Acessibilidade / Reportar erro

Preditores clínicos de bacteriúria assintomática na gestação

Clinical predictors of asymptomatic bacteriuria during pregnancy

Resumos

OBJETIVOS: Estimar a prevalência de bacteriúria assintomática (BAS) entre gestantes atendidas em pré-natal de Serviço Universitário e identificar prováveis preditores clínicos. MÉTODOS: Estudo prospectivo de corte transversal, envolvendo 260 gestantes matriculadas em serviço de pré-natal de baixo risco entre agosto de 2008 e outubro de 2009, sem sintomas de infecção do trato urinário. Foram excluídas aquelas com febre, disúria, tenesmo vesical, dor lombar, presença de sangramento genital, perda de líquido amniótico, uso de antimicrobianos nos últimos 30 dias e aquelas que não desejaram participar do projeto. A presença de colonização bacteriana ≥10(5) UFC/mL de único patógeno, na amostra urinária obtida do jato médio, foi considerada como a variável dependente. As variáveis estudadas foram: idade, raça, estado civil, nível de instrução, história obstétrica, idade gestacional, anemia, traço falciforme, colpite, passado de infecção do trato urinário, polaciúria, urgência miccional e incontinência urinária. Dados do sumário de urina também foram analisados, como a presença de leucocitúria, flora bacteriana aumentada, hematúria, proteinúria e nitrito. A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 13.0 e a significância estatística foi previamente definida por valor p<0,05. As prevalências foram expressas por percentual e intervalo de confiança considerado foi de 95%. RESULTADOS: A prevalência de foi de 12,3% (IC95%=8,3-16,3). O agente etiológico mais frequente foi a E. coli (59,4%). A regressão logística indicou que a urgência miccional (OR=5,9; IC95%=2,2-16,3; p<0,001), a leucocitúria (OR=2,8; IC95%=1,0-7,8; p=0,04) e a flora bacteriana aumentada (OR=10,6; IC95%=3,9-28,5; p<0,001), são preditores independentes de BAS durante a gestação. CONCLUSÃO: A prevalência de bacteriúria assintomática na população estudada é alta. O escore preditor criado com o modelo final de regressão logística possui uma acurácia de 91,9% para bacteriúria.

Bacteriúria; Gravidez; Complicações infecciosas na gravidez; Prevalência; Urinálise; Infecção do trato urinário


PURPOSE: To estimate the prevalence of asymptomatic bacteriuria among pregnant women attended at our university prenatal care clinic and to identify probable clinical predictors. METHODS: Across-sectional study was carried out from August 2008 to October 2009 at the Bahiana School of Medicine involving 260 pregnant women without symptoms of urinary tract infection. The following exclusion criteria were considered: presence of clinical signs such as fever, dysuria, vesical tenesmus, lumbar pain, history of active genital bleeding or loss of amniotic fluid, use of antimicrobial agents in the 30 days prior to sample collection, and refusal to participate in the project. The presence of single pathogen bacterial colonization ≥10(5) CFU/mL in the urine sample obtained from the middle jet was considered to be a dependent variable. The predictive factors evaluated were as follows: age, race, marital status, schooling, gestational age, hypertension, anemia, vaginal infection, sickle cell trait and previous history of urinary tract infection, urinary symptoms related to the lower urinary tract (frequency, urgency and nocturia) and data obtained from the urine summary (leukocyturia, increased bacterial flora, hematuria, proteinuria, and presence of nitrite). Statistical analysis was performed with the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software version 13.0 and the level of significance was set at p<0.05. Prevalences were expressed as percentage, and the confidence interval considered was 95% (95%CI). RESULTS: The prevalence of asymptomatic bacteriuria was 12.3% (95%CI=8.3-16.3). E. coli was the most frequent etiologic agent (59.4%). Logistic regression indicated that urgency to void (OR=5.99; 95%CI=2.20-16.31; p<0.001); leukocyturia (OR=2.85; 95%CI=1.04-7.83; p=0.042) and increased bacterial flora (OR=10.62; 95%CI=3.95-28.56; p<0.001) were independent predictors of asymptomatic bacteriuria. CONCLUSION: The prevalence of asymptomatic bacteriuria in the studied population was high. The prediction score created for the final logistic regression model has an accuracy of 91.9% for bacteriuria.

