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Nitroglicerina transdérmica versus nifedipina oral para inibição do trabalho de parto prematuro: ensaio clínico randomizado

Transdermal nitroglycerin versus oral nifedipine administration for tocolysis: a randomized clinical trial

Resumos

OBJETIVO: comparar a efetividade da nitroglicerina transdérmica com a nifedipina oral na inibição do trabalho de parto prematuro. MÉTODOS: foi realizado um ensaio clínico com 50 mulheres em trabalho de parto prematuro, randomizadas em dois grupos, 24 para nifedipina oral (20 mg) e 26 para nitroglicerina transdérmica (patch 10 mg). Foram selecionadas as pacientes com gestação única, entre a 24ª e 34ª semanas e diagnóstico de trabalho de parto prematuro. Foram excluídas pacientes com malformações fetais e com doenças clínicas ou obstétricas. As variáveis analisadas foram tocólise efetiva, tempo necessário para tocólise, frequência de recorrência, progressão para parto prematuro e efeitos colaterais. RESULTADOS: a eficácia da tocólise nas primeiras 12 horas foi semelhante entre os grupos (nitroglicerina: 84,6% versus nifedipina: 87,5%; p=0,5). A média do tempo para tocólise também foi semelhante (6,6 versus 5,8 horas; p=0,3). Não houve diferença entre os grupos quanto à recorrência de parto prematuro (26,9 versus 16,7%; p=0,3) e nem na frequência de parto prematuro dentro de 48 horas (15,4 versus 12,5%; p=0,5). Entretanto, a frequência de cefaleia foi significativamente maior no grupo que usou nitroglicerina (30,8 versus 8,3%; p=0,04). CONCLUSÕES: a nitroglicerina transdérmica apresentou efetividade semelhante à nifedipina oral para inibição do trabalho de parto prematuro nas primeiras 48 horas, porém com maior frequência de cefaleia.

Nitroglicerina; Doadores de óxido nítrico; Nifedipino; Trabalho de parto prematuro; Tocólise; Cefaleia


PURPOSE: to compare the effectiveness of transdermal nitroglycerin with oral nifedipine in the inhibition of preterm delivery. METHODS: a clinical essay has been performed with 50 women in preterm delivery, randomly divided into two groups, 24 receiving oral nifedipine (20 mg), and 26, transdermal nitroglycerin (10 mg patch). Patients with a single gestation, between the 24th and the 34th weeks and diagnosis of preterm delivery were selected. Women with fetal malformation and clinical or obstetric diseases were excluded. The variables analyzed were: effective tocolysis, time needed for tocolysis, recurrence frequency, progression to preterm delivery, and side effects. RESULTS: tocolysis efficacy in the first 12 hours was similar between the groups (nitroglycerin: 84.6% versus nifedipine: 87.5%; p=0.50). The time average time needed for tocolysis was also similar (6.6 versus 5.8 hours; p=0.30). There was no difference between the groups, concerning the recurrence of preterm delivery (26.9 versus 16.7%; p=0.30), and neither in the rate of preterm delivery within 48 hours (15.4 versus 12.5%; p=0.50). Nevertheless, the cephalea rate was significantly higher in the Nitroglycerin Group (30.8 versus 8.3%; p=0.04). CONCLUSIONS: transdermal nitroglycerin has presented similar effectiveness to oral nifedipine to inhibit preterm delivery in the first 48 hours, however with higher cephalea frequency.

Nitroglycerin; Nitric oxide donors; Nifedipine; Obstetric labor; premature; Tocolysis; Headache


ARTIGO ORIGINAL

Nitroglicerina transdérmica versus nifedipina oral para inibição do trabalho de parto prematuro: ensaio clínico randomizado

Transdermal nitroglycerin versus oral nifedipine administration for tocolysis: a randomized clinical trial

Melania Maria Ramos AmorimI; Luis André Marinho LippoII; Aurélio Antônio Ribeiro CostaII; Isabela Cristina CoutinhoII; Alex Sandro Rolland SouzaIII

IProfessora da Pós-graduação em Saúde Materno-Infantil do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

IIPreceptor da Residência Médica em Tocoginecologia do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

IIIPós-graduando (Doutorado) em Saúde Materno Infantil do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE); Coordenador da Residência Médica em Medicina Fetal do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

Correspondência Correspondência: IMIP Rua dos Coelhos, 300 - Ilha do Leite CEP 50070-550 - Recife (PE), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: comparar a efetividade da nitroglicerina transdérmica com a nifedipina oral na inibição do trabalho de parto prematuro.

