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Correlação entre Testes para Avaliação da Vitalidade Fetal, pH da Artéria Umbilical e os Resultados Neonatais em Gestações de Alto Risco

Correlation between the Assessment of Fetal Well-being, Umbilical Artery pH at Birth and the Neonatal Results in High-risk Pregnancies

Resumos

Objetivos: analisar a relação entre valores de pH no nascimento, testes de vitalidade fetal e resultados neonatais. Métodos: foram incluídas 1346 pacientes com gestação de alto risco atendidas no Setor de Vitalidade Fetal do HCFMUSP. Para estudo do bem-estar fetal foram realizados exames de cardiotocografia, perfil biofísico fetal e índice de líquido amniótico. Após o parto foram obtidos os seguintes parâmetros dos recém-nascidos: idade gestacional no parto, sexo e peso dos recém-nascidos, índices de Apgar de 1º e 5º minutos, pH da artéria umbilical no nascimento e a ocorrência de óbito neonatal. Para estudo destes resultados neonatais, os casos foram divididos em quatro grupos: G1 (pH <7,05), G2 (pH de 7,05 a 7,14); G3 (pH de 7,15 a 7,19) e G4 (pH > ou = 7,20). Resultados: a cardiotocografia anormal relacionou-se com valores de pH inferiores a 7,20 (p = 0,001). Resultados anormais do perfil biofísico fetal (<=4) foram mais freqüentes à medida que os valores de pH decresceram (p<0,001). Resultados neonatais adversos relacionaram-se à presença de acidose no nascimento, sendo selecionados para o ajuste do modelo de regressão logística. Este modelo revelou que o "odds ratio" referente a cada condição neonatal eleva-se significativamente com o decréscimo do pH no nascimento. Conclusões: observa-se correlação significativa entre valores de pH no nascimento e resultados neonatais, sendo possível estimar o risco neonatal a que é exposto o produto conceptual utilizando-se do pH no nascimento.

Anoxia perinatal; Cardiotocografia; Perfil biofísico fetal; Óbito neonatal


Purpose: to analyze the relationship between the values of pH at birth, fetal surveillance examinatios and neonatal results. Methods: one thousand, three hundred and forty-six high-risk pregnancies were evaluated at the Fetal Surveillance Unit. The assessment of fetal well-being included cardiotocography, fetal biophysical profile and amniotic fluid index. After birth, the perinatal results (gestational age at birth, birth weight, Apgar scores at 1st and 5th minutes, umbilical cord pH at birth) were collected. To study the results, the patients were divided into four groups: G1 (pH <7.05), G2 (pH between 7.05 and 7.14), G3 (pH between 7.15 and 7.19) and G4 (pH > or = 7.20). Results: the abnormal patterns of cardiotocography were associated with pH at birth inferior to 7.20 (p = 0.001). Abnormal results of the fetal biophysical profile (<=4) were related to decrease in pH values at birth (p<0.001). The adverse neonatal outcomes were associated with acidosis at birth, and they were selected to be analyzed by the logistic regression model, showing that the odds ratio of each adverse neonatal outcome increases significantly when the values of pH at birth decrease. Conclusions: significant correlation was found between the values of pH at birth and adverse neonatal results, providing the possibility to estimate the risk of neonatal complications according to the pH values at birth.

Fetal distress; Cardiotocography; Biophysical profile scores; Neonatal death


Trabalhos Originais

Correlação entre Testes para Avaliação da Vitalidade Fetal, pH da Artéria Umbilical e os Resultados Neonatais em Gestações de Alto Risco

Correlation between the Assessment of Fetal Well-being, Umbilical Artery pH at Birth and the Neonatal Results in High-risk Pregnancies

Rossana Pulcineli Vieira Francisco, Roseli Mieko Yamamoto, Seizo Miyadahira, Cristiane Leite Cunha, Marcelo Zugaib

RESUMO

Objetivos: analisar a relação entre valores de pH no nascimento, testes de vitalidade fetal e resultados neonatais.

