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Efeitos das isoflavonas sobre o miométrio de ratas adultas

Effects of isoflavones on the adult rat myometrium

Resumos

OBJETIVO: avaliar as alterações no miométrio de ratas após o tratamento com isoflavonas, comparando-as às dos estrogênios, por técnicas histológicas e morfométricas. MÉTODOS: 28 ratas adultas castradas foram divididas, ao acaso, em quatro grupos que receberam: GPropi propilenoglicol; GExtr10 - extrato de soja (10 mg/kg por dia); GExtr300 - extrato de soja (300 mg/kg por dia) e GEce - estrogênios conjugados eqüinos (Ece - 200 µg/kg por dia). Após 21 dias de tratamento, todos os animais foram sacrificados, os úteros retirados e pesados, e fragmentos dos cornos uterinos foram coletados e fixados em formol a 10% e processados para inclusão em parafina. Os cortes histológicos foram corados pela hematoxilina e eosina e examinados em microscópio acoplado a analisador de imagens para avaliação da espessura, número de vasos sanguíneos e de eosinófilos no miométrio. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), seguida pelo teste de comparações múltiplas de Tukey-Kramer. RESULTADOS: as isoflavonas, na concentração de 300 mg/kg, induziram aumento significante na espessura do miométrio (GExtr300=25,6±5,0 mm) em relação ao controle (GPropi=5,5±0,5 mm). O efeito desta alta é comparável ao efeito dos estrogênios (GEce=27,5±7,9 mm). Em doses baixas (10 mg/kg), os valores foram similares ao controle. Além disso, as isoflavonas (GExtr300) induziram aumento no número de vasos sangüíneos (GExtr300=10,2±3,6/mm²; GPropi=3,5±1,6 vasos/mm²) e de eosinófilos (GExtr300=4,3±0,9; GPropi=0,15±0,01 eosinófilos/mm²), igualmente comparáveis aos efeitos obtidos pelo tratamento com Ece (GEce=9,2±1,1 eosinophils/mm²). CONCLUSÃO: as isoflavonas em doses altas (300 mg/kg por dia, durante 21 dias) têm efeito proliferativo no miométrio de ratas, semelhante ao dos estrogênios.

Isoflavonas; Estrogênios; Miométrio; Estudo experimental


PURPOSE: to evaluate histomorphometric changes in the rat myometrium upon treatment with isoflavones, as compared with estrogens, using histological and morphometric techniques. METHODS: twenty-eight oophorectomized adult rats were randomly divided into four treatment groups: GPropi = propylene glycol (control); GExtr10 - 10 mg/kg soybean extract; GExtr300 - 300 mg/kg soy bean extract; GCee - 200 µg/kg conjugated equine estrogens (Cee). Drugs or drug vehicle were administered by gavage once a day for 21 days. Upon sacrifice, the uteri were removed and weighed. Fragments of uterine horns were collected and fixed in 10% formaldehyde and processed for paraffin inclusion. The histological sections were stained by hematoxylin and eosin and evaluated microscopically by means of an image analyzer to quantify the myometrial thickness and the number of blood vessels and eosinophils. The data were studied by analysis of variance (ANOVA) followed by the Tukey-Kramer multiple comparison test. RESULTS: isoflavones in the concentration of 300 mg/kg induced a significant increase in the myometrium thickness (GExtr300=25.6±5.0 mm) compared to control (GPropi=5.5±0.5 mm). The effect of this high dose is similar to the estrogen effect (GCee=27.5±7.9 mm). In low doses (10 mg/kg), the effect was similar to control. Isoflavones (GExtr300) induced also an increase in the number of blood vessels (GPropi=3.5±1.6; GExtr300=10.2±3.6 vessels/mm²) and of eosinophils (CPropi=0.15±0.01; GExtr300=4.3±0.9 eosinophils/mm²). These effects were comparable to those produced by Cee treatment in GCee (9.2±1.1 eosinophils/mm²). CONCLUSION: a high-dose treatment with isoflavones (300 mg/kg per day, 21 days) elicited an estrogen-like, highly significant proliferative action on the rat myometrium.