Bacteriuria; Pregnancy; Pregnancy complications; infectious; Prevalence; Urinalysis; Urinary tract infection


ARTIGO ORIGINAL

Preditores clínicos de bacteriúria assintomática na gestação

Clinical predictors of asymptomatic bacteriuria during pregnancy

Omar Ismail Santos Pereira DarzéI; Ubirajara BarrosoII; Maurício LordeloIII

IProfessor Assistente de Obstetrícia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Brotas (BA), Brasil

IIProfessor Adjunto de Urologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Brotas (BA), Brasil

IIIProfessor Assistente de Estatística da Universidade Estadual de Feira de Santana – Feira de Santana (BA),Brasil

Correspondência Correspondência: Omar Ismail Santos Pereira Darzé Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública Av. Dom João VI, 274 – CEP: 40285-001 Brotas (BA), Brasil.

RESUMO

OBJETIVOS: Estimar a prevalência de bacteriúria assintomática (BAS) entre gestantes atendidas em pré-natal de Serviço Universitário e identificar prováveis preditores clínicos.

MÉTODOS: Estudo prospectivo de corte transversal, envolvendo 260 gestantes matriculadas em serviço de pré-natal de baixo risco entre agosto de 2008 e outubro de 2009, sem sintomas de infecção do trato urinário. Foram excluídas aquelas com febre, disúria, tenesmo vesical, dor lombar, presença de sangramento genital, perda de líquido amniótico, uso de antimicrobianos nos últimos 30 dias e aquelas que não desejaram participar do projeto. A presença de colonização bacteriana ≥105 UFC/mL de único patógeno, na amostra urinária obtida do jato médio, foi considerada como a variável dependente. As variáveis estudadas foram: idade, raça, estado civil, nível de instrução, história obstétrica, idade gestacional, anemia, traço falciforme, colpite, passado de infecção do trato urinário, polaciúria, urgência miccional e incontinência urinária. Dados do sumário de urina também foram analisados, como a presença de leucocitúria, flora bacteriana aumentada, hematúria, proteinúria e nitrito. A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 13.0 e a significância estatística foi previamente definida por valor p<0,05. As prevalências foram expressas por percentual e intervalo de confiança considerado foi de 95%.

RESULTADOS: A prevalência de foi de 12,3% (IC95%=8,3–16,3). O agente etiológico mais frequente foi a E. coli (59,4%). A regressão logística indicou que a urgência miccional (OR=5,9; IC95%=2,2–16,3; p<0,001), a leucocitúria (OR=2,8; IC95%=1,0–7,8; p=0,04) e a flora bacteriana aumentada (OR=10,6; IC95%=3,9–28,5; p<0,001), são preditores independentes de BAS durante a gestação.

CONCLUSÃO: A prevalência de bacteriúria assintomática na população estudada é alta. O escore preditor criado com o modelo final de regressão logística possui uma acurácia de 91,9% para bacteriúria.

Palavras-chave: Bacteriúria, Gravidez, Complicações infecciosas na gravidez, Prevalência, Urinálise, Infecção do trato urinário.

ABSTRACT

PURPOSE: To estimate the prevalence of asymptomatic bacteriuria among pregnant women attended at our university prenatal care clinic and to identify probable clinical predictors.

