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Tradução e adaptação transcultural do Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) de Pfeiffer para pessoas idosas brasileiras

Resumo

Objetivo

Adaptar culturalmente o Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) de Pfeiffer para uso no Brasil.

Métodos

O processo envolveu as seguintes fases: tradução inicial; síntese das traduções; retrotradução; revisão por um comitê de especialistas com experts da área para analisar a validade aparente e de conteúdo, contemplando as equivalências semântica, idiomática, cultural, conceitual e clareza e, por fim, um pré-teste com a população alvo.

Resultados

Na tradução inicial e na retrotradução ocorreram discordâncias entre os tradutores, em 19 e 7 itens respectivamente, que posteriormente foram discutidos e conciliados pelo comitê. O comitê de especialistas sugeriu modificações desde o layout até adequações de termos técnicos para facilitar a aplicabilidade dos profissionais e para tornar o instrumento final mais claro e compreensível para a população-alvo. No pré-teste, 36,6% dos avaliados demonstraram dificuldades no entendimento de um item do questionário; o item foi substituído, a escala foi reaplicada obtendo 100% de compreensão.

Conclusão

O estudo demonstrou que a versão brasileira do SPMSQ estabelecida como Breve Escala de Capacidade Cognitiva apresentou-se transculturalmente adaptada, com seus itens considerados claros e compreensíveis pelos especialistas e pela população-alvo. O instrumento adaptado contribui por se tratar de uma ferramenta breve de avaliação disponível para rastrear a capacidade cognitiva dos idosos. É recomendado a análise das propriedades psicométricas, estabelecendo o grau de validade e confiabilidade, o qual já está em desenvolvimento pelos autores deste estudo.

Palavras-Chave:
Tradução; Comparação Transcultural; Saúde do Idoso; Testes de Estado Mental e Demência; Envelhecimento Cognitivo; Estudo Transcultural

Abstract

Objective

Culturally adapt Pfeiffer’s Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) for use in Brazil.

Methods

The process involved the following phases: initial translation; synthesis of translations; back-translation; review by a committee of experts in the field to analyze the apparent and content validity, considering the semantic, idiomatic, cultural, conceptual and clarity equivalences and, finally, a pre-test with the target population.

Results

In the initial translation and in the back-translation, there were disagreements between the translators, in items 19 and 7 respectively, which were later discussed and reconciled by the committee. The expert committee suggested changes from the layout to adjustments to technical terms to facilitate the applicability of professionals and to make the final instrument clearer and more understandable to the target population. In the pre-test, 36.6% of those evaluated showed difficulties in understanding an item in the questionnaire; the item was replaced, the scale was reapplied obtaining 100% understanding.

Conclusion

The study demonstrated that the Brazilian version of the SPMSQ established as a Brief Cognitive Capacity Scale was cross-culturally adapted, with its items considered clear and understandable by specialists and the target population. The adapted instrument contributes because it is a brief assessment tool available to track the cognitive ability of old people. The analysis of psychometric properties is recommended, establishing the degree of validity and reliability, which is already under development by the authors of this study.

Keywords
Translating; Cross-Cultural Comparison; Health of the Elderly; Mental Status and Dementia Tests; Cognitive Aging; Cross-Cultural Studies

INTRODUÇÃO

Dentre as perdas funcionais que acometem a pessoa idosa, as cognitivas estão em evidência, aumentando a vulnerabilidade dessa população. Quadros demenciais podem levar à dependência física11 Livingston G, Sommerlad A, Orgeta V, Costafreda SG, Huntley J, Ames D, et al. Dementia prevention, intervention, and care. Lancet. 2017;390(10113):2673-734., sendo um importante fator de risco para a mortalidade desse público. O número de indivíduos que convivem com demência em todo o mundo foi estimado em 35,6 milhões em 2010 e a literatura pressupõe que esse número deve praticamente dobrar a cada 20 anos, chegando a 65,7 milhões em 203022 Corrêa MS, Giacobbo BL, Vedovelli K, de Lima DB, Ferrari P, de Lima Argimon 2º, et al. Age effects on cognitive and physiological parameters in familial caregivers of Alzheimer’s disease patients. PLoS ONE. 2016;11(10):1-16.. Esses dados conclamam os governos e os formuladores de políticas a tornar a demência uma prioridade mundial da saúde pública.

O declínio cognitivo aumenta a dependência, ou seja, a incapacidade de realizar atividades de vida diária, influenciando sua funcionalidade e qualidade de vida33 Silva CSO, Barbosa MMS, Pinho L, Figueiredo MFS, Amaral CO, Cunha FO, et al. Estratégia saúde da família: relevância para a capacidade funcional de idosos. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):792-8., as quais demandam acompanhamento multiprofissional constante e de longo prazo. Para esse acompanhamento, são necessárias avaliações que vão desde o rastreamento inicial do problema até a análise dos resultados e do tratamento aplicado.

