Resumo
Objetivo:
analisar as dimensões atribuídas por gestores e profissionais às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI).
Método:
pesquisa descritivo-exploratória, de abordagem qualitativa, realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, por meio de entrevistas e 10 grupos focais com 51 gestores municipais e 62 profissionais atuantes. A análise deu-se pelo conteúdo das entrevistas.
Resultados:
A partir do agrupamento dos temas recorrentes emergiram três diferentes dimensões que explicitaram os consensos e contradições presentes no material empírico: a) ILPI e a perpetuação do espaço asilar, b) ILPI como espaço de tratamento e c) Um domicílio: convergências e divergências na ILPI. Inicialmente, são evidenciados achados referentes à definição política sobre as ILPI vinculadas diretamente aos órgãos sociais. Na segunda categoria, as ILPI são conotadas negativamente perpetuando-se o estigma da denominação de “asilo” que ainda repercute no seu cotidiano. Como espaço de tratamento, as ILPI são tidas como estabelecimentos de saúde em decorrência dos serviços ofertados e da presença de profissionais de saúde na rotina na instituição. Numa terceira análise, são reconhecidas como um domicílio, fundamentada na legislação vigente que aponta a ILPI como espaço coletivo de caráter residencial.
Conclusão:
faz-se necessária a discussão de diferentes atributos dados às ILPI com o intuito de efetivação de ações resolutivas no cuidado ao idoso institucionalizado. Ressalta-se a importância de se pensar no direito à saúde desses idosos e a necessidade de compreensão do modo como os idosos habitam esse espaço.
Palavras-chave:
Envelhecimento; Idoso; Instituição de Longa Permanência para Idosos
Abstract
Objective:
to analyze the dimensions assigned to long term care facilities for the elderly (LTCFs) by managers and health professionals.
Method:
a descriptive-exploratory study with a qualitative approach was conducted in the metropolitan area of Belo Horizonte, through ten focus groups with 51 managers and health professionals. Analysis was based on the content of the interviews.
Results:
considering the most common themes, three empirical categories emerged that explained the consensuses and contradictions present in the empirical material: a) the LTCF and the perpetuation of the asylum space; b) the LTCF as a space for health treatment c) a home: convergences and contradictions in the LTCF. Initially, findings relating to the political definition of the LTCF directly linked to social organs are evidenced. In the second category, LTCFs are described negatively, perpetuating the stigma of the term "asylum" which still reverberates in their daily lives. As a treatment space, LTCFs are considered health facilities due to the services offered and the presence of health professionals on a daily basis. In the third analysis, they are recognized as a home, based on current legislation that describes the LTCF as a collective, residential area.
Conclusion:
it is important to discuss the different attributes given to the LTCF to create resolutive actions in the care of the institutionalized elderly. The importance of thinking about the rights to health of the elderly and the need to understand how they inhabit this space is also emphasized.
Keywords:
Aging; Elderly; Home for the Aged
INTRODUÇÃO
Frente ao rápido processo de transição demográfica, faz-se necessário o incremento de dispositivos de cuidado de longa duração para a população que envelhece. Esse cuidado, por sua vez, é caracterizado como um conjunto de ações, geralmente fornecido ao longo de um período, no domicílio ou na comunidade, com o intuito de garantir a continuidade de vida com qualidade11 Camarano AM. Cuidados de longa Duração para a população idosa: família ou Instituição de Longa Permanência? Sinais Sociais. 2008;3(7):10-39.
2 Camarano AA, Mello JL. Cuidados de longa duração no Brasil: o arcabouço legal e as ações governamentais. In: Camarano AA, organizadora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 67-91.-33 Silva HS, Gutierrez BAO. Cuidados de longa duração na velhice: desafios para o cuidado centrado no indivíduo. Terceira Idade. 2013;24(57):7-17.. Neste contexto, as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) configuram-se como um importante dispositivo de cuidado não familiar para o idoso.
Entretanto, no Brasil, não há um consenso acerca da definição de uma ILPI, sendo-lhe atribuídas diferentes nomenclaturas e conceitos. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), as ILPI são instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas ao domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar44 Brasil. RDC/ANVISA nº 283, de 26 de setembro de 2005. Resolução da Diretoria Colegiada. Regulamento técnico para o funcionamento das instituições de longa permanência para idosos. ANVISA. 26 set. 2005..
