Avaliação da incapacidade funcional e fatores associados em idosos

Resumo

Objetivo:

Estimar a prevalência e os fatores sociodemográficos e de saúde autorrelatados associados à incapacidade funcional para as atividades básicas e instrumentais da vida diária entre idosos.

Método:

Estudo transversal, com amostragem representativa de idosos atendidos por um centro de referência no norte de Minas Gerais. A coleta de dados ocorreu em 2015. Analisaram-se variáveis demográficas e socioeconômicas, morbidades, internação hospitalar no último ano, fragilidade (Edmonton Frail Scale), a Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale - GDS-15) e a incapacidade funcional (Índice de Katz, Escala de Lawton e Brody). Foi realizada análise múltipla por meio da regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

Participaram do estudo 360 idosos com idade igual ou superior a 65 anos. A prevalência de incapacidade funcional para as Atividades Básicas da Vida Diária foi de 21,4% e para as atividades instrumentais foi de 78,3%. A incapacidade funcional para as atividades básicas foi maior entre idosos do sexo masculino (p=0,03) que sofreram AVC (p=0,00) e eram frágeis (p=0,00), e para as atividades instrumentais foi maior entre os mais longevos (p=0,04); que não sabiam ler (p=0,00), com menos de cinco anos de estudo (p=0,02); que apresentaram sintomas depressivos (p=0,00) e eram frágeis (p=0,00); e menor entre os idosos que residem sozinhos.

Conclusão:

Identificou-se alta prevalência de incapacidade funcional para as atividades instrumentais de vida diária entre os idosos, o que evidencia a necessidade de uma abordagem efetiva e imediata pelos profissionais de saúde, que devem direcionar cuidados preventivos a fim de atenuar essa realidade.

Palavras-chave:
Saúde do Idoso; Atividades Cotidianas; Funcionalidade

Abstract

Objective:

To estimate the prevalence and self-reported socio-demographic and health factors associated with functional disability in basic and instrumental activities of daily living among the elderly.

Method:

A cross-sectional study was carried out, based on a representative sample of elderly people receiving care at a reference unit in the north of the state of Minas Gerais. The data were collected in 2015. Demographic and socioeconomic variables, morbidity, hospitalizations in the previous year, frailty (Edmonton Frail Scale), geriatric depression (GDS-15), and functional disability (Katz Index, Lawton and Brody Scales) were analyzed. Multiple analysis was performed using Poisson regression with robust variance.

Results:

360 elderly people aged 65 years and over participated in the study. The prevalence of functional disability for Basic Activities of Daily Living was 21.4% while for instrumental activities it was 78.3%. Functional disability in basic activities was higher among elderly males (p=0.03) who had suffered strokes (p=0.00) and were frail (p=0.00), while for instrumental activities it was higher among older elderly persons (p=0.04); who were illiterate (p=0.00), had less than five years of schooling (p=0.02); had depressive symptoms (p=0.00) and were frail (p=0.00). It was lower among elderly persons who lived alone.

Conclusion:

A high prevalence of functional disability was identified among the elderly for instrumental activities of daily living, demonstrating the need for an effective and immediate approach by health professionals, who should employ preventive care in order to tackle this problem.

Keywords:
Health of the Elderly; Activities of Daily Living; Functionality

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento populacional ocorre mundialmente, nos países desenvolvidos, de modo gradual; enquanto que nos países em desenvolvimento, como o Brasil, apresenta-se de forma acelerada¹. Com essa expansão, os anos a mais de sobrevida devem ser visualizados de modo qualitativo, uma vez que é essencial disponibilizar ao idoso melhores condições de saúde, para que tenham um envelhecimento ativo, saudável e funcional na realização de suas necessidades, pelo período mais duradouro possível².

