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Acurácia do teste de Clements para avaliação da maturidade pulmonar fetal em gestantes com doença hipertensiva específica da gestação

Accuracy of Clements' test for evaluation of fetal lung maturation in preeclamptic patients

Resumos

Objetivos: determinar sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo e negativo do teste de Clements para avaliação da maturação pulmonar fetal na DHEG. Métodos: foi realizado um estudo prospectivo para validação de técnica diagnóstica, envolvendo 163 gestantes (com idade gestacional entre 28-34 semanas) internadas no IMIP com diagnóstico de DHEG (leve, grave, pura ou superposta) e indicação de pesquisa de maturidade pulmonar fetal. O diagnóstico de DHEG e suas formas clínicas foi realizado de acordo com os parâmetros propostos pelo "National High Blood Pressure Working Group", 1990. O teste de Clements foi realizado em três tubos, considerando-se para análise os resultados positivos, intermediários e negativos (em relação à presença ou não de maturação pulmonar fetal). Os parâmetros de acurácia já descritos foram calculados levando em consideração a real incidência de doença da membrana hialina (maturidade positiva = ausência de doença) ao nascimento. A análise dos dados foi realizada em Epi-Info 6.04, utilizando-se o teste chi² de associação e considerando-se um nível de significância de 5%. Resultados: para determinação da acurácia do método, foram considerados os resultados intermediários como positivos ou negativos. Quando estes foram considerados positivos, determinou-se uma sensibilidade de 87,9% e uma especificidade de 74,5%, valor preditivo positivo e negativo de respectivamente 89,4% e 71,4%, com uma acurácia de 84%. Em se analisando como negativos esses resultados intermediários, a sensibilidade caiu para 62%, ao passo que a especificidade elevou-se para 89,4%, com um valor preditivo positivo de 93,5% e valor preditivo negativo de 51,2% (acurácia em torno de 70%). Os resultados falso-positivos foram raros e em geral associados à hipoxia neonatal: somente 5 (6.5%) de 77 recém-nascidos com Clements positivo apresentaram DMH após o nascimento. No entanto, os resultados falso-negativos foram freqüentes, em torno de 40% para os resultados negativos/intermediários. Conclusões: o teste de Clements representa um bom teste para investigação maturação pulmonar fetal em casos de DHEG, sendo raros os resultados falso-positivos. No entanto, em virtude da especificidade baixa, com elevada freqüência de resultados falso-negativos, seus resultados devem ser analisados com cautela, complementando-se a pesquisa de maturidade com outros métodos (sobretudo em casos graves, quando a maturidade pulmonar presente irá determinar a indicação de interrupção da gestação).

Teste de Clements; Maturidade Pulmonar Fetal; DHEG; Pré-eclâmpsia; Doença da Membrana Hialina


Objectives: To determine sensitivity, specificity, positive and negative predictive values of the shake test (Clements) for evaluation of fetal lung maturation in preeclamptic patients. Methods: A prospective study for validation of a diagnostic method was conducted enrolling 163 preeclamptic patients (gestational age between 28-34 weeks) admitted at CAM-IMIP with indication for fetal maturity testing. Preeclampsia diagnosis and classification followed criteria of the National High Blood Pressure Working Group, 1990. Clements' test was performed in three tubes and positive, negative or intermediate results were considered for analysis (related to presence or absence of fetal lung maturity). Accuracy parameters were calculated considering actual incidence of hyaline membrane disease (positive maturity = absent disease) after birth. Hyaline membrane disease was defined by criteria of CLAP, 1978. Statistical analysis was performed using c² test (Epi-Info 6.04b) with a 5% significance level. Results: Intermediate results were considered alternately as positive or negative for analysis. When considered positive, sensitivity was 87.9% and specificity 74.5% with positive and negative predictive values of 8.9.4% and 71.4% respectively - efficiency was 84%. When intermediate results were evaluated as negative, sensitivity decreased to 62% and specificity raised to 89.4% and positive and negative predictive values were 93.5% and 51.2% respectively (efficiency = 70%). False-positive results were rare and usually related to neonatal hypoxia: only 5 (6.5%) of 77 neonates with previous positive Clements had hyaline membrane disease. Nevertheless, false negatives were frequent: almost 40% for negative/intermediate results. Conclusions: Despite its limitations, Clements' test remains a good method for investigation of fetal lung maturation in preeclamptic patients since false positive results are unusual. However sensitivity is low and results have be cautiously analyzed because of elevated rate of false negative results. A good policy is to complement fetal maturity investigation with other tests if a negative result is determined, specially in severe cases when confirmed maturity represents indication for interruption of pregnancy.