Para o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)55 Brasil. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial da União. 25 nov. 2009. Seção 1. p. 82., as ILPI são serviços de alta complexidade destinados a idosos que não possuem condições de permanecer com a família, em situação de rua, abandono, violência ou negligência. Outros órgãos também associam as ILPI a estabelecimentos de saúde devido à similaridade dos serviços nelas ofertados66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514..
Diante do expressivo aumento de ILPI e da constante demanda de dispositivos de cuidado, a garantia do atendimento integral ao idoso institucionalizado deve basear-se em uma direcionalidade política, por sua vez mista, envolvendo políticas sociais e a saúde. Inúmeros países já apresentam políticas bem estruturadas e organizadas que consideram a premissa da institucionalização como parte integrante do planejamento e gestão em saúde77 Arai H, Yasuyoshi O, Toba K, Endo T, Shimokado K, Tsubota K, et al. Japan as the front-runner of super-aged societies: perspectives from medicine and medical care in Japan. Geriatr Gerontol Int. 2015;15(6):673-87.
8 Montague T, Gogovor A, Marshall L, Cochrane B, Ahmed S, Torr E, et al. Searching for best direction in healthcare: distilling opportunities, priorities and responsibilities. Healthc Q. 2016;19(3):44-9.-99 Montague T, Gogovor A, Aylen J, Ashley L, Ahmed S, Martin L, et al. Patient-Centred care in Canada: key components and the Path Forward. Healthc Q. 2017;20(1):50-6..
Nesta vertente, o alcance dessa realidade ainda é um desafio no Brasil. A gestão e a inclusão desses serviços na agenda de prioridades em saúde fazem-se urgentemente necessárias como garantia dos princípios e diretrizes que regem o Sistema Único de Saúde brasileiro.
Deste modo, a formulação de políticas públicas e, consequentemente, o cuidado ofertado ao idoso parecem estar relacionados ao entendimento que os diversos atores envolvidos têm acerca do papel que as ILPI desempenham e da relevância desse equipamento na rede de saúde e social. Acredita-se que os sentidos e dimensões atribuídas por gerentes, coordenadores e formuladores de politicas públicas possam repercutir no estabelecimento de prioridades e no modelo de assistência ofertado aos idosos nas suas mais variadas formas. Entendem-se como dimensões os múltiplos sentidos e significados atribuídos às ILPI, fundamentais de serem compreendidos em uma perspectiva política e assistencial, norteadora das práticas de cuidado.
Nesta perspectiva, este estudo teve por objetivo analisar as dimensões atribuídas por gestores municipais e profissionais às ILPI na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, desenvolvido a partir da pesquisa “Qualidade de vida do idoso institucionalizado: aspectos da promoção da saúde”, realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), entre 2014 e 2017. A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado com 51 gestores públicos municipais e estaduais da RMBH sobre a direcionalidade política para a atenção ao idoso, além de 62 profissionais de 52 ILPI, que participaram de 10 grupos focais, com o objetivo de conhecer suas percepções sobre a promoção da saúde do idoso institucionalizado e as ações desenvolvidas.
A codificação das entrevistas foi realizada da seguinte maneira: E para entrevistas realizadas com roteiro com gestores públicos; GF para os grupos focais com profissionais e gerentes das ILPI, seguido de um número atribuído sequencialmente.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (CAAE: 31471114.4.0000.5137), sendo que todos os participantes consentiram e assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para análise dos dados, seguiram-se as etapas da análise de conteúdo propostas por Bardin1010 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009., que consistiu na organização do material empírico, transcrição dos discursos obtidos, leituras exaustivas dos discursos, buscando apreender as ideias centrais que tentam transmitir, bem como os conteúdos relevantes. Após o estabelecimento das ideias centrais, realizou-se a leitura vertical e horizontal, e a aproximação das ideias semelhantes deu origem aos temas. Adotou-se a Hermenêutica-Dialética, como referencial de análise, buscando apreender a prática social dos indivíduos em seu movimento de consensos e contradições, considerando a realidade vivida e condicionados à historicidade, tendo como ponto de partida a manutenção e a extensão da intersubjetividade de uma intenção possível como núcleo orientador da ação1111 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007..
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do agrupamento dos temas recorrentes emergiram três diferentes dimensões que explicitaram os consensos e contradições presentes no material empírico: a) ILPI e a perpetuação do espaço asilar, b) ILPI como espaço de tratamento e c) Um domicílio: convergências e divergências na ILPI.