METHODS: Across-sectional study was carried out from August 2008 to October 2009 at the Bahiana School of Medicine involving 260 pregnant women without symptoms of urinary tract infection. The following exclusion criteria were considered: presence of clinical signs such as fever, dysuria, vesical tenesmus, lumbar pain, history of active genital bleeding or loss of amniotic fluid, use of antimicrobial agents in the 30 days prior to sample collection, and refusal to participate in the project. The presence of single pathogen bacterial colonization ≥105 CFU/mL in the urine sample obtained from the middle jet was considered to be a dependent variable. The predictive factors evaluated were as follows: age, race, marital status, schooling, gestational age, hypertension, anemia, vaginal infection, sickle cell trait and previous history of urinary tract infection, urinary symptoms related to the lower urinary tract (frequency, urgency and nocturia) and data obtained from the urine summary (leukocyturia, increased bacterial flora, hematuria, proteinuria, and presence of nitrite). Statistical analysis was performed with the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software version 13.0 and the level of significance was set at p<0.05. Prevalences were expressed as percentage, and the confidence interval considered was 95% (95%CI).

RESULTS: The prevalence of asymptomatic bacteriuria was 12.3% (95%CI=8.3–16.3). E. coli was the most frequent etiologic agent (59.4%). Logistic regression indicated that urgency to void (OR=5.99; 95%CI=2.20–16.31; p<0.001); leukocyturia (OR=2.85; 95%CI=1.04–7.83; p=0.042) and increased bacterial flora (OR=10.62; 95%CI=3.95–28.56; p<0.001) were independent predictors of asymptomatic bacteriuria.

CONCLUSION: The prevalence of asymptomatic bacteriuria in the studied population was high. The prediction score created for the final logistic regression model has an accuracy of 91.9% for bacteriuria.

Keywords: Bacteriuria, Pregnancy, Pregnancy complications, infectious, Prevalence, Urinalysis, Urinary tract infection.

Introdução

A infecção urinária é a complicação mais prevalente, e a principal causa de sepse durante a gestação, associando-se à prematuridade, baixo peso ao nascer e óbito perinatal1-3. As modificações anatômicas e fisiológicas impostas pela gravidez sobre o sistema urinário favorecem a colonização e persistência de bactérias na urina, facilitando mais frequentemente a progressão para infecções sintomáticas, criando assim, a falsa impressão, de que estes quadros infecciosos sejam mais frequentes neste período de vida da mulher4. Entre as gestantes com bacteriúria assintomática (BA) e não tratadas, 40% evoluem para infecções sintomáticas e aproximadamente 30% destas, desenvolvem pielonefrite aguda5,6.

No sexo feminino, a BA é definida pela presença de 105unidades formadoras de colônia (UFC) por mililitro de um único patógeno, em amostra urinária obtida do jato médio, e na ausência de sintomas7. Sua prevalência varia geograficamente dentro da mesma área, de acordo com a população estudada, sendo mais frequente em países em desenvolvimento, onde se registram cifras entre 13 a 21%8,9. O rastreamento e tratamento da BA durante a gravidez são recomendados pelo Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia que, para tal, preconiza a realização de urocultura rotineira no primeiro trimestre em todas as gestantes10. Este estudo teve como objetivos identificar a prevalência de BA entre gestantes de baixo risco na população local, e a existência de preditores clínicos para esta enfermidade que possam facilitar o seu rastreamento.

Métodos

Trata-se de um estudo prospectivo de corte transversal, sobre a prevalência e preditores clínicos de BA durante a gestação. Foram incluídas 260 gestantes, atendidas em ambulatório de pré-natal de baixo risco do Ambulatório Docente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. O período de inclusão foi de agosto de 2008 a outubro de 2009. As gestantes foram convidadas a participar do projeto consecutivamente, ou seja, de forma não intencional, com aplicação do consentimento livre e esclarecido. Foram excluídas as gestantes com sintomatologia infecciosa urinária (febre, disúria, tenesmo vesical e dor lombar), história de sangramento genital, perda de líquido amniótico, utilização de antimicrobianos nos últimos 30 dias, e as que não desejaram participar do projeto.

