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Cartas Pastorais Constitucionais no contexto da Independência do Brasil: dioceses setentrionais (1822)1 1 As pesquisas utilizadas para a elaboração deste artigo fazem parte do projeto de Pós-Doutorado desenvolvido na UNIRIO, sob a direção do Prof. Dr. Anderson José Machado de Oliveira, entre fevereiro de 2021 e janeiro de 2022, intitulado A Igreja Católica, o clero e a independência do Brasil.

Constitutional Pastoral Letters in the Context of the Independence of Brazil: Northern Dioceses (1822)

RESUMO

O artigo apresenta o contexto da Igreja Católica diante das revoluções liberais de 1820. Em seguida, procura demonstrar o importante papel que a instituição desempenhou no Triênio Liberal em Portugal, e como o clero reagiu à revolução lusitana. A aproximação entre liberais e Igreja se deu pelo uso do aparato eclesiástico para legitimar o novo regime, sendo as cartas pastorais fundamentais nesse cenário. Denominamos esses artefatos Cartas Pastorais Constitucionais, e nesse artigo pretendemos analisar aquelas escritas pelos bispos do Pará, do Maranhão e pelo cabido de Pernambuco, apresentando como a linguagem liberal e constitucional foi incorporada ao discurso religioso para se posicionarem perante a situação política no contexto da Independência do Brasil. Como aporte teórico-metodológico, utilizamos a História Global e a Nova História Política. Concluímos que a Igreja no Brasil desempenhou um papel fundamental na educação política constitucional da população.

Palavras-chave:
Independência do Brasil; Igreja Católica; Cartas Pastorais Constitucionais

ABSTRACT

The article presents the context of the Catholic Church in the face of the liberal revolutions of 1820. Then, it seeks to demonstrate the important role that the institution played in the Liberal Triennium in Portugal, and how the clergy reacted to the Lusitanian revolution. The approximation between liberals and the Church occurred through the use of the ecclesiastical apparatus to legitimize the new regime, being the pastoral letters fundamental in this context. I call these artifacts Constitutional Pastoral Letters, and in this article, I intend to analyze those written by the bishops of Pará, Maranhão, and the Chapter of Pernambuco, presenting how the liberal and constitutional language was incorporated into the religious discourse to position themselves before the political situation in the context of the Independence of Brazil. As a theoretical and methodological contribution, I use Global History and New Political History. I conclude that the Church in Brazil played a fundamental role in the constitutional political education of the population.

Keywords:
Independence of Brazil; Catholic church; Constitutional Pastoral Letters

A Igreja Católica é uma instituição que se apresenta como universal e possui uma estrutura que, no século XIX, intensificou seu processo de globalização, tendo que administrar tensões entre o local e o centro, entre as diferentes propostas de salvação e a ortodoxia, entre os diferentes níveis hierárquicos e o seu governo central. O constitucionalismo também se alastrou pelo globo no século XIX, conectando pessoas e ideias. Impulsionadas pelas revoluções liberais das primeiras décadas do Oitocentos, que sacudiram as estruturas da Europa e da América, palavras como constituição, liberdade, soberania nacional estavam presentes nos debates e nas assembleias, que buscavam instituir um novo “pacto social”, nos jornais e até mesmo nas cartas pastorais e em outros documentos eclesiásticos. Era a experiência revolucionária de caráter essencialmente moderno, que transformava a sociedade ocidental, resultando em um processo de construção de um Estado territorial pautado em leis fundamentais (constituição) e em uma ideia aglutinadora das populações em seu interior: a Nação.

Analisaremos as Cartas Pastorais dos bispos selecionados, tendo em mente os aspectos globais que envolvem o caráter universalizante da Igreja Católica, a geopolítica oitocentista e os aspectos regionais e locais, que caracterizam diversas realidades brasileiras no processo de independência. Em nossas reflexões globais sobre o catolicismo e a sua inserção nas questões geopolíticas ocidentais, utilizaremos como base teórica os historiadores italianos Carlo Fantappiè (2012FANTAPPIÈ, Carlo. La Santa Sede e il mondo in prospettiva storico-giuridica. Rechtsgeschichte Legal History, n. 20, pp. 332-338, 2012.) e Giovanni Pizzorusso (2012PIZZORUSSO, Giovanni. Il padroado régio portoghese nella dimensione “globale” della Chiesa romana. Note storico-documentarie con particolare riferimento al Seicento. In: PIZZORUSSO, Giovanni; PLATANIA, Gaetano; SANFILIPPO, Matteo. Gli archivi della Santa Sede come fonte per la storia del Portogallo in età moderna: studi in memoria di Carmen Radulet. Viterbo: Edizioni Sette Città, 2012. pp. 177-220.).