ILPI e a perpetuação do espaço asilar
Atualmente, o termo asilo não tem sido mais empregado em função de sua associação pejorativa como locais onde idosos carentes e sem suporte familiar são acolhidos por filantropos.
Apesar da conhecida mudança da nomenclatura de asilo para Instituição de Longa Permanência para Idosos, sugerida pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, a análise das falas dos sujeitos aponta que mesmo após a mudança de denominação, perdura forte “herança” de dimensão asilar, que, por conseguinte, perpetua o estigma:
“[...] Porque, eu falo isso porque a maioria das vezes é o que todos aqui falaram a casa de repouso para idosos né é... muito tachada ai como asilo, asilar”. (GF8)
“[...] No momento dessa transição, sair do seio da família para uma instituição, eu acho que, por si só, é um marco que, na maioria das vezes, os que atendemos, é um marco negativo. As pessoas ainda têm uma visão asilar das ILPI” (GF8)
“[...] Porque eu não moro lá, morada coletiva é delas então são elas que precisam falar, que aquele espaço ali não é um lugar de asilo, eu falo sempre isso, que ali não é asilo, que não é depósito para idoso, aqui vocês não vieram para morrer e sim para viver né, então sempre eu vou enfatizando isso para elas né.” (GF10)
Na tentativa de minimizar os prejuízos causados ao idoso e à família pela denominação “asilo”, outros sinônimos surgiram como denominações dadas a esses locais: casa para repouso e lar para idosos, por exemplo. Porém, discute-se que o lugar ocupado pelas ILPI no imaginário social vai muito além dos nomes atribuídos a esse local1212 Deus GLR. Discutindo o lugar das ILPI's no imaginário social: uma alternativa ou abandono? In: Moreira JO, organizador. Gerontologia e cuidado: temas e problemas para pensar o envelhecimento. Curitiba: CR; 2011. p. 81..
Estudos tendo idosos como sujeitos têm apontado que o abandono pode estar relacionado ao motivo que levou o idoso à ILPI1313 Alves-Silva JD, Scorsolini-Comin F, Santos MA. Idosos em Instituições de Longa Permanência: desenvolvimento, condições de vida e saúde. Psicologia Reflex Crít. 2013;26(4):820-30.,1414 Roquete FF, Batista CCRF, Arantes RC. Care and management demands of long-term care facilities for the elderly in Brazil: an integrative review (2004-2014). Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):286-99., e corrobora com a forma como a família e a instituição conduziram e conduzem a institucionalização. Este fato, por conseguinte, contribui para o fortalecimento do estigma fazendo-se necessário que a instituição descontrua o estereótipo negativo e seja considerada como local em que os idosos tenham seus direitos assegurados pelo Estado, pela família, pela comunidade e pela equipe de profissionais. Não obstante, apesar de diversos estudos terem sido conduzidos tendo como sujeitos a população leiga ou os próprios idosos, ao se considerar profissionais inseridos nos serviços ou mesmo aqueles que estão diretamente envolvidos com a elaboração de políticas, esperava-se que uma nova ressignificação estivesse sido elaborada acerca deste fenômeno.
Porém, como cerne dos achados deste estudo tem-se que os conhecimentos científicos parecem não serem os únicos a definir significados a respeito da construção e implementação de políticas voltadas ao idoso. Isso porque os profissionais, estejam eles atuando no âmbito da gestão ou assistência, fazem parte de grupos sociais, e, portanto, compartilham representações sobre saúde, doença, instituições, usuários e suas maneiras de agir. Ademais, têm valores, hábitos e costumes que influenciam suas práticas gerenciais e assistenciais, dando significado as mesmas. Esses significados e dimensões, por sua vez, localizam-se no registro imaginário e perduram em suas experiências profissionais1515 Barbosa JAG, Souza MCMR, Freitas MIF. A abordagem da sexualidade como aspecto essencial da atenção integral de pessoas com transtornos mentais. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(7):2165-72..