Isoflavones; Estrogens; Myometrium; Experimental study


ARTIGOS ORIGINAIS

Efeitos das isoflavonas sobre o miométrio de ratas adultas

Effects of isoflavones on the adult rat myometrium

Rejane MosquetteI; Milena Pires de Campos Luciano GomesII; Ricardo Santos SimõesIII; Mauro Abi HaidarIV; Manuel de Jesus SimõesV; José Maria Soares JúniorVI; Edmund Chada BaracatVII

IPós-Graduanda do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

IIBolsista de Iniciação Científica do CNPq do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

IIIMédico Residente em Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

IVProf. Livre-Docente e Chefe da Disciplina de Endocrinologia Ginecológica do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

VProf. Livre-Docente do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

VIProf. Adjunto da Disciplina de Endocrinologia Ginecológica do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil

VIIProf. Titular do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNFESP/EPM) e Prof. Titular do Departamento de Ginecologia da Universidade de São Paulo (USP) São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Rejane Mosquette Disciplina de Histologia e Biologia Estrutural (UNIFESP/EPM) Rua Botucatu, 740 04023-900 – São Paulo – SP e-mail: rejane.morf@epm.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar as alterações no miométrio de ratas após o tratamento com isoflavonas, comparando-as às dos estrogênios, por técnicas histológicas e morfométricas.

MÉTODOS: 28 ratas adultas castradas foram divididas, ao acaso, em quatro grupos que receberam: GPropi propilenoglicol; GExtr10 - extrato de soja (10 mg/kg por dia); GExtr300 - extrato de soja (300 mg/kg por dia) e GEce - estrogênios conjugados eqüinos (Ece - 200 µg/kg por dia). Após 21 dias de tratamento, todos os animais foram sacrificados, os úteros retirados e pesados, e fragmentos dos cornos uterinos foram coletados e fixados em formol a 10% e processados para inclusão em parafina. Os cortes histológicos foram corados pela hematoxilina e eosina e examinados em microscópio acoplado a analisador de imagens para avaliação da espessura, número de vasos sanguíneos e de eosinófilos no miométrio. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), seguida pelo teste de comparações múltiplas de Tukey-Kramer.

RESULTADOS: as isoflavonas, na concentração de 300 mg/kg, induziram aumento significante na espessura do miométrio (GExtr300=25,6±5,0 mm) em relação ao controle (GPropi=5,5±0,5 mm). O efeito desta alta é comparável ao efeito dos estrogênios (GEce=27,5±7,9 mm). Em doses baixas (10 mg/kg), os valores foram similares ao controle. Além disso, as isoflavonas (GExtr300) induziram aumento no número de vasos sangüíneos (GExtr300=10,2±3,6/mm2; GPropi=3,5±1,6 vasos/mm2) e de eosinófilos (GExtr300=4,3±0,9; GPropi=0,15±0,01 eosinófilos/mm2), igualmente comparáveis aos efeitos obtidos pelo tratamento com Ece (GEce=9,2±1,1 eosinophils/mm2).

CONCLUSÃO: as isoflavonas em doses altas (300 mg/kg por dia, durante 21 dias) têm efeito proliferativo no miométrio de ratas, semelhante ao dos estrogênios.

Palavras-Chave: Isoflavonas; Estrogênios; Miométrio; Estudo experimental

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate histomorphometric changes in the rat myometrium upon treatment with isoflavones, as compared with estrogens, using histological and morphometric techniques.