A capacidade funcional é definida como um conjunto de competências físicas e mentais essenciais para executar, sem auxílio, as atividades da vida diária. Para os idosos essa questão significa que estão aptos para desenvolver atividades e tomar decisões do seu cotidiano. Em contrapartida, a incapacidade funcional representa a dependência desse indivíduo em realizar tais tarefas³.

Essas tarefas são divididas em três categorias: Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), que abrangem as ações básicas de autocuidado e são determinadas por saúde, trabalho, lazer e autoconhecimento. As Atividades Avançadas de Vida Diária (AAVD) constituem um conjunto de atividades de lazer independentes do trabalho, atividades educacionais, participação social e que dependem de motivação pessoal. Já as Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), referem-se à capacidade de realizar serviços mais complexos e, portanto, estão associadas à autonomia do idoso, tendo em vista que para exercer essas atividades é necessário alguma independência. As AIVD são caracterizadas pelo trabalho e socialização, que inclui reunir-se com os amigos e participação na comunidade^3,4.

Tendo em vista que a incapacidade funcional pode reduzir a autonomia na execução de atividades básicas e instrumentais é importante investigar qual o impacto dessa condição para a vida dos idosos e para os serviços de saúde. Percebe-se que avaliar a incapacidade funcional de idosos é relevante, pois pode fornecer suporte para nortear uma assistência de qualidade dos serviços de saúde⁵.

O objetivo do estudo foi estimar a prevalência e os fatores sociodemográficos e de saúde autorrelatas associados à incapacidade funcional para as atividades básicas e instrumentais da vida diária entre idosos.

MÉTODO

Este estudo de delineamento transversal e analítico foi desenvolvido em um Centro de Referência à Saúde do Idoso para atendimento ambulatorial, localizado no norte do Estado de Minas Gerais, Brasil. A região norte do Estado de Minas Gerais apresenta baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), similares aos do Nordeste do Brasil. É uma região de vulnerabilidade social muito singular⁶. Assim, mesmo uma cidade de médio porte compartilha de condições específicas, as quais sinalizam para necessidade de estudos com foco em suas particularidades.

Participaram do estudo idosos com mais de 65 anos que estavam em atendimento, no período de maio a julho de 2015. O grupo avaliado foi selecionado a partir de amostragem de conveniência, não intencional, de acordo com a demanda atendida, considerando a dificuldade de seleção aleatória.

Para o cálculo do tamanho da amostra foi aplicado a um nível de significância de 5%, equivalendo a um intervalo de confiança de 95% e erro tolerável de amostragem de 3%. Essa primeira estimativa de tamanho amostral foi aumentada em 20%, a fim de explorar associações ajustadas entre as variáveis independentes e a incapacidade funcional. O número mínimo foi de 360 idosos.

A amostra populacional foi constituída pelos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 65 anos; estar em atendimento no Centro de Referência em Saúde do Idoso. Teve como critérios de exclusão: incapacidade, segundo a avaliação da família ou deficit auditivo não corrigido que impedisse o entendimento das perguntas. A incapacidade, segundo a avaliação da família foi tomada como medida plausível diante da complexidade de se aplicar um instrumento específico para tal avaliação. Nesse caso, antes do início da entrevista, o instrumento de coleta de dados foi apresentado para os familiares, que julgaram se o idoso tinha condição de respondê-lo.

Para se realizar a entrevista multidimensional com a população-alvo os entrevistadores foram previamente treinados e calibrados (Kappa ≥ 0,8). A coleta de dados ocorreu no Centro de Referência à Saúde do Idoso compreendendo os turnos matutino e vespertino.

Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram baseados em estudos similares^6,7 e previamente testados em estudo-piloto no mesmo local com 20 idosos não incluídos na análise. Para a coleta de dados utilizou-se os seguintes instrumentos: escalas de ABVD (Índice de Katz⁸) e de AIVD (Escala de Lawton e Brody⁹); Escala de Edmonton Frail Scale¹⁰, incluindo o Teste do Desenho do Relógio¹¹ que compõe essa escala; Escala de Depressão Geriátrica¹² e um questionário aplicado ao idoso contendo variáveis sociodemográficas, epidemiológicas e clínicas.

