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Percepção de cuidadores de idosos sobre saúde bucal na atenção domiciliar

Resumo

Objetivo:

Analisar a percepção de cuidadores de idosos sobre seu autocuidado e o cuidado em saúde bucal do idoso.

Método:

Estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com 13 cuidadores, gravadas, transcritas e submetidas à técnica de Análise de Conteúdo.

Resultados:

Todos os entrevistados eram cuidadores informais, a maioria do sexo feminino com idade superior a 50 anos, casadas, com algum grau de parentesco com quem recebia o cuidado, ensino fundamental incompleto e que não exerciam outra ocupação/trabalho. Após a análise das entrevistas os dados foram agrupados nas seguintes categorias: a) visita domiciliar e os profissionais de saúde; b) vivência do cuidador e os cuidados com o idoso e c) o cuidador e seu autocuidado.

Conclusão:

conhecer a percepção do cuidador em relação a sua saúde bucal e a do idoso dependente/semidependente colabora no planejamento de ações de promoção, prevenção e recuperação de saúde. Assim, torna-se indispensável a atuação de uma equipe multiprofissional na busca ativa e orientação desses indivíduos.

Palavras-chaves:
Saúde Bucal; Atenção Primária à Saúde; Idosos; Cuidadores

Abstract

Objective:

to analyze the perception of caregivers of elderly persons regarding their own oral health care and that of the elderly individuals.

Method:

a descriptive-exploratory study with a qualitative approach was carried out. Semi-structured interviews with 13 caregivers were conducted, recorded and transcribed, and the Content Analysis technique was applied.

Results:

All respondents were informal caregivers, most of whom were female, aged over 50, married, had some degree of kinship with those receiving care, an incomplete elementary school education and no other occupation or job. After analyzing the interviews, the data were grouped into the following categories: a) home visits and health professionals; b) caregiver experience and care of the elderly; and c) the caregiver and their self-care.

Conclusion:

knowledge of caregivers’ perception of their own oral health and that of dependent/semi-dependent elderly persons assists in planning, promotion, prevention and health recovery. The work of a multi-professional team is therefore essential in the seeking out and instruction of these individuals.

Keywords:
Oral Health; Primary Health Care; Elderly; Caregivers

INTRODUÇÃO

O envelhecimento do ser humano está acompanhado de alterações cognitivas e funcionais, como diminuição do tônus muscular, enrijecimento articular, diminuição da acuidade visual, dentre outras, sendo que esses aspectos levam à fragilidade do idoso11 Anjos KF, Boery RNSO, Pereira R, Pedreira LC, Vilela ABA, Santos VC, et al. Associação entre apoio social e qualidade de vida de cuidadores familiares de idosos dependentes. Ciênc Saúde Coletiva. 2015,20(5):1321-30.,22 Santos PLS, Fernandes MH, Silva Santos PH, Borges STD, Cassoti CA, Da Silva CR, et al. Indicadores de desempenho motor como preditores de fragilidade em idosos cadastrados em uma Unidade de Saúde da Família. Motricidade. 2016,12(2):1-9.,33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6.. O conjunto dessas alterações, conhecido como senescência, pode levar o indivíduo a enfrentar certas limitações na vida cotidiana e a não conseguir realizar suas atividades diárias de maneira independente44 Saliba NA, Moimaz SAS, Marques JAM, Prado RL. Perfil de cuidadores de idosos e percepção sobre saúde bucal. Interface (Botucatu) [Internet]. 2007 [acesso em 31 jan. 2017];11(21):39-50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100005&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,55 Ciosak SI, Braz E, Costa MFBNA, Nakano NGR, Rodrigues J, Alencar RA, et al. Senescência e senilidade: novo paradigma na atenção básica de saúde. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(n. Esp 2):1763-8..

A realização de atividades comuns da vida diária (AVD) são situações fundamentais para a qualidade de vida, por exemplo, ter autonomia para caminhar, para o banho, alimentação e escolher suas próprias roupas.

Os idosos com dependência total ou parcial para realização dessas atividades necessitam ser auxiliados por um cuidador33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6.. Este pode possuir formação profissional e ser contratado pela família. Entretanto, muitas vezes, o cuidador é informal, ou seja, o cuidado é informalmente realizado por um membro da família que reside junto ao idoso, como pai, mãe, esposa (o), filhos, entre outros66 Vargas AMD, Vasconcelos M, Ribeiro MTF. Saúde bucal: atenção ao idoso. Belo Horizonte: Nescon UFMG; 2011.,77 Fonseca MP, Rocha MA. Desvelando o cotidiano dos cuidadores informais de idosos. Rev Bras Enferm. 2008;1(7):801-8.. Em ambos os casos, eles devem auxiliar e proporcionar uma vida saudável e de boa qualidade aos idosos44 Saliba NA, Moimaz SAS, Marques JAM, Prado RL. Perfil de cuidadores de idosos e percepção sobre saúde bucal. Interface (Botucatu) [Internet]. 2007 [acesso em 31 jan. 2017];11(21):39-50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100005&lng=en.
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.