MÉTODOS: foi realizado um ensaio clínico com 50 mulheres em trabalho de parto prematuro, randomizadas em dois grupos, 24 para nifedipina oral (20 mg) e 26 para nitroglicerina transdérmica (patch 10 mg). Foram selecionadas as pacientes com gestação única, entre a 24ª e 34ª semanas e diagnóstico de trabalho de parto prematuro. Foram excluídas pacientes com malformações fetais e com doenças clínicas ou obstétricas. As variáveis analisadas foram tocólise efetiva, tempo necessário para tocólise, frequência de recorrência, progressão para parto prematuro e efeitos colaterais.

RESULTADOS: a eficácia da tocólise nas primeiras 12 horas foi semelhante entre os grupos (nitroglicerina: 84,6% versus nifedipina: 87,5%; p=0,5). A média do tempo para tocólise também foi semelhante (6,6 versus 5,8 horas; p=0,3). Não houve diferença entre os grupos quanto à recorrência de parto prematuro (26,9 versus 16,7%; p=0,3) e nem na frequência de parto prematuro dentro de 48 horas (15,4 versus 12,5%; p=0,5). Entretanto, a frequência de cefaleia foi significativamente maior no grupo que usou nitroglicerina (30,8 versus 8,3%; p=0,04).

CONCLUSÕES: a nitroglicerina transdérmica apresentou efetividade semelhante à nifedipina oral para inibição do trabalho de parto prematuro nas primeiras 48 horas, porém com maior frequência de cefaleia.

Palavras-chave: Nitroglicerina/uso terapêutico, Doadores de óxido nítrico, Nifedipino/uso terapêutico, Trabalho de parto prematuro/prevenção & controle, Tocólise, Cefaleia/etiologia

ABSTRACT

PURPOSE: to compare the effectiveness of transdermal nitroglycerin with oral nifedipine in the inhibition of preterm delivery.

METHODS: a clinical essay has been performed with 50 women in preterm delivery, randomly divided into two groups, 24 receiving oral nifedipine (20 mg), and 26, transdermal nitroglycerin (10 mg patch). Patients with a single gestation, between the 24th and the 34th weeks and diagnosis of preterm delivery were selected. Women with fetal malformation and clinical or obstetric diseases were excluded. The variables analyzed were: effective tocolysis, time needed for tocolysis, recurrence frequency, progression to preterm delivery, and side effects.

RESULTS: tocolysis efficacy in the first 12 hours was similar between the groups (nitroglycerin: 84.6% versus nifedipine: 87.5%; p=0.50). The time average time needed for tocolysis was also similar (6.6 versus 5.8 hours; p=0.30). There was no difference between the groups, concerning the recurrence of preterm delivery (26.9 versus 16.7%; p=0.30), and neither in the rate of preterm delivery within 48 hours (15.4 versus 12.5%; p=0.50). Nevertheless, the cephalea rate was significantly higher in the Nitroglycerin Group (30.8 versus 8.3%; p=0.04).

CONCLUSIONS: transdermal nitroglycerin has presented similar effectiveness to oral nifedipine to inhibit preterm delivery in the first 48 hours, however with higher cephalea frequency.