As variáveis independentes sociodemográficas foram: sexo; faixa etária (65-79 anos e ≥80 anos); cor da pele autorreferida (branca e não-branca); situação conjugal (com companheiro e sem companheiro); condição de residir sozinho ou com cônjuge, familiares ou amigos; escolaridade (até 4 anos de estudo e maior que 5 anos de estudo); sabe ler (sim e não); renda familiar mensal (até um salário mínimo e maior que um salário mínimo).

Os aspectos clínicos referem-se à presença de doenças crônicas não transmissíveis autorrelatadas e aferidas por meio de aplicação de questionário ao idoso (diabetes mellitus; doença cardíaca; doenças osteoarticulares; acidente vascular cerebral); sintomas depressivos, segundo pontuação na Escala de Depressão Geriátrica - ≥6 pontos e <6 pontos¹²; registro de queda; internação no último ano e grau de fragilidade.

A fragilidade foi avaliada segundo pontuação pela Escala de Edmonton Frail Scale - EFS¹⁰, a qual aborda a cognição; estado de saúde; independência funcional; suporte social; uso de medicação; nutrição; humor; continência urinária e desempenho funcional. Tais domínios são organizados em 11 itens, e a escala possui escore de 0 a 17. A EFS classifica o idoso como não frágil quando possui 0-4 pontos; aqueles que são considerados suscetíveis à fragilidade possuem pontuação de 5-6 pontos; indivíduos com 7-8 pontos são inseridos em fragilidade leve; aqueles com escore de 9-10 possuem fragilidade moderada e idosos com pontuação ≥11 pontos são classificados como fragilidade severa¹⁰. No presente estudo, para a análise dos dados, os resultados da variável independente foram dicotomizados em dois níveis: sem fragilidade (escore final ≤ 6) e com fragilidade (escore final >6).

A cognição foi avaliada por meio do Teste do Desenho do Relógio (TDR), contido no instrumento de avaliação da fragilidade. A interpretação ocorre pelo escore de 0 a 5. O desenho que se adequar ao escore 5 equivale a um relógio perfeito, permitindo-se leves desvios em relação a posição e espaço dos números; e o escore 0 é atribuído aos indivíduos que não conseguem representar o relógio de forma razoável ou que recusaram realizar o teste¹¹. O TDR não foi incluído na análise bivariada e múltipla em função de sua relação com incapacidade funcional já ser bem descrita na literatura. A não inclusão dessa variável no modelo estatístico de análise pode permitir a expressão de variáveis ainda pouco conhecidas e precisam ser discutidas.

A incapacidade funcional, variável dependente, foi definida pelas limitações nas ABVD, que foram mensuradas pelo Índice de Katz⁸. As limitações nas AIVD foram avaliadas pela Escala de Lawton e Brody⁹, que é composta por itens mais complexos no dia-a-dia⁹. Com base na escala de Lawton e Brody⁹, os idosos são classificados como independentes para as AIVD quando obtêm escore de 27 pontos e aqueles com pontuação ≤26 pontos são dependentes¹³_.

O índice de Katz estabelece uma pontuação entre 0 a 3 pontos, sendo o idoso completamente independente para as ABVD quando possui um escore 0; com pontuação 1 o indivíduo necessita de auxílio de algum acessório (bengalas, barras, apoio em móveis) para a realização das atividades; com 2 pontos é essencial a ajuda humana para executar as tarefas, e idosos com 3 pontos nas ABVD são classificados como completamente dependentes⁸. Tanto a escala de ABVD quanto de AIVD são recomendadas pelo Ministério da Saúde, e foram validadas e adaptadas para a realidade brasileira¹³.