Um número expressivo de idosos utilizam o Sistema de Único de Saúde (SUS)88 Reis SCGB, Marcelo VC. Saúde bucal na velhice: percepção dos idosos, Goiânia, 2005. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(1):191-9. no Brasil, cuja estratégia prioritária para a ordenação da atenção primária à saúde é a Estratégia de Saúde da Família (ESF)99 Brasil. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Biblioteca Virtual de Saúde; 2011 [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
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. A ESF é um modelo de atenção à saúde que conta com equipes multiprofissionais responsáveis pelo acompanhamento e cuidado de pessoas e famílias em um território adscrito. Uma das atividades da equipe é a realização de visitas domiciliares, o que possibilita aos profissionais identificarem as necessidades de saúde e de vida das famílias99 Brasil. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Biblioteca Virtual de Saúde; 2011 [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. De acordo com a Política Nacional da Saúde da Pessoa Idosa1010 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica [Internet]. Caderno de atenção domiciliar. Vol. 1. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/cad_vol1.pdf., o dentista está integrado à equipe mínima da ESF e possui atribuições como: assistência domiciliar, orientação de higiene oral e a realização do exame clínico, diagnóstico e tratamento no idoso dependente.

Os cuidados com a saúde bucal realizados pelos cuidadores podem comprometer a qualidade da higienização da cavidade oral, devido ao restrito conhecimento sobre a boca, bem como repulsa para realização da higienização da cavidade e de próteses1111 Pereira KCR, Guimarães FS, Alcauza MTR, De Campos DA, Moretti-Pires RO. Percepção, conhecimento e habilidades de cuidadores em saúde bucal de idosos acamados. Saúde Transform Soc. 2015;5(3):34-41.. As práticas de cuidado com a saúde bucal que o cuidador exerce em si será a mesma utilizada no idoso dependente55 Ciosak SI, Braz E, Costa MFBNA, Nakano NGR, Rodrigues J, Alencar RA, et al. Senescência e senilidade: novo paradigma na atenção básica de saúde. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(n. Esp 2):1763-8.. Entender suas percepções colabora para o desenvolvimento de ações de promoção e prevenção de saúde bucal1212 Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35..

Diante de tais pressupostos, o objetivo desse estudo é analisar a percepção de cuidadores informais de idosos sobre o seu autocuidado e o cuidado em saúde bucal do idoso.

MÉTODO

Estudo descritivo, com aproximação metodológica qualitativa, com participação de cuidadores informais de idosos dependentes/semidependentes cadastrados na estratégia de saúde da família do município de Ribeirão Preto. A partir de uma parceria da Secretaria Municipal de Saúde do referido município com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto foram criados seis Unidades de saúde da família as quais são chamadas de Núcleos de Saúde da Família (NSF). Os NSF constituem-se campos de ensino e de pesquisa para alunos de graduação e pós-graduação da área da saúde do campus da Universidade de São Paulo. Eles possuem uma equipe de saúde da família mínima e não há previsão para inclusão de equipe de saúde bucal1313 Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Regimento do Centro de Atenção Primária e Saúde da Família e Comunidade (CAP) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo [Internet]. Ribeirão Preto: USP; 2015 [acesso em 20 jan. 2017]. Disponível em: http://cap.fmrp.usp.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5&Itemid=6.. Os participantes eram cuidadores de idosos cadastrados em um desses NSF, o qual conta com uma equipe multiprofissional. Embora não tenha uma equipe de saúde bucal nos moldes do Ministério da Saúde, o mesmo conta com profissionais de saúde bucal.