Métodos: foram incluídas 1346 pacientes com gestação de alto risco atendidas no Setor de Vitalidade Fetal do HCFMUSP. Para estudo do bem-estar fetal foram realizados exames de cardiotocografia, perfil biofísico fetal e índice de líquido amniótico. Após o parto foram obtidos os seguintes parâmetros dos recém-nascidos: idade gestacional no parto, sexo e peso dos recém-nascidos, índices de Apgar de 1o e 5o minutos, pH da artéria umbilical no nascimento e a ocorrência de óbito neonatal. Para estudo destes resultados neonatais, os casos foram divididos em quatro grupos: G1 (pH <7,05), G2 (pH de 7,05 a 7,14); G3 (pH de 7,15 a 7,19) e G4 (pH ³7,20).

Resultados: a cardiotocografia anormal relacionou-se com valores de pH inferiores a 7,20 (p = 0,001). Resultados anormais do perfil biofísico fetal (£4) foram mais freqüentes à medida que os valores de pH decresceram (p<0,001). Resultados neonatais adversos relacionaram-se à presença de acidose no nascimento, sendo selecionados para o ajuste do modelo de regressão logística. Este modelo revelou que o "odds ratio" referente a cada condição neonatal eleva-se significativamente com o decréscimo do pH no nascimento.

Conclusões: observa-se correlação significativa entre valores de pH no nascimento e resultados neonatais, sendo possível estimar o risco neonatal a que é exposto o produto conceptual utilizando-se do pH no nascimento.

PALAVRAS-CHAVE: Anoxia perinatal. Cardiotocografia. Perfil biofísico fetal. Óbito neonatal.

Introdução

As gestações de alto risco cursam com altas taxas de mortalidade e morbidade neonatais. Durante as últimas décadas vários métodos de avaliação da vitalidade fetal foram propostos com o objetivo de diagnosticar o sofrimento fetal e assim reduzir estas taxas. Estas provas, que avaliam o bem-estar fetal, são fundamentais na assistência às gestantes de alto risco porque fornecem os subsídios para a continuidade da terapia materna e fetal e, quando adequadamente empregadas, sinalizam com fidelidade as alterações hipoxêmicas que envolvem a gestação. Necessitamos, contudo, de confirmação neonatal para que os diversos métodos sejam validados, quando se deseja eleger aquele de melhor valor preditivo no determinismo de uma conduta obstétrica resolutiva.

Para tal fim, existem fortes evidências apontadas por vários autores os quais sugerem que a presença de acidose no nascimento é o padrão ideal para a confirmação do diagnóstico de sofrimento fetal. Vale a lembrança de que diante de hipoxemia intensa, o feto se utiliza do metabolismo anaeróbico para a produção de energia. Este processo implica liberação de ácido láctico que por não ser volátil leva à diminuição do pH no sangue fetal, na medida em que os sistemas tampões forem consumidos, o que está diretamente relacionado à duração do evento hipoxêmico1. Tendo a convicção da correção deste conceito, muitas pesquisas realizadas nesta área estão pautadas na medida do pH no nascimento realizada em sangue da artéria umbilical. Assim, não obstante a existência de trabalhos respeitáveis acerca disso, muitas dúvidas ainda subsistem, principalmente no que se refere aos níveis de pH no nascimento correspondentes à acidose patológica, termo este introduzido na literatura com o objetivo de se determinar melhor as relações desta variável com as complicações neonatais, particularmente aquelas que se relacionam a seqüelas neurológicas2.

Embora exista na literatura uma posição majoritária de estudiosos que preconizam o valor de pH <7,20 em sangue da artéria umbilical no nascimento, como a de Wible et al.3, outros autores sugerem que este valor é arbitrariamente alto, defendendo que seja fixado em 7,104. Entretanto, deve-se enfatizar que os referidos estudos não relacionaram os valores de pH aos resultados neonatais, o que dificulta sua utilização clínica e configura o principal objetivo deste estudo.

Pacientes e Métodos

No período de maio de 1991 a junho de 1997 foram avaliadas no Setor de Vitalidade Fetal 2317 pacientes com gestações únicas, com alto risco para insuficiência placentária, sem malformações fetais detectáveis à ultra-sonografia, e que tiveram seu parto no HCFMUSP. A avaliação destas pacientes incluiu a realização de cardiotocografia anteparto (CTG), aferição do índice de líquido amniótico (ILA) e perfil biofísico fetal (PBF).

Para este estudo foram então selecionadas as pacientes em que o intervalo entre a última avaliação da vitalidade fetal e o parto foi igual ou menor que 7 dias e aquelas em que foi possível a obtenção do pH da artéria umbilical no nascimento, totalizando 1.346 casos.