Para o cálculo de significância estatística da associação, utilizou-se o Teste Qui-quadrado. Foram calculadas razões de prevalência (RP) para investigar a existência de associações entre as variáveis independentes e a incapacidade funcional. As razões de prevalências ajustadas foram obtidas por meio da análise múltipla de regressão de Poisson com variância robusta, considerando as variáveis independentes que estiveram mais fortemente associadas com a incapacidade funcional na análise bivariada (até o nível de significância menor que 0,20). Para a análise final, considerou-se um nível de significância final de 0,05 (p<0,05).

As informações coletadas foram analisadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0 (SPSS for Windows, Chicago, EUA). As variáveis com p-valor ≤0,05 foram consideradas como de associação estatisticamente significante.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros - Parecer nº 1.003.534, de modo que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram entrevistados 360 idosos, desses 78,1% eram do sexo feminino. A faixa etária prevalente foi de 65 a 79 anos [média de 75,14; (±7,6) anos]. Entre esses idosos verificou-se que 58,6% eram alfabetizados; porém, 85,8% apresentavam baixa escolaridade com até quatro anos de estudo; 62,5% dos idosos se autodeclararam ser de cor não branca; 68,1% possuem renda familiar composta por mais de um salário mínimo e 83,1% residiam com o cônjuge ou algum familiar.

Verificou-se que 21,4% dos idosos apresentaram incapacidade funcional para as ABVD, enquanto que 78,3% possuíam incapacidade na realização das AIVD. A avaliação da cognição por meio do TDR mostrou que 79,2% dos idosos avaliados apresentaram algum grau de declínio cognitivo.

As análises bivariadas entre incapacidade funcional para ABVD e AIVD e as demais variáveis são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Análises bivariadas entre grau de dependência para ABVD e AIVD e as variáveis independentes, em idosos assistidos no Centro de Referência à Saúde do Idoso (N=360), Montes Claros, MG, Brasil, 2015.

Variáveis Independentes	Atividades Básicas de Vida Diária		p-valor	Atividades Instrumentais de Vida Diária		p-valor
	DEP*	IND**		DEP	IND
	n(%)	n(%)		n(%)	n(%)
Sexo			0,021			0,33
Masculino	24 (30,4)	55(69,6)		65(82,3)	14(17,7)
Feminino	53(18,9)	228(81,1)		217(77,2)	64(22,8)
Idade (anos)			0,232			<0,001
Até 79	54(19,9)	217(80,1)		201(74,2)	70(25,8)
80 e mais	23(25,8)	66(74,2)		81(91,0)	8(9,0)
Cor da pele			0,813			0,121
Branca	28(20,7)	107(79,3)		100(74,1)	35(25,9)
Outras	49(21,8)	176(78,2)		182(80,9)	43(19,1)
Estado Civil			0,461			0,534
Com companheiro	34(23,3)	112(76,7)		112(76,7)	34(23,3)
Sem companheiro	43(20,1)	171(79,9)		170(79,4)	44(20,6)
Sabe ler			0,412			<0,001
Sim	42(19,9)	169(80,1)		148(70,1)	63(29,9)
Não	35(23,5)	114(76,5)		134(89,9)	15(10,1)
Escolaridade (anos)			0,684			<0,001
5 e mais	12(23,5)	39(76,5)		23(45,1)	28(54,9)
Até 4	65(21,0)	244(79,0)		259(83,8)	50(16,2)
Arranjo familiar			0,011			<0,001
Reside com cônjuge, familiares ou amigos	71(23,7)	228(76,3)		242(80,9)	57(19,1)
Reside sozinho	6(9,8)	55(90,2)		40(65,6)	21(34,4)
Possui renda própria			0,951			0,392
Sim	75(21,4)	276(78,6)		276(78,6)	75(21,4)
Não	2(22,2)	7(77,8)		6(66,7)	3(33,3)
Renda familiar categorizada (salário mínimo)			0,911			0,564
Mais de 1	52(21,2)	193(78,8)		194(79,2)	51(20,8)
Até 1	25(21,7)	90(78,3)		88(76,5)	27(23,5)
Tem diabetes			0,901			0,181
Sim	16(21,9)	57(78,1)		53(72,6)	20(27,4)
Não	61(21,3)	226(78,7)		229(79,8)	58(20,2)
Problema cardíaco			0,731			0,333
Sim	18(22,8)	61(77,2)		65(82,3)	14(17,7)
Não	59(21,0)	222(79,0)		217(77,2)	64(22,8)
Tumor maligno			0,713			0,126
Sim	4(25,0)	12(75,0)		15(93,8)	1(6,2)
Não	73(21,2)	271(78,8)		267(77,6)	77(22,4)
Doença osteoarticular			0,564			0,082
Sim	36(22,8)	122(77,2)		117(74,1)	41(25,9)
Não	41(20,3)	161(79,7)		165(81,7)	37(18,3)
Osteoporose
Sim	30(24,4)	93(75,6)	0,312	95(77,2)	28(22,8)	0,714
Não	47(19,8)	190(80,2)		187(78,9)	50(21,1)
Acidente Vascular Cerebral
Sim	20(52,6)	18(47,4)	<0,001	34(89,5)	4(10,5)	0,071
Não	57(17,7)	265(82,3)		248(77,0)	74(23,0)
Sintomas de Depressão			0,012			0,011
Não apresenta	39(17,3)	187(82,7)		157(69,5)	69(30,5)
Apresenta	38(28,4)	96(71,6)		125(93,3)	9(6,7)
Quedas			0,064			0,091
Não	28(17,1)	136(82,9)		122(74,4)	42(25,6)
Sim	49(25,0)	147(75,0)		160(81,6)	36(18,4)
Internação			<0,001			0,431
Nenhuma	52(18,3)	232(81,7)		220(77,5)	64(22,5)
Uma ou mais	25(32,9)	51(67,1)		62(81,6)	14(18,4)
Fragilidade
Não frágil	15(7,9)	175(92,1)	<0,001	119(62,6)	71(37,4)	0,001
Frágil	62(36,5)	108(63,5)		163(95,9)	7(4,1)