Nesse contexto, destaca-se o Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) de Pfeiffer44 Pfeiffer E. A short portable mental status questionnaire for the assessment of organic brain deficit in elderly patients. J Am Geriatr Soc. 1975;23(10):433-41., um instrumento de rastreio cognitivo e suporte diagnóstico para demência, projetado especificamente para pessoas idosas. Esse teste é de fácil administração, pois não requer nenhum material específico para sua conclusão e pode ser aplicado por qualquer profissional da área da saúde, além do fato de apresentar uma boa sensibilidade (S= 86,2%) e especificidade (E= 99%) em sua versão original em inglês55 Erkinjuntti T, Sulkava R, Wikström J, Autio L. Short Portable Mental Status Questionnaire as a screening test for dementia and delirium among the elderly. J Am Geriatr Soc. 1987;35(5):412-6.-66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34..

Existem vários instrumentos de avaliação cognitiva77 Martins NIM, Caldas PR, Cabral ED, Lins CCDSA, Coriolano MGWS. Cognitive assessment instruments used in elderly Brazilians in the last five years. Ciênc Saúde Coleti. 2019;24(7):2513-30., muitos já traduzidos e adaptados culturalmente para o Brasil. Apesar de muito utilizados na prática clínica e em pesquisas com pessoas idosas, alguns deles, em sua versão original, não foram especificamente criados para esse público. Alguns acabam restringindo a participação de idosos com comprometimento motor e deficit visuais não corrigidos quando solicitam leitura, escrita de frase e reprodução de desenho. Há os testes que necessitam de terceiros, como cuidadores e familiares, para a sua conclusão e existem instrumentos muito extensos. De acordo com Polit88 Polit DF. Assessing measurement in health: beyond reliability and validity. Int J Nurs Stud. 2015;52(11):1746-53., quanto mais longo for o instrumento, mais cansativo poderá ser para o entrevistado.

Considerando o tempo limitado das consultas de atenção primária, torna-se necessário validar instrumentos de suporte diagnóstico de aplicação fácil e rápida, de modo a diminuir o número de pacientes com problemas cognitivos diagnosticado tardiamente, atrasando ou mesmo impedindo o tratamento precoce e possível retardamento da evolução da doença66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34..

O SPMSQ é uma breve escala com dez questões, considerado um instrumento de suporte para o diagnóstico e acompanhamento de medidas terapêuticas e evolução ou não do deficit cognitivo, que avalia a memória, a orientação temporal, a capacidade matemática e informações sobre fatos e habilidades cotidianas44 Pfeiffer E. A short portable mental status questionnaire for the assessment of organic brain deficit in elderly patients. J Am Geriatr Soc. 1975;23(10):433-41.

5 Erkinjuntti T, Sulkava R, Wikström J, Autio L. Short Portable Mental Status Questionnaire as a screening test for dementia and delirium among the elderly. J Am Geriatr Soc. 1987;35(5):412-6.
-66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34.,99 de Andrade FLJP, deLima JMR, Fidelis KNM, Jerez-Roig J, de Lima KC. Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):186-97.. A escala não necessita de terceiros para sua conclusão e não exclui pacientes com comprometimento físico e visual, além de ter ampla utilização internacional.

Um estudo realizado recentemente em Israel1010 Smichenko J, Gil E, Zisberg A. Relationship between Changes in Sedative Hypnotic Medications Burden and Cognitive Outcomes in Hospitalized Older Adults. J Gerontol Ser A. 2020;75(9):1-10. analisou por meio do SPMSQ o impacto dos medicamentos sedativos na cognição de pessoas idosas hospitalizadas que apresentavam estado cognitivo normal no momento da admissão. Em outro estudo recente realizado na Alemanha por Schönstein et al.1111 Schönstein A, Wahl HW, Katus HA, Bahrmann A. SPMSQ for risk stratification of older patients in the emergency department: An exploratory prospective cohort study. Z Gerontol Geriatr. 2019;52:222-8., o instrumento foi utilizado para estratificação de risco de pacientes idosos no setor de emergência. Diversos estudos ainda o utilizam como triagem para critérios de inclusão e exclusão em pesquisas, como a de Sri-on et al.1212 Sri-On J, Vanichkulbodee A, Sinsuwan N, Rojsaengroeng R, Kamsom A, Liu SW. Disaster preparedness among Thai elderly emergency department patients: a survey of patients’ perspective. BMC Emerg Med. 2019;19(1):1-7., realizado na Tailândia.

Tal instrumento, apesar de ser amplamente citado na literatura científica internacional66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34.

7 Martins NIM, Caldas PR, Cabral ED, Lins CCDSA, Coriolano MGWS. Cognitive assessment instruments used in elderly Brazilians in the last five years. Ciênc Saúde Coleti. 2019;24(7):2513-30.