“O modelo, ainda é um modelo asilar, que vem daquela cultura tanto de manicômio como de idoso abandonado. Quem atende a família na ILPI, percebe que existe uma fuga, que é muito comum a família falar “eu estou aqui porque eu não tenho outras alternativas, então vocês são minha última opção, não dá mais”. (GF 3)
“[...] Ainda tem outros preconceitos, a família, que ainda é grande, que ainda quer questionar sobre os valores culturais. Então, essa que é a grande questão. Acho que quando se faz uma pesquisa de internet ou em redes sociais, a primeira palavra que vem é asilo. Ninguém sabe o é ILPI, a dimensão desse lugar. Até as próprias instituições tem essa dificuldade.” (GF 3)
O discurso acima revela a forma como a própria família reconhece a ILPI. Em geral, quando a família opta pela institucionalização ela já buscou por outras alternativas e, muitas das vezes, sem resolutividade. As equipes ainda estão centradas no saber médico e valores preconcebidos explicitam a sua prática. A institucionalização de idosos é colocada como o último recurso pela legislação brasileira; no entanto se desconhecem quais seriam os anteriores.
Entretanto, vale lembrar que há vozes discordantes (poucas) que não atribuem apenas uma nova nomenclatura a um mesmo espaço físico, mas o reconstroe sob novo olhar, como exemplificado nas falas seguintes:
“[...] Ainda existe, muito pela cultura, um grande desafio sobre o que é realmente uma ILPI, quais são suas verdadeiras atuações e funções daquele espaço, principalmente pensando em promoção e qualidade de vida. E também acho que essa praxe é o grande desafio, pensar em uma ILPI como um espaço de cuidado, mas um espaço acolhedor para aquele idoso, para os profissionais, para a família e todos que estão direto ou indiretamente ligados a este serviço” (GF3).
“[...] As pessoas ainda têm uma visão asilar das ILPI, até um dado momento em que elas se encontram lá dentro e começam a vivenciar aquele espaço, e faz com que eles tenham um “resignificado”. Então a ILPI passa a ser um local que eles começam até agradecer por terem ido.” (GF4)
Cabe ressaltar que o processo de ressignificação e construção de novas dimensões (perceber de uma nova maneira e dar um novo sentido aquilo que já estava formatado no nosso sistema de valores e crenças) de um dado objeto é lento e progressivo. Deste modo, é importante que os profissionais, à frente da elaboração de políticas e/ou coordenando o cuidado ao idoso, estejam abertos à construção de novos significados, pois se tratam de mudanças que envolvem modos de pensar e agir, culturalmente incorporados e que não se rompem rapidamente.
Reconhecer a ILPI como alternativa de cuidado de longa duração é possibilitar um novo olhar, novas práticas de cuidado e ressignificar esse espaço pela legislação, pela comunidade geral, pelos profissionais, familiares e idosos.
ILPI como espaço de tratamento
As ILPI são comumente associadas a estabelecimentos de saúde devido aos serviços ofertados que “cedem à demanda da assistência à saúde” em consequência do perfil dos idosos admitidos, em sua maioria, portadores de problemas de saúde em condição crônica e incapacitante. Quando institucionalizados, os idosos entram com certa autonomia e com o avançar da idade e da condição de saúde, ou até mesmo pelos cuidados prestados de modo inadequados têm a autonomia comprometida66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514., demandando mais assistência e serviços de saúde. Considerando ainda a fiscalização da Vigilância Sanitária através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 283 de 2005, as ILPI são vistoriadas como serviços de saúde, sendo os critérios muito pertinentes ao contexto hospitalar, o que sinaliza a necessidade de se avançar para uma revisão ampla dessa legislação.
No que diz respeito provimento de recursos, em âmbito político nacional, as ILPI estão inseridas na rede de serviços da assistência social66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514.. As ILPI precisam ser consideradas como equipamentos híbridos para que o financiamento também se dê pela saúde e não só da assistência social, uma vez que muitos dos profissionais ali admitidos são da área da saúde apontando para a necessidade de cuidados sistemáticos em saúde.
A correlação com os serviços de saúde foi evidentemente revelada neste estudo. Possivelmente, o histórico de sua criação tem importante papel na construção desta dimensão, uma vez que a institucionalização se iniciou com a caridade cristã, com os abrigos e as Santas Casas de Misericórdia com cunho puramente assistencialista66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514..
Destaca-se que as ILPI vinculadas à igreja católica, pentecostal ou espírita são uma realidade frequente nos municípios mapeados no estudo, sendo que, nos de menor porte, as ILPI filantrópicas são fundamentais para o cuidado aos idosos que necessitam de institucionalização.