Clements' test; Fetal lung maturation; Preeclampsia; Hyaline membrane disease


Trabalhos Originais

Acurácia do Teste de Clements Para Avaliação da Maturidade Pulmonar Fetal em Gestantes com Doença Hipertensiva Específica da Gestação

Accuracy of Clements' Test for Evaluation of Fetal Lung Maturation in Preeclamptic Patients

Melania Maria Ramos de Amorim, Aníbal Faúndes, Luiz Carlos Santos, Elvira Azevedo

RESUMO

Objetivos: determinar sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo e negativo do teste de Clements para avaliação da maturação pulmonar fetal na DHEG.

Métodos: foi realizado um estudo prospectivo para validação de técnica diagnóstica, envolvendo 163 gestantes (com idade gestacional entre 28-34 semanas) internadas no IMIP com diagnóstico de DHEG (leve, grave, pura ou superposta) e indicação de pesquisa de maturidade pulmonar fetal. O diagnóstico de DHEG e suas formas clínicas foi realizado de acordo com os parâmetros propostos pelo "National High Blood Pressure Working Group", 1990. O teste de Clements foi realizado em três tubos, considerando-se para análise os resultados positivos, intermediários e negativos (em relação à presença ou não de maturação pulmonar fetal). Os parâmetros de acurácia já descritos foram calculados levando em consideração a real incidência de doença da membrana hialina (maturidade positiva = ausência de doença) ao nascimento. A análise dos dados foi realizada em Epi-Info 6.04, utilizando-se o teste c2 de associação e considerando-se um nível de significância de 5%.

Resultados: para determinação da acurácia do método, foram considerados os resultados intermediários como positivos ou negativos. Quando estes foram considerados positivos, determinou-se uma sensibilidade de 87,9% e uma especificidade de 74,5%, valor preditivo positivo e negativo de respectivamente 89,4% e 71,4%, com uma acurácia de 84%. Em se analisando como negativos esses resultados intermediários, a sensibilidade caiu para 62%, ao passo que a especificidade elevou-se para 89,4%, com um valor preditivo positivo de 93,5% e valor preditivo negativo de 51,2% (acurácia em torno de 70%). Os resultados falso-positivos foram raros e em geral associados à hipoxia neonatal: somente 5 (6.5%) de 77 recém-nascidos com Clements positivo apresentaram DMH após o nascimento. No entanto, os resultados falso-negativos foram freqüentes, em torno de 40% para os resultados negativos/intermediários.

Conclusões: o teste de Clements representa um bom teste para investigação maturação pulmonar fetal em casos de DHEG, sendo raros os resultados falso-positivos. No entanto, em virtude da especificidade baixa, com elevada freqüência de resultados falso-negativos, seus resultados devem ser analisados com cautela, complementando-se a pesquisa de maturidade com outros métodos (sobretudo em casos graves, quando a maturidade pulmonar presente irá determinar a indicação de interrupção da gestação).

PALAVRAS-CHAVE: Teste de Clements. Maturidade Pulmonar Fetal. DHEG. Pré-eclâmpsia; Doença da Membrana Hialina.

Introdução

A prematuridade constitui, ainda em nossos dias, uma das complicações mais freqüentes da Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG)4,13, decorrente quer de um trabalho de parto espontâneo, em razão quer da contratilidade uterina aumentada quer, comumente, da conduta obstétrica de interrupção da gravidez, quando o quadro clínico se agrava e há comprometimento das condições maternas ou fetais. Determinada pela presença do vilo corial no organismo materno4,17, de fato, a única "cura" possível para a doença é o parto, e o parto prematuro terapêutico é indicado, amiúde, em idade gestacional precoce, quando soem apresentar-se as formas graves.

Dessa forma, expressivo percentual das complicações neonatais relacionadas à DHEG é provocado pela prematuridade6 e a decisão pelo parto, embora geralmente baseada na gravidade da doença, requer, desde que não exista risco aumentado para a mãe, a avaliação de maturidade pulmonar do concepto19.

