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Miíase Mamária: relato de 2 casos

Breast myiasis: report of 2 cases

Resumos

RESUMO Miíase é definida por uma parasitose causada por larvas em desenvolvimento de algumas espécies de moscas que infestam humanos ou animais. Os autores apresentam dois casos de miíase mamária. Chamam atenção para as características observadas nesta patologia e para o diagnóstico diferencial dos processos inflamatórios localizados na mama.

Mama: doenças benignas; Miíase; Mama: lesões cutâneas


SUMMARY Myiasis is defined as a parasitosis caused by the developing larvae of some species of flies that infest humans or animals. The authors present two cases of primary myiasis. They call attention to the characteristics observed in this pathology in the differential diagnosis of the inflammatory diseases in the breast.

Breast: benign diseases.; Myiasis; Breast: cutaneous


Relato de Caso

Miíase Mamária. Relato de 2 casos.

Breast myiasis ¾ Report of 2 cases.

Henrique Alberto Portella Pasqualette, Paulo Maurício Soares - Pereira, Maria Julia Gregorio Calás Rosana de Castro Ribeiro dos Santos, Vânia Ravizzini Manoel

RESUMO

Miíase é definida por uma parasitose causada por larvas em desenvolvimento de algumas espécies de moscas que infestam humanos ou animais. Os autores apresentam dois casos de miíase mamária. Chamam atenção para as características observadas nesta patologia e para o diagnóstico diferencial dos processos inflamatórios localizados na mama.

PALAVRAS-CHAVE: Mama: doenças benignas. Miíase. Mama: lesões cutâneas.

Introdução

Entende-se por miíase a invasão e evolução de larvas de moscas em tecidos humanos ou animais1. A incidência desta parasitose é baixa na espécie humana, e as espécies de moscas causadoras desta patologia são as denominadas Cochliomyia hominivorax, Dermatobia hominis e Cordylobia anthropophaga, vulgarmente conhecidas como "mosca varejeira", "mosca berneira" e "mosca tumbu", respectivamente1. Embora estas espécies tenham distribuição geográfica e ciclos evolutivos diferentes, apresentam características clínicas similares2.

O quadro clínico é variável, dependendo da localização, porém quando em área cutâneo-mucosa geralmente há queixa de prurido intenso e dor local3.

Os autores buscam, mediante relato de dois casos, correlacionar os aspectos clínicos, radiológicos e ecográficos desta parasitose, com acometimento da região mamária, sendo enfocada a importância do diagnóstico diferencial com outras doenças mamárias de localização cutânea.

Relato dos casos

1º Caso:

ECS, 79 anos, reside em Cabo Frio, RJ. Trabalha em quiosque na praia. A paciente apresentava queixa de nódulo no prolongamento axilar direito e dor tipo fisgada há uma semana.

2ºCaso:

MFAR, 48 anos, moradora de Bonsucesso, RJ, do lar. Queixava-se de furúnculo na mama esquerda e dor tipo fisgada, há aproximadamente 25 dias, desde que voltou de férias de uma fazenda.

Os aspectos clínicos, radiológicos e ecográficos foram semelhantes nos dois casos relatados e são descritos em conjunto.

À inspeção, observa-se área de hiperemia e edema cutâneo difusos, sobressaindo área em relevo com orifício central arredondado medindo aproximadamente 0,5 cm.

Observamos à palpação que a área descrita em relevo era circunscrita, superficial, endurecida, medindo aproximadamente 2 x 2 cm, não aderente aos planos profundos. A pesquisa de descarga papilar foi negativa e não se palpavam gânglios. No segundo caso, observamos ainda, à compressão, saída de secreção acastanhada pelo orifício.

O estudo radiológico mostrou imagem fusiforme, medindo aproximadamente 1,5 cm, com halo periférico radiotransparente, apresentando duas pequenas imagens lineares radiopacas próximas a uma das extremidades, localizada na projeção da área cutânea acometida. Observou-se discreto edema cutâneo próximo à lesão em ambos os casos. No 1º caso, cuja localização era o prolongamento axilar, observa-se a presença de linfonodos de nível I, radiopacos, sendo que os mais profundos apresentavam aumento de seu volume.

Ao estudo ecográfico observamos presença de imagem fusiforme ecogênica parcialmente circundada por halo anecóico, provocando intensa sombra acústica posterior.

Sinal Doppler positivo, sem fluxo suspeito. Observou-se movimentação da "ïmagem" visualizada ao ultra-som em ambos os casos (Figuras 1, 2, 3, 4).





Conduta

No primeiro caso foi realizada incisão adjacente à lesão principal, fora de nossa instituição. Neste momento foi identificada uma larva única, sendo feita apenas a sua retirada. Não houve sutura do local.

No segundo caso foi realizada a retirada da larva pelo método de asfixia, sendo aplicado éter dentro do orifício e a seguir tamponado firmemente com gaze. Após cinco minutos, extraímos a larva com auxílio de uma pinça de Kelly associado à compressão manual do local. Foi extraída larva única e íntegra.

Em ambos os casos, as pacientes evoluíram de maneira satisfatória, com regressão total do quadro.

Discussão

Existem várias classificações para miíase, conforme seja a localização, a biologia da mosca e o tipo do tecido infestado. Quanto à localização, podem ser cutâneas (pele e tecido subcutâneo) ou cavitárias. Biologicamente podem ser classificadas como acidentais (quando acidentalmente o indivíduo ingere ovos ou larvas de moscas presentes em alimentos) ou obrigatórias (quando a mosca necessita de um hospedeiro vivo ou morto para depositar seus ovos ou larvas). De acordo com o tecido infestado, a miíase também pode ser classificada como biontófaga, necrobiontófaga ou necrófaga. As biontófagas são aquelas que aparecem em tecido normal, vivo. São também conhecidas como miíases primárias. As larvas desenvolvem-se em feridas recentes, fossas nasais, gengivas, vulva, ânus, entre outros locais. As necrobiontófagas são aquelas que ocorrem em tecido necrosado (feridas), mas no hospedeiro vivo, sendo conhecidas como miíase secundária. As necrófagas são aquelas que ocorrem em cadáveres1.