8 Polit DF. Assessing measurement in health: beyond reliability and validity. Int J Nurs Stud. 2015;52(11):1746-53.

9 de Andrade FLJP, deLima JMR, Fidelis KNM, Jerez-Roig J, de Lima KC. Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):186-97.

10 Smichenko J, Gil E, Zisberg A. Relationship between Changes in Sedative Hypnotic Medications Burden and Cognitive Outcomes in Hospitalized Older Adults. J Gerontol Ser A. 2020;75(9):1-10.
-1111 Schönstein A, Wahl HW, Katus HA, Bahrmann A. SPMSQ for risk stratification of older patients in the emergency department: An exploratory prospective cohort study. Z Gerontol Geriatr. 2019;52:222-8. e possuir versões em outros idiomas66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34.,1111 Schönstein A, Wahl HW, Katus HA, Bahrmann A. SPMSQ for risk stratification of older patients in the emergency department: An exploratory prospective cohort study. Z Gerontol Geriatr. 2019;52:222-8.,1313 Ferrucci L, Guralnik JM, Corti MC, Pahor M, Havlik D. Cognitive impairment and risk of stroke in the older population-Reply. J Am Geriatr Soc. 1996;44(11):1411-7.,1414 Chi IDSW, Boey KW. Hong Kong validation of measuring instruments of mental health status of the elderly. Clin Gerontol. 1993;13(4):35-51., ainda não tem sua tradução e adaptação cultural ao idioma português brasileiro; as versões usadas do SPMSQ no Brasil correspondem a adaptações livres ou à sua versão em espanhol99 de Andrade FLJP, deLima JMR, Fidelis KNM, Jerez-Roig J, de Lima KC. Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):186-97.. Isso dificulta o seu uso por pesquisadores e profissionais da prática clínica, diminuindo a disponibilidade de ferramentas válidas e confiáveis para subsidiar a identificação das condições cognitivas e seu grau de comprometimento em pessoas idosas.

A adaptação transcultural de instrumentos promove o intercâmbio cultural entre realidades socioculturais distintas, buscando seguir uma série de cuidados e severidades metodológicas, garantindo que os aspectos de mensuração do instrumento sejam fidedignos e não distorcidos para a realidade sociocultural à qual se pretende adaptar1515 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. Am Acad Orthop Surg. 2002;1-9.-1616 Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73.. Coluci et al.1717 Coluci MZO, Alexandre NMC, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(3):925-36. e Knaut et al.1818 Knaut LA, Moser ADL, Melo SDA, Richards RR. Tradução e adaptação cultural à língua portuguesa do American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder Assessment Form (ASES) para avaliação da função do ombro. Rev Bras Reumatol. 2010;50(2):176-83. referem que a utilização de um instrumento estrangeiro sem a sua devida adaptação pode colocar em risco a validade e a precisão dos resultados obtidos nas avaliações. Dessa forma, a tradução de uma escala deve primar pela linguagem clara, mantendo-se equivalente no que tange a seus conceitos culturais e sociais1717 Coluci MZO, Alexandre NMC, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(3):925-36.-1818 Knaut LA, Moser ADL, Melo SDA, Richards RR. Tradução e adaptação cultural à língua portuguesa do American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder Assessment Form (ASES) para avaliação da função do ombro. Rev Bras Reumatol. 2010;50(2):176-83..

O instrumento adaptado contribuirá para a realização de estudos transculturais robustos, para comparação entre diferentes contextos e produção de um corpo de conhecimentos mais denso e significativo1919 Lino CRM, Brüggemann OM, de Souza ML, de Barbosa SFF, dos Santos EKA. Adaptação Transcultural de Instrumentos de Pesquisa Conduzida Pela Enfermagem do Brasil: uma revisão integrativa. Texto & Contexto Enferm. 2017;26(4):1-9.. Para atender a essa necessidade, o objetivo deste estudo foi descrever o processo de adaptação transcultural, com a validação aparente e de conteúdo do SPMSQ de Pfeiffer para pessoas idosas brasileiras.

MÉTODO

A adaptação transcultural do SPMSQ de Pfeiffer atendeu às recomendações metodológicas amplamente aceitas e recomendadas na literatura internacional, que sugerem as seguintes etapas: tradução; síntese das traduções, retrotradução, análise por um comitê de especialistas e pré-teste da versão adaptada1515 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. Am Acad Orthop Surg. 2002;1-9.,1818 Knaut LA, Moser ADL, Melo SDA, Richards RR. Tradução e adaptação cultural à língua portuguesa do American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder Assessment Form (ASES) para avaliação da função do ombro. Rev Bras Reumatol. 2010;50(2):176-83.. O estudo foi realizado no período de junho a dezembro de 2019, com pessoas idosas tanto provenientes de Instituições de Longa Permanência para idosos (ILPI) quanto da comunidade no município de Curitiba (PR, Brasil). A Figura 1 demonstra, por meio de um fluxograma, o processo de adaptação transcultural.