Keywords: Nitroglycerin/therapeutic use, Nitric oxide donors, Nifedipine/therapeutic use, Obstetric labor, premature/prevention & control, Tocolysis, Headache/etiology

Introdução

O parto prematuro espontâneo continua sendo um importante problema de saúde pública, apesar de todos os avanços da medicina perinatal. A prematuridade não apenas acarreta expressivo aumento da morbidade e mortalidade neonatal, mas contribui sobremaneira para piora da qualidade de vida e disfunções em longo prazo, além dos elevados custos associados com os cuidados de saúde1. Sua incidência varia de acordo com o país e a região, estimando-se que seja de 9 a 12% em países desenvolvidos, como a Europa e a América do Norte2, e de aproximadamente 10% no Brasil3.

A despeito de todos os esforços para se encontrar uma droga tocolítica que seja efetiva e segura tanto para a mãe, quanto para o feto, os resultados têm sido desapontadores4. Evitar o parto prematuro ainda não é possível, mesmo com uma gama de medicamentos que vêm sendo utilizados nas últimas décadas5-7.

Na atualidade, o principal objetivo para utilização da terapia tocolítica é postergar o nascimento, de modo a permitir a utilização do corticoide para a aceleração da maturidade pulmonar fetal e/ou a transferência materna para um centro de assistência terciário, com recursos de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, as quais reduzem a morbidade e mortalidade neonatal8,9.

Desde a publicação inicial, em 2002, de uma revisão sistemática disponibilizada na biblioteca Cochrane, os bloqueadores dos canais de cálcio passaram a ocupar a primeira escolha como terapia tocolítica em diversos centros médicos do mundo e do Brasil7,10. Em uma metanálise, essas drogas (especialmente a nifedipina) se mostraram mais efetivas como agentes tocolíticos, apresentando melhores resultados neonatais, além de marcante redução nos efeitos maternos adversos7.

Recentes estudos sugerem que a utilização de nitroglicerina transdérmica poderia ser uma opção tocolítica efetiva, com reduzidos efeitos colaterais maternos e fetais11-14. Essa via de administração também é atrativa pela conveniência da utilização, efetividade potencial, além do baixo custo. Entretanto, os resultados dos estudos são ainda discordantes e a nitroglicerina só foi comparada em ensaios clínicos randomizados com placebo13 ou com outros agentes tocolíticos de segunda linha (especialmente betamiméticos)12,14, mas não com a nifedipina. A revisão sistemática disponibilizada na biblioteca Cochrane, que incluiu cinco ensaios clínicos randomizados, com 466 mulheres, concluiu que as evidências são insuficientes para apoiar o uso da nitroglicerina, como doadora do óxido nítrico, para inibição do parto prematuro15.

Considerando a necessidade de evidências mais sólidas para uso clínico dos doadores de óxido nítrico em casos de trabalho de parto prematuro, optou-se por conduzir o presente estudo com o objetivo de determinar a efetividade da administração da nitroglicerina por via transdérmica, em comparação com a nifedipina por via oral para inibição do trabalho de parto prematuro.

Métodos

O estudo foi realizado no Centro de Atenção à Mulher (CAM) do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), localizado na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil e no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (ISEA), em Campina Grande, Paraíba, Brasil. O projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa Locais, atendendo às determinações da Declaração de Helsinque e resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foi realizado um ensaio clínico randomizado, aberto, que incluiu 50 mulheres com idade entre 18 e 40 anos e gestação única e tópica. A idade gestacional na inclusão deveria ser de 24 a 34 semanas, com dilatação cervical de até 4 cm e bolsa das águas íntegra. O feto devia apresentar boa vitalidade. As pacientes foram admitidas no IMIP e no ISEA com diagnóstico de trabalho de parto prematuro, no período entre Agosto de 2003 a Janeiro de 2004. Foram excluídas as gestantes com doenças clínicas ou obstétricas, como pré-eclâmpsia e diabetes, condições requerendo imediata interrupção da gravidez, como descolamento prematuro de placenta, casos com malformação fetal com diagnóstico ultrassonográfico e uso prévio de drogas tocolíticas.