As gestantes incluídas receberam as seguintes orientações quanto à coleta da amostra urinária: coletar a amostra na primeira micção da manhã e,previamente, lavar a vulva com água e sabão por três vezes consecutivas, sem enxugar, desprezando o primeiro jato. Armazenar a amostra em recipiente estéril descartável e encaminhar ao laboratório em um período não superior a duas horas. Os sumários de urina e uroculturas foram realizados no Laboratório de Análises Clínicas do próprio Ambulatório. O diagnóstico de BA foi considerado quando da presença de colonização significativa (≥105 UFC/mL) de único patógeno. Aquelas com BA foram tratadas de acordo com o antibiograma, e com drogas adequadas ao período gestacional.

As variáveis estudadas foram: idade, raça, estado civil, nível de instrução, história obstétrica, idade gestacional, presença de anemia (hemoglobina <11g%), traço falciforme (diagnosticada pela eletroforese de hemoglobina), presença de colpite, passado de infecção do trato urinário, micção infrequente (<3 micções/dia), polaciúria (>8 micções/dia), urgência miccional (desejo súbito e incontrolável de urinar, difícil de ser adiado), incontinência urinária (perda de urina aos esforços). Dados do sumário de urina também foram analisados, como a presença de leucocitúria (>5 leucócitos/campo de maior aumento), flora bacteriana aumentada (≥1 bactéria/campo de maior aumento), hematúria (≥5 hemácias/campo de maior aumento), presença ou não de proteinúria e nitrito diagnosticados através de métodos bioquímicos em fita.

A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 13.0 e a significância estatística foi previamente definida por valor p<0,05. As prevalências foram expressas por percentual e intervalo de confiança considerado foi de 95% (IC95%). Para comparação das características clínicas entre os grupos com bacteriúria e sem bacteriúria, utilizou-se o teste do χ2 para as varáveis categóricas e o teste t de Student para as variáveis contínuas. As variáveis independentes, que apresentaram significância na análise univariada, entraram em modelo multivariado de regressão logística ajustada para estudos de corte transversal; do seu resultado, criou-se um escore preditor de BA e por fim a sua acurácia. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, sob o protocolo nº 27/2008.

Resultados

Foram rastreadas260 gestantes com média de idade de 29,4±6,7 anos. Mulheres não brancas constituíram 81,9% da amostra e 80% eram casadas. O ensino médio foi referido por 91,2% das mulheres, sendo que 33,1% tinham estudado apenas até o ensino fundamental. A idade gestacional no momento do recrutamento foi de 19,8±7,4 semanas e 39,2% se encontravam na sua primeira gestação. A anemia foi diagnosticada em 7,3%, hipertensão em 6,9%, o traço falciforme em 6,5% e colpite em 18,5% da amostra. Episódio prévio de infecção do trato urinário foi relatado por 42,3% das mulheres. Com relação às queixas urinárias verificamos que 49,6% das gestantes referiram polaciúria, 17,7% incontinência urinária, 13,8% urgência miccional e 5,4% micção infrequente. Na urinálise, a leucocitúria foi a mais frequente das alterações, diagnosticada em 18,8% da amostra, seguida pela flora bacteriana aumentada (16,2%), pesquisa de nitrito (2,3%), e a proteinúria (1,9%). O exame foi considerado normal em 71,5% das amostras estudadas.

Das 260 uroculturas realizadas, 32 (12,3%) foram positivas. Portanto, a prevalência de BA foi de 12,3% (IC95%=8,3–16,3%). A E. coli foi o microrganismo mais prevalente, presente em 59,4% das culturas positivas, seguida da Klebsiella pneumoniae, pelo Streptococcus agalactiae e Staphylococcus simulans, presentes cada um em 9,4% dos cultivos. Outros microrganismos isolados foram o Enterobacter sp (6,3%), o Enterococcus faecalis (3,1%) e o Proteus mirabillis (3,1%).