A Doença da Membrana Hialina (DMH), ou Síndrome de Angústia Respiratória do Recém-Nascido (SAR) é de longe o problema clínico mais comumente encontrado entre os recém-nascidos9,16. A incidência varia em função da idade gestacional: entre 28-30 semanas é de aproximadamente 70%, diminuindo então progressivamente, de forma que é excepcional sua ocorrência a partir de 37 semanas5. No IMIP, sua incidência em prematuros de mães com DHEG entre 28-34 semanas é de 42%2.

Sua importância como causa de mortalidade neonatal persiste, atualmente, apesar do real progresso obtido em termos de prevenção ou redução de sua gravidade, promovido em parte pelos avanços obstétricos na prevenção do parto prematuro e na aceleração farmacológica da maturidade pulmonar e, por outro lado, pelo emprego da terapia pós-natal com surfactante exógeno10.

Em decorrência dessa preocupação com a prematuridade, deve, portanto, o obstetra avaliar os riscos e benefícios de cada caso e realizar uma boa avaliação da maturidade fetal. Essa avaliação pode ser feita por meio de métodos clínicos e ecográficos (baseados na determinação da idade gestacional), bem como pelo estudo do líquido amniótico. Nesse, são analisadas as características físicas, a bioquímica e a citologia. Podem ser realizados o TAP teste22, a espectrofotometria, a dosagem de fosfatidilglicerol1,8, a relação lecitina/esfingomielina7 e o teste de Clements.

Em 1972, Clements et al.3 propuseram um teste rápido, simples e seguro para avaliar a maturidade fetal, que se baseia na capacidade que o surfactante pulmonar tem de formar bolhas estáveis quando em contato com o etanol. O tubo é considerado positivo quando há bolhas formando um anel completo, intermediário quando há bolhas, mas que não completam o anel e negativo quando não há bolhas. O teste, por sua vez, é positivo quando os três tubos apresentam bolhas completas, negativo quando não há formação de bolhas em nenhum dos tubos e intermediário nas demais condições3,11.

No que diz respeito à acurácia do teste de Clements, ele praticamente não apresenta resultados falso-positivos, variando de 1-3%20; entretanto, os falso-negativos são mais freqüentes variando de 8% a 10% para alguns autores11 e de 10% a 40% para outros. Cunningham et al.4 acreditam que é necessária uma relação L/E de 4,0 ou superior para produzir um teste positivo. Nos casos de contaminação com sangue pode haver resultados falso-positivos, problema esse que se resolve com a centrifugação do líquido amniótico.

O presente estudo foi realizado com o objetivo de determinar sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo do teste de Clements para avaliação da maturação pulmonar fetal em gestações complicadas pela Doença Hipertensiva Específica da Gestação.

Pacientes e Métodos

Foi realizado um estudo prospectivo para validação de técnica diagnóstica, envolvendo 163 gestantes (com idade gestacional entre 28 - 34 semanas) internadas no IMIP com diagnóstico de DHEG (leve, grave, pura ou superposta) e indicação de pesquisa de maturidade pulmonar fetal.

Os critérios de inclusão foram: idade gestacional maior ou igual a 28 e menor que 35 semanas (ou seja, até 34 semanas e 6 dias), confirmada pela data da última menstruação (DUM) e/ou ultra-sonografia, compatível com a avaliação clínica do recém-nascido (método de Capurro); diagnóstico materno confirmado de DHEG (avaliação clínica e laboratorial); concepto vivo; gestação única.

Os critérios de exclusão foram eclâmpsia, doenças maternas associadas (diabetes, colagenoses, cardiopatias, asma), amniorrexe prematura, presença de mecônio ou sangue no líquido amniótico por ocasião da amniocentese, líquido amniótico meconizado diagnosticado durante o trabalho de parto com ou sem Síndrome de Aspiração Meconial, morte neonatal ocorrida antes de 24 horas de vida, tempo decorrido entre a amniocentese e o parto maior que 1 semana, terapia prévia com corticosteróides durante a gravidez (betametasona, hidrocortisona, dexametasona); placenta prévia - ou qualquer episódio hemorrágico no 2º ou 3º trimestre; Doença Hemolítica Perinatal e recém-nascidos com malformações congênitas.