Para o diagnóstico de trabalho de parto prematuro, considerou-se a presença de quatro ou mais contrações dolorosas e rítmicas, em torno de 30 segundos de duração, em 30 minutos, associadas com modificações cervicais, caracterizada por evidência de mudança na posição, consistência, comprimento e/ou dilatação do colo16.

Considerando-se uma média de tempo necessário para inibição de 5,3 horas para a nitroglicerina17, com desvio padrão de 2,45 horas, e uma diferença estimada para a nifedipina de duas horas, seriam necessárias 47 pacientes para evidenciar essa diferença. Prevendo-se eventuais perdas, foi preparada uma lista com 60 números randômicos por computador e o estudo foi interrompido depois de concluído o tratamento da 50ª paciente.

Todas as mulheres preenchendo os critérios de elegibilidade foram devidamente esclarecidas sobre os objetivos do estudo e aquelas que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Somente depois da assinatura do termo, elas foram alocadas randomicamente para receber terapia tocolítica com nitroglicerina transdérmica ou nifedipina (sublingual oral), garantindo; portanto, a ocultação da alocação.

Em relação às vias de administração diferentes, tanto as participantes como os médicos e os pesquisadores tinham conhecimento de qual medicação estava sendo utilizada. Não foi possível a utilização de placebo por dificuldades do laboratório. A randomização foi realizada por uma lista de números aleatórios gerada previamente em computador (módulo Epi Table do programa Epi-Info 6.04d), a partir da qual foram preparados envelopes opacos, selados, contendo o grupo para o qual seria designado cada paciente.

A nifedipina (Adalat®) foi administrada inicialmente sob forma de cápsula de 10 mg, por via sublingual, repetindo o processo após 30 minutos, se ainda presente contrações uterinas, e a seguir 20 mg por via oral a cada seis horas18. O patch de nitroglicerina (Nitroderm TTS®) do laboratório Novartis), na dose de 10 mg, foi colocado em áreas glabras do corpo da paciente, preferindo-se braço e antebraço para melhor observação durante o exame clínico. Ao término da avaliação da sexta hora de tratamento, um novo patch de nitroglicerina era adicionado caso não tivesse ocorrido diminuição da frequência ou intensidade das contrações (dose máxima de 20 mg em 24 horas). Se em 12 horas não fosse obtida tocólise efetiva com qualquer uma das drogas, as participantes recebiam terbutalina 250 µg por via subcutânea, conforme a rotina do serviço. Ambas as drogas foram adquiridas com recursos próprios do IMIP, especialmente para a pesquisa.

Após o início da tocólise, a dinâmica uterina e os sinais vitais maternos e fetais a cada 15 minutos eram monitorados, até ter certeza da estabilidade hemodinâmica. A partir daí, cada participante era avaliada em intervalos horários durante as primeiras 24 horas, e a seguir a cada seis horas, durante 48 horas de observação.

Ambas as drogas tocolíticas foram mantidas por mais 24 horas após obtenção da tocólise efetiva, sendo então as pacientes encaminhadas para a enfermaria de gestação de alto risco, onde passavam a ser acompanhadas conforme o protocolo próprio do serviço para gestantes com parto prematuro18. Todas as participantes receberam concomitantemente corticoterapia para aceleração da maturidade pulmonar fetal. Em caso de recorrência do trabalho de parto prematuro, foi utilizado o tratamento padrão do serviço com nifedipina em dose de ataque de 10 mg por via sublingual, podendo ser repetida caso não desaparecessem as contrações, dentro de 30 minutos, e a seguir 20 mg por via oral a cada seis horas18.

O desfecho primário como parâmetros de efetividade foi o tempo necessário até obtenção da tocólise efetiva. Outros desfechos foram analisados, como a frequência desta, determinada pela ausência de contrações uterinas em dez minutos de observação, frequência de recorrência do trabalho de parto prematuro, sendo o ressurgimento de contrações uterinas dolorosas, pelo menos de duas em dez minutos depois da obtenção de tocólise e ocorrência de parto prematuro dentro de 48 horas do início da terapia tocolítica. Também foram analisados os efeitos colaterais, como cefaleia, hipotensão, taquicardia, rubor facial, náuseas e vômitos.