Figura 1
Fluxograma do processo de tradução e adaptação transcultural. Curitiba, PR, 2020.

Fase I – Tradução: da primeira fase participaram dois tradutores bilíngues tendo como língua materna o português, ou seja, dois brasileiros com fluência na língua inglesa que realizaram duas traduções de forma independente; apenas um estava ciente da finalidade do estudo.

Fase II – Síntese das traduções: as traduções foram confrontadas e analisadas por um comitê revisor, composto pelos dois tradutores, pela pesquisadora e pela orientadora do estudo. Nesse comitê foram discutidas as diferenças item a item entre as versões com o objetivo de realizar a síntese (consenso) das duas traduções formando a primeira versão em português do instrumento.

Fase III – Retrotradução: o instrumento foi traduzido novamente para o inglês por outros dois tradutores, nativos norte-americanos que dominavam o português. Realizaram a tradução de forma independente, desconheciam a finalidade do estudo e não tiveram acesso ao questionário original.

Fase IV – Análise por um comitê de especialistas (validade aparente e de conteúdo): o comitê foi composto por uma equipe multiprofissional enquadrada nos critérios adaptados de Fehring2020 Fehring RJ. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung. 1987;16(6):625-9.. Na literatura não há consenso quanto aos critérios de seleção dos experts, mas Fehring estabelece parâmetros de seleção dos especialistas para a realização de validação de diagnósticos de enfermagem. Apesar de seus critérios terem sido criados para outra finalidade, eles têm sido amplamente utilizados em estudos de validação e adaptados quando necessário ao objeto de pesquisa dando base para analisar o nível de experiência prática, conhecimento e habilidade de cada profissional relacionado ao tema. Portanto, para padronizar os critérios de elegibilidade dos especialistas neste estudo utilizou-se uma adaptação dos critérios de Fehring, a saber: (i) mínimo de cinco anos de experiência clínica na área da Geriatria/Gerontologia; (ii) especialização lato sensu ou stricto sensu em Geriatria/Gerontologia; (iii) pesquisas com publicações relacionadas à temática do envelhecimento.

Os profissionais foram convidados a colaborar voluntariamente com o estudo e foi feita uma breve explanação sobre a pesquisa e seus objetivos. Atendidos os critérios adaptados de Fehring2020 Fehring RJ. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung. 1987;16(6):625-9., o comitê foi constituído por dois médicos, dois fisioterapeutas, dois psicólogos e uma assistente social. O objetivo dessa etapa foi analisar a clareza das questões para facilidade de compreensão da população-alvo, contemplando as equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural, bem como a aparência do instrumento e os termos técnicos de acesso ao profissional.

Os especialistas avaliaram o instrumento traduzido utilizando uma escala Likert de 1 a 4 pontos: “não equivalente, pouco equivalente, bastante equivalente e totalmente equivalente” para cada item das equivalências e “não claro, pouco claro, bastante claro e totalmente claro” para a clareza de conteúdo. Para os itens classificados com 1 e 2, solicitava-se justificativa; para tanto, foi entregue para cada especialista um documento específico para registro dessa análise contendo orientações para sua realização e espaços para observações, apontamento de dúvidas e sugestões para adequação.

As propostas de alteração dos especialistas foram analisadas, revistas, discutidas e conciliadas para garantir a melhor adequação à cultura brasileira. Um consenso foi atingido no comitê de especialistas e uma versão pré-teste foi elaborada1515 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. Am Acad Orthop Surg. 2002;1-9.,2020 Fehring RJ. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung. 1987;16(6):625-9..

Fase V – Pré-teste: nesta etapa a versão pré-final foi testada em 30 pessoas idosas com idade maior ou igual a 60 anos, no município de Curitiba (PR), a fim de verificar a clareza de conteúdo. O tamanho da amostra para esta etapa foi definido de acordo com as recomendações propostas por Beaton1515 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. Am Acad Orthop Surg. 2002;1-9. e Reichenheim e Moraes1616 Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73.. Procurou-se abranger homens e mulheres de diferentes faixas etárias, institucionalizados e não institucionalizados e com níveis de escolaridade diferenciados, como fez Pfeiffer na construção do instrumento original.

O instrumento SPMSQ é composto por dez questões, que avaliam a memória, orientação temporal, capacidade matemática e informações cotidianas; sua pontuação varia de 0 a 10, considerando a soma dos erros do avaliado. Ele permite a classificação do indivíduo em capacidade cognitiva preservada, incapacidade cognitiva leve, moderada ou severa, levando em consideração a escolaridade do avaliado66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34.,99 de Andrade FLJP, deLima JMR, Fidelis KNM, Jerez-Roig J, de Lima KC. Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):186-97..