As variáveis pesquisadas foram o resultado do teste de Clements (independente) e ocorrência de Doença da Membrana Hialina (dependente).

Definição de Termos, Procedimentos e Variáveis

DHEG - hipertensão (PAS ³ 140 e/ou PAD ³ 90 mmHg), proteinúria (1+ pelo labstix em 2 ocasiões ou 2+ ou mais em dosagem isolada ou ainda ³ 300 mg/l/24 horas), hiperuricemia (ácido úrico ³ 4.5 mg%)

DHEG grave - diagnóstico de qualquer um dos seguintes sinais e sintomas em pacientes com pressão arterial ³ 160/110 mmHg, proteinúria ³ 2g/l/24 horas ou labstix de 3 + ou mais, oligúria / oligoanúria ( ¯ 25 ml/ hora), creatinina sérica > 1,2 mg%, sinais e sintomas de eclâmpsia iminente, achados clínicos ou laboratoriais de HELLP síndrome (plaquetas abaixo de 100.000/mm3, transaminases ­ 70 UF, bilirrubinas > 1,2mg%), edema agudo de pulmão ou cianose, achados fundoscópicos - hemorragias, exsudatos retinianos e papiledema15.

DHEG superposta - associação dos parâmetros clínicos ou laboratoriais da DHEG em pacientes com hipertensão arterial crônica.

Doença da Membrana Hialina (Síndrome de Angústia Respiratória do Recém-Nascido) - o diagnóstico foi estabelecido a partir dos critérios definidos pelo CLAP21: sinais de insuficiência respiratória nas primeiras horas de vida (dispnéia, taquipnéia > 60/minuto, retração esternal, tiragem intercostal, cianose central e gemido expiratório) com piora progressiva e surgimento de crises de apnéia, atingindo o pico entre 48-72 horas; achados radiológicos - padrão reticulogranular difuso, com ou sem aerobroncograma; necessidade de assistência respiratória com 24 horas de vida.

Para a avaliação pré-natal da maturidade pulmonar fetal foram considerados os resultados do teste de Clements, realizado no líquido amniótico obtido através de amniocentese a partir da 30ª semana de gestação.

Para o teste de Clements são utilizados três tubos, de diâmetro idêntico (8-14 mm), contendo diluições sucessivas do líquido amniótico: 1 ml, 0.75 ml e 0.5 ml, completados para 1 ml pela adição de soro fisiológico. Acrescenta-se 1 ml de etanol a 95%, agitando-se os tubos por 15 segundos e realizando-se a leitura após 15 minutos11. Os tubos são "lidos" interpretando-se como resultado positivo no tubo a presença de bolhas em toda a sua volta, negativo quando não se formam bolhas e intermediário quando as bolhas não ocorrem em toda a circunferência do tubo3,11.

Considerou-se imaturidade pulmonar (teste negativo) - imaturidade pulmonar quando havia resultado negativo no segundo e no terceiro tubo e negativo ou intermediário no primeiro tubo.

Considerou-se (teste positivo) - maturidade pulmonar quando o resultado foi positivo nos 2 primeiros tubos e positivo ou intermediário no terceiro e teste intermediário nas condições restantes.

A análise estatística foi realizada com o programa estatístico Epi-Info 6.04b, de domínio público, utilizando-se médias e seus desvios-padrão e teste "t" de Student para as variáveis quantitativas, e os testes c2 de associação e exato de Fisher para as variáveis qualitativas, considerando-se um nível de significância de 5%.

Os resultados do teste de Clements foram analisados de duas formas: a primeira considerando-se como negativos os resultados intermediários e a segunda incluindo esses últimos como positivos.

Dicotomizada a variável de análise, foram construídas tabelas de contingência para determinar a associação dos resultados do teste de Clements com a presença ou não de Doença da Membrana Hialina, utilizando-se o teste do c2 de Pearson, para um nível de significância de 5%.

Para a análise da acurácia do método, foram testados os parâmetros Sensibilidade, Especificidade, Valor Preditivo Positivo e Negativo. Considerou-se para determinação desses parâmetros que uma peculiaridade do teste de Clements é a positividade relacionada à presença de maturidade (ou seja, ausência de doença).