A análise dos dados foi realizada no programa Epi-Info 3.5 e feita com a intenção de tratar. Para as variáveis quantitativas, utilizou-se o teste t de Student para diferença de médias nos casos em que o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov evidenciasse uma distribuição normal. O teste não-paramétrico de Mann-Whitney era adotado caso a normalidade não fosse evidenciada. As variáveis categóricas foram comparadas usando-se os testes do χ2 de associação (Pearson) e exato de Fisher, quando pertinentes.

A razão de risco (RR) foi calculada como medida do risco relativo de diversos desfechos para a utilização de nitroglicerina (efetividade e efeitos colaterais). O número necessário para produzir um malefício (NNH) foi calculado para a presença de cefaleia.

Resultados

Foram incluídas 54 pacientes com trabalho de parto prematuro, das quais 29 receberam tocólise com nitroglicerina e 25 com nifedipina. Houve três exclusões após randomização no grupo da nitroglicerina (uma por pré-eclâmpsia diagnosticada logo depois da inibição do parto prematuro, uma por suspeita de descolamento prematuro de placenta e uma por erro de idade gestacional, só detectado quando foi disponibilizado o resultado da ultrassonografia de primeiro trimestre). Uma paciente foi excluída do grupo da nifedipina devido ao diagnóstico de pré-eclâmpsia, de forma que persistiram; no final, 26 pacientes que receberam nitroglicerina e 24, nifedipina (Figura 1).


Não houve diferença significativa entre os grupos em relação às características basais. A média de idade ficou em torno de 24 anos nos dois grupos que apresentaram mediana de paridade de zero e idade gestacional de aproximadamente 30 semanas. Foi observado que 77% das participantes no grupo da nitroglicerina e 83% no grupo da nifedipina tinham idade gestacional menor que 32 semanas. Os grupos não diferiram em relação ao padrão de atividade uterina (mediana de três contrações em dez minutos), dilatação cervical (mediana de 2 cm), pressão arterial, frequência cardíaca materna e cardíaca fetal imediatamente antes da administração da droga (Tabela 1).

Os parâmetros de efetividade da terapia tocolítica foram semelhantes, verificando-se inibição eficaz dentro de 12 horas em aproximadamente 85% das pacientes que receberam nitroglicerina e 87,5% das pacientes que receberam nifedipina. Pela análise do tempo necessário para tocólise efetiva, foi encontrada variação de 2 a 12 horas para a nitroglicerina e de 2 a 11 horas para a nifedipina, com média de, respectivamente, 6,6 e 5,8 horas (p=0,3). Um tempo de até seis horas foi necessário para tocólise efetiva em torno de 64% das pacientes que receberam nitroglicerina, enquanto para as que receberam nifedipina este tempo foi necessário em 67% das pacientes. A frequência de recorrência do trabalho de parto prematuro nas primeiras 48 horas depois do início da tocólise foi de aproximadamente 27% nas pacientes que receberam nitroglicerina, e em torno de 17% nas pacientes que receberam nifedipina. A frequência de parto prematuro nas primeiras 48 horas após início da tocólise foi de 15,4% no grupo da tocólise com nitroglicerina e 12,5% no grupo da nifedipina (Tabela 2). O NNT (número necessário para tratar e obter um benefício) não foi calculado, pois os resultados em termos de tocólise foram semelhantes entre os grupos.

Analisando os efeitos colaterais (Tabela 3), a cefaleia foi mais frequente entre as pacientes que receberam nitroglicerina em relação àquelas que receberam nifedipina (30,8 versus 8,3%, p=0,04), porém o intervalo de confiança de 95% ainda incluiu a unidade. A frequência de hipotensão, taquicardia, rubor facial, náuseas e vômitos foram semelhantes para os grupos. A frequência de qualquer efeito colateral foi de aproximadamente 35% no grupo da nitroglicerina e 21% no grupo da nifedipina; todavia, esta diferença não foi significativa (p=0,2). Calculou-se o NNH (número necessário para tratar e obter um dano) para cefaleia, o qual foi de 11 (6-∞).