O acesso aos cuidadores aconteceu por meio do cadastro dos idosos da área de abrangência e de responsabilidade do NSF. No período de maio a setembro de 2016, foram selecionados, aleatoriamente, 20 idosos com 60 anos ou mais, cadastrados no referido núcleo e que poderiam potencialmente necessitar de cuidadores. Esse foi o processo inicial de construção da amostra. Em visitas domiciliares, foram identificadas a presença dos cuidadores e as fragilidades destes idosos por meio do índice de Katz-modificado1414 Pinto AH, Lange C, Pastore CA, Llano PMP, Castro DP, Santos F. Capacidade funcional para atividades da vida diária de idosos da Estratégia de Saúde da Família da zona rural. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(11):3545-55.,1515 Faleiros AH, Santos CAD, Martins CR, Holanda RAD, Souza NLSAD, Araujo CLDO. Os Desafios do Cuidar: Revisão Bibliográfica, Sobrecargas e Satisfações do Cuidador de Idosos. Janus. 2015;12(22):59-68., para avaliação das AVD, a fim de classificar esses idosos em dependentes, semidependentes e independentes. Desses idosos, 18 foram elegíveis e seus cuidadores foram convidados para participar do estudo. O pesquisador seguiu um roteiro norteador de assuntos e questões que versavam sobre: atenção domiciliar, visita domiciliar dos profissionais da odontologia; necessidades dos cuidadores em relação à saúde bucal dos idosos; autocuidado em saúde bucal; e práticas de cuidado em saúde bucal.

Com esse número inicial de participantes, partiu-se para a coleta de dados seguindo-se a construção de uma amostra intencional por saturação teórica. Intencional por buscar atores que correspondessem aos critérios estabelecidos e saturação teórica relacionada ao objeto de estudo pautado no cuidado em saúde bucal do idoso1616 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qualitativa. 2017;5(7):1-12.,1717 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):389-94.. O encerramento da coleta aconteceu quando o pesquisador acreditou, após imersão nas leituras das entrevistas, que a riqueza dos dados era suficiente para trazer consensos sobre o objeto de pesquisa em questão, juntamente com os contextos teóricos envolvendo o mesmo. Soma-se a esse fato, que o ponto de saturação deu-se em função desse recorte do objeto da pesquisa, ao nível de profundidade que se desejou explorar e à homogeneidade da população estudada. Deste modo, o número de cuidadores entrevistados foi de 13 sujeitos.

As entrevistas foram áudio gravadas e transcritas. Por questões éticas, a identidade dos indivíduos foi preservada, adotou-se a nomenclatura de Cuidador numerados de 1 a 13.

O processo de análise dos dados, iniciou-se quando o pesquisador entrou em contato com a realidade a ser estudada durante a produção verbal dos dados na interação pesquisador e pesquisado. Em seguida, foi realizada a sistematização e análises dos dados por meio da técnica de Análise de Conteúdo de toda a produção textual. A análise foi realizada em três etapas, sendo elas: a pré-análise e exploração do material; o tratamento dos dados por meio da construção de categorias temáticas; e a inferência e interpretação das categorias1818 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011..

Na pré-analise foi feita uma leitura geral das entrevistas a fim de ter o primeiro contato com o conteúdo para organização dos dados. Nessa exploração do material empírico, foram identificadas as unidades de registro e de contexto, visando alcançar o núcleo de compreensão geral dos textos1818 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.. No tratamento dos dados, os mesmos foram transformados em categorias de acordo com temas emergentes nas falas dos cuidadores. Por meio de inferências feitas pelo pesquisador, mediante suas vivências e experiências frente o objeto de pesquisa, as categorias temáticas foram interpretadas de acordo com o que preconiza a Política Nacional de Saúde Bucal1919 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica e Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal [Internet]. Brasília, DF: MS; 2004. [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.pdf.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o número 51370815.8.0000.5414. Todos os participantes foram convidados a participar por livre vontade e assinaram os devidos termos de consentimento livre e esclarecido. Foi respeitado o sigilo das informações que pudessem identificar qualquer participante.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os quadros 1 e 2 apresentam os resultados das variáveis socioeconômicas dos 13 cuidadores de idosos, obtidos através do preenchimento de um questionário para determinação do perfil socioeconômico do cuidador.

Quadro 1
Perfil dos cuidadores segundo as categorias: demográfica, social, grau de parentesco e a respeito da formalidade do cuidado. Ribeirão Preto, São Paulo, 2016.

Quadro 2
Perfil dos cuidadores segundo as categorias: escolaridade, ocupação/trabalho, jornada de trabalho diária, tempo na função de cuidador e renda. Ribeirão Preto, São Paulo, 2016.

O quadro 1 mostra que todos os 13 cuidadores são informais, a maioria do sexo feminino, com idade entre 30 e 82 anos e estado civil casada. Em relação ao parentesco, a maioria era filha ou cônjuge. Além disso, duas pessoas foram contratadas para exercer a função de empregada doméstica e de cuidadora informal, e não moram na mesma casa que os idosos.

