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Crescimento fetal: o dilema das múltiplas referências

Fetal growth: the dilemma of multiple references

Os distúrbios do crescimento fetal, principalmente aqueles de instalação tardia1Figueras F, Gratacos E. Stage-based approach to the management of fetal growth restriction. Prenat Diagn. 2014;34(7):655-9. , representam um problema de saúde pública. Além terem uma prevalência elevada em todo o mundo, são importante causa de mortalidade perinatal, bem como de morbidade em curto e longo prazo2Gratacós E, Figueras F. Fetal growth restriction as a perinatal and long-term health problem: Clinical challenges and opportunities for future (4P) fetal medicine. Fetal Diagn Ther. 2014;36(2):85. .

A suspeita inicial dessas alterações de crescimento geralmente se dá pela avaliação clínica, por meio da medida da altura uterina, e a confirmação, por avaliação ultrassonográfica. Contudo, aqueles que trabalham com gestantes conhecem bem a situação: o diagnóstico das alterações de crescimento do feto depende imensamente da datação correta da gravidez, de medidas ultrassonográficas acuradas e dos gráficos e das tabelas utilizados como referência. Não é infrequente que o médico que está realizando o exame simplesmente utilize as referências que foram carregadas em seu aparelho de ultrassom, sem considerar sua qualidade metodológica, mesmo que em cada dia da semana use um aparelho diferente, contendo tabelas diferentes3McCarthy EA, Walker SP. International fetal growth standards: one size fits all. Lancet. 2014;384(9946):835-6. .

A falta de padronização dos gráficos de crescimento e dos pontos de corte utilizados (por exemplo, percentis de 3, 5 ou 10) costuma conduzir a confusões diagnósticas, dificuldades no manejo clínico e ansiedade, tanto para a gestante como para seus familiares4Papageorghiou AT, Ohuma EO, Altman DG, Todros T, Ismail LC, Lambert A, et al. International standards for fetal growth based on serial ultrasound measurements: the Fetal Growth Longitudinal Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet. 2014;384(9946):869-79. . Muitas vezes, o próprio médico pode sentir-se angustiado diante da falta de padrões bem-estabelecidos para seguir.

Muito já se discutiu a respeito da utilização de gráficos de crescimento personalizados, que levam em consideração peso e estatura maternos, etnia e paridade. Contudo, revisão sistemática atualizada recentemente pela Cochrane Library não encontrou estudos randomizados que comparassem, em termos de resultados perinatais, os gráficos personalizados com aqueles baseados na população5Carberry AE, Gordon A, Bond DM, Hyett J, Raynes-Greenow CH, Jeffery HE. Customised versus population-based growth charts as a screening tool for detecting small for gestational age infants in low-risk pregnant women. Cochrane Database Syst Rev. 2014;5:CD008549. .

Frente ao dilema das múltiplas referências utilizadas para a avaliação do crescimento fetal, o International Fetal and New Born Growth Consortium for the 21 st Century (INTERGROWTH-21 st ) Project se propôs a construir uma padronização internacional para o crescimento fetal, por intermédio da realização de um estudo populacional e multicêntrico de coorte, incluindo gestantes saudáveis, bem-nutridas, de baixo risco para eventos adversos maternos e perinatais, de 8 localidades geográficas distintas4Papageorghiou AT, Ohuma EO, Altman DG, Todros T, Ismail LC, Lambert A, et al. International standards for fetal growth based on serial ultrasound measurements: the Fetal Growth Longitudinal Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet. 2014;384(9946):869-79. . O grupo utilizou as mesmas abordagens e os mesmos métodos dos padrões internacionais disponibilizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a avaliação do crescimento de crianças até 5 anos (WHO Multicentre Growth Reference Study 2006)6WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85. . Esses padrões já foram adotados em mais de 130 países, incluindo o Brasil.

O estudo foi financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, em parceria com a Universidade de Oxford (Inglaterra), e contou com o Brasil como representante da América Latina, por meio do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tendo sido os dados colhidos nesta mesma cidade. Este centro foi escolhido principalmente por sua experiência em conduzir estudos longitudinais de larga escala na área de nutrição materno-infantil. É um centro colaborador da OMS e que também participou do WHO Multicentre Growth Reference Study 7Silveira MF, Barros FC, Sclowitz IK, Domingues MR, Mota DM, Fonseca SS, et al. Implementation of the INTERGROWTH-21st Project in Brazil. BJOG. 2013;120 Suppl 2:81-6. .

De uma população de 60.000 gestantes provenientes de 8 localidades distintas do mundo, mais de 13.000 foram avaliadas e 4.600 foram incluídas no estudo, com obtenção de gráficos de crescimento de 9 a 42 semanas de gestação para os seguintes parâmetros biométricos: comprimento cabeça-nádega, diâmetro biparietal, diâmetro occipitofrontal, circunferências craniana e abdominal e de fêmur. As curvas de crescimento e os percentis de 3, 5, 10, 50, 90, 95 e 97 para cada medida foram estabelecidos.

Além de sua proporção, o projeto chama a atenção pelos fatores metodologia, treinamento, padronização e controle de qualidade aplicados. Uma dúvida comum entre os diversos estudos científicos que utilizam amostras é se os dados podem ser generalizados para todas as populações. Contudo, apesar das diferentes origens geográficas das mulheres analisadas, as medidas fetais mostraram-se semelhantes entre si, o que favorece a extrapolação dos resultados. Outra vantagem do INTERGROWTH-21 st é que as medidas realizadas ao nascimento e com 1 ano de idade são as mesmas utilizadas pelo estudo WHO Multicentre Growth Reference Study 6WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85. . Dessa forma, o estudo tornou possível avaliar, usando padrões complementares, o crescimento das crianças desde a fase intrauterina até os cinco anos de idade.

Concluindo, o estudo INTERGROWTH-21 st vem como uma resposta de alta qualidade para o dilema tão comum da falta de padronização na avaliação do crescimento fetal. Seu uso deve ser encorajado entre os especialistas em medicina materno-fetal, obstetras e radiologistas.

Maiores informações podem ser encontradas no site do projeto INTERGROWTH-21 st: http://www.intergrowth21.tghn.org.

Referências

  • 1
    Figueras F, Gratacos E. Stage-based approach to the management of fetal growth restriction. Prenat Diagn. 2014;34(7):655-9.
  • 2
    Gratacós E, Figueras F. Fetal growth restriction as a perinatal and long-term health problem: Clinical challenges and opportunities for future (4P) fetal medicine. Fetal Diagn Ther. 2014;36(2):85.
  • 3
    McCarthy EA, Walker SP. International fetal growth standards: one size fits all. Lancet. 2014;384(9946):835-6.
  • 4
    Papageorghiou AT, Ohuma EO, Altman DG, Todros T, Ismail LC, Lambert A, et al. International standards for fetal growth based on serial ultrasound measurements: the Fetal Growth Longitudinal Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet. 2014;384(9946):869-79.
  • 5
    Carberry AE, Gordon A, Bond DM, Hyett J, Raynes-Greenow CH, Jeffery HE. Customised versus population-based growth charts as a screening tool for detecting small for gestational age infants in low-risk pregnant women. Cochrane Database Syst Rev. 2014;5:CD008549.
  • 6
    WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85.
  • 7
    Silveira MF, Barros FC, Sclowitz IK, Domingues MR, Mota DM, Fonseca SS, et al. Implementation of the INTERGROWTH-21st Project in Brazil. BJOG. 2013;120 Suppl 2:81-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2015
  • Aceito
    17 Jul 2015
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