Nesta fase, o idoso não foi avaliado quanto à sua capacidade cognitiva e, sim, sua compreensão em relação às dez questões. Os itens classificados com mais de 10% de “não compreensão” foram reformulados e substituídos por alternativas equivalentes, de modo que não fossem alterados conceito e estrutura-base do instrumento, e em seguida testados novamente em outro grupo de participantes com as mesmas características. Assim, a versão em português do SPMSQ de Pfeiffer só foi definida quando pelo menos 90% dos seus itens foram considerados claros e compreensíveis1616 Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73.-1717 Coluci MZO, Alexandre NMC, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(3):925-36..

O estudo foi realizado após apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (nº 3.526.745). Todos os participantes, incluindo pessoas idosas e especialistas, foram informados sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram avaliadas 30 pessoas idosas na primeira rodada do pré-teste, sendo 56,7% mulheres e 43,3% homens, compondo uma amostra heterogênea, com grande amplitude etária, abrangendo idosos de 60 a 92 anos de idade, com média de 72,17 anos (±10,16). Destes, 46,7% eram institucionalizados e 53,3%, da comunidade, com diferentes níveis de escolaridade, com predominância de um a quatro anos de estudo (50,0% da amostra). Na segunda rodada, foram avaliadas outras 30 pessoas idosas com características sociodemográficas parecidas com as do primeiro grupo, como pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas no pré-teste (N=60). Curitiba, PR, 2020.

Na tradução inicial, os dois tradutores apresentaram versões semelhantes, com diferenças em 19 itens do questionário, porém, em termos considerados sinônimos. Foi priorizado o uso de termos e expressões familiares para a população brasileira, conforme mostrado na Tabela 2, em que é possível observar as versões dos tradutores A e B e sua síntese. Após discussão entre os tradutores e os pesquisadores, chegou-se ao consenso na tradução de “years of education” para “escolaridade”, em vez de “educação”. Da mesma forma, considerando o termo original “record”, para o qual foi sugerido pelo tradutor A a palavra “registre” e pelo tradutor B a palavra “grave”, após discussão chegou-se a um consenso e o termo foi substituído por “registre”. Nas questões 5 e 6, as sentenças “How old are you?” e “When were you born?”, relativamente simples, geraram muita dúvida sobre qual tradução seria mais apropriada, se “Qual é a sua idade?” ou “Quantos anos você tem?” na questão 5 e “Qual é a data de seu nascimento?” ou “Quando você nasceu?” na questão 6. Optou-se por “Quantos anos você tem?” e “Qual é a data de seu nascimento?”, respectivamente.

Tabela 2
Tradução inicial e síntese do Short Portable Mental Status Questionnaire. Curitiba, PR, 2020.

Na retrotradução as versões apresentaram pequenas diferenças que foram ajustadas em consenso. Na Tabela 3 observa-se que sete itens foram modificados, sendo apenas de acesso ao examinador. No cabeçalho a palavra “lista” foi substituída por “escala”, “indivíduo”, por “avaliado”, “não tiver”, por “não possuir” e “ajuda”, por “auxílio”. Na parte de instruções das questões 3 e 9, a frase “descrição da localização for dada” foi substituída por “descrição da localização for fornecida” e “nome próprio feminino mais um sobrenome”, por “nome próprio feminino seguido de um sobrenome”, a fim de padronizar com termos mais formais, pois se pressupõe que o questionário será utilizado por profissionais da área da saúde com ensino superior.

Tabela 3
Alterações realizadas após o processo de retrotradução. Curitiba, PR, 2020.

Análise do comitê de especialistas

Após análise do comitê de especialistas, foram sugeridas modificações no título, a saber: no lugar de “questionário”, colocar “escala” e, de “estado mental”, “capacidade cognitiva”. Dessa forma, o título final do teste ficou “Breve Escala de Capacidade Cognitiva”.

Recomendaram ainda, no lugar de “escolaridade”, colocar “anos de estudo” e subdividi-los em “1-4, 5-8, 9-11 e mais de 11/ensino superior”, além de adicionar o item “não alfabetizado”.

Sugeriu-se que o item “orientações para o avaliador” fosse colocado em negrito e caixa-alta para chamar atenção antes de iniciar a avaliação. O texto inicial das orientações não foi alterado, porém foi colocado em tópicos para propiciar uma aparência mais clara, indicando a importância da leitura do instrumento pelo examinador, antes da sua aplicação.

Na questão 3 aconselharam alteração da pergunta “qual é o nome deste lugar?” para “em que lugar estamos agora?”, pois facilita o entendimento da questão proposta. Já na questão 4, devido à segunda opção de pergunta, sugeriu-se, em vez de “4” e “4a”, que gerou confusão entre alguns especialistas, a colocação de “4a” e “4b, sendo adicionado um expoente “a” e “b” para auxiliar a aplicação da escala, chamando atenção para a resposta a apenas uma das duas questões.