A análise univariada, comparando as pacientes com e sem BA respectivamente, revelou que aquelas com bacteriúria apresentavam associação com hipertensão (15,6 vs 5,7%, p=0,03) e traço falciforme(15,6 vs 5,3%, p=0,02). A única variável com significância estatística para BA, entre aquelas referentes à historia urinária, foi a urgência miccional (50,0 vs 8,8%, p<0,001). Estudando as alterações detectadas na urinálise como preditoras de BA, observou-se uma maior associação com a presença de leucocitúria (53,1 vs 14,0%, p<0,001), presença de nitrito (12,5 vs 0,9%, p<0,001) e flora bacteriana aumentada (68,8 vs 8,8%, p<0,001).

A especificidade, sensibilidade, valores preditivos negativos e positivos das variáveis mais significativas, obtidas da urinálise, foram mensurados, observando-se uma acurácia muito próxima entre os parâmetros analisados: 88,5% para flora bacteriana aumentada 82% para leucocitúria e de 88,5% para a presença de nitrito (Tabela 1).

Após aplicação de regressão logística, contendo as variáveis que se associaram com uma maior possibilidade de BA durante análise univariada, se mostraram como preditores independentes de BA a urgência miccional (OR=5,4; IC95%=2,2–16,3; p=0,001); a flora bacteriana aumentada (OR=10,6; IC95%=3,90–28,58; p<0,001) e a leucocitúria (OR=2,8; IC95%=1,04–7,80; p=0,04) (Tabela 2). Com a obtenção do modelo final da análise multivariada, criou-se um escore preditor de BA, cuja acurácia foi de 91,9%.Este modelo preditor, revelou uma probabilidade de BA superior a 50%, na presença de uma flora bacteriana aumentada associada à leucocitúria e superior a 80% quando a estes dois soma-se a urgência miccional (Tabela 3). A ausência dos três preditores se relacionou a um valor preditivo negativo (VPN) para BA de 96,5%.

Discussão

A prevalência relativamente alta de BA durante a gravidez, suas consequências danosas tanto para a mãe quanto para o feto, e a capacidade de evitar resultados indesejados com o tratamento adequado, justificam seu rastreamento neste período de vida da mulher11. A prevalência de BA no grupo estudado foi de 12,3%, taxa três vezes maior que as registradas em países desenvolvidos, porém compatível com as registradas naqueles em desenvolvimento7,9,12. As maiores cifras são registradas em populações mais carentes, comona Nigéria, onde um estudo envolvendo 1.228 gestantes revelou uma prevalência de BA de 45,3%13.

A flora bacteriana identificada neste estudo foi similar à maioria dos trabalhos realizados em várias regiões do mundo12-16. Os bacilos Gram negativos são os mais prevalentes, e entre estes, a E. coli chegou a ser o microrganismo responsável em até 76,6% dos casos16. Chamaa atenção a importância dos Gram positivos, que estavam presentes em 22,1% das pacientes com BA e entre estes, o Streptococcus do grupo B, isolado em 9,4% das culturas positivas, tornando necessária a adoção de medidas de profilaxia intraparto da sepse neonatal por este microrganismo, neste grupo de gestantes17.

Os estudos sobre fatores de risco para BA são poucos e contraditórios. Algumas situações clínicas relacionadas ao hospedeiro como anemia falciforme, diabetes e infecção pelo vírus de imunodeficiência humana (HIV), se associam com maior possibilidade de BA, provavelmente pelo aspecto imunossupressor destas enfermidades14,18,19. Por se tratar de uma amostra de gestantes de baixo risco, não documentamos tais associações. Porém, demonstramos com análise univariada, maior possibilidade de BA entre aquelas portadoras de traço falciforme e nas hipertensas, o que não se comprovou após aplicação do modelo de regressão logística. A relação de BA com a hipertensão é discutida, pois muitas vezes sofre influência de fatores de confusão, como maior possibilidade de situações que provoquem comprometimento da função renal e consequentemente estados hipertensivos.