O quadro 2 exibe os dados socioeconômicos de cada cuidador. O nível de escolaridade ensino fundamental incompleto foi o mais citado, e apenas um se declarou analfabeto. Ainda, observa-se que a maioria não exerce outra ocupação/trabalho, os demais trabalham como: empregada doméstica, diarista, passadeira e cozinheira afastada do trabalho temporariamente.

O tempo de trabalho diário foi 24 horas (69,23%) e 8 a 10 horas (30,76%). Todos aqueles que referiram o dia todo de trabalho possuem algum grau de parentesco. O tempo de exercício na profissão de cuidador variou de 1 a 3 anos (30,76%), 4 a 6 anos (7,69%) e 7 a 10 anos (23,07%).

Verificou-se que a maioria dos cuidadores tem uma renda individual de pelo menos um salário mínimo referente à aposentadoria, outros não referiram.

O perfil dos cuidadores encontrado na literatura é semelhante ao obtido nesse estudo. São cuidadores informais, na maioria mulheres, na faixa etária de 30 a 80 anos, com parentesco como filha ou esposa, baixo grau de escolaridade e sem outra ocupação/trabalho2020 Vieira CPB, Fialho AVM, Freitas CHA, Jorge MSB. Práticas do cuidador informal do idoso no domicílio. Rev Bras Enferm. 2011;64(3):570-9.,2121 Gonçalves LHT, Nassar SM, Daussy MFS, Santos SMA, Alvarez AM. O convívio familiar do idoso na quarta idade e seu cuidador. Ciênc Cuid Saúde. 2011;10(4):746-54.,2222 Warmling AMF, Santos SMA, Mello ALSF. Estratégias de cuidado bucal para idosos com Doença de Alzheimer no domicílio. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(5):851-60..

Dos dados analisados nas entrevistas, emergiram três categorias de análise: a) visita domiciliar e os profissionais de saúde; b) vivência do cuidador e os cuidados com o idoso dependente/semidependente; e c) o cuidador e seu autocuidado.

Visita Domiciliar e os profissionais de saúde

Na percepção dos cuidadores foram considerados importantes a realização de visitas domiciliares e um maior comprometimento da equipe do NSF com os cuidados de saúde para o idoso, apesar do conhecimento restrito sobre o papel do profissional dentista. Segundo a Política Nacional de Saúde Bucal1919 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica e Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal [Internet]. Brasília, DF: MS; 2004. [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.pdf, são ações de saúde bucal a realização de visitas domiciliares às pessoas acamadas ou com dificuldade de locomoção, para acompanhamento, tratamento e avaliação de possíveis riscos à saúde1919 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica e Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal [Internet]. Brasília, DF: MS; 2004. [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.pdf.

Alguns cuidadores referiram receber visita domiciliar dos profissionais do NSF, principalmente do agente comunitário de saúde (ACS) e do médico. Também verbalizam que nunca receberam a visita de um dentista ou não sabiam da atuação desse profissional no território do NSF. Apesar dos cuidadores desconhecerem o cirurgião-dentista, a realização de visita domiciliar por este é algo fundamental para avaliação da condição de saúde bucal e orientações de cuidado2323 Barros GB, Cruz JPP, Santos AM, Rodrigues AAAO, Bastos KF. Saúde bucal a usuários com necessidades especiais: visita domiciliar como estratégia no cuidado à saúde. Rev Saúde Comun. 2006;2(2):135-42..

“ah porque sempre vem né [...] igual outro dia veio a (médica residente de família) [...] vem a (ACS) [...] sempre vem ver como a gente tá...” (Cuidador 2).

“Vem, vem a doutora (médica)” (Cuidador 8).

Por outro lado, outros cuidadores receberam visitas frequentes do dentista (estudante de graduação, residente ou preceptor):

“foi... eu ia sempre... foi... em fevereiro (visita dos alunos)” (Cuidador 1).

“Ah, o (dentista preceptor) que vem sempre” (Cuidador 12).

No NSF os profissionais que exercem as atividades de saúde bucal são residentes do programa de Residência Multiprofissional em Atenção Integral à Saúde - área Odontologia, alunos do 5°ano da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e um profissional contratado pela respectiva faculdade que atua como preceptor dos alunos e residentes.

Pode ser observada nos relatos a ausência de profissionais de saúde bucal realizando visitas, pois não existe uma equipe de saúde bucal contratada para o NSF. Com a inclusão do dentista na equipe seria possível planejamento levando em consideração os riscos, a necessidade tratamento e o seguimento longitudinal33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6.,2424 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):179-88..