• *Dependente; ** Independente.

Identificou-se associação no nível de 20% (p<0,20) entre as ABVD e as variáveis: sexo; arranjo familiar; sintomatologia depressiva; Acidente Vascular Cerebral/Derrame (AVC); quedas; internação e fragilidade. Para as AIVD houve associações com escolaridade; arranjo familiar; saber ler (alfabetização); idade; diabetes; sintomas de depressão e fragilidade (Tabela 1).

A prevalência da incapacidade funcional para as ABVD foi maior entre idosos do sexo masculino que sofreram AVC e classificados como frágeis (Tabela 2).

Tabela 2
Fatores associados à incapacidade funcional para as ABVD entre idosos assistidos no Centro de Referência à Saúde do Idoso (N=360) (Análise Múltipla). Montes Claros, MG, Brasil, 2015.

Variáveis Independentes	RP ajustada*	IC 95%**	p valor
Sexo
Feminino	1		0,03
Masculino	1,08	1,00-1,17
Acidente Vascular Cerebral
Não	1		0,00
Sim	1,20	1,08-1,32
Fragilidade
Não	1		0,00
Sim	1,24	1,16-1,32

• *RP: Regressão de Poisson, com variância robusta; **IC: Intervalo de Confiança.

A incapacidade funcional para as AIVD foi maior entre os idosos mais longevos; que não sabiam ler, com menos de cinco anos de estudo; que apresentaram sintomas depressivos e classificados como frágeis; e menor entre os idosos que residem sozinhos, se comparados aos que residem com cônjuge ou familiares (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores associados à incapacidade funcional para as AIVD entre idosos assistidos no Centro de Referência à Saúde do Idoso (N=360, Análise Múltipla), Montes Claros, MG, Brasil, 2015.