Pressupondo que os sintomas urinários relacionados ao armazenamento (polaciúria, urgência, nictúria e incontinência) durante a gestação, na maioria das vezes se relacionam com urina livre de germes, procuramos analisá-los como prováveis preditores de BA. Assim, demonstramos uma forte associação da urgência miccional com a BA, inclusive após análise multivariada, comprovando ser este sintoma urinário, um preditor independente de BA (OR=5,9). Esta relação pode ser justificada por alterações mais pronunciadas sobre os ligamentos suspensores da uretra nestas pacientes, facilitando assim a invasão bacteriana. A urgência miccional pode ser sensória ou por hiperatividade vesical e é comumente associada a posturas para evitar a perda urinária por parte das pacientes, podendo levar à retenção de urina. Também, o fluxo urinário reverso (da uretra para a bexiga), em razão da contração do assoalho pélvico a seguir a uma contração vesical, para evitar perdas urinárias, pode fazer com que bactérias migrem da uretra para a bexiga, o que se chama de efeito milk back20. Trabalhos futuros podem ser desenvolvidos, procurando avaliar a eficácia do tratamento da urgência miccional para prevenção da BA entre gestantes.

A estratégia do rastreamento rotineiro da BA, apesar de eficaz, encontra fortes obstáculos, principalmente em países em desenvolvimento. O teste de maior valor, ou seja, a urocultura, não tem as características ideais de um teste de rastreamento como simples realização, resultado imediato e não ser oneroso. A utilização de testes menos dispendiosos para o rastreamento da BA na gestação como a pesquisa de estearase leucocitária, presença de nitrito e Gram do sedimento urinário, tem sido estudada por alguns autores, porém, os resultados não são animadores, pois estes testes não têm se mostrado suficientemente sensíveis21,22. Procuramos relacionar as alterações encontradas no sumário de urina com maior possibilidade de BA e comprovamos que as presenças de leucocitúria e de flora bacteriana aumentada, se mostraram como preditores independentes de BA após análise multivariada, apresentando esta última, Odds Ratio de 10,6.

Buscando uma opção menos onerosa para o rastreamento da BA, criamos um escore preditor, com as variáveis que formaram o modelo final da análise multivariada, ou seja, a presença de urgência miccional, leucocitúria e flora bacteriana aumentada. A aplicação deste modelo demonstrou uma acurácia de 91,9%, para o diagnóstico da BA, podendo servir como uma primeira etapa de rastreamento desta infecção silenciosa, prevalente em populações carentes, e responsável pelo empobrecimento dos resultados maternos e perinatais.

Este trabalho traz algumas limitações: seus achados são aplicáveis a uma população de gestantes de baixo risco obstétrico, não devendo ser reportado em populações com risco. A amostra do estudo não foi probabilística,embora as gestantes tivessem sido incluídas consecutivamente, ou seja, de forma não intencional e não se avaliou a possibilidade de recidiva da BA entre as pacientes tratadas.

Recebido 21/02/2011

Aceito com modificações 05/08/2011

Conflito de interesses: não há.