Consta nas Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal1919 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica e Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal [Internet]. Brasília, DF: MS; 2004. [acesso em 31 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.pdf que a educação em saúde deve ser realizada pelo cirurgião-dentista, técnico em higiene dental e/ou auxiliar de consultório dentário, levando em consideração as diferenças culturais, alimentação, instrução de higiene e atenção aos cuidados com o próprio corpo. Essas atividades podem ter a participação de profissionais de outras áreas da saúde33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6., principalmente durante as visitas domiciliares.

Alguns cuidadores mostraram uma visão do dentista relacionada ao modelo assistencial. Os mesmos expressaram o tratamento odontológico como atividade principal a ser realizada com o idoso:

“Entrevistador: Para o seu esposo. O quê o dentista poderia fazer para ajudar nos cuidados com seu esposo?

Entrevistado: Os dentes dele não estão bons. Se eu fosse ele arrancava tudo” (Cuidador 10).

A falta de orientações em relação à saúde bucal pode estar associada à percepção de necessidade de extração total dos dentes do idoso. Essa visão negativa em relação à saúde do idoso envolve aspectos como a dificuldade de higienização, maior facilidade no preparo de alimentos pastosos ou dificuldade de locomoção para ir até um consultório (neste caso, o idoso é semidependente e usa cadeira de rodas). Ou ainda, por não receber instruções sobre as técnicas de higienização bucal no leito com instrumentos facilitadores2525 Ferraz GA, Leite ICG. Instrumentos de visita domiciliar: abordagem da odontologia na estratégia de saúde da família. Rev APS. 2016;19(2):302-14..

Algumas vezes, pelo fato do idoso que recebe o cuidado não relatar sentir dor ou incomodo, a percepção do cuidador esteve associada ao fato de não saber as ações que o dentista poderia desenvolver relacionando o papel do dentista às práticas curativistas. Segundo Dutra e Sanchez2424 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):179-88., o modelo assistencial está presente na vida dos idosos e interfere na sua saúde bucal, pois eles vivenciaram a odontologia curativista e mutiladora.

Duas ações para contribuir nos cuidados com o idoso percebidas pelos cuidadores foram: a orientação de higiene oral e as visitas domiciliares feitas pelo dentista ou pela equipe da ESF.

“A orientação pode ser, fez falta, quanto mais à gente aprender melhor pra gente lidar com a pessoa, eu acho que a coisa mais difícil é quando a pessoa tem mau hálito, incomoda a gente” (Cuidadora 3).

“Eu acho assim, a escovação vocês tinham que trazer por escrito, não manual, coisas que você vai mostrar. Assim, para quem é acamada, essa aqui é a higienização, assim, assim, assim. Ajudaria muito” (Cuidadora 11).

Em contrapartida ao modelo assistencial devem ser elaboradas ações de promoção de saúde bucal voltadas à população idosa2626 Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(1):181-9., principalmente ações direcionadas aos cuidadores, pois na maioria das vezes eles se encarregam da realização dos cuidados com a saúde bucal do idoso dependente/semidependente2424 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):179-88..

A compreensão das análises feitas nessa categoria evidencia a necessidade da realização de visitas domiciliares por profissionais de saúde bucal inseridos na ESF, pois o vínculo, orientações e troca de informações e conhecimentos desses profissionais com o cuidador podem contribuir nos cuidados com o idoso e em sua qualidade de vida.

Vivência do cuidador e os cuidados com o idoso

A adaptação das atividades realizadas pelos cuidadores para melhor cuidado com a saúde bucal e alimentação dos idosos foram apontadas como parte de sua rotina de cuidados. Segundo os cuidadores, a maioria dos idosos dependentes/semidependentes usam algum tipo de prótese dentária e a dor ou incômodo os levou ao uso menos frequente ou não uso.

De acordo com os cuidadores, os idosos edentados totais, que não usam prótese, se alimentam de comida pastosa. Percebe-se que a perda dental levou a mudanças nos hábitos alimentares e no preparo de alimentos pelo cuidador. Alguns cuidadores percebem as dificuldades alimentares dos idosos dependentes e preparam alimentos pastosos para que eles consigam se alimentar e possuir melhor qualidade de vida. Por outro lado, na percepção dos cuidadores, a ausência dos dentes torna mais fácil a higienização da cavidade oral, evita queixa de dor e a necessidade de locomoção até o consultório odontológico.