Os parâmetros de acurácia já descritos foram calculados levando em consideração a real incidência de Doença da Membrana Hialina (maturidade positiva = ausência de doença) ao nascimento.

Resultados

As diversas formas clínicas da DHEG entre as pacientes envolvidas no presente estudo estão expostas na Tabela 1. Quase 50% dessas tinham DHEG grave "pura" e as restantes DHEG leve ou superposta (28,8% e 23,3%, respectivamente).

Na Tabela 2 são apresentadas características maternas diversas, como a idade (média de 24,4 anos), o número de gestações (média de 2,04) e a idade gestacional na amniocentese e no parto (ambas com média de 33 semanas).

Em relação à evolução da gestação (Tabela 3), o intervalo médio entre amniocentese e parto foi de 1,22 dias. Quase 50% das gestantes cursaram com dopplerfluxometria umbilical alterada (aumento da resistência, diástole zero ou reversa) ou centralização do fluxo (relação artéria cerebral média/artéria umbilical < 1,0). As principais indicações de interrupção da gestação foram sofrimento fetal (44,2%) e maturidade pulmonar fetal (17,2%). A interrupção foi realizada na maioria dos casos por via alta (cesariana em 63,2% das pacientes).

Resultados positivos do teste de Clements foram mais freqüentes (47,2%), seguindo-se os negativos (30,1%) e intermediários (22,7%), conforme se observa na Tabela 4. Para a análise subseqüente, os resultados intermediários foram considerados como negativos.

Na Tabela 5 são analisados alguns parâmetros relacionados à evolução da gestação de acordo com os resultados do teste de Clements, observando-se uma idade gestacional ligeiramente maior no grupo que apresentou resultados positivos, tanto na época da amniocentese como do parto (aproximadamente 33,5 versus 32,7 semanas). Sofrimento fetal anteparto, diagnosticado como alteração da dopplerfluxometria fetal, foi mais freqüente no grupo com resultados negativos (61,2% contra 39,6%, p=0,03). O percentual de cesarianas também apresentou diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (73,9% quando o resultado foi positivo e 51,9% quando o resultado foi negativo).

Os principais resultados perinatais são apresentados na Tabela 6. O peso ao nascer foi em média quase 200 gramas maior entre os recém-nascidos com resultados positivos do teste de Clements (p=0,002). O percentual de recém-nascidos de muito baixo peso (abaixo de 1500 gramas) foi significativamente maior nos recém-nascidos com resultados negativos (p=0,0001). Escores de Apgar tanto no primeiro como no quinto minuto foram mais baixos nesse último grupo. O percentual de Apgar no quinto minuto abaixo de 7 foi de 3,9% para os casos com Clements positivo e 12,8% para os casos com Clements negativo (p=0,04).

Em relação à incidência de DMH (V. Tabela 6), essa foi quase oito vezes maior no grupo com Clements negativo: 48,8% versus 6,5% no grupo com Clements positivo (p=0,0000001). A incidência global de DMH (no total de 163 neonatos) foi de 25,8%.

Analisando-se os resultados intermediários do teste de Clements como negativos (V. Tabela 7), observou-se uma boa especificidade (Clements positivo como preditor da ausência de doença). Os testes falso-positivos foram infreqüentes (pouco mais de 10%), caracterizando-se um elevado valor preditivo positivo. Quando foram analisados individualmente os casos de falso-positivos, constatou-se que, em sua maioria, associavam-se à hipoxia intraparto. A acurácia ficou em torno de 70%, refletindo a sensibilidade pouco acima de 60%.

Quando os resultados intermediários foram incluídos na análise como positivos (Tabela 8), a especificidade caiu em torno de 15 pontos percentuais, mas a sensibilidade subiu mais de 20 pontos. Conseqüentemente, ocorreu piora do valor preditivo positivo e melhora do valor preditivo negativo.

Discussão

Os resultados do presente estudo evidenciam uma acurácia do teste de Clements variando de 70 – 85%, de acordo com a interpretação dos testes intermediários (analisados alternadamente como positivos ou negativos). O método apresenta uma elevada especificidade, sendo raros os testes falso-positivos, porém a sensibilidade para maturidade pulmonar fetal é relativamente baixa, com resultados falso-negativos entre 12-38%. Esses resultados corroboram aqueles descritos pela literatura de acordo com diversos autores4,12 resultados da relação L/E tão elevados como 4-6 seriam necessários para a obtenção de um teste positivo.