Partindo da perspectiva do Brasil como um mosaico (Jancsó; Pimenta, 2000JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira (2000). Revista de História das Ideias, Coimbra, v. 21, pp. 389-440, 2000.), iremos analisar como o episcopado setentrional incorporou, em suas dioceses e nas suas pastorais, as ideias e os conceitos derivados da revolução liberal e do constitucionalismo. Segundo Jancsó e Pimenta, a instauração do Estado brasileiro aconteceu em um espaço no qual conviviam múltiplas identidades políticas, cada uma delas “expressando trajetórias coletivas”, “reconhecendo-se particulares” e, por isso, pensavam diferentes alternativas de futuro. “Essas identidades políticas coletivas sintetizavam, cada qual à sua maneira, o passado, o presente e o futuro das comunidades humanas em cujo interior eram engendradas, cujas organicidades expressavam e cujos futuros projetavam”. Cada uma, de acordo com seu contexto histórico e sua identidade, possuía suas próprias referências de projeto de tipo nacional (Jancsó; Pimenta, 2000JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira (2000). Revista de História das Ideias, Coimbra, v. 21, pp. 389-440, 2000., p. 392). Disso derivaram vários projetos políticos ao estourar a revolução.

Nessa análise utilizaremos o conceito de cultura política de Berstein (1998BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998. pp. 349-363.) para buscarmos compreender o discurso político-religioso dos bispos, que estavam inseridos em uma sociedade herdeira de uma cultura política pautada no reformismo ilustrado português, mas que precisaram transformar seu discurso e sua conduta perante as propostas liberais e constitucionalistas, adotando novos conceitos, novas leituras da tradição, das escrituras, e reagindo de diferentes formas aos diferentes contextos nos quais estavam inseridos. Portanto, as diferentes escalas de análise também foram um instrumento metodológico fundamental para a compreensão da ação episcopal frente ao desenvolvimento do constitucionalismo no Brasil.

Esse processo ocorre entre tensões e conflitos. Em linhas gerais, teríamos a Igreja, numa “Santa Aliança” com estados de Antigo Regime - apesar de a Santa Sé nunca ter assinado as atas do acordo, para preservar a sua independência (López-Brea, 2002LÓPEZ-BREA, Carlos María Rodríguez. La Santa Sede y los movimentos revolucionarios europeos de 1820. Los casos napolitano y español. Ayer, n. 45, pp. 251-274, 2002., p. 252) -, contra as “forças liberais”, revolucionárias. Aproximando a escala de observação, partes importantes da estrutura da Igreja passaram a estar presentes em regiões que haviam abraçado o constitucionalismo ou até mesmo o republicanismo, como aconteceu nas Américas: nas antigas colônias espanholas e naquela portuguesa. Enquanto o centro construía o seu discurso geral sobre os novos tempos, observava com apreensão os acontecimentos e estabelecia relações com aqueles que efetivamente detinham o comando nos diferentes territórios. Nas dioceses, bispos e padres deviam tomar uma decisão que envolvia uma série de tensões individuais, locais, regionais, que não deixavam de estar conectadas com a totalidade da Igreja Católica, com a expansão do constitucionalismo e a sua reação no mundo moderno ocidental.

O papel da Igreja Católica no processo histórico que acabou resultando na independência do Brasil só é compreensível se entendermos a sua inserção no Império lusitano, a qual estava pautada num estatuto especial: o sistema de padroado, que concedeu à monarquia portuguesa alguns direitos administrativos sobre a Igreja, bem como instituiu deveres, tais como expandir a fé católica aos novos territórios, construir igrejas e sustentar o clero. Entre os direitos atribuídos à monarquia lusitana estavam os de recolher os dízimos e indicar os bispos e párocos (Cf. Santini, 1974SANTINI, Cândido. O Padroado no Brasil. Direito Real. 1822-1890. Perspectiva Teológica, v. 6, n. 11, pp. 159-204, 1974.; Kuhnen, 2005KUHNEN, Alceu. As origens da Igreja no Brasil (1500-1552). Bauru: Edusc, 2005. ; Santirocchi, 2015SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de Consciência: os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte: Fino Traço, 2015.).

O processo de fortalecimento e centralização dos Estados europeus no Período Moderno levou-os a disputar com a Igreja espaços de poder e atuação sobre a sociedade. Os processos de ampliação do controle das monarquias sobre a Igreja e seus territórios, muitas vezes sem o consentimento da Santa Sé, receberam diferentes nomes e se pautaram em diferentes princípios. Em Portugal, eram chamados de regalias. Essas práticas e legislações passaram a ser denominadas, provavelmente no início do século XIX, de regalismo. Entre as regalias estavam o placet, que dava ao rei português o direito de vetar decisões papais em territórios lusitanos ou, ainda, o recurso à Coroa, que praticamente transformava o Estado em última instância nas causas religiosas (Cf. Castro, 2002CASTRO, Zília Osório de. Antecedentes do Regalismo Pombalino. In: RAMOS, Luís A. de Oliveira; POLÓNIA, Jorge Martins Ribeiro Amélia. Estudos em homenagem a João Francisco Marques. Vol. 1. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2002. pp. 321-331. ; Santirocchi, 2015SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de Consciência: os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte: Fino Traço, 2015.).

Esses dois sistemas deram à monarquia portuguesa grande controle sobre a Igreja nos territórios portugueses, bem como centralizaram a sua administração na metrópole, principalmente após a criação da Mesa de Consciência, em 1532 (Mesa de Consciência e Ordens, a partir de 1551), responsável por administrar, em nome do monarca, as questões eclesiásticas. O padroado permitiu que o Estado lusitano escolhesse onde iria investir na expansão e no fortalecimento do catolicismo, com a construção de templos, estruturas eclesiásticas e seminários. Nos locais que não recebiam esses investimentos, a expansão da fé ficava a cargo da iniciativa dos fiéis, das ordens religiosas, dos párocos e dos bispos. Em Lisboa, também ficava a Nunciatura Apostólica, representação do papa em territórios lusitanos, bem como os órgãos diplomáticos da Santa Sé, instituições com as quais a cúpula da Igreja buscava defender os seus interesses (Cf. Neves, 1997NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a mesa de consciência e ordens e o clero secular no Brasil, 1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.; Pizzorusso, 2012PIZZORUSSO, Giovanni. Il padroado régio portoghese nella dimensione “globale” della Chiesa romana. Note storico-documentarie con particolare riferimento al Seicento. In: PIZZORUSSO, Giovanni; PLATANIA, Gaetano; SANFILIPPO, Matteo. Gli archivi della Santa Sede come fonte per la storia del Portogallo in età moderna: studi in memoria di Carmen Radulet. Viterbo: Edizioni Sette Città, 2012. pp. 177-220.).

Na metrópole estavam os principais seminários e as grandes universidades, sendo a principal delas a Universidade de Coimbra. O clero reinol, portanto, recebia uma formação mais sólida e alinhada aos interesses da própria monarquia, enquanto as regiões fora do continente europeu tinham uma maior dificuldade no provimento e na formação do clero, principalmente nativo. No Brasil, como a expansão foi acompanhada de uma efetiva ocupação do território - que não se deu na maior parte da África e da Ásia -, foi possível implementar uma razoável territorialização2 2 Para conhecer o processo de organização da Igreja Católica no mundo, recomendo a leitura de Fantappiè (2020). da Igreja Católica, com a implementação da sua hierarquia. Às vésperas da independência, os territórios lusitanos na América contavam com sete dioceses, com as seguintes datas de instituição: Salvador (1551), São Luís (1677), Olinda (1676), Rio de Janeiro (1575/1676), Belém (1720), São Paulo (1745) e Mariana (Minas Gerais) (1745); e duas prelazias: Goiás (1745) e Cuiabá (1745). Em relação aos seminários, o mais importante era o de Olinda, fundado em 1800 e inspirado em uma “teologia da ilustração”, que remontava às reformas eclesiásticas do Marquês de Pombal (Cf. Siqueira, 2009SIQUEIRA, Antônio Jorge. Os Padres e a Teologia da Ilustração: Pernambuco 1817. Recife: Editora da UFPE, 2009.).

As dioceses e as estruturas eclesiásticas eram escassas para a amplitude do território americano, e existiam diferenças em sua formação e organização. A distância em relação ao centro governamental e religioso legou uma formação diversificada ao clero, que recorria a diferentes percursos formativos. Tal situação possibilitou a aproximação do clero no Brasil a uma diversificada bagagem ideológica: iluminismo radical, liberalismo, constitucionalismo