Variáveis Independentes	RP ajustada*	IC 95%**	p valor
Idade (anos)
Até 79	1		0,04
80 e mais	1, 06	1,00-1,14
Saber Ler
Sim	1		0,00
Não	1,09	1,02-1,16
Escolaridade (anos)
5 e mais	1		0,02
Até 4	1,22	1,12-1,34
Arranjo Familiar
Reside com cônjuge, familiares ou amigos	1		0,00
Reside sozinho	0,91	0,84-0,98
Depressão
Não	1		0,00
Sim	1,09	1,03-1,16
Fragilidade
Não	1		0,00
Sim	1,22	1,15-1,30

• *RP: Regressão de Poisson, com variância robusta; **IC: Intervalo de Confiança.

DISCUSSÃO

Esta investigação possibilitou estimar a prevalência de incapacidade funcional em relação às atividades básicas e instrumentais de vida diária entre os idosos atendidos por um Centro de Referência à Saúde do Idoso. Além de permitir uma discussão acerca dos fatores que sociodemográficos e inerentes à saúde dos idosos que podem impactar na incapacidade funcional.

A incapacidade funcional para as ABVD foi de 21,4%, semelhante ao encontrado no estudo realizado em Uberaba-Minas Gerais (MG), no qual 17,6% dos idosos apresentavam limitação na execução destas atividades⁴. A incapacidade funcional para as AIVD foi de 78,3%, resultado este, superior ao encontrado em estudos distintos realizados nos anos de 2010 e 2012 em Uberaba (MG), os quais verificaram que 46,3% e 65,9% dos idosos, respectivamente, apresentavam incapacidade para as atividades instrumentais ao serem comparadas^4,14. Tal fato pode ser devido as AIVD exigirem maior integridade física e cognitiva quando comparadas às atividades básicas¹⁵.

O declínio da capacidade funcional, geralmente, pode estar associado a variáveis sociodemográficas¹⁵_, como observado no presente estudo. Verificou-se que a incapacidade funcional para as ABVD esteve associada ao sexo masculino, presença de sequelas de AVC e a fragilidade. Quanto às AIVD, entre aqueles que residiam sozinhos, foi observada menor incapacidade funcional. Já entre idosos mais longevos; com menor escolaridade, que não sabiam ler e que apresentavam sintomas depressivos foi identificada maior incapacidade funcional.

Quanto a relação entre sexo masculino e maior incapacidade funcional para as atividades básicas, é importante atentar para as questões de gênero. Pois em função de questões culturais muitos homens não realizam ou solicitam auxílio para executar as atividades básicas que incluem atividades domésticas. Portanto, a maior incapacidade funcional no sexo masculino pode ser em função de questões socioculturais e não somente relacionadas ao declínio funcional. Pode-se elencar, ainda, como prováveis fatores contribuintes para a incapacidade funcional nos homens, a maior exposição a comportamentos de risco em trabalhos que exigem maior esforço; tabagismo; ingesta rotineira de bebidas alcóolicas e, consequentemente, ocorrência de adoecimentos crônicos^16,17. Em estudo realizado em Itajurú, Bahia (BA), também foi observado que o sexo masculino, em sua maioria, apresentou incapacidade funcional para a execução destas atividades¹⁶.

Embora, neste estudo, a incapacidade funcional ter afetado predominantemente os homens, encontra-se mais comumente na literatura o sexo feminino como o mais acometido pela incapacidade funcional³. Esse fato ocorre devido o envelhecimento acontecer em ritmos diferentes nos sexos masculino e feminino, visto que os homens estão mais suscetíveis a doenças de maior letalidade como isquêmicas cardíacas, enquanto que as mulheres idosas adquirem morbidades de baixo índice de mortalidade, no entanto, são crônicas e podem levar à incapacidade funcional. Além disso, as idosas buscam com maior frequência os serviços de saúde, utilizam mais medicamentos e apresentam maior adesão aos planos de intervenção¹³.