No entanto, o valor preditivo de um teste positivo para a presença de maturidade pulmonar fetal (isto é, para a ausência de DMH) é bastante elevado, aproximando-se de 95%, o que confere uma elevada confiabilidade ao teste quando as bolhas se formam nos três tubos. Assim, muitos autores têm proposto que o teste de Clements seja utilizado para triagem, acreditando-se nos resultados positivos19 e submetendo as pacientes com resultados negativos a novos testes, mais sensíveis, como a relação L/E, o fosfatidilglicerol ou outros.

Vale ressaltar que os testes falsos positivos encontrados nesse estudo, correspondendo a casos de Doença da Membrana Hialina em recém-nascidos de mães com resultados positivos do Clements, ocorreram todos em recém-nascidos hipoxiados, com baixos escores de Apgar no quinto minuto. A hipoxia perinatal tem sido descrita por vários autores5,9 como fator de risco para DMH e é bastante frequente na vigência da DHEG. Assim é possível que estoques de surfactante suficientes para positivar o teste de Clements tenham diminuído em decorrência da asfixia. Em outro estudo recentemente realizado no IMIP, Carvalho2 encontrou uma especificidade mais elevada (97,8%) para o teste de Clements em gestantes normotensas, com uma taxa de falsos positivos de apenas 2,2%.

Esses resultados assumem fundamental importância na conduta obstétrica em pacientes com DHEG: o momento "ideal" para a interrupção da gestação nesses casos constitui muitas vezes um dilema para o obstetra, pois o parto constitui de fato a única "cura" até hoje conhecida para o processo de vasoespasmo desencadeado pela presença do vilo corial no organismo. Sua antecipação, se oportuna, é, não raras vezes, decisiva para o bom prognóstico materno, e ainda pode representar a libertação do concepto de um meio intra-uterino hostil, dominado pela hipoxia resultante da insuficiência placentária. A questão crucial, no entanto, é como atuar para que essa antecipação não resulte no nascimento de prematuros que venham a falecer em decorrência da imaturidade pulmonar, desenvolvendo Doença da Membrana Hialina.

A antiga impressão clínica de uma maturação pulmonar acelerada na DHEG não tem sido confirmada por estudos utilizando métodos mais acurados2,19 que apontam para uma incidência de DMH semelhante entre conceptos de mães com DHEG e normotensas. À luz das evidências atuais, a decisão obstétrica de interrupção da gestação não se pode firmar na presunção de uma "possível" maturidade pulmonar em conceptos por vezes extremamente prematuros.

Se a deterioração das condições maternas impõe por vezes essa decisão, não são raras as ocasiões em que, assegurado o bem-estar materno, o concepto pode ser beneficiado pela permanência intra-uterina. Essa constatação tem levado ao redimensionamento da importância dos testes de avaliação anteparto da maturidade fetal. Schiff et al.19 apontam a necessidade da avaliação da maturidade pelos testes bioquímicos, ao invés da mera presunção.

Em serviços e regiões onde não há disponibilidade de realização desses testes, como no IMIP e em diversos Estados brasileiros, impõe-se, portanto, a análise dos parâmetros de acurácia do teste de Clements, visando nortear a conduta obstétrica. Acreditamos que o presente estudo traz subsídios importantes nesse aspecto: diante de resultados positivos deve-se admitir a presença de maturidade pulmonar fetal, estando portanto indicada a interrupção terapêutica da gestação. Persiste todavia o questionamento acerca da conduta obstétrica quando são encontrados resultados negativos e o teste de Clements é o único método disponível para avaliação da maturidade pulmonar fetal.

A utilização do teste TAP, preconizada por Socol et al.22, tem sido adotada em alguns centros12 pelo seu baixo custo, fácil execução e elevado valor preditivo para maturidade pulmonar fetal. No entanto, os falso-negativos são ainda freqüentes14.