METHODS: twenty-eight oophorectomized adult rats were randomly divided into four treatment groups: GPropi = propylene glycol (control); GExtr10 – 10 mg/kg soybean extract; GExtr300 – 300 mg/kg soy bean extract; GCee – 200 µg/kg conjugated equine estrogens (Cee). Drugs or drug vehicle were administered by gavage once a day for 21 days. Upon sacrifice, the uteri were removed and weighed. Fragments of uterine horns were collected and fixed in 10% formaldehyde and processed for paraffin inclusion. The histological sections were stained by hematoxylin and eosin and evaluated microscopically by means of an image analyzer to quantify the myometrial thickness and the number of blood vessels and eosinophils. The data were studied by analysis of variance (ANOVA) followed by the Tukey-Kramer multiple comparison test.

RESULTS: isoflavones in the concentration of 300 mg/kg induced a significant increase in the myometrium thickness (GExtr300=25.6±5.0 mm) compared to control (GPropi=5.5±0.5 mm). The effect of this high dose is similar to the estrogen effect (GCee=27.5±7.9 mm). In low doses (10 mg/kg), the effect was similar to control. Isoflavones (GExtr300) induced also an increase in the number of blood vessels (GPropi=3.5±1.6; GExtr300=10.2±3.6 vessels/mm2) and of eosinophils (CPropi=0.15±0.01; GExtr300=4.3±0.9 eosinophils/mm2). These effects were comparable to those produced by Cee treatment in GCee (9.2±1.1 eosinophils/mm2).

CONCLUSION: a high-dose treatment with isoflavones (300 mg/kg per day, 21 days) elicited an estrogen-like, highly significant proliferative action on the rat myometrium.

Keywords: Isoflavones; Estrogens; Myometrium; Experimental study

Introdução

Nas últimas décadas, o número de mulheres que atingem a pós-menopausa tem se elevado consideravelmente. Este fenômeno está relacionado, entre outros, com a melhoria das condições de saúde pública e o aumento da expectativa de vida1. Nessa fase, há mudanças fisiológicas e clínicas decorrentes da falência ovariana, que se manifestam, precocemente, com os sintomas vasomotores (fogachos), sudorese, nervosismo, irritabilidade, insônia, cefaléia, vertigem, depressão, labilidade emocional, diminuição de capacidade de memorização, parestesias, formigamento, palpitações, mialgias, artralgias e diminuição da libido. Mais tardiamente, há atrofia da pele, distúrbios urogenitais e alterações ósteo-articulares2,3. Para minimizar essas alterações, tem-se empregado a terapia hormonal com esteróides sexuais, representados principalmente pelos estrogênios, de forma isolada ou em associação aos progestagênios. Esta terapia traz benefícios para a mulher, como diminuição dos sintomas, melhora da atrofia genital e prevenção de fraturas osteoporóticas4.

Apesar das vantagens da hormonioterapia, há aspectos negativos, como aumento do risco relativo de algumas neoplasias hormônio-dependentes, tais como de endométrio e de mama, bem como maior incremento do risco de doenças cardiovasculares e de tromboembolismo5. Além disso, as mulheres que fizeram uso da associação de estrogênio com progestagênio poderiam ainda ter outros efeitos colaterais indesejáveis, como mastalgia, aumento de peso corpóreo, alteração do perfil lipídico, etc.6.

Assim, devido a essas complicações, vários autores têm pesquisado fármacos que possam oferecer os efeitos benéficos dos estrogênios na pós-menopausa sem contudo apresentarem seus efeitos colaterais. Conseqüentemente, diversas substâncias têm sido utilizadas. Entre essas, incluem-se os moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs), como o tamoxifeno e o raloxifeno. Entretanto, esses fármacos apresentam algumas desvantagens, como reaparecimento ou aumento de fogachos e risco elevado de trombose. Assim, outras substâncias alternativas têm sido pesquisadas, como os fitoestrogênios, que poderiam agir sobre o receptor de estrogênio em virtude de sua similaridade estrutural química com os estrogênios7.

As isoflavonas podem agir como SERMs naturais ou fito-SERMs, visto que podem modular o receptor de estrogênio8. Esse fato ajudaria a compreender sua ação no alívio dos sintomas climatéricos, sobretudo nos fogachos, sem causar efeitos proliferativos no endométrio e na mama. Contudo, estudos recentes mostram que o uso prolongado de isoflavonas pode levar à proliferação endometrial em mulheres na pós-menopausa9.