Sugeriram também a mudança da disposição das questões 5 e 6, trocando-as de lugar, por serem complementares, uma vez que uma pergunta sobre a idade e a outra, a data de nascimento. Para o profissional confirmar se a idade relatada confere, é interessante que a pergunta relacionada à data de nascimento seja feita antes.

No item “instruções” das questões 7 e 8, após o processo de tradução inicial e retrotradução, constava “requer apenas o sobrenome”, porém os especialistas identificaram que a interpretação da frase dá a entender que seria aceito apenas o sobrenome como resposta e não o nome; por esse motivo, a frase foi alterada para “pode ser nome completo ou não”. Na questão 10, sugeriram, no lugar da palavra “subtraia”, o termo “diminua” e, de “até o fim”, “até 0”, para não haver continuidade da subtração para números negativos.

Foi também recomendada a adição de um “R:” de resposta em todas as perguntas, para possibilitar a anotação dos resultados, e da frase “número total de erros” em caixa-alta e negrito, para destacar a importância de anotar a soma dos erros e não dos acertos.

O teste original levou em consideração a escolaridade do avaliado para a classificação do resultado final; por esse motivo, foi procurado o melhor termo ou expressão para facilitar a compreensão desta seção por parte do examinador. Foi proposta a ideia de empregar “retirar um erro” para pessoas idosas não alfabetizadas e “adicionar um erro” para aquelas com ensino superior; no entanto, o indivíduo não alfabetizado sem nenhum erro não poderia ter resultado negativo (-1). Após discussão, optou-se por manter a palavra “permitir”, que possibilita usar esse recurso se necessário; também foi solicitado um local específico para a colocação dessa pontuação. Por fim, alteraram-se os termos “função intelectual” e “deficiência intelectual” para “capacidade cognitiva” e “incapacidade cognitiva”, respectivamente, por refletirem aqueles mais utilizados na literatura atual.

Para o pré-teste, foi considerada a concordância mínima de 90% para a validação de cada questão, ou seja, se um número maior ou igual a 90% dos participantes classificasse a questão como clara, ela não necessitaria de correções, enquanto as com percentual menor que 90% seriam submetidas a correções e nova rodada de avaliação por outro de pessoas idosas2626 Moraes JMM, Alvarenga MS. Adaptação transcultural e validade aparente e de conteúdo da versão reduzida da The Eating Motivation Survey (TEMS) para o Português do Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(10):1-9.-2727 Catani RR, Valadares EDS, Lacombe JB, Mendonça TMS, da Silva CHM, Paro HBMS. Cross-cultural adaptation of the four habits coding scheme (4HCS) for teaching and assessing patient-centered communication skills in Brazil. Cad Saúde Pública. 2018;34(11):1-10.. Os resultados desse julgamento estão na Tabela 4.

Tabela 4
Avaliação de Clareza de Conteúdo no pré-teste. Curitiba, PR, 2020.

Apenas uma questão avaliada teve percentual de concordância menor que 90% (questão 10), sendo reformulada para “De 20, diminua de 3 em 3 até o 0” e reavaliada na segunda rodada por outro grupo de pessoas idosas, obtendo 100% de clareza. A partir disso, todas as questões foram consideradas claras e compreensíveis pelo público-alvo, não necessitando de uma nova rodada de avaliações.

Após a conclusão do pré-teste, foi finalmente obtida a versão final em português do questionário (arquivo complementar).

DISCUSSÃO

O processo de tradução e adaptação transcultural de um instrumento é uma atividade complexa, visto que envolve um conjunto de tarefas até que se alcance a equivalência funcional, sendo importante que as escalas de qualquer ordem sigam normas para validação, pois isso possibilita a comparação entre estudos de diferentes países, línguas e culturas1616 Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73.. O método seguido no processo de tradução deste estudo foi escolhido por possuir abrangência e exigência minuciosa de explicações dos passos realizados1515 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. Am Acad Orthop Surg. 2002;1-9. e por ser uma metodologia internacionalmente aceita e recomendada1919 Lino CRM, Brüggemann OM, de Souza ML, de Barbosa SFF, dos Santos EKA. Adaptação Transcultural de Instrumentos de Pesquisa Conduzida Pela Enfermagem do Brasil: uma revisão integrativa. Texto & Contexto Enferm. 2017;26(4):1-9..

Na fase de tradução inicial, os dois tradutores apresentaram versões sem grandes discrepâncias, o que facilitou a síntese delas, tendo ocorrido o mesmo com o processo de retrotradução, em que houve pequenos ajustes de palavras e expressões. Isso se deveu provavelmente ao fato de as perguntas representarem questões ligadas ao cotidiano, como ocorreu com a versão em espanhol do SPMSQ, que teve pequenas adequações no processo de tradução66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34..