Discussão

No presente estudo encontrou-se efetividade semelhante da nitroglicerina e nifedipina para inibição do trabalho de parto prematuro, com tocólise alcançada em 12 horas entre 85% das mulheres que receberam nitroglicerina e 87,5% das que receberam nifedipina. A taxa de parto prematuro, indicando falha da tocólise, nas primeiras 48 horas foi de 15,4 e 12,5% nos grupos da nitroglicerina e nifedipina, respectivamente.

Existem relativamente poucos estudos e ensaios clínicos randomizados, nos quais tenha sido avaliada a nitroglicerina (e outros doadores de óxido nítrico) para inibição do parto prematuro. Revisando os bancos de dados Medline, Scopus, Lilacs/Scielo e a biblioteca Cochrane, usando os descritores em inglês e português ("nitroglicerina" OR "óxido nítrico") AND ("trabalho de parto prematuro" OR "trabalho de parto pré-termo" OR "parto prematuro" OR "parto pré-termo"), foram encontrados dez ensaios clínicos, comparando nitroglicerina ou isossorbida com outras drogas tocolíticas, em geral com betamiméticos, mas nenhum com nifedipina1,11-15,17,19-21.

Os resultados do presente estudo confirmam as conclusões de outros estudos que apontam para a efetividade da nitroglicerina como agente tocolítico, mas é o primeiro estudo a comparar a nitroglicerina com a droga atualmente apontada como a mais efetiva e segura para inibição do parto prematuro, a nifedipina7. A revisão sistemática disponível na biblioteca Cochrane evidenciou que a nifedipina tem se mostrado mais eficaz do que os betamiméticos, como salbutamol, ritodrina ou terbutalina, no prolongamento da gravidez com trabalho de parto prematuro. Além disso, também foi observada uma diminuição significativa dos efeitos colaterais maternos. Há também indícios de melhoria nos resultados neonatais com nifedipina em comparação com betamiméticos. Desta forma, a nifedipina vem se tornando a droga de escolha para uso na tocólise7.

A combinação de efeitos cardiovasculares da nifedipina e dos betamiméticos intravenosos é substancial. Os dois agentes não podem ser utilizados em conjunto sob quaisquer circunstâncias7. Desta forma, estudos bem controlados de outras drogas tocolíticas devem preferencialmente usar como Grupo Controle a terapêutica que representa o padrão-ouro, já que alguns aspectos éticos impedem a utilização de placebo, o que poderia privar um grupo de pacientes do melhor tratamento disponível e acarretar maior número de partos prematuros. Destaca-se que a taxa de partos prematuros observada em 48 horas no presente estudo foi equivalente àquela encontrada na revisão sistemática da Cochrane para a nifedipina7.

Mesmo assim, foram encontrados dois ensaios clínicos comparando nitroglicerina e placebo, publicados pelo mesmo grupo canadense em 1999 e 20071,13. O primeiro foi apenas um estudo piloto com 33 mulheres, no qual não se encontrou diferença significativa na frequência de parto prematuro nos dois grupos, apesar de uma redução de 44% na taxa de parto prematuro dentro de 48 horas13. O segundo estudo incluiu 153 mulheres, das quais 79 receberam nitroglicerina e 74, placebo. Foi encontrada redução, embora não-significativa (IC95%=0,23-1,09), equivalente à 50% no risco de parto prematuro antes da 28ª semana e significativa redução (em torno de 70%) da morbidade neonatal no grupo tratado com nitroglicerina, quando comparado ao placebo. Os efeitos colaterais; sobretudo cefaleia, foram mais frequentes entre as mulheres que receberam nitroglicerina. Os autores sugerem que a nitroglicerina transdérmica pode reduzir a morbidade e mortalidade neonatal por diminuir a frequência de parto prematuro antes da 28ª semana, de 20,3 para 10,8%. Porém, o estudo, além de utilizar placebo, o que é questionável do ponto de vista ético para mulheres com trabalho de parto prematuro, não encontrou redução significativa da frequência global de prematuridade (em torno de 50% em cada grupo), nem diferença na frequência de parto prematuro entre a 28ª e 34ª semanas e entre a 34ª e 37ª semanas nos dois grupos1.