Os idosos com histórico de AVC mostraram incapacidade funcional para a execução das ABVD. Resultado semelhante ao encontrado em Goiânia-Goiás (GO)¹⁸. Desse modo, a incapacidade funcional relacionada ao AVC pode ser esclarecida pelo fato de esse gerar consequências motoras e sensitivas no indivíduo, o que resulta em uma maior complexidade do idoso conseguir deambular de forma independente e realizar tarefas básicas de autocuidado¹⁹.

Quanto a maior incapacidade funcional para AIVD entre idosos longevos, esse achado é similar ao estudo desenvolvido nos municípios de Ilhéus (BA), Caratinga (MG) e Nova Santa Rosa-Paraná (PR)²⁰. Com o decorrer da idade a capacidade funcional pode sofrer declínio, ocorrendo das atividades mais complexas para as menos laboriosas, visto que a capacidade de executar uma tarefa exige a agregação dos diferentes sistemas fisioló gicos¹. No presente estudo não foi encontrada associação entre incapacidade funcional e ABVDs. Resultados diferentes foram identificados nos estudos realizados em Teresina (PI) e em Montes Claros (MG), os quais verificaram que a idade apresentava associação com incapacidade funcional tanto para as ABVD quanto para as AIVD^21,1.

Nesta investigação, os idosos que não sabiam ler e que possuíam poucos anos de escolaridade apresentaram incapacidade funcional para as AIVD, semelhante ao verificado em pesquisa multicêntrica que entrevistou idosos nos municípios do Rio de Janeiro (RJ), Juiz de Fora (MG), Campo Grande-Mato Grosso do Sul (MS) e Cuiabá-Mato Grosso (MT)²². Este achado justifica-se pelo fato das atividades instrumentais demandarem do idoso certo nível de alfabetização, visto que possuem um grau de dificuldade maior para sua completa execução²².

A escolaridade e alfabetização apresentam influência no declínio cognitivo do idoso, o que pode ser observado pela pesquisa que avaliou idosos institucionalizados em Araxá (MG), a qual verificou que os idosos com menores níveis de escolaridade apresentavam um maior comprometimento cognitivo, o que repercute na incapacidade funcional²³.

Os sintomas depressivos estiveram associados à incapacidade funcional para as AIVD, e tal achado corrobora com estudo desenvolvido em Montes Claros (MG), ao identificar que os idosos com sintomatologia depressiva apresentavam incapacidade funcional apenas para as atividades instrumentais⁷. No presente estudo a presença de sintomas depressivos não foi associada a incapacidade funcional para as ABVD. Contrapõe-se a este estudo, pesquisa realizada em Santo Antonio de Jesus (BA), na qual se observou incapacidade funcional tanto para as ABVD quanto para as AIVD em indivíduos que manifestavam sintomas de depressão²⁴. A incapacidade funcional relacionada aos sintomas depressivos se deve ao fato de que as atividades, principalmente as instrumentais exigirem maior organização e articulação da execução das tarefas, o que envolve também a interação social²⁴.

Em relação ao arranjo familiar, verificou-se maior prevalência de incapacidade funcional para as AIVD entre os idosos investigados que viviam acompanhados. Esse resultado foi semelhante ao estudo realizado nos municípios de Ilhéus (BA), Caratinga (MG) e Nova Santa Rosa (PR), nos quais constatou-se que os idosos possuíam incapacidade funcional apenas para as AIVD²⁰. Segundo a literatura, idosos que residem com parentes, principalmente se a estrutura do arranjo familiar for multigeracional, manifestam maior possibilidade de apresentar declínio na capacidade funcional para realização das AIVD. Pode ser elencado como provável justificativa o fato desses idosos serem privados da elaboração de tarefas que demandam maior nível de complexidade²⁰. Ou seja, pode não haver declínio funcional, mas sim autonomia limitada.