Para os entrevistados, a ILPI é comparada a um serviço de saúde, em geral a uma clínica, onde os idosos recebem atendimento, tratamento:
“[...] Eu trabalho no grupo de estabelecimentos da saúde. A vigilância sanitária trabalha hoje com um inspetor de nível superior que é lotado nestas três áreas [...] o terceiro grupo, que é o meu, é formado por oito inspetores que trabalha com os serviços assistenciais da saúde: clinicas e de estabelecimentos de saúde; onde entram as ILPI, clinicas, consultórios, hospitais, radiodiagnóstico, comunidade terapêutica, etc.” (E2)
“[...] Viver em uma instituição, você já é privado de tudo, você tem hora para comer, hora para tomar banho, hora para cortar unha, hora para, você vive regrado.” (GF6).
Os idosos institucionalizados, além de terem acesso à moradia e alimentação, recebem atenção à saúde. Esse cenário, vasto em profissionais, retira a informalidade de um lar e, em muito, se aproxima de um ambiente hospitalar. Dessa forma, para que as ILPI mantenham características de cuidado domiciliar, requere-se, dessa equipe, organização, respeito e planejamento das ações, envolvendo os idosos nas decisões que lhe são pertinentes.
Exemplificando a dimensão trazida como espaço de tratamento, em alguns relatos de gestores e profissionais, a instituição deixa claramente de ser a casa que acolhe para ser um espaço de procedimentos e intervenções em saúde:
“[...] E hoje eu falo que existe um grande problema na ILPI... É a hospitalização do cuidado. [...] é a mesma dinâmica de hospital, né. É hora para café, hora para tomar banho [...]. Como eu já falei: ali é a casa deles, eles têm que se sentir em casa e eles se sente eternamente hospitalizados” (E2).
Para os participantes, as ILPI ainda são associadas a estabelecimento de saúde, apesar de o parágrafo único do art. 4 da PNI proibir a permanência de pessoas com doenças que necessitem de assistência médica ou de enfermagem em ILPI66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514.. Contrapondo-se à PNI, a RDC 28344 Brasil. RDC/ANVISA nº 283, de 26 de setembro de 2005. Resolução da Diretoria Colegiada. Regulamento técnico para o funcionamento das instituições de longa permanência para idosos. ANVISA. 26 set. 2005. apresenta graus de dependência do idoso e a necessidade de cuidador de acordo como perfil de cada residente, além de indicadores de qualidade do cuidado, monitoramento, e avaliação do funcionamento das instituições semelhantes aos utilizados em estabelecimentos hospitalares, como taxa de prevalência de lesão por pressão44 Brasil. RDC/ANVISA nº 283, de 26 de setembro de 2005. Resolução da Diretoria Colegiada. Regulamento técnico para o funcionamento das instituições de longa permanência para idosos. ANVISA. 26 set. 2005..
Nesta premissa, estas duas controvérsias apontam para uma indefinição política, até mesmo quanto ao público das ILPI, trazendo contradições quanto à permanência ou não de idosos que necessitam de assistência de saúde de forma contínua ou por longo prazo. Se não nas ILPI, quais seriam os outros dispositivos de cuidado capazes de prover ações de longa duração aos idosos em que a família não tem condições de cuidar? Ficariam estes idosos em internação hospitalar? Essas são questões fundamentais a serem discutidas em âmbito político face ao envelhecimento populacional e a não priorização da política de cuidado de longa duração em âmbito nacional.
Por fim, o paradoxo encontrado pode se justificar, de acordo com Camarano e Barbosa66 Camarano AA, Barbosa P. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: do que se está falando? In: Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC, organizadores. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016. p. 479-514., no fato de que as ILPI surgiram em razão das necessidades de toda a comunidade e não da implementação do Estado de uma política de cuidados de longa duração, que trazem as práticas nas instituições com um enfoque que vai além daquelas assistencialistas.
“[...] Por outro lado, a gente cai numa lógica também que é bem perversa porque a gente fala que a gente identifica algumas fragilidades nas instituições mas a gente também não tem muito um modelo, e principalmente um modelo normatizado da onde a gente quer chegar. Porque eu falar que...Tá, isso precisa melhor com base em quê, né?! A gente ainda não tem muito, e isso é um dificultador. Numa questão de um jogo político, principalmente de orçamento, uma coisa é eu garantir aquilo que está previsto em alguma lei, alguma normativa. Agora você brigar pra melhoria de um serviço, mas esses mínimos não estão previstos muito claramente, fica muito mais difícil.” (E1).