Na espécie humana, as espécies de moscas causadoras de miíase primária são Cochliomyia hominivorax, Dermatobia hominis e Cordylobia anthropophaga4,5,6.

Após a cópula, as moscas da espécie Cochliomyia hominivorax iniciam a postura dos ovos nas aberturas naturais do corpo humano ou em locais onde haja alguma solução de continuidade. Na espécie Dermatobia hominis, a fêmea deposita seus ovos sobre moscas hematófogas (inseto veiculador). Estas carreiam os ovos sobre seu abdômen, depositando-os sobre o hospedeiro1,2.

O período de incubação é de 12 a 20 horas. Após a eclosão dos ovos, a larva invade e se alimenta dos tecidos infestados, destruindo-os rapidamente. Em seguida, abandona o hospedeiro e cai no solo sob a forma de pupa1.

Quanto à espécie Cordylobia anthropophaga, seus ovos são geralmente depositados no solo. Podem ainda ser depositados em vestimentas ou em roupas de cama estendidas em varais ou no solo, ocorrendo deste modo a contaminação de seres humanos. Após a eclosão dos ovos, ocorre a liberação das larvas e conseqüente infestação cutânea do indivíduo em contato com as mesmas. A contaminação por larvas desta espécie tende a ser em maior quantidade, já que em geral é grande o número de ovos depositados6.

Inicialmente há prurido intenso e, posteriormente, dor local1. Nos casos relatados, foi observada ainda a presença de área de induração simulando um nódulo com orifício central, podendo dar saída a secreção escura. Na dependência do tempo de evolução do caso pode-se instalar infecção secundária. Há ainda a possibilidade de nova infestação por larvas de outras moscas, comprometendo a resolução do quadro.

É recomendada a retirada da larva logo que seja percebida a infestação. De acordo com a literatura, a melhor técnica para retirá-la é por asfixia. Podem ser utilizadas substâncias que proporcionem oclusão do orifício, como gordura suína (bacon), esparadrapo, óleo mineral, manteiga e cosméticos, dentre outros2. Pode-se ainda realizar compressão local associada. Outros autores sugerem a introdução de até 2 ml de lidocaína dentro do orifício com o auxílio de uma seringa, o que proporciona aumento da pressão no local e expulsão da larva7. Esta deve ser retirada íntegra para evitar a formação de abscessos e facilitar a cicatrização. Caso, ao estudo ecográfico, não seja observada movimentação da larva e o sinal color Doppler seja negativo, pode-se suspeitar de morte da mesma. Neste caso não será possível retirá-la pelo método de asfixia, sendo necessária a retirada cirúrgica.

Na maioria dos casos descritos na bibliografia o diagnóstico da parasitose somente pôde ser realizado após a ressecção cirúrgica da mesma2,3,5,6,7.

Nos casos estudados a utilização dos métodos de imagem nos possibilitou o diagnóstico diferencial entre lesões de acometimento cutâneo e patologias mamárias propriamente ditas.

Enfatizamos, com nossa experiência em instituição privada, os aspectos clínicos, radiológicos, ecográficos e macroscópicos da larva, praticamente idênticos nestes dois casos, tendo sido por este motivo, por nós considerados achados característicos desta patologia; uma vez que não existe na literatura nacional e estrangeira nenhum relato desta afecção na glândula mamária feminina. Por fim, chamamos a atenção para a necessidade da inclusão de miíase mamária no diagnóstico diferencial das afecções cutâneas inflamatórias na mama, quando diante de alterações semelhantes às aqui descritas.

SUMMARY

Myiasis is defined as a parasitosis caused by the developing larvae of some species of flies that infest humans or animals. The authors present two cases of primary myiasis. They call attention to the characteristics observed in this pathology in the differential diagnosis of the inflammatory diseases in the breast.

KEY WORDS: Breast: benign diseases. Myiasis. Breast: cutaneous lesions.

Referências

CEPEM ¾ Centro de Estudos e Pesquisas da Mulher - Rio de Janeiro - RJ

Correspondência: Henrique Alberto Portella Pasqualette

Rua Barão de Lucena, 71 - Botafogo

22260-020 - Rio de Janeiro - Brasil

  • 1. Neves DP. Parasitologia humana. 9 ed. Rio de Janeiro: Ateneu; 1997. p. 420-30
  • 2. Brewer TF, Wilson ME, Gonzalez E, Felsenstein D. Bacon therapy and furuncular myiasis. Jama 1993; 270: 2087-8.
  • 3. Henry J. Oral myiasis: a case study. Dental Update. 1996; 23: 372-3.
  • 4. Duvivier A. Atlas de dermatologia clínica. 2 ed. São Paulo: Malone; 1997. p. 15
  • 5. Rao R, Nosanchuk JS, Mackenzie R. Cutaneous myiasis acquired in New York state. Pediatrics 1997; 99: 601-2.
  • 6. Jacobs P, Orrey I. Micro- abscesses in the swimming trunk area. S Afr Med J 1997; 87: 1559-60.
  • 7. Nunzi E, Rongioletti F, Rebora A. Removal of Dermatobia hominis larvae. Arch Dermatol 1986; 122: 140.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    1999
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