A tendência atual no IMIP é de realizar o teste TAP em associação com o teste de Clements e a interrupção da gestação é indicada sempre que os resultados indicam a presença de maturidade pulmonar fetal. Diante de um resultado negativo, há que se considerar a gravidade da doença, a idade gestacional, o peso estimado e as condições de vitalidade fetal. O sofrimento fetal constitui indicação de parto prematuro terapêutico independente dos resultados do teste de Clements. Em pacientes com DHEG grave, a conduta conservadora só é indicada nos conceptos com maturidade ausente abaixo de 35 semanas. A partir de 35 semanas, preconiza-se a interrupção da gravidez18 .

Casos com idade gestacional entre 30-34 semanas com resultados negativos do Clements ou abaixo de 30 semanas são submetidos à corticoterapia com betametasona (12 mg IM semanalmente). Como os resultados do teste de Clements não são afetados pelo uso de corticosteróides, a interrupção é realizada a partir de 34 semanas, sem necessidade de repetição da amniocentese18.

Essa conduta parece justificada à luz das evidências apontadas pelo presente estudo: embora outros critérios devam ser considerados, como a estimativa de peso fetal e o limite de viabilidade fetal (que depende sobretudo das condições da Unidade de Neonatologia), a obtenção de um resultado positivo do teste de Clements constitui um indicador seguro de maturidade pulmonar fetal.

Concluindo, podemos afirmar que a sensibilidade do teste de Clements foi de 62% quando os resultados intermediários foram considerados negativos e 88% quando esses resultados foram considerados positivos. Da mesma forma, a especificidade foi de 89,4% e 74,5%, respectivamente, e, portanto, esse teste representa um bom método de triagem da maturação pulmonar fetal em casos de DHEG, sendo raros os resultados falsos-positivos.

No entanto, em razão da elevada freqüência de resultados falso-negativos, seus resultados devem ser analisados com cautela, complementando-se a pesquisa de maturidade com outros métodos (sobretudo em casos graves, quando a maturidade pulmonar presente irá determinar a indicação de interrupção da gestação).

SUMMARY

Objectives: To determine sensitivity, specificity, positive and negative predictive values of the shake test (Clements) for evaluation of fetal lung maturation in preeclamptic patients.

Methods: A prospective study for validation of a diagnostic method was conducted enrolling 163 preeclamptic patients (gestational age between 28-34 weeks) admitted at CAM-IMIP with indication for fetal maturity testing. Preeclampsia diagnosis and classification followed criteria of the National High Blood Pressure Working Group, 1990. Clements' test was performed in three tubes and positive, negative or intermediate results were considered for analysis (related to presence or absence of fetal lung maturity). Accuracy parameters were calculated considering actual incidence of hyaline membrane disease (positive maturity = absent disease) after birth. Hyaline membrane disease was defined by criteria of CLAP, 1978. Statistical analysis was performed using c2 test (Epi-Info 6.04b) with a 5% significance level.

Results: Intermediate results were considered alternately as positive or negative for analysis. When considered positive, sensitivity was 87.9% and specificity 74.5% with positive and negative predictive values of 8.9.4% and 71.4% respectively – efficiency was 84%. When intermediate results were evaluated as negative, sensitivity decreased to 62% and specificity raised to 89.4% and positive and negative predictive values were 93.5% and 51.2% respectively (efficiency = 70%). False-positive results were rare and usually related to neonatal hypoxia: only 5 (6.5%) of 77 neonates with previous positive Clements had hyaline membrane disease. Nevertheless, false negatives were frequent: almost 40% for negative/intermediate results.

Conclusions: Despite its limitations, Clements' test remains a good method for investigation of fetal lung maturation in preeclamptic patients since false positive results are unusual. However sensitivity is low and results have be cautiously analyzed because of elevated rate of false negative results. A good policy is to complement fetal maturity investigation with other tests if a negative result is determined, specially in severe cases when confirmed maturity represents indication for interruption of pregnancy.

KEY WORDS: Clements' test. Fetal lung maturation. Preeclampsia. Hyaline membrane disease.

Instituto Materno - Infantil de Pernambuco (IMIP) -

Centro de Atenção à Mulher (CAM)

Correspondência:

Melania Maria Ramos de Amorim

IMIP - Rua dos Coelhos, 300 - Ilha do Leite

50070-530 - Recife-PE

e-mail: andfpc@br.homeshopping.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 1998
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