No presente estudo a fragilidade foi determinante da incapacidade funcional tanto para as ABVD quanto para as AIVD. Essa associação entre fragilidade e incapacidade funcional, foi semelhante à pesquisa realizada em Curitiba (PR)²⁵. Em vista disso, uma provável justificativa seria o fato de o idoso frágil manifestar maiores limitações para exercer tarefas diárias, havendo assim, um declínio inicial das atividades mais complexas que exigem uma maior habilidade para desenvolvimento e posteriormente o idoso pode manifestar dificuldade na realização de atividades de autocuidado^25,26. Porém, resultados diferentes foram encontrados em estudo desenvolvido em São Carlos-São Paulo (SP), em que a fragilidade estava associada apenas as AIVD²⁶.

Em relação a cognição, pôde-se verificar que os idosos manifestaram desempenho cognitivo comprometido, semelhante ao encontrado em pesquisa realizada em Embu (SP), onde observou-se que 69,9% dos idosos avaliados obtiveram resultado negativo no teste. A reprovação no TDR pode ser influenciada pelo nível de escolaridade reduzido, visto que para a elaboração do relógio e interpretação das horas é necessário o conhecimento dos números²⁷.

A relevância do TDR está em avaliar diversas áreas cognitivas, tais como memória; compreensão verbal; capacidade de planejamento; habilidade visuoconstrucional; praxia e função visuo-espacial, de modo que pode apontar alterações no funcionamento dos lobos frontais e temporoparietais²⁸.

Algumas limitações foram verificadas no presente estudo: o delineamento metodológico transversal que dificulta a determinação de relação causal entre incapacidade funcional em idosos e as variáveis predisponentes citadas nesta pesquisa. Além do local de estudo se tratar de um centro de referência à saúde do idoso, determinando a amostra como de conveniência, o que restringe a validade externa, visto que os resultados poderão ser extrapolados apenas para populações semelhantes. Também as informações de saúde serem autorreferidas pelo idoso.

Contudo, apesar dessas limitações, este estudo apresenta amostra satisfatória necessária para o ajuste dos modelos de regressão, e contou com a utilização de instrumentos padronizados, já adaptados a cultura brasileira. Destaca-se que pesquisas com metodologia transversal são necessárias como subsídio para a elaboração de estratégias públicas locais, em razão de propiciarem informações de modo mais ágil e que contribuem para monitorar as condições de saúde das pessoas.

Deste modo, ao se conhecer melhor o perfil dos idosos que são atendidos no cenário deste estudo foi identificado que boa parte deles apresenta incapacidade funcional para alguma atividade. Isso demonstra a necessidade de profissionais de saúde com formação adequada para que estejam aptos a utilizar os instrumentos que classificam a funcionalidade do idoso. O que poderia possibilitar intervenções precoces a fim de minimizar os efeitos da incapacidade funcional na qualidade de vida dessa clientela.

CONCLUSÃO

Entre os idosos atendidos em um Centro de Referência à Saúde em Montes Claros, Minas Gerais, foram fatores determinantes da incapacidade funcional para Atividades Básicas de Vida Diária ser do sexo masculino e ter sofrido Acidente Vascular Cerebral e a incapacidade funcional para Atividades Instrumentais de Vida Diária foi determinada por saber ler; ser mais longevos; apresentar sintomas depressivos e residir com cônjuges, familiares ou amigos. Por fim, a incapacidade funcional tanto para Atividades Básicas quanto para Atividades Instrumentais foi determinada pela fragilidade entre os idosos avaliados. Verificou-se também algum grau de comprometimento cognitivo entre grande parte dos idosos.

Diante disso, é essencial que profissional de saúde aproprie-se do seu conhecimento e do seu papel no atendimento ao idoso, fazendo uso de suas ferramentas e sistematizando o cuidado, de modo que garanta a sua autonomia na avaliação integral dessa clientela, além de aplicar intervenções em situações de risco ao idoso.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  03 Set 2018
• Aceito
  18 Abr 2019