A dieta rica em isoflavonas pode estimular o aumento do volume uterino. As isoflavonas (genisteína e daidzeína), na proporção de 0,3 a 0,55 mg/g de alimento administrado a animais, causaram aumento do volume uterino em ratas castradas10. Verificou-se, também, que a ipriflavona, uma isoflavona sintética, não estimula o crescimento do leiomioma uterino em associação ao análogo do GnRH11. Contudo, não há trabalhos que demonstrem que as isoflavonas poderiam estimular o miométrio. Tal fato motivou-nos a realizar o presente estudo experimental. Desse modo temos por objetivo avaliar a ação de isoflavonas no útero de ratas tendo como comparação os estrogênios conjugados eqüinos.

Métodos

Utilizamos 40 ratas adultas (Rattus norvegicus albinus), virgens, de aproximadamente três meses, com peso de 180 a 210 gramas. Os animais foram fornecidos pelo Centro de Desenvolvimento de Modelos de Experimentação (CEDEME) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP-EPM (Projeto nº. 091/03).

Todos os animais foram mantidos em biotério com condições de iluminação e temperatura ideais, alimentação com ração isenta de soja e água ad libitum. Os animais foram submetidos inicialmente a exame colpocitológico por 21 dias consecutivos e os que apresentaram ciclos estrais normais foram submetidos à ooforectomia bilateral. Após 28 dias do ato cirúrgico, 28 ratas foram divididas, ao acaso, em quatro grupos iguais, a saber: GPropi - receberam apenas o veículo (propilenoglicol); GExtr10 - receberam baixas doses de isoflavonas1 (10 mg/kg, por dia); GExtr300 - receberam altas doses de isoflavonas1 (300 mg/kg, por dia), e GEce - receberam estrogênios conjugados eqüinos (Ece), na dose de 200 µg/kg por dia12.

As substâncias foram administradas por gavagem durante 21 dias consecutivos, sempre no mesmo período do dia (das 16:00 às 17:00 horas). As soluções foram diluídas em propilenoglicol, produzindo-se soluções homogêneas, de tal maneira que cada animal recebesse 1,0 mL.

No último dia, logo após a administração das substâncias, todos os animais foram anestesiados com cetamina (60 µg/g) e xilazina (16 µg/g), por via intramuscular, e sacrificados, por decapitação, sendo o sangue colhido do tronco. Em seguida o soro foi separado e armazenado a -20ºC para as determinações de estradiol e progesterona. Em seqüência foram retirados e pesados os úteros, sendo separados fragmentos do terço médio dos cornos uterinos de cada animal e imersos em formol a 10% tamponado, para fixação, por um período de 12 horas.

Após a fixação, os fragmentos foram desidratados e processados para inclusão em parafina, segundo as técnicas habituais. A inclusão foi realizada de tal maneira que pudéssemos observar, nas lâminas histológicas, cortes transversais de cada corno uterino. Na seqüência, dos blocos foram obtidos cortes com 4 µm de espessura, que foram corados pela hematoxilina e eosina.

A avaliação histológica e morfométrica foi realizada com o auxílio de um sistema de captura de imagens e análise pelo programa Axiovision 4 REL (Zeiss). Este processo consiste de um microscópio de luz (Axiolab Standard 20 da Carl Zeiss) acoplado a uma videocâmera de alta resolução (Zeiss), que transmite a imagem a um computador. Este procedimento foi realizado no Laboratório da Disciplina de Histologia da UNIFESP-EPM.

Para cada animal, foram feitas medições em 7 lâminas, tendo sido analisados os seguintes itens: espessura do miométrio, número de vasos sanguíneos e número de eosinófilos presentes no miométrio. A espessura do miométrio foi obtida medindo-se a distância da superfície interna da camada muscular circular até o limite externo da camada longitudinal, com o auxílio de uma linha reta, sendo feita uma medida em cada quadrante do corno uterino. Para a obtenção do número de vasos sanguíneos e de eosinófilos foram contados os números desses elementos observados em área de 1 mm2, na camada muscular circular.