Um domicílio: convergências e divergências na ILPI
Nos relatos dos profissionais e gestores, foi possível observar, ainda, o reconhecimento da instituição como casa, lar, onde são criados laços de família entre os residentes e os profissionais, a partir da convivência e vínculo estabelecidos.
“[...] E o que eu gosto da instituição que eu trabalho é, ela não parece uma instituição, ela parece um lar, uma casa, e a gente faz o possível para manter assim, sentirem em casa, tendo liberdade, né” (GF4).
“Olha, afinidade que a gente tem é de família, lá nós nos tratamos como família.” (GF7).
Em alguns discursos foi possível inferir que, apesar de ser necessário pensar na individualidade do idoso, a rotina imposta pela instituição acaba criando horários pré-estabelecidos para refeições, banhos e outras atividades. A pouca flexibilidade, a necessidade de autorização, as justificativas impostas ao idoso pela instituição, são reconhecidas pelos participantes. No entanto, os relatos evidenciam o esforço e empenho na construção de um espaço que se assemelhe a um lar:
“Estamos nessa contra corrente da padronização porque tudo é horário, tudo tem lugar, tudo... então assim, pra mim essa força pra massificar em tudo. Então é...é ao meu ver né não só meu como psicólogo mais de colegas profissionais de área de saúde tudo isso vai contribuir ou não dependendo da visão, dependendo da disposição que a pessoa tiver pra otimização da qualidade de vida daquela pessoa.” (GF7).
“A instituição lógico que vai ser a casa do idoso, de acolher, de tentar promover mais atividades sem impor também, sair um pouco dessa imposição dos profissionais que a gente tem um horário, horário de uma oficina, horário de culto, horário de banho… é difícil, mas esse é um modelo de assistência seguro.” (GF9).
Ressalta-se que a rotina é necessária para o bom funcionamento de qualquer local, porém, quando engessadas ou com pouca flexibilidade, já não se tornam mais práticas comuns de um domicílio. Aparece no discurso dos profissionais a necessidade de um constante esforço, por parte da equipe, para fazer com que a ILPI se configure de fato como a casa do idoso. Essa contradição coloca em risco o espaço ocupado pelo idoso e sua própria autonomia. A ILPI não deveria parecer com a casa do idoso; ela deveria ser a casa do idoso com seus objetos pessoais, sua rotina, suas crenças e modo de viver respeitados e assegurados.
A partir da institucionalização, o desejo do idoso passa a ser o da instituição, ou seja, seu cotidiano associa-se de forma direta ao planejamento e organização da ILPI. Dessa forma, o idoso, sem condições de contrapor aos efeitos da institucionalização, atende a todas as demandas sem questionamento1212 Deus GLR. Discutindo o lugar das ILPI's no imaginário social: uma alternativa ou abandono? In: Moreira JO, organizador. Gerontologia e cuidado: temas e problemas para pensar o envelhecimento. Curitiba: CR; 2011. p. 81..
Para solucionar problemas com a fiscalização da vigilância sanitária e ao mesmo tempo manter o ambiente parecido com o familiar, além de empoderar os idosos, uma instituição criou uma outra cozinha alternativa para oficinas e demais atividades, com um espaço aconchegante para que os idosos pudessem frequentar quando desejassem, o que teve impacto positivo aos idosos:
“[...] A cozinha é realmente o coração da ILPI, mas realmente os idosos não podem entrar... Mas nós criamos em nossa ILPI uma cozinha paralela. Nós temos fogão à lenha, só pra fazer uma quitanda, reúne todo mundo lá fora na terapia ocupacional e eles vão fazer desse tempo da terapia ocupacional, esse tempo, momento, entendeu?” (GF9)
Relatos como os apresentados anteriormente reforçam a tentativa de profissionais e gestores de prover condições adequadas para que os idosos institucionalizados reconheçam o ambiente da ILPI como espaço de intimidade e liberdade assemelhando-se às suas próprias casas. Tais tentativas ilustram o rompimento do paradigma da ILPI como espaço de exclusão e de diversas limitações, o que sinaliza para novas concepções e práticas nesse contexto.