Para a CTG, utilizaram-se aparelhos da marca Hewlett Packard, modelo HP 8041A. A velocidade de registro gráfico foi mantida em 1 centímetro por minuto e o traçado, realizado por período mínimo de 10 minutos. Em caso de feto hipoativo ou inativo, após estimulação sônica5, classificou-se o produto conceptual de acordo com sua resposta ao estímulo sônico6, resultando disto, a identificação de feto reativo (ocorrência de aceleração da freqüência cardíaca fetal (FCF) de pelo menos 20 bpm, com duração mínima de 3 minutos), hiporreativo (amplitude da FCF menor do que 20 bpm e/ou duração da mesma inferior a 3 minutos) ou, ainda, não-reativo (ausência de resposta fetal). Para a interpretação da CTG utilizou-se o índice cardiotocométrico, que considera normal o feto ativo no exame basal ou, no teste da estimulação sônica, reativo ou de resposta bifásica6,7.

O volume de líquido amniótico foi avaliado, segundo técnica desenvolvida por Phelan et al.8, determinando-se o denominado ILA. Definiu-se oligoidrâmnio em caso de valor de ILA até 5 cm9.

O PBF descrito por Manning et al.10 e reformulado pelos mesmos autores11 foi ainda modificado na Clínica Obstétrica do HCFMUSP, com relação à análise da CTG7. Considerou-se anormal o resultado de PBF igual ou inferior a 4.

Variáveis analisadas no momento do parto e no período neonatal

Imediatamente após a extração fetal, foi obtido um segmento de cordão umbilical de cerca de 15 cm de comprimento por duplo clampeamento com pinças. A amostra de sangue da artéria umbilical foi coletada em seringa heparinizada e posteriormente arrolhada para impedir contato com o meio ambiente. O material foi encaminhado de imediato para leitura em aparelho de gasometria da marca Corning, modelo 178pH/Blood Gas Analyzer.

Após o parto, foram obtidos os resultados neonatais imediatos de interesse, ou seja, idade gestacional (IG) no momento do parto, sexo do recém-nascido (RN), índices de Apgar de 1o e 5o minutos12, peso do RN e identificação dos classificados como pequenos para idade gestacional (PIG).

A classificação dos RN, segundo a adequação do peso no nascimento à IG, valeu-se das curvas de normalidade de Hadlock et al.13, quando de IG inferior a 31 semanas, e Ramos14, a partir de 31 semanas. Foram considerados PIG os RN de peso inferior ao 10o percentil da curva utilizada, conforme a IG.

Os RN foram acompanhados durante a permanência no berçário até a alta hospitalar ou óbito. A época da eventual ocorrência de óbito do RN definiu os termos: óbito neonatal precoce (acontecido até 7 dias de vida) e óbito neonatal (sucedido até 28 dias de vida). Considerou-se para cálculo do total de óbitos aqueles verificados durante todo o período de permanência no berçário.

Foram considerados resultados neonatais adversos: índices de Apgar de 1o e 5o minutos inferiores a 7, internação em UTI neonatal, ocorrência de óbito neonatal precoce, de óbito neonatal e de óbito durante a internação no berçário.

Grupos de estudo e análise estatística

Para se avaliar os resultados neonatais foram constituídos quatro grupos conforme os valores de pH encontrados:

· Grupo1 (acidose grave): pH inferior a 7,05 - 57 casos

· Grupo 2 (acidose moderada): pH de valores de 7,05 a 7,14 - 122 casos

· Grupo 3 (acidose leve): pH de valores de 7,15 a 7,19 - 125 casos

· Grupo 4 (normal): pH igual ou superior a 7,20 - 1.042 casos

Para comparação entre os grupos utilizou-se do teste de c2 e exato de Fisher para as variáveis qualitativas e o teste de Kruskal-Wallis para as variáveis quantitativas. As variáveis neonatais que apresentaram significância estatística na análise univariada foram selecionadas para o ajuste do modelo de regressão logística segundo Hosmer e Lemeshow15, a fim de se identificar a probabilidade de ocorrência de resultados neonatais adversos de acordo com os valores do pH da artéria umbilical no nascimento.

Resultados

Foram estudadas 1346 gestações de alto risco distribuídas de acordo com os valores de pH no nascimento. A presença de acidose no nascimento, definida como valores de pH da artéria umbilical inferiores a 7,20, foi observada em 304 casos (22,6%), sendo que em 57 (4,2%) este foi inferior a 7,05.