Em outros estudos, publicados antes de 2007, comparou-se a nitroglicerina com outras drogas, em geral betamiméticos, mas quase todos com amostras pequenas4,11. Um grande estudo multicêntrico internacional foi publicado em 1999, incluindo 245 mulheres randomizadas para receber nitroglicerina ou ritodrina. Os efeitos tocolíticos foram semelhantes, porém o perfil de efeitos colaterais e a taxa de descontinuação da droga foram favoráveis à nitroglicerina14.

O estudo mais recente comparando nitroglicerina transdérmica com betamiméticos (salbutamol ou ritodrina) foi publicado em 2004, por um grupo de pesquisadores australianos4. Esse estudo envolveu 238 mulheres, das quais 117 receberam betamiméticos e 121, nitroglicerina. Os autores encontraram um intervalo semelhante até o parto nos dois grupos, porém a tocólise ocorreu mais rapidamente no grupo recebendo betamiméticos. Em resumo, 77% destas pacientes não tinham mais contrações depois de duas horas de terapia tocolítica, contra 43% no grupo recebendo nitroglicerina. Aproximadamente 40% das pacientes que usaram inicialmente nitroglicerina acabaram recebendo tocólise de resgate com betamiméticos. A cefaleia foi mais frequente em usuárias da nitroglicerina, embora hipotensão e taquicardia tenham sido mais frequentes entre aquelas que usaram betamiméticos. Não houve diferença nos desfechos neonatais. Embora os autores refiram que seus resultados não apoiam o uso da nitroglicerina como agente de primeira linha para inibição do parto prematuro, destaca-se que as drogas foram comparáveis em termos de efetividade para postergar o parto prematuro. Em relação aos efeitos colaterais, o risco de cefaleia com a nitroglicerina deve ser pesado contra o risco de palpitações, taquicardia, hipotensão e dispneia com os betamiméticos4.

Há uma revisão sistemática disponível na biblioteca Cochrane abordando o uso de doadores de óxido nítrico para inibição do parto prematuro. Esta revisão foi atualizada pela última vez em 2002 e, portanto, é anterior aos ensaios clínicos supracitados. Foram incluídos cinco ensaios clínicos randomizados12-14,17,19. Em todos eles foi empregada nitroglicerina, em comparação com placebo (um), betamiméticos (três) ou sulfato de magnésio (um). Houve redução no número de partos prematuros antes da 37ª semana, mas não antes da 32ª e 34ª semanas, entre as grávidas que utilizaram nitroglicerina. Não se conseguiu; porém, retardar o parto ou melhorar o prognóstico neonatal. Os efeitos colaterais foram menos frequentes com nitroglicerina em relação a outros tocolíticos, exceto cefaleia.

Os revisores apontam que as evidências são insuficientes para apoiar o uso da nitroglicerina como droga tocolítica de primeira linha, e que seu uso deve ficar restrito a protocolos de ensaios clínicos randomizados15. Também recomendam que novos ensaios clínicos sejam conduzidos contemplando, além de efetividade para prevenir o parto prematuro, os efeitos sobre a morbidade e mortalidade perinatal15. O presente estudo foi conduzido em 2003, logo depois da introdução da nifedipina como droga tocolítica de primeira escolha no serviço do presente estudo. Em se tratando de um estudo preliminar, com experiência ainda incipiente com a nitroglicerina, optou-se por considerar os desfechos relacionados à efetividade para cessar as contrações uterinas (tocólise) e a taxa de partos prematuros em 48 horas, e posteriormente partir para um estudo maior, contemplando prognóstico perinatal se os resultados fossem compatíveis com um efetivo efeito tocolítico da nitroglicerina.