Dentre a diversidade de profissionais que trabalham nas ILPI e uma gama de atividades que são ofertadas por eles, há uma busca afim de “acabar” com o tempo ocioso dos idosos, assim relatados por alguns profissionais. Essa gama de atividades, em muitas ILPI, foi denominada como um “cardápio” de práticas, nomenclatura atribuída pelos participantes do estudo, que inclui atividades variadas, ora pela diversidade de profissionais, ora pelas demandas e necessidades dos idosos.
“O que acontece, a gente tem um calendário que é semanal, né, toma metade do pátio, além destas atividades que eu falei que são atividades terapêuticas, com estes profissionais de saúde, a gente tem umas outras atividades lá, por exemplo, a gente tem música.” (GF2)
“Justamente pra proporcionar pra eles ou diminuir aquele período de ociosidade né, porque se você parar pra pensar eles, igual eu falei, eles ficam restritos ao ambiente só.. e se não insistir eles não participam não” (GF1)
Questiona-se, entretanto, o fato de ser dado a esses idosos a alternativa de poder escolher e, inclusive, de não participar das atividades propostas por não ir ao encontro dos seus desejos. E neste sentido, a dimensão da ILPI como um ambiente total precisa ser construída de forma harmoniosa, respeitando os desejos e escolhas dos idosos bem como promovendo a vida que pulsa nesse contexto com qualidade.
Gandini et al.1616 Gandini JAD, Barione AF, Souza AE. Políticas habitacionais para idosos: avanços e desafios. In: Berzins MV, Morges MC, organizadores. Políticas Públicas para um país que envelhece. São Paulo: Martinari; 2012. p. 304. afirmam que, não basta que a ILPI atenda às regras de edificação segura, saneamento, higiene e acessibilidade, é necessário um ambiente que proporcione aspectos sociais e afetivos que o idoso necessita. Um lar é, especialmente, um espaço que leve em consideração as preferências de quem nele reside, evidenciado pela forma da disposição dos objetos, atividades e relacionamentos estabelecidos1717 Prado ARA, Perracini MR. A construção de ambientes favoráveis aos idosos. In: Neri AL, organizador. Qualidade de vida na velhice: enfoque multidisciplinar. São Paulo: Alínea; 2011. p. 300..
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu evidenciar que diversas são as dimensões dadas às ILPI pelos profissionais e gestores, caracterizando-se como um campo de difícil manejo e extremamente desafiador para quem nele atua ou vive.
Conclui-se que é necessário discutir os diferentes atributos dados às ILPI, desde a dimensão singular, com o intuito de que se efetivem ações pertinentes e resolutivas para o processo de cuidado ao idoso institucionalizado, incluindo as condições de vida e as escolhas desses sujeitos, até a dimensão estrutural das políticas sociais e de saúde numa construção intersetorial.
O consenso real e coerente ainda se faz importante devido à necessidade de se pensar em uma política de cuidados de longa duração com financiamento pertinente a complexidade desse cuidado e que requer, portanto, intersetorialidade, cofinanciamento, credibilidade pelo Estado, pela sociedade e pelos profissionais para que seja um local de opção de vida e não apenas como medida protetiva. Para isso, é preciso um compromisso social com as demandas do envelhecimento que deve ser tomado como causa coletiva, como um equipamento da cidade, transversal às diferentes políticas e não mais como um espaço segregado com ações pontuais e isoladas.
Ressalta-se a importância de se pensar no direito à saúde, na equidade e integralidade desses idosos, e a necessidade de compreender a relação de como os idosos habitam esse espaço, para que seja um local de inclusão e resgate sociofamiliar.
REFERENCES
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1Camarano AM. Cuidados de longa Duração para a população idosa: família ou Instituição de Longa Permanência? Sinais Sociais. 2008;3(7):10-39.
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2Camarano AA, Mello JL. Cuidados de longa duração no Brasil: o arcabouço legal e as ações governamentais. In: Camarano AA, organizadora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 67-91.
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3Silva HS, Gutierrez BAO. Cuidados de longa duração na velhice: desafios para o cuidado centrado no indivíduo. Terceira Idade. 2013;24(57):7-17.
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Financiamento da pesquisa:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Edital Universal Nº 456804/2014-5. PUC Minas - bolsas de Iniciação Científica - Editais: Nº 011/2014; Nº 076/2015.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2018
Histórico
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Recebido
11 Jun 2017 -
Revisado
26 Out 2017 -
Aceito
15 Dez 2017