Uma das cuidadoras, há dois anos, trabalha 40 horas semanais como empregada doméstica e cuidadora de uma idosa dependente. Ela relatou que essa idosa diz sentir que a prótese está machucando e adotou novas formas de preparo dos alimentos:

“Ela tem, assim, de mastigar, por exemplo, ela não mastiga maçã. Até mesmo bife e carne eu faço na pressão” (Cuidadora 11).

Além disso, outra dificuldade relatada por uma cuidadora a um profissional de saúde (fonoaudióloga) foi a demora do idoso em se alimentar. Neste caso, o idoso não conseguia levar os alimentos na boca dependendo da cuidadora, levando-a ao cansaço físico e mental.

Em relação às alterações da cavidade bucal do idoso, elas podem influenciar na fisiologia, no convívio em sociedade e no exercício da função mastigatória e da fala44 Saliba NA, Moimaz SAS, Marques JAM, Prado RL. Perfil de cuidadores de idosos e percepção sobre saúde bucal. Interface (Botucatu) [Internet]. 2007 [acesso em 31 jan. 2017];11(21):39-50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100005&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1111 Pereira KCR, Guimarães FS, Alcauza MTR, De Campos DA, Moretti-Pires RO. Percepção, conhecimento e habilidades de cuidadores em saúde bucal de idosos acamados. Saúde Transform Soc. 2015;5(3):34-41.. A preparação dos alimentos pode levar a uma boa ou má alimentação e influenciar sua digestão. Ainda, esses autores ressaltam que a falta de instrução de como realizar os cuidados com a saúde bucal do idoso, as limitações físicas dos idosos e o excesso de tempo dedicado a essa função, gera um cuidado deficiente por parte dos cuidadores.

Aspectos percebidos pelos cuidadores como importantes na qualidade de vida dos idosos estão relacionados à fala e à estética. Mastigar e engolir foram dificuldades referidas em estudo com idosos com algum tipo de dependência, além de estarem insatisfeitos com sua estética dental33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6.. Além disso, uma boa fisionomia e cuidados adequados com saúde bucal elevam a autoestima, proporcionam bem-estar e qualidade de vida1111 Pereira KCR, Guimarães FS, Alcauza MTR, De Campos DA, Moretti-Pires RO. Percepção, conhecimento e habilidades de cuidadores em saúde bucal de idosos acamados. Saúde Transform Soc. 2015;5(3):34-41..

Neste sentido, a maioria dos cuidadores expressou realizar o exame da cavidade oral dos idosos, porém sem orientação de um profissional de saúde bucal. O exame da boca é um importante passo para verificar alterações como: manchas ou feridas e, para isso, o cuidador deve contar com um treinamento e orientação do cirurgião-dentista2727 Gonçalves LHT, Mello ALSF, Zimermann K. Validação de instrumento de avaliação das condições de saúde bucal de idosos institucionalizados. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2010;14(4):839-47..

O aparecimento de feridas semelhantes a herpes na cavidade oral de uma idosa dependente chamou a atenção, e a cuidadora usou bicarbonato como forma de tratamento, a partir de suas crenças e saberes.

Outro cuidado relatado foi quanto à higiene oral dos idosos, que é realizada de diferentes formas:

“Ah eu escovo com a pasta, depois eu pego o fio dental e vou limpando os dentes dele” (Cuidadora 1).

“No chuveiro, eu passo a escova na boca dela, na língua, nas bochechas, a mando enxaguar, e a prótese eu tiro lá no tanque” (Cuidadora 11).

Outra cuidadora referiu não realizar a limpeza da cavidade oral de sua mãe, pois nunca recebeu orientação. Isso se deve também à falta de segurança ou por não possuir facilidade para efetuar essa função2626 Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(1):181-9..

Percebe-se nessa categoria que a maioria dos cuidadores não recebeu orientação para realizar ações essenciais no cuidado em saúde bucal, como realizar o exame e a higiene oral do idoso. Identifica-se, portanto, a necessidade de planejamento e acompanhamento por uma equipe multiprofissional, incluindo o cirurgião-dentista.

O cuidador e seu autocuidado

A fim de compreender melhor os cuidados realizados com os idosos, torna-se importante conhecer a percepção dos cuidadores em relação ao seu autocuidado com a saúde bucal.

Neste estudo, grande parte dos cuidadores possuía idade superior a 50 anos, faziam uso de algum tipo de prótese e não sentia dor ou incômodo em cavidade oral. Alguns deles apresentaram insatisfações como: dificuldade de adaptação da prótese ou fratura da mesma; não usar prótese em um dos arcos ou não usar por impasses financeiros.