Não se observaram diferenças estatisticamente significativas em relação à idade materna, com média e desvio-padrão de 28,2 e 6,6 anos. Do mesmo modo, os grupos não apresentaram diferenças em relação à cor das pacientes.

A vitalidade fetal foi avaliada utilizando-se da cardiotocografia (1.325 casos), do perfil biofísico fetal (1.285 casos) e do índice de líquido amniótico (1.243 casos). A comparação entre os grupos, constituídos de acordo com os valores do pH da artéria umbilical no nascimento, demonstrou não haver diferenças estatisticamente significativas em relação ao intervalo de tempo entre o último exame e o parto (Tabela 1).

O estudo do PBF apresentou resultado anormal (PBF £4) em 15 dos 1.285 (1,2%) casos, e a freqüência da observação deste evento aumentou significativamente à medida que os valores de pH da artéria umbilical no nascimento decresceram (Tabela 1).

Notou-se oligoidrâmnio (ILA £5) em 350 (28,2%) dos 1.243 casos, sendo sua distribuição estatisticamente semelhante nos quatro grupos avaliados (Tabela 1).

A interpretação da cardiotocografia revelou resultados anormais em 62 (4,7%) dos 1.325 casos, sendo que o grupo com acidose (pH <7,20) diferiu estatisticamente do grupo sem acidose no nascimento. Ressalte-se ainda que não se observaram diferenças significativas entre os grupos 1 (pH<7,05), 2 (pH de valores de 7,05 a 7,14) e 3 (pH de valores de 7,15 a 7,19) quando comparados entre si (p = 0,544) (Tabela 1).

A via de parto foi a operação cesariana em 70% dos casos, sem que se observassem diferenças em sua freqüência nos grupos analisados. A IG no momento do parto e o sexo do recém-nascido foram semelhantes nos grupos estudados. Quanto ao peso dos RN o grupo com pH inferior a 7,05 apresentou valores inferiores quando comparado aos demais grupos (Tabela 2). A classificação dos RN segundo a adequação do peso no nascimento à IG 238 (17,7%) destes como pequenos para a idade gestacional. O grupo 1 (pH <7,05) foi diferente (p<0,001) dos demais, apresentando proporção mais elevada deste resultado neonatal adverso (Tabela 2).

Os resultados neonatais de maior interesse, a saber, Apgar de primeiro e quinto minutos, internação em UTI neonatal e óbito (neonatal precoce, neonatal e total de óbitos durante a internação no berçário), distribuídos de acordo com os valores de pH da artéria umbilical no nascimento, encontram-se nas Tabelas 3 e 4.

Avaliando o Apgar de 1o minuto classificado em <7 ou ³7, os grupos 1 (pH <7,05) e 4 (pH ³ 7,20) foram distintos dos demais e os grupos 2 (pH de valores de 7,05 a 7,14) e 3 (pH de valores de 7,15 a 7,19) semelhantes entre si (p = 0,051). A necessidade de UTI neonatal não diferiu estatisticamente quando comparados o grupo 1 com o 2, bem como o grupo 3 com o 4.

As variáveis neonatais que apresentaram índice de significância adequado (<0,05) foram selecionadas para o ajuste do modelo de regressão logística, estando os valores de "odds ratio" com respectivos intervalos de confiança demonstrados na Tabela 5. O ajuste do modelo de regressão logística permitiu ainda que fossem confeccionadas as curvas de probabilidade de ocorrência dos resultados neonatais adversos acima descritos segundo os valores de pH da artéria umbilical no nascimento (Figuras 1 e 2).



Discussão

As gestações de alto risco que evoluem com insuficiência placentária podem cursar com grau variável de hipoxemia fetal. O produto conceptual, nestas condições, apresenta alguns mecanismos defensivos e de adaptação capazes de protegê-lo desta oxigenação insuficiente. No aspecto hemodinâmico, ocorre a redistribuição do fluxo sangüíneo com o objetivo de proteger os órgãos vitais16. Adicionalmente, ocorre diminuição de movimentação corpórea e respiratória fetal a fim de diminuir o gasto de energia17. O mecanismo metabólico de defesa do organismo fetal implica incremento do metabolismo anaeróbico, uma via pobre na produção de energia, além de mobilizar glicose por meio da glicogenólise hepática, com repercussões nutritivas relevantes. O metabolismo anaeróbico, em instância final, provoca acúmulo de ácido láctico que, por não ser volátil e não atravessar a barreira placentária, redunda em desequilíbrio ácido-básico, cuja conseqüência se reflete na diminuição do pH no sangue fetal. Desta forma, a presença de acidose no sangue fetal tem sido considerada como o melhor marcador para se inferir o sofrimento fetal.