  • 1. Bacak SJ, Callaghan WM, Dietz PM, Crouse C. Pregnancy-associated hospitalizations in the United States, 1999-2000. Am J Obstet Gynecol. 2005;192(2):592-7.
  • 2. Mazor-Dray E, Levy A, Schlaeffer F, Sheiner E. Maternal urinary tract infection: is it independently associated with adverse pregnancy outcome? J Matern Fetal Neonatal Med. 2009;22(2):124-8.
  • 3. Neal DE Jr. Complicated urinary tract infections. Urol Clin North Am. 2008;35(1):13-22.
  • 4.Nowicki B. Urinary tract infection in pregnant women: old dogmas, and current concepts regarding pathogenesis. Curr Infect Dis Rep. 2002;4(6):529-35.
  • 5. Guberman C, Greenspon J, Goodwin M. Renal, urinary tract, gastrointestinal and dermatologic disorders in pregnancy. In: Decherny AH, Nathan L, Goodwin TM, Laufer N, editors. Current diagnosis and treatment obstetrics and gynecology. 10th ed. New York: McGraw-Hill Medical; 2007. p. 374-85.
  • 6. Smaill F, Vazquez JC. Antibiotics for asymptomatic bacteriuria in pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(2):CD000490.
  • 7. Nicolle LE, Bradley S, Colgan R, Rice JC, Schaeffer A, Hooton TM, et al. Infectious Diseases Society of America guidelines for the diagnosis and treatment of asymptomatic bacteriuria in adults. Clin Infect Dis. 2005;40(5):643-54.
  • 8. Akinloye O, Ogbolu DO, Akinloye OM, Terry Alli OA. Asymptomatic bacteriuria of pregnancy in Ibadan, Nigeria: a re-assessment. Br J Biomed Sci. 2006;63(3):109-12.
  • 9. Andabati G, Byamugisha J. Microbial aetiology and sensitivity of asymptomatic bacteriuria among ante-natal mothers in Mulago Hospital, Uganda. Afr Health Sci. 2010;10(4):349-52.
  • 10. U.S. PreventiveServicesTask Force, et al. Screening for asymptomatic bacteriuria in adults: U.S. Preventive Services Task Force reaffirmation recommendation statement. Ann Intern Med. 2008;149(1):43-7.
  • 11. Schnarr J, Smaill F. Asymptomatic bacteriuria and symptomatic urinary tract infections in pregnancy. Eur J Clin Invest. 2008;38 (Suppl 2):50-7.
  • 12. Awonuga DO, Fawole AO, Dada-Adegbola HO, Olola FA, Awonuga OM. Predictors of asymptomatic bacteriuria among obstetric population in Ibadan. Niger J Med. 2010;19(2):188-93.
  • 13. Imade PE, Izekor PE, Eghafona NO, Enabulele OI, Ophori E. Asymptomatic bacteriuria among pregnant women. North Am J Med Sci. 2010;2(6):263-6.
  • 14. Awolude OA, Adesina OA, Oladokun A, Mutiu WB, Adewole IF. Asymptomatic bacteriuria among HIV positive pregnant women. Virulence. 2010;1(3):130-3.
  • 15. Hamdan HZ, Ziad AH, Ali SK, Adam I. Epidemiology of urinary tract infections and antibiotics sensitivity among pregnant women at Khartoum North Hospital. Ann Clin Microbiol Antimicrob. 2011;10:2.
  • 16. Celen S, Oruç AS, Karayalçin R, Saygan S, Unlü S, Polat B, et al. Asymptomatic bacteriuria and antibacterial susceptibility patterns in an obstetric population. ISRN Obstet Gynecol. 2011;2011:721872.
  • 17. Anderson BL, Simhan HN, Siomons KM, Wiesenfeld HC. Untreated asymptomatic group B streptococcal bacteriuria early in pregnancy and chorioamnionitis at delivery. Am J Obstet Gynecol. 2007;196(6):524.e1-5.
  • 18. Fatima N, Ishrat S. Frequency and risk factors of asymptomatic bacteriuria during pregnancy. J Coll Physicians Surg Pak. 2006;16(4):273-5.
  • 19. Thurman AR, Steed LL, Hulsey T, Soper DE. Bacteriuria in pregnant women with sickle cell trait. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(5):1366-70.
  • 20. Brown JS, McGhan WF, Chokroverty S. Comorbidities associated with overactive bladder. Am J Manag Care. 2000;6(11 Suppl):S574-9.
  • 21. Ajayi AB, Nwabuisi C, Aboyeji PO, Fowotade A, Fakeye OO. Reliability of urine multistix and gram stain in the detection of asymptomatic bacteriuria in pregnancy. West Afr J Med. 2010;29(5):339-43.
  • 22. Lumbiganon P, Laopaiboon M, Thinkhamrop J. Screening and treating asymptomatic bacteriuria in pregnancy. Curr Opin Obstet Gynecol. 2010;22(2):95-9.
  • Correspondência:
    Omar Ismail Santos Pereira Darzé
    Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
    Av. Dom João VI, 274 – CEP: 40285-001
    Brotas (BA), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Ago 2011
    • Recebido
      21 Fev 2011
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br