As recomendações feitas pelo comitê de especialistas aconteceram prioritariamente em torno da melhor escrita da expressão. Foram sugeridas adequações desde o layout, para facilitar a aplicabilidade dos profissionais, até expressões mais claras e compreensíveis, a fim de alcançar o melhor entendimento por parte das pessoas idosas. Palavras mais apropriadas, sem alteração conceitual, para garantir uma melhor equivalência semântica e cultural foram sugeridas, como a mudança de “questionário” para “escala”, visto que o resultado da aplicação do instrumento é expressado em alternativas predeterminadas, havendo uma graduação de medida.

Houve alteração também do termo “estado mental” para “capacidade cognitiva”, pois tal expressão abrange várias doenças psiquiátricas e, neste instrumento, são avaliadas especificamente a memória e a detecção de demência, relacionando-se apenas com questões cognitivas2121 Lyketsos CG, Steinberg M, Tschanz JAT, Norton MC, Steffens DC, Breitner JCS. Mental and behavioral disturbances in dementia: findings from the cache county study on memory in aging. Am J Psychiatry. 2000;157(5):708-14., além de refletir o termo mais utilizado na literatura atual2222 Duran-Badillo T, Salazar-González BC, Cruz-Quevedo JE, Sánchez-Alej EJ, Gutierrez-Sanchez G, Hernández-Cortés PL. Função sensorial, cognitiva, capacidade de caminhar e funcionalidade de idosos. Rev Latinoam Enferm. 2020;28:1-9..

A substituição do termo “níveis de escolaridade” por “anos de estudo” deu-se devido à dificuldade de compreensão de “ensino fundamental” e “ensino médio”; os termos utilizados no pré-teste sobre o nível de escolaridade não eram familiares para os participantes, uma vez que em sua época as bases curriculares da educação brasileira indicavam os termos “primário”, “ginásio” e “colegial”2323 Marchelli P. Da LBD 4.024/61 ao debate contemporâneo sobre as bases curriculares nacionais. E-curriculum. 2014;12(3):1480-511. e a fusão do primário com o ginásio só se deu na década de 19702424 Helene O. Evolução da escolaridade esperada no Brasil ao longo do século XX. Educ Pesqui. 2012;38(1):197-216., sendo que a idosa mais velha participante da pesquisa nasceu em 1928. Por esse motivo, optou-se pela utilização de “anos de estudo”, conforme já fazem alguns questionários, como Brucki et al.2525 Brucki SMD, Nitrin R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3 B):777-81., que propuseram sugestões para o uso do Miniexame do Estado Mental (MEEM) no Brasil, no qual o nível de escolaridade foi o principal influenciador no desempenho do teste.

As alterações sugeridas pelos especialistas foram analisadas e discutidas até que se chegasse a um consenso para garantir a melhor adequação à cultura brasileira, como fez Moraes e Alvarenga2626 Moraes JMM, Alvarenga MS. Adaptação transcultural e validade aparente e de conteúdo da versão reduzida da The Eating Motivation Survey (TEMS) para o Português do Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(10):1-9. que utilizaram o mesmo método do presente estudo, onde em seu processo de tradução, asseguraram a qualidade, clareza da escrita e principalmente manutenção da ideia original do teste, diferentemente do estudo de Catani et al.2727 Catani RR, Valadares EDS, Lacombe JB, Mendonça TMS, da Silva CHM, Paro HBMS. Cross-cultural adaptation of the four habits coding scheme (4HCS) for teaching and assessing patient-centered communication skills in Brazil. Cad Saúde Pública. 2018;34(11):1-10. no qual só foi obtido consenso após três rodadas de avaliação pelos especialistas.

Foram feitas mudanças no layout da escala, para melhorar visualmente e evitar erros na avaliação. As modificações na aparência dos testes são comuns no processo de adaptação transcultural, como também fizeram Cauduro et al.2828 Cauduro GN, Reppold CT, Pacheco JTB. Adaptação transcultural do Questionário de Estilos Parentais na Alimentação (QEPA). Aval Psicol. 2017;16(3):293-300., em cujo estudo os especialistas sugeriram alteração da posição das instruções e a troca da nomenclatura utilizada na escala.

O item de maior discussão entre os especialistas foi a ponderação final considerando a escolaridade do avaliado, refletindo sobre a compreensão do avaliador no quesito “permitir um erro a mais” para pessoas idosas não alfabetizadas e “permitir um erro a menos” para aquelas com ensino superior, ou seja, se um avaliado apresentar três erros e for analfabeto, será desconsiderado um erro e o resultado final será dois erros; para o mesmo exemplo, se apresentar ensino superior, será considerado um erro a mais e classificado com quatro erros no resultado final. Por isso, foi solicitado um local específico para anotação desse resultado.