A utilização dos métodos de avaliação da vitalidade fetal tem como meta proporcionar a certeza do bem-estar do produto conceptual, tanto no meio intra-uterino quanto no período neonatal. Estes métodos constituem componentes fundamentais da semiologia obstétrica que, somados aos avanços terapêuticos, convergem para a garantia de melhor qualidade de vida do recém-nascido.

No presente estudo, para a análise dos testes de vitalidade fetal, procurou-se respeitar o intervalo entre a avaliação da vitalidade fetal e o parto, fixado como inferior a 7 dias, já que existiu a preocupação de se obedecer a um mínimo de critério para validar a comparação dos resultados destes exames e os do período pós-parto. Este intervalo foi semelhante nos quatro grupos. Em razão desta homogeneidade, considerou-se factível a comparação dos resultados obtidos nestes testes com os valores do pH no nascimento.

Dentre os métodos de vitalidade fetal confirmou-se a capacidade discriminatória da cardiotocografia porque, quando seus resultados apresentaram-se anormais, associaram-se à presença de acidose no nascimento.

Os resultados do perfil biofísico fetal também se relacionaram com a verificação de acidose no nascimento, sendo que se observa maior freqüência de resultados anormais quanto menores são os valores de pH no nascimento. Com relação a este tópico, vale acrescentar que Vintzileos et al.18 relacionam o PBF de valores inferiores ou iguais a 4 à ocorrência de valores de pH no nascimento próximos a 7,08. Miyadahira19, em estudo prospectivo, observou pH médio de 7,17 quando o escore do PBF era 6 e 7,06 quando o escore era menor que o mesmo valor.

Importa ainda ressaltar que, por ser a diminuição do índice de líquido amniótico um fenômeno crônico relacionado com a redistribuição do débito cardíaco fetal, não constitui surpresa a ausência de associação entre o oligoidrâmnio e a acidose no nascimento. Quando a hipoxemia se instala cronicamente, a gestação pode evoluir com redução do volume de líquido amniótico em períodos variáveis de tempo que precedem a acidose fetal.

Quanto ao peso do concepto, seus menores valores e a maior freqüência de RN classificados como pequenos para idade gestacional ocorreram no grupo com pH inferior a 7,05, concordante com o que observam McIntire et al.20.

Em relação ao sexo, alguns autores referem que a acidose é observada com maior freqüência nos RN do sexo masculino, porém este resultado não foi confirmado nesta pesquisa2.

Vale reiterar que a precisão e a facilidade com que o pH da artéria umbilical pode ser conhecido e o fato de este refletir de maneira satisfatória as condições de nascimento têm consagrado este método como padrão ideal para o diagnóstico do sofrimento fetal. Persistem, porém, algumas dúvidas sobre a correlação entre os valores de pH e os demais resultados neonatais, o que motivou a realização deste estudo.

Para melhor visualização das relações entre a ocorrência de acidose e os resultados neonatais adversos, as variáveis que se associaram foram submetidas ao ajuste do modelo de regressão logística. Observa-se assim que o risco de ocorrência de resultado neonatal desfavorável aumenta muito de acordo com a mudança das faixas de valores de pH no nascimento. Isto se torna evidente quando analisamos o risco de óbito e, de forma ainda mais acentuada, o risco de óbito neonatal precoce ("odds ratio" de valores 3,0 e 19,9 quando comparados os grupos com pH inferior a 7,20 e pH inferior a 7,05).

Alguns autores como Goldaber et al.2 têm denominado como acidose patológica a presença de valores de pH no nascimento inferiores a 7,05. Outros consideram arbitrariamente o nível de corte de 7,20 para definição da acidose no nascimento4. É inegável que os resultados aferidos no nascimento devam se correlacionar com o prognóstico do concepto a longo prazo, pois refletem os danos sofridos por ele no período antenatal. Os exames de avaliação da vitalidade fetal visam identificar os fetos de maior risco para um resultado perinatal adverso, evitando a ocorrência de eventos irreversíveis como as seqüelas neurológicas.