Ao final do experimento foram dosados o estradiol e a progesterona no soro por radioimunoensaio, pelo método do duplo anticorpo (ICN Biomedicals Inc., Costa Mera, CA, USA). Estas dosagens foram realizadas no Laboratório Central do Hospital São Paulo, UNIFESP-EPM. As amostras foram dosadas em duplicata. A porcentagem máxima de reatividade cruzada destes kits é inferior a 0,01%.

Para a análise dos resultados obtidos à microscopia de luz utilizou-se inicialmente a análise de variância (ANOVA). Quando houve significância, complementou-se com o teste de comparações múltiplas de Tukey-Kramer, com o propósito de observar se ocorreu diferença significante entre os grupos. Foi fixado em 5% (p<0,05) o nível de significância para a rejeição da hipótese da nulidade.

Resultados

Não houve diferenças significantes entre os pesos corporais das ratas pertencentes aos vários grupos de estudo, ao final do experimento (peso médio de todos os grupos 220,1±18,9). Com relação ao peso do útero observamos que as ratas tratadas com altas doses de isoflavonas ou de estrogênios apresentavam maior média de peso uterino (GExtr300=7,7±2,9 e GEce=7,5±3,1 g) (p<0,01) em relação aos grupos GPropi e GExtr10 (GPropi=2,7±0,5 g e GExtr10=3,2±0,8 g). Não observamos diferenças entre os grupos nos níveis séricos de progesterona (média dos grupos 1,7±0,7 ng/mL). No GEce, como esperado, os níveis de estrogênios encontram-se bem elevados em comparação com os outros grupos (GEce=32,1±6,3 pg/ml, média dos outros grupos = 2,9±1,16 pg/ml) (p<0,001) (Tabela 1).

As secções transversais dos cornos uterinos dos animais pertencentes ao GPropi (controle) apresentaram miométrio com espessura de 5,5±0,5 mm, constituído por duas camadas de músculo liso bem definidas, uma circular (interna) e outra longitudinal (externa). As fibras musculares apresentaram núcleos pequenos e heterocromáticos, sendo que na região entre as camadas musculares observaram-se inúmeros vasos sangüíneos (Figura 1A). O mesmo foi notado nos animais tratados com baixas doses de isoflavonas (GExtr10=5,4±1,4 mm) onde a espessura não diferiu do grupo controle (GPropi=5,5±0,5 mm). No entanto, os grupos tratados com altas doses de isoflavonas e estrogênios conjugados apresentaram miométrio bem mais espesso (GExtr300=25,6±1,4 mm e GEce=27,5±7,9 mm; p<0,001), sendo que o miométrio possuía núcleos mais ricos em eucromatina e, entre as fibras musculares, numerosos eosinófilos (Figura 1 B, C e D ).



Notamos haver aumento significante do número de vasos sanguíneos no miométrio das ratas tratadas com altas doses de isoflavonas e estrogênios conjugados (GExtr300=10,2±3,6/mm2 e GEce 12,9±3,9/mm2), sendo que o mesmo ocorreu em relação ao número de eosinófilos (GExtr300=4,3±0,9/mm2 e GEce=9,2±1,1/mm2) (Tabela 2).

Discussão

A ministração de esteróides sexuais, sobretudo estrogênios, na pós-menopausa constitui hoje motivo de grande preocupação, devido à estimulação endometrial e ao aumento do risco de câncer desta região. Além disso, há relatos do aumento do volume de leiomiomas uterinos após o tratamento hormonal13. Assim, o uso de substâncias com pouca ação estimulatória endometrial e miometrial seria importante para o clínico. Por este motivo, procuramos avaliar o efeito das isoflavonas no miométrio.