Com o propósito de realizar uma adequada adaptação transcultural e assegurar que o construto fosse apropriadamente avaliado na população-alvo, o pré-teste da versão brasileira do SPMSQ foi realizado com pessoas idosas provenientes de ILPI e da comunidade, com diversos níveis de escolaridade e condições socioeconômicas variadas, a fim de verificar a clareza dos itens ou possíveis “incompreensões” por parte dessa população.

Foi observado problema de compreensão da questão 10, a única pergunta que teve percentual de concordância menor que 90%; 36,6% dos indivíduos avaliados consideraram a questão não clara ou pouco clara, tendo sugerido alterações consideradas pertinentes, de modo que ela foi modificada e na segunda aplicação obteve 100% de compreensão.

Ocorrência parecida observou-se na adaptação transcultural do SPMSQ para o espanhol66 Martínez de La Iglesia J, Herrero RD, Vilches MCO, Taberné CA, Colomer CA, Luque RL. Adaptación y validación al castellano del cuestionario de Pfeiffer (SPMSQ) para detectar la existencia de deterioro cognitivo en personas mayores de 65 años. Med Clin (Barc). 2001;117(4):129-34., no qual, além de pequenos ajustes, somente a questão 9 foi reformulada. Em vez de perguntar o nome de solteira da mãe, perdido com o casamento na cultura anglo-saxônica e sem sentido para o ambiente cultural deles, no SPMSQ-VE solicitam-se o primeiro e o segundo sobrenomes.

Há a utilização do SPMSQ em vários países, porém, alguns não citam se a escala foi adaptada ou validada para a realidade em questão. Um exemplo é o estudo de Ferruci et al.1313 Ferrucci L, Guralnik JM, Corti MC, Pahor M, Havlik D. Cognitive impairment and risk of stroke in the older population-Reply. J Am Geriatr Soc. 1996;44(11):1411-7., realizado na Itália, de modo prospectivo com 5.024 sujeitos, os quais foram acompanhados por três anos para verificação da associação do comprometimento cognitivo (com SPMSQ) ao risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC). O estudo concluiu que a incidência de AVC era menor naqueles com escore normal no SPMSQ e maior naqueles com comprometimento grave.

Apesar de sua relevância, o estudo além de retirar a questão 3, neste caso, utilizando nove das dez questões, ainda, usam o número total de acertos 7-9 (normal), 4-6 (comprometimento moderado) e 0-3 (comprometimento grave), apresentando discordância com a escala original e não relatando os motivos de tal alteração, o que pode comprometer a fidedignidade dos resultados.

Por essas razões, a devida adaptação transcultural é essencial para decretar se o instrumento é adequado ao contexto cultural, bem como se atende aos objetivos propostos2929 de Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-59.-3030 Fortes CPDD, Araújo APQC. Check list para tradução e Adaptação Transcultural de questionários em saúde. Cad Saúde Coletiva. 2019;27(2):202-9..

Considera-se limitação deste estudo a falta da avaliação das propriedades psicométricas, etapa fundamental para aumentar o poder de evidência do instrumento e que se encontra em desenvolvimento pelos autores deste estudo.

Reconhecendo a importância de disponibilizar os instrumentos adaptados, tendo em vista o compromisso assumido pelo pesquisador para com a sociedade, oferecendo aos profissionais e pesquisadores um instrumento adequado nacionalmente, os autores o disponibilizaram em arquivo complementar.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que a versão brasileira do Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ-BR), denominada Breve Escala de Capacidade Cognitiva, é adequada e apresentou-se transculturalmente adaptada para o português do Brasil, visto que os itens foram considerados claros e compreensíveis pelos especialistas e pela população-alvo. A tradução e a adaptação cultural do instrumento, além de disponibilizar uma nova ferramenta que se destacou entre as já existentes por ser breve, não necessitar de terceiros e não excluir idosos com deficit visuais, auxiliará os profissionais brasileiros nos ambientes clínicos e de pesquisa no rastreio cognitivo desse público. O processo de avaliação e análise das propriedades psicométricas é recomendado para aumentar o poder de evidência do instrumento, o qual está em desenvolvimento pelos autores deste estudo, estabelecendo seu grau de validade e confiabilidade.

A conclusão de todas as etapas contribuirá com os profissionais de saúde e a comunidade científica, por se tratar de mais uma ferramenta de avaliação disponível, a ser utilizada em ensaios clínicos, comparações de indicadores internacionais, além de rastrear, planejar e acompanhar o tratamento das disfunções cognitivas das pessoas idosas.

  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio de bolsa de estudo 2018/2020.

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Editado por

Editado por: Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2020
  • Aceito
    29 Out 2020
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