Sabe-se que o mau prognóstico do RN se relaciona com alterações de morbidade diagnosticadas nos exames neonatais, sendo que a mais relevante é a intensidade da asfixia estimada através da gasometria no nascimento2,4. Porém, outros aspectos neonatais merecem ser analisados mais profundamente, pois eles, em conjunto, podem trazer substratos importantes, considerando-se o seguimento dos RN durante a internação no berçário.

Ao incorporar a análise dos óbitos, este trabalho pretendeu testar a natureza do envolvimento dos níveis de pH no nascimento para o seu determinismo. Além disso, o aumento na morbidade imediata representada pelos índices de Apgar e internação em UTI neonatal foi analisado. O estudo de todas as variáveis citadas dão suporte a este trabalho, no qual os RN que apresentam pH inferior a 7,20 apresentam risco maior de ocorrência dos eventos desfavoráveis.

O conhecimento do risco imposto ao feto, de acordo com cada uma das faixas de pH, bem como da probabilidade de ocorrência do evento adverso, possibilita uma análise mais direta do que pode ser considerado como aceitável. A análise das curvas de probabilidade demonstra haver aumento importante da ocorrência de todos os eventos quando os valores de pH são inferiores a 7,05. Observa-se ainda que o óbito neonatal precoce parece ser a variável que sofre maior influência dos valores baixos de pH no nascimento como aqueles inferiores a 6,90, pois as curvas de óbitos descrevem trajetos muito semelhantes até este valor, quando ocorre inclinação maior da curva de óbito neonatal precoce, diferenciando-se das demais.

A presença de maior risco para o produto conceptual conduz à definição de acidose pela observação de valores de pH da artéria umbilical no nascimento inferiores a 7,20, e o objetivo primordial da assistência obstétrica é a obtenção de recém-nascido saudável, preferentemente com valores de pH acima deste patamar. Entretanto, quando se trata de gestações no limiar da viabilidade com fetos ainda imaturos, considerando-se a importância do prolongamento da gestação, os valores de corte inferiores podem ser aceitos. Nesta situação, deve-se ponderar não só os riscos impostos ao feto pela hipoxia mas, também, os riscos inerentes à prematuridade extrema, que implicam altos índices de complicações neonatais.

Apesar das limitações de um trabalho retrospectivo, este estudo permitiu que, novas perspectivas possam ser delineadas tais como relacionar a avaliação da vitalidade fetal com a acidose no nascimento, indo ao encontro da necessidade de buscar métodos cada vez mais precisos para diagnóstico do sofrimento fetal em gestações de alto risco.

SUMMARY

Purpose: to analyze the relationship between the values of pH at birth, fetal surveillance examinatios and neonatal results.

Methods: one thousand, three hundred and forty-six high-risk pregnancies were evaluated at the Fetal Surveillance Unit. The assessment of fetal well-being included cardiotocography, fetal biophysical profile and amniotic fluid index. After birth, the perinatal results (gestational age at birth, birth weight, Apgar scores at 1st and 5th minutes, umbilical cord pH at birth) were collected. To study the results, the patients were divided into four groups: G1 (pH <7.05), G2 (pH between 7.05 and 7.14), G3 (pH between 7.15 and 7.19) and G4 (pH ³7.20).

Results: the abnormal patterns of cardiotocography were associated with pH at birth inferior to 7.20 (p = 0.001). Abnormal results of the fetal biophysical profile (£4) were related to decrease in pH values at birth (p<0.001). The adverse neonatal outcomes were associated with acidosis at birth, and they were selected to be analyzed by the logistic regression model, showing that the odds ratio of each adverse neonatal outcome increases significantly when the values of pH at birth decrease.

Conclusions: significant correlation was found between the values of pH at birth and adverse neonatal results, providing the possibility to estimate the risk of neonatal complications according to the pH values at birth.

KEY WORDS: Fetal distress. Cardiotocography. Biophysical profile scores. Neonatal death.

Referências

Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Correspondência: Rossana Pulcineli Vieira Francisco

Rua Passo da Pátria, 855/ 11 ¾ Alto da Lapa

05085000 ¾ São Paulo ¾ SP

e-mail: rpvf@uol.com.br

Home-page: www.hcnet.usp.br/ob

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2000
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