Os resultados do presente estudo sugerem que a efetividade tocolítica da nitroglicerina é semelhante à da nifedipina, de forma que estudos posteriores com amostra maior podem e devem ser conduzidos com a finalidade de avaliar morbidade e mortalidade perinatal. Esses estudos também devem avaliar os efeitos colaterais e o perfil de segurança de cada droga, em curto e longo prazo.

No presente estudo não houve diferença significante para a frequência dos efeitos colaterais apresentados pelas pacientes, exceto para a cefaleia, a qual foi referida por 30% das pacientes que receberam nitroglicerina e em 8,3% daquelas com nifedipina. O risco de cefaleia foi mais de três vezes maior para o grupo da nitroglicerina e, embora o intervalo de confiança tenha incluído a unidade, este achado é compatível com o efeito vasodilatador da nitroglicerina e descrito em diversos outros estudos15. Na revisão sistemática da biblioteca Cochrane, sobre doadores de óxido nítrico, também foi encontrada frequência de cefaleia em torno de 30% e risco três vezes maior deste desfecho entre mulheres recebendo nitroglicerina15.

Apesar disso, vale ressaltar que a incidência de efeitos colaterais importantes como alterações cardiovasculares maternas e fetais é muito menor para a nitroglicerina do que para outros tocolíticos, como os betamiméticos, os quais possuem dez vezes mais chances de promover esses eventos13. Na revisão sistemática da Cochrane, o risco de rubor, palpitações, taquicardia e dor torácica foi significativamente menor com a utilização da nitroglicerina15.

Alguns estudos revelam que um dos principais obstáculos aos bons resultados na terapia tocolítica é o abandono do tratamento. Isto se torna mais evidente quando são usados os beta-agonistas, que aumentam a chance de descontinuidade do tratamento em 15 vezes13. A descontinuidade do tratamento também está presente em estudos comparativos com o atosiban5,13. Não foi necessário abandono do tratamento por efeitos colaterais em nenhum grupo do presente estudo.

Acredita-se que estes resultados são encorajadores, no sentido de ampliar as indicações da nitroglicerina para terapia tocolítica, uma vez que, para a maioria dos desfechos estudados, a droga demonstrou ser equivalente à nifedipina. Ambas as drogas apresentam vantagens na forma de administração, custo e segurança materno fetal em relação a outros tocolíticos, o que pode facilitar a adesão ao tratamento e diminuir a suspensão da inibição por intolerância aos efeitos colaterais tão comuns às outras drogas tocolíticas14,19. A nitroglicerina por via transdérmica é mais fácil e indolor para usar que outras drogas como betamiméticos ou sulfato de magnésio. Porém, como o uso da nifedipina está bastante difundido atualmente, é importante comparar as duas drogas; e estudos posteriores também devem avaliar o grau de satisfação e comodidade das pacientes com o tratamento tocolítico.

As conclusões do presente estudo não respaldam o uso rotineiro da nitroglicerina como agente tocolítico na prática clínica diária. Novos ensaios clínicos randomizados, de preferência duplo-cego, devem ser realizados para assegurar a real eficácia e segurança da tocólise com a nitroglicerina, com poder e amostra suficientes para avaliar os riscos e benefícios maternos e neonatais em longo prazo. Esses estudos devem ser idealmente multicêntricos, envolver grande número de participantes e usar a droga padrão-ouro para tocólise, que atualmente é representada pela nifedipina.

Recebido 7/8/07

Aceito com modificações 20/10/09

Centro de Atenção à Mulher do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil e Instituto de Saúde Elpídio de Almeida - ISEA - Campina Grande (PB), Brasil.

Conflito de interesse: Não houve conflito de interesses. As drogas foram adquiridas com recursos próprios do IMIP. Os pesquisadores não receberam nenhum incentivo financeiro de órgão público ou empresa privada.

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  • Correspondência:
    IMIP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2009

    Histórico

    • Aceito
      09 Out 2009
    • Recebido
      07 Ago 2007
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