Quando o cuidador tem idade avançada, a sobrecarga de trabalho é maior, o que também pode influenciar em suas condições de saúde e nas ações para seu autocuidado44 Saliba NA, Moimaz SAS, Marques JAM, Prado RL. Perfil de cuidadores de idosos e percepção sobre saúde bucal. Interface (Botucatu) [Internet]. 2007 [acesso em 31 jan. 2017];11(21):39-50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100005&lng=en.
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. Essa faixa etária parece ter vivenciado o modelo assistencial mutilador, o que pode explicar o alto índice de uso de prótese. A condição de saúde bucal dos cuidadores está relacionada com a percepção de sua saúde e concepção de saúde bucal, condição socioeconômica, renda insuficiente e pouca formação escolar que diminuem a procura por serviços odontológicos1212 Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35.,2424 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):179-88..

Poucos cuidadores referiram sentir dor ou incomodo em cavidade oral, citaram sensibilidade dentária a água gelada, restos dentais e sensação de dente crescido. Entretanto, quando apresentavam algum desses problemas em cavidade oral, sua autopercepção de saúde bucal era negativa afetando sua qualidade de vida2828 Corrêa HW, Bitencourt FV, Nogueira AV, Toassi RFC. Saúde bucal em usuários da atenção primária: análise qualitativa da autopercepção relacionada ao uso e necessidade de prótese dentária. Physis. 2016;269(2):503-24..

Uma das cuidadoras, a qual cuida da mãe e trabalha como diarista, disse que realiza a higiene oral corretamente e se queixou de ter feito extração dentária, mas percebe que ficou um pedaço do dente na boca, nota sangramento gengival nessa região e, às vezes, sente dor.

A maior parte dos cuidadores expressou não ter dificuldade mastigatória, de fala ou estética. Os que possuíam alguma queixa, esta estava relacionada ao uso de aparelho ortodôntico, maior perda dental em um quadrante da cavidade oral ou não gostar do sorriso:

“Ah não consigo comer direito, principalmente desse lado aqui que falta mais dentes, do lado esquerdo” (Cuidador 5).

“No sorriso eu acho que faz falta. Porque o sorriso é tudo” (Cuidadora 3).

Neste estudo, de forma geral, a autopercepção de saúde bucal dos cuidadores indicou a inexistência de incomodo ou dor ou dificuldade mastigatória, de comunicação ou estética, no entanto, eles gostariam de realizar algum tipo de tratamento odontológico. Uma cuidadora, aposentada, que cuida do esposo relatou questões de saúde geral como escoliose e doença de Chagas e, insatisfação com sua boca, parecia preocupada com sua saúde bucal e demostrava querer tratamento odontológico e novas próteses.

Outra cuidadora relatou problemas com os dentes da prótese. Já uma mais jovem referiu estar insatisfeita por ter interrompido o tratamento ortodôntico, ela completou o ensino médio mas não tinha renda individual e dedicava-se aos cuidados da mãe 24 horas por dia.

A vontade dos cuidadores em querer realizar tratamento odontológico e não conseguirem pode estar relacionada à quantidade de horas dedicadas a essa função, com pouco tempo para cuidar de si e baixa renda, resultando em alterações mentais e físicas e interferindo no bem-estar e no convívio em sociedade44 Saliba NA, Moimaz SAS, Marques JAM, Prado RL. Perfil de cuidadores de idosos e percepção sobre saúde bucal. Interface (Botucatu) [Internet]. 2007 [acesso em 31 jan. 2017];11(21):39-50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100005&lng=en.
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,2222 Warmling AMF, Santos SMA, Mello ALSF. Estratégias de cuidado bucal para idosos com Doença de Alzheimer no domicílio. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(5):851-60..

Manter uma boa saúde bucal é importante para o bem-estar e envelhecimento, a fim de evitar doenças bucais e extra-bucais1111 Pereira KCR, Guimarães FS, Alcauza MTR, De Campos DA, Moretti-Pires RO. Percepção, conhecimento e habilidades de cuidadores em saúde bucal de idosos acamados. Saúde Transform Soc. 2015;5(3):34-41.. Alguns cuidadores acreditam que uma cavidade oral insatisfatória levam a alterações no organismo2929 Rovida TAS, Peruchini LFD, Moimaz SAS, Garbin CAS. O conceito de saúde geral e bucal na visão dos cuidadores de idosos. Odontol. Clín.-Cient. 2013;12(1):43-6.. Além disso, os princípios constitucionais do SUS reconhecem a saúde bucal componente inerente à saúde geral3030 Antunes JLF, Narvai PC. Políticas de saúde bucal no Brasil e seu impacto sobre as desigualdades em saúde. Rev Saúde Pública. 2010;44(2):360-5..