Verificou-se que a ministração de dieta rica em isoflavonas apresenta efeito trófico sobre o útero de ratas10. Contudo, em humanos, não há relatos quanto à ação dessas substâncias no leiomioma.

Diversos autores utilizaram em seus experimentos doses variadas e compostos com diferentes concentrações de genisteína e daidzeína. Além disso, as rações normalmente empregadas para criação e manutenção de animais em biotério apresentam resíduos de isoflavonas na sua composição10. Para nossa pesquisa foi confeccionada ração praticamente isenta de isoflavonas, pois não entrou na sua composição nenhum alimento que contivesse essas substâncias e que pudesse interferir em nossos resultados.

Acredita-se que a ação estimulatória das isoflavonas far-se-ia por sua ação no receptor de estrogênio, principalmente pela ativação do receptor beta14. Em apoio a esta hipótese, nossos dados mostraram haver grande número de eosinófilos, em especial nas áreas mais próximas ao miométrio, em ratas que receberam grande concentração do extrato de soja. Estudos prévios em nosso laboratório sugeriram que a presença de eosinófilos no útero de ratas depende da ativação do receptor de estrogênio15.

Sabe-se que os eosinófilos, no adulto, são formados na medula óssea e entram na circulação, onde permanecem por pequeno período de tempo16. A eosinofilia induzida pelo estrogênio é difícil de ser explicada, porém, os estrogênios ao que parecem teriam forte efeito de dilatação nos vasos uterinos, acelerando o crescimento do miométrio e do endométrio, o que faz supor que a sua presença no útero se correlaciona com o crescimento e remodelação deste órgão17. Assim, o efeito das isoflavonas em altas doses seria similar ao do estrogênio.

No extrato concentrado de soja, a genisteína e a daidzeína são referidas como as isoflavonas que apresentam maior ação estrogênica no útero de ratas. Estudos experimentais em ratas mostraram que doses entre 50 e 100 mg/kg ao dia de genisteína são efetivas para estimular o crescimento dos cornos uterinos e trofismo da citologia vaginal18. Outros autores reportaram ausência de atividade uterotrópica da genisteína quando sua concentração fosse inferior a 2,5 mg/kg por dia, na alimentação de ratas castradas19. Em camundongas, doses maiores que 5 mg/kg por dia foram necessárias para se obterem efeitos uterotrópicos20.

Experimentalmente, notou-se que ratas Sprague-Dawley18 submetidas à administração de genisteína eram mais sensíveis do que as Wistar19. Responderam com doses de 50 e 100 mg/kg por dia de genisteína, apesar de não se detectar aumento da expressão do c-fos, um dos marcadores da atividade estrogênica. Contudo, no útero de ratas (DA/Han) castradas foi relatada expressão aumentada desse marcador (c-fos) com a dose de 100 mg/kg por dia10. Nossos resultados mostraram que, com doses de 300 mg/kg por dia, houve alterações significativas no peso uterino e de modificações morfológicas e morfométricas no miométrio. Esta concentração corresponde a 25 mg/kg de genisteína, ou seja, um quarto da dose empregada no estudo anterior. É possível que outros compostos presentes no extrato poderiam atenuar o efeito da genisteína.

Nossos resultados mostraram que o extrato de soja em altas concentrações pode estimular o crescimento do miométrio de ratas adultas castradas, à semelhança do estrogênio, porém, em menor intensidade. Este fato, se extrapolado para a espécie humana, deve alertar o ginecologista para que tenha cuidado com a dose de isoflavona ministrada à paciente, como também com a duração da terapia.

Recebido em: 15/3/2006

Aceito com modificações em: 13/4/2006

Este projeto foi financiado pela FAPESP (Projeto nº 2003/13407-0)

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  • Correspondência:

    Rejane Mosquette
    Disciplina de Histologia e Biologia Estrutural (UNIFESP/EPM)
    Rua Botucatu, 740
    04023-900 – São Paulo – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Abr 2006
    • Recebido
      15 Mar 2006
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