotados de subjetividade e sentimentos:
"Menina com corpo bonito não porque se arruma, mas é da natureza da pessoa, a gente percebe se tem cuidado com a pele e com os cabelos, mas é simpatia através do olhar que mostra a beleza" (GF1).
"A áurea luminosa irradiada, juntamente com a desenvoltura e a feminilidade. O olhar doce, os passos cadenciados que faz a beleza, o caráter bom se manifestar" (GF1).
Nesse alinhamento, não há regras de modelo de corpo, a percepção de beleza expressa nos debates advém do comportamento do ser.
"Boa comunicação, cabelo bem feito, aparência, pessoa bem-educada, isso é beleza corporal" (GF2).
"Educação e bom humor. Primeiro a educação, saber tratar as pessoas, andar sempre de bom humor e não de cara feia. Cara feia reflete a feiura e nunca a beleza [...]. Pessoas feias não afastam as pessoas, se ela for simpática, educada, souber tratar os outros, ela se torna linda" (GF2).
Para refletir sobre os juízos emitidos pelas mulheres sexagenárias acerca da beleza corporal, apoiou-se na concepção kantiana de juízo de gosto aplicado, que trata da beleza aderente77 Jimenez M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos; 1999.. Kant, na leitura realizada por Jimenez77 Jimenez M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos; 1999., distingue duas formas de beleza: a livre e a aderente. Na concepção kantiana88 Moreira V, Nogueira FNN. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia 2008;19(1):59-79., a beleza livre está relacionada ao juízo de gosto, o sentimento do belo; já a beleza aderente está ligada a um fim, a um conceito de perfeição, sendo considerado um juízo impuro. O juízo não pode depender de qualquer desejo, nem reduz algo ao fato de ser desejado77 Jimenez M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos; 1999.,88 Moreira V, Nogueira FNN. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia 2008;19(1):59-79.. O juízo de gosto que incida no belo, exprimindo a sua experiência, comunica uma satisfação desinteressada e pura. Para Kant, dizer que algo é belo é diferente de dizer que é agradável.
A beleza corporal, reportada ao estudo nessa concepção, trata-se da beleza aderente, pois o juízo expresso nos GF está condicionado pela ideia do que deveriam ou devem ser as pessoas. Na concepção kantiana, as manifestações das mulheres dizem respeito a um juízo impuro, pois não se trata aqui do juízo estético do belo, não há contemplação pura de uma obra de arte, não se manifesta um sentimento estético sobre a beleza corporal, pois constitui a beleza do corpo humano, não é um elemento propriamente estético.
O juízo é impuro, pois expressa interesse nas manifestações das mulheres. O interesse está ligado àquilo que é agradável e ao que é bom na interação com as pessoas de qualquer idade. O agradável e o bom têm uma relação com a faculdade de desejar. A pergunta que surge indaga, quando se chega à velhice, o que é bom e agradável de observar e o que se deseja das outras pessoas? O que nos sugere é que na percepção das mulheres sexagenárias a beleza está na forma de como as pessoas se comunicam, na comunicação do "olhar doce", da "simpatia através do olhar", da "educação", do "saber tratar as pessoas" ou, então, do "bom humor", naquilo que chamamos de bom e agradável. Isso ocorre porque, por meio da linguagem, o corpo se apresenta como portador de significado.
O corpo em seu significado é, antes de tudo, resultante de fatores socioculturais, cuja construção se faz de modo interdependente do meio de interação, desse modo reflete a beleza ressaltada num contexto. Se as mulheres sexagenárias pela sensibilidade captam os sentimentos presentes, no momento contemporâneo de culto ao corpo jovem, é de se imaginar que o corpo velho é estigmatizado. Então, o juízo de gosto acerca da beleza corporal não segue o rigor kantiano, tampouco está alinhado ao que a sociedade estabelece como modelo de beleza corporal: o corpo jovem, escultural e de formas bem definidas. A beleza está naquilo que se julga agradável de ver, sentir e observar.
Experiência estética diante de um espelho: revelações sobre beleza e velhice
Para apreender as percepções de beleza corporal nos GF e como elemento desencadeador do debate, invocou-se o exercício imaginário das mulheres. Acreditando que a expressão humana pode ser compreendida como sendo sempre simbólica, verbal ou visual, lançou-se uma atividade imaginal, cuja solicitação era de que elas fechassem os olhos e se imaginassem diante de um espelho. Após alguns instantes, foi lançada a seguinte questão disparadora do debate: o que o espelho mostrou? As reações foram variadas e carregadas de sentimentos. As percepções derivadas da imagem refletida no espelho foram agrupadas em imagens apreciadas e imagens depreciadas, demonstrado na Figura 2.
A Figura 2 salienta que no GF1 há um predomínio de imagens apreciadas, em que o espelho revelou a harmonia e o simbolismo nas marcas das expressões cutâneas, exibindo autoafirmação, bem-estar consigo e satisfação com o corpo, ao passo que no GF2, entre as mulheres de baixa renda, residentes na periferia urbana, predomina um misto de melancolia e depreciação diante da imagem refletida.
Pereira1616 Pereira MV. Contribuições para entender a experiência estética. Rev Lusófona Educ 2011;18(18):111-23., em suas contribuições para entender o conhecimento estético, afirma que podemos ter experiência estética com relação a qualquer objeto ou acontecimento, independentemente de ser arte ou não, de ser belo ou não, de existir concretamente ou não, assim, quando as sexagenárias miraram-se no espelho, estabeleceram uma experiência estética com a imagem projetada.
Se qualquer coisa pode ser um objeto estético, então a imagem refletida proporciona uma experiência estética no sentido proposto por Duarte Jr1212 Duarte Junior JF. O que é Beleza. São Paulo: Brasiliense; 1991., quando manifesta que numa experiência estética "nossos sentimentos são tocados". Ao desvendar a aparência do corpo que envelhece, as mulheres confessam seus sentimentos perante os aspectos dos anos vividos, num entrelaçamento de beleza e fealdade.
A resignação também se expressa, pois o tempo passa e deixa marcas, uma aparência que se torna visível pela trajetória vivida. Pitanga1717 Pitanga DA. Velhice na cultura contemporânea [Dissertação]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco; 2006. ao referir que mesmo inevitáveis, o ideal é a aceitação dos sinais advindos com a velhice da melhor maneira possível, porque, mesmo apresentando características de desgaste físico (pele enrugada, falta de rigidez e firmeza da pele), essas serão compensadas pelo brilho interior de cada sujeito. Para algumas sexagenárias, o brilho interior é a própria beleza interior que se reflete na energia e na vontade de viver, na aceitação dos sinais do tempo e na satisfação com a aparência do corpo.
Os cuidados com a aparência, mesmo sem influências dos padrões de estética estimados pela sociedade, representam a autoafirmação e a valorização da própria beleza no avançar dos tempos. Para Blessmann55 Blessmann EJ. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2004;6:21-39. as mulheres são as principais responsáveis pelas modificações da imagem na velhice. Sem os compromissos anteriores, elas estão livres para desfrutar novas experiências que foram privadas no passado e, ao chegar à terceira idade, surge um período propício para novas descobertas e realizações.
Se a imagem nos causa estranheza é porque o espelho porta um engano quanto à imagem refletida e não representa tudo aquilo o que somos1818 Mucida A. Escrita de uma memória que não se apaga: envelhecimento e velhice. Belo Horizonte: Autêntica; 2009.; apenas nos representa imaginariamente e, assim, possibilita o aparecimento do que não se quer ver, algo que é particular para cada um de nós.
Essa percepção de estranheza sofre influência da massificada difusão dos padrões atuais de estética1919 Ludgleydson A, Sá ECN, Amaral EB. Corpo e velhice: um estudo das representações sociais entre homens idosos. Psicol Ciênc Prof 2011;31(3):468-81., o que causa na idosa a diminuição da autoestima e da qualidade de vida, pois, para ela, a perda da jovialidade dos traços e das características físicas, tão valorizadas socialmente, é sinal de decrepitude e de finitude.
O processo de envelhecer pode ser expresso por duas vertentes, uma negativa e outra positiva. As pessoas que consideram a velhice como uma fase da vida negativa, o fazem por relacioná-la com a degeneração física e mental, bem como inatividade, incapacidade, egoísmo e fealdade, fatores esses provocadores de tristeza, solidão, depressão e mau humor2020 Guerra ACLC, Caldas CP. Dificuldades e recompensas no processo de envelhecimento: a percepção do sujeito idoso. Ciênc Saúde Coletiva 2010;15(6):2931-40.. No entanto, às pessoas que associam a velhice a uma etapa positiva de vida, estimam a autonomia física e mental, independência, participação e integração à beleza da experiência vivida.
Schneider e Irigaray2121 Schneider RH, Irigaray TQ. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estud Psicol 2008;25(4):137-49., destacam que mesmo com tantos recursos que previnem doenças e retardam características cutâneas na velhice, o envelhecimento ainda é temido por muitas pessoas, visto como uma etapa desagradável da vida. Para outros2222 Caldas CP, Thomaz AF. A velhice no olhar do outro: uma perspectiva do jovem sobre o que é ser velho. Rev. Kairós 2010;13(2):75-9., o modelo de corpo que não atende aos padrões de beleza vigente na sociedade reflete a perda do valor social.
As sexagenárias diante do espelho, diferentemente do sujeito fruidor diante da obra, na dualidade de imagem, apreciadas e depreciadas, externam diferentes maneiras de compreender a experiência estética, porém, da mesma forma, possibilitam uma abertura à diversidade de sentidos do mundo dos seres que vivem e envelhecem, ou seja, de formas de sentir a realidade da velhice. A partir de suas próprias vivências vão dialogando, semelhantemente ao sujeito fruidor diante da arte, revelam-se diante da relação da sua própria experiência.
A beleza da mulher na velhice
A relação que as mulheres mantêm com a velhice se reflete no modo como elas interpretam e atribuem significado à beleza nessa fase da vida. A beleza na velhice foi relacionada à saúde e aos cuidados, tanto quanto ao amor e à alegria. O corpo é o limite e a extensão do contato e da relação com o mundo. A beleza habita a relação, assim expressa Duarte Jr1212 Duarte Junior JF. O que é Beleza. São Paulo: Brasiliense; 1991.. Cuidar do corpo na velhice pode ser a garantia de se manter no mundo. O corpo revela os meandros da história pessoal, e nesse processo advém à transgressão e a capacidade de reagir e de se autoafirmar para além da aparência2323 Fernandes MGM, Garcia LG. O corpo envelhecido: percepção e vivência de mulheres idosas. Interface 2010;14(35):879-90.. Na circularidade desse movimento, as mulheres demonstram satisfação com seu próprio corpo, quebrando possíveis preconceitos relativos ao corpo envelhecido, atribuindo-lhe beleza e outras características nobres, talvez por estarem atreladas a outra imagem interna de si mesmas, como salienta Peat et al.99 Peat CM, Peyerl NL, Muehlenkamp JJ. Body image and eating disorders in older adults: a review. J Gen Psychol 2008;135(4):343-58. mais importante e intensa do que sua aparência externa. Entre as menções nos GF destacam-se:
"Saúde, tendo saúde se consegue tudo, é o essencial, a saúde física e a mental. Uma harmonia" (GF1).
"A saúde abrange tudo, tendo saúde, você vai cuidar do corpo sem depender da opinião dos outros. Para a beleza do corpo é fundamental a saúde, além de estar de bem consigo e com as outras pessoas, assim é a beleza" (GF2).
Ribeiro2424 Ribeiro LF. Qualidade de vida na terceira idade. Ágora 2010;17(2):75-80. ressalta que a qualidade de vida entre os mais velhos está associada ao prazer de ter uma boa saúde e abrange diversos aspectos da vida humana, entre eles o prazer de interagir em sociedade.
"Ter saúde, disposição, alegria, ser feliz, sair, ter amizades, compartilhar, ser solidária, conseguir um trabalho, ser voluntária até dessas instituições [referindo as instituições que abrigam idosos] e dançar bastante que isso deixa a gente feliz... Se uma mulher é feliz, é bonita, é isso que faz uma mulher bonita. Se ela se ama, ela se cuida do corpo" (GF1).
A saúde é um fator importante para a sensação de bem-estar e satisfação pessoal dos idosos com a sua aparência99 Peat CM, Peyerl NL, Muehlenkamp JJ. Body image and eating disorders in older adults: a review. J Gen Psychol 2008;135(4):343-58., de modo que o envelhecimento bem-sucedido ocorre mediante a constância de tais fatores2525 Spirduso WW. Dimensões físicas do envelhecimento. São Paulo: Manole; 2005.. No debate surge um comentário que reflete essa proposição:
"Primeiro é a boa saúde, com bons cuidados que deve permanecer tanto alimentar-se, caminhadas, sempre tem que estar se cuidando, se tiver algum problema deve procurar um médico" (GF2).
"A beleza corporal faz parte do corpo, do viver, a gente tem que se cuidar, ter capricho, fazer fisioterapia dos joelhos, senão não dançamos e é preciso se agitar" (GF1).
Se a beleza pertence ao corpo com saúde, o corpo doente pressupõe a fealdade. Nas discussões emanadas nos GF, a doença foge aos padrões de beleza. "O ruim é quando se está doente, aí não tem vontade para nada, menos para cuidar da beleza" (GF2). As doenças são acontecimentos comuns do envelhecimento e, assim, exprimem uma relação de reciprocidade entre velhice e doença, tão enraizada que fica difícil lembrar que doença pode acontecer a qualquer pessoa, em qualquer fase da vida55 Blessmann EJ. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2004;6:21-39.. É importante destacar que a velhice tem sido associada a vários aspectos negativos, tais como as doenças crônicas, a dependência, a fragilidade, a incapacidade e a morte2525 Spirduso WW. Dimensões físicas do envelhecimento. São Paulo: Manole; 2005.,2626 Ferreira OGL, Maciel SC, Silva AO, Santos WS, Moreira MASP. O envelhecimento ativo sob o olhar de idosos funcionalmente independentes. Rev Esc Enferm USP 2010;44(4):1065-69.. Estabelece-se, então, uma relação de doença com a fealdade, por isso o requisito e o incentivo ao cuidado com o passar dos anos.
Moreira e Nogueira88 Moreira V, Nogueira FNN. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia 2008;19(1):59-79. destacam a questão da velhice percebida por muitos como uma escolha pessoal. Nessa concepção, há indivíduos que se deixam envelhecer e aqueles que reagem ativamente contra os sinais do envelhecimento. A juventude transforma-se em um valor a ser conquistado e um bem a ser adquirido, ao passo que a velhice se torna uma questão de negligência por parte daqueles que não se envolveram em atividades motivadoras e não consumiram produtos e serviços que combatem o en velhecimento, como reflete a observação lançada nos GF:
"A mulher tem que se cuidar, fazer exercícios" (GF1).
"[...] a saúde abrange tudo, você vai cuidar do corpo" (GF2).
"[...] passo creme e cuido da alimentação" (GF2).
Se, por um lado, quando se chega à velhice, o mais importante é o cuidado; por outro, há um entendimento das participantes que esse cuidado permeia o curso da vida:
"É importante que desde jovem haja uma preocupação de cuidados com a sua pele, com o seu corpo para que ao chegar nesta fase as pessoas não estraguem seu rosto com tantas coisas" (GF1).
"Quando engravida, não pode exagerar na comida, cuidar da pele, pois vai esticar, o cuidado tem que ser geral" (GF2).
A perspectiva das mulheres está alinhada ao pensamento de Foucault2727 Foucault M. História da sexualidade: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal; 2007. ao asseverar que ter cuidados consigo mesmo é um princípio válido para todos, todo o tempo e durante toda a vida. O cuidar de si durante toda a vida caracteriza-se como um princípio de formação do sujeito, deve ser praticado em todos os momentos da vida, quando se é jovem e quando se é velho, durante a juventude para preparar-se para a vida e na velhice para desprender-se do tempo2828 Foucault M. Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes; 2010..
O envelhecimento com qualidade deve ser visto como um processo contínuo de aprendizagem, crescimento intelectual, emocional e psicológico, associado a momentos de prazer e satisfação pessoal2424 Ribeiro LF. Qualidade de vida na terceira idade. Ágora 2010;17(2):75-80.. Tomando como referência o discurso lançado nos GF, observa-se, entre outros aspectos, que a beleza na velhice é apreendida como um processo que exige cuidado de si e de suas relações intra e interpessoais.
"Se tu não se ama, tu não tem amor por ti, em primeiro lugar. Se eu tiver amor vou ter otimismo, saúde, disposição de fazer tudo que eu quiser, o corpo vai estar feio se eu não me amar" (GF2).
"Se tu se sente bem assim, tu vai viver feliz, é claro, se cuidando. (GF2) O corpo tem que ser cuidado; tem que se amar, tem que se cuidar" (GF1).
"A beleza corporal faz parte do corpo, a gente tem que se cuidar, cuidar do corpo e cuidar da alma" (GF1).
Na perspectiva de Foucault2727 Foucault M. História da sexualidade: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal; 2007., o mais importante cuidado que se deve ter consigo próprio é um olhar atencioso sobre o corpo e a alma. Para isso, é preciso manter atitudes constantes sobre seu próprio ser, ou seja, é fundamental adotar sobre si próprio uma atenção genuína, uma vigilância contínua. No entendimento das mulheres, a pessoa tem de cuidar de si, do corpo e da alma, isso é o que se traduz em beleza na velhice. Como interpela o próprio Foucault, o fim principal a ser proposto para si próprio deve ser buscado no próprio sujeito, na relação de si para consigo2828 Foucault M. Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes; 2010..
Para o cuidado de si constituir o sujeito, é importante estabelecer uma intensidade de relações de si para consigo, em que o sujeito consiga tomar a si mesmo como objeto de conhecimento e ação, por meio das relações de si possa transformar-se e corrigir-se2828 Foucault M. Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes; 2010.. Se a beleza na velhice está no cuidado de si, então as mulheres têm de seguir regras, condutas e princípios. Assim, fazer exercícios, fisioterapia, dançar, se agitar, procurar o médico quando não se sente bem e, até mesmo, ocupar-se com o voluntariado, são preceitos indispensáveis ao cuidado de si e, portanto, da beleza na velhice.
Nesta perspectiva, invoca-se Kant88 Moreira V, Nogueira FNN. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia 2008;19(1):59-79. quando destaca que as percepções não são passivas, elas são sintetizadas pela faculdade da imaginação, portanto as participantes do estudo, ao emitir o julgamento acerca da beleza na velhice balizadas no cuidado de si, almejam concordância com esse juízo. Seguindo a concepção Kantiana, não se pretende que todas as pessoas percebam a beleza na velhice, a qual as participantes fazem referência, mas conjectura-se que todos deveriam perceber, pois para a mulher idosa a beleza está na sua singularidade, na valorização de si própria, no amor dedicado a si, o que inclui o cuidado de si.
O estudo teve como pontos limitantes a abrangência de um contexto sociocultural específico e um número reduzido de participantes, o que restringe estender os resultados numa generalização, necessitando-se de novas pesquisas pertinentes ao tema aproximando outros olhares.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo permitem concluir que o grupo de mulheres, mesmo vivendo em diferentes realidades socioeconômicas e culturais, reconhece a beleza pautada nos costumes contemporâneos com a influência dos padrões estéticos vigentes.
Apoiada na concepção kantiana, as manifestações das mulheres sobre a beleza corporal seguem a proposição da beleza aderente, pois estabelecem um juízo de gosto no que julgam agradável de ver, sentir e observar. Assim, a beleza está na forma como as pessoas se comunicam, seja pelo olhar doce, simpático, seja pela educação no modo como tratam as pessoas. É por meio da linguagem que o corpo se apresenta como portador de significado.
A experiência estética do olhar sobre si revela uma dualidade entre imagens apreciadas e depreciadas, externadas pelas diferentes maneiras de compreender e sentir a realidade da velhice. Ao desvendar a aparência do corpo que envelhece, as mulheres confessam seus sentimentos perante os aspectos dos anos vividos num entrelaçamento de beleza e fealdade.
A beleza na velhice é apreendida como um processo que exige o cuidado de si e de suas relações. Constitui-se num olhar atencioso sobre o corpo e a alma, cuidado esse que segue regras, condutas e princípios, tais como fazer exercícios, manter bom humor, dançar, se agitar, procurar o médico quando não se sente bem e, até mesmo, ocupar-se com o voluntariado. A percepção da beleza é abstraída na singularidade do ser pela valorização e pelo amor dedicado a si próprio.
Se por um lado, é ponto limitante no estudo refletir apenas um contexto não permitindo estender os resultados numa generalização; por outro, infere-se possível a outras realidades, o que pode dar indício aos profissionais de saúde de como estruturar seus planos terapêuticos, o que inclui estratégias de cuidados físicos e psíquicos, assim como ações educativas voltadas a pensar o processo de envelhecimento, particularmente na dimensão feminina. Recomenda-se a replicação do estudo, estendendo a outras situações no sentido de corroborar ou acrescentar a novos achados.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2017
Histórico
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Recebido
18 Jul 2016 -
Revisado
10 Out 2016 -
Aceito
13 Jan 2017