Grande parte dos cuidadores referiram fazer o autoexame bucal, alguns citaram realizá-lo no mutirão odontológico anual ou em sua própria casa. Os profissionais de saúde da ESF devem ter conhecimento para dar orientações de como realizar o autoexame bucal e explicar a importância da preservação dos dentes na cavidade oral para consumir alimentos essenciais ao funcionamento do organismo33 Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):730-6.. Ainda, alguns autores relacionam o autoexame bucal à autoavaliação positiva ou negativa de saúde bucal1212 Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35.. A interferência da saúde bucal na saúde geral foi discutida com os cuidadores. A ausência de dentes inferiores de uma cuidadora dificulta sua mastigação e ela sente que a prótese não tem a mesma capacidade de trituração dos alimentos, interferindo em sua alimentação.

Diferente do que foi relatado sobre os cuidados com o idoso a maioria dos cuidadores recebeu instruções de como cuidar da sua boca pelo dentista, referiu não ter dificuldade durante a realização da higiene oral, e usar pasta e escova de dente. Alguns fazem uso do fio dental e enxaguatório bucal; pastilhas efervescentes e uso de bicarbonato ou vinagre para higiene da prótese. Muitos realizam sua higiene de acordo com sua experiência de vida.

“Ah, eu lavo todos os dias, depois do almoço também, uma vez eu fui ao dentista e ela me deu umas pedrinhas (pastilhas efervescentes) que você põe no copo com água e põe a prótese para limpar, eu faço essa higiene”. (Cuidadora 12).

“Entrevistador: e como que faz o uso do bicarbonato?

Entrevistado: ah... a gente põe no limão e passa.

Entrevistador: espreme o limão no bicarbonato?

Entrevistado: éhh” (Cuidadora 1).

“Eu enxaguo, escovo primeiro com a escova e pasta, ai depois que eu ponho pasta, limpo toda a prótese. Deixo a prótese uma vez por semana no bicarbonato com água, ou vinagre” (Cuidadora 8).

Os cuidados com a saúde bucal são complexos e envolvem os conhecimentos prévios, vivência e experiência de vida1111 Pereira KCR, Guimarães FS, Alcauza MTR, De Campos DA, Moretti-Pires RO. Percepção, conhecimento e habilidades de cuidadores em saúde bucal de idosos acamados. Saúde Transform Soc. 2015;5(3):34-41. como foi verificado pelos relatos dos cuidadores. Por isso, deve-se respeitar os princípios, experiências e as crenças do cuidador e do idoso a fim de unir suas práticas culturais com as orientações do dentista2727 Gonçalves LHT, Mello ALSF, Zimermann K. Validação de instrumento de avaliação das condições de saúde bucal de idosos institucionalizados. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2010;14(4):839-47..

Vê-se que o cuidador tem boa autopercepção de sua saúde bucal e realizam ações para seu autocuidado. Ainda, indicam interesse pelo tratamento odontológico, por questões estéticas e/ou funcionais, no entanto, além de conhecimento restrito sobre o papel do cirurgião-dentista da ESF, apresentam dificuldades para ir em busca do serviço.

O estudo apresenta limitações em relação ao fato de estudar apenas cuidadores informais de idosos assistidos pela ESF. Por se tratar de um estudo da análise dos conteúdos do material textual e de percepção dos sujeitos, não se pode afirmar que tais achados refletem fenômenos, culturas de cuidado em saúde bucal ou mesmo teorias sobre tal objeto de pesquisa.

CONCLUSÃO

O presente estudo aponta importantes resultados sobre a questão que envolve a saúde bucal na perspectiva dos cuidadores de idosos. Tais resultados mostram-se relevantes para a realidade do cuidado que se deve ter em relação ao cuidador, para que o mesmo proporcione um cuidado adequado em saúde bucal do idoso dependente.

Entender a percepção dos cuidadores em relação à saúde bucal é essencial para o planejamento de ações de promoção e prevenção de saúde bucal voltadas para si e para os idosos. A presença de uma equipe de saúde bucal em unidades de saúde da família torna-se imprescindível para atender a essa demanda, que deve aumentar com o passar dos anos devido ao crescimento da população idosa.

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  • Financiamento da pesquisa:

    Programa Unificado de Bolsas de Estudo para Estudantes de Graduação da Universidade de São Paulo. Número do processo: 644.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2016
  • Revisado
    04 Jul 2017
  • Aceito
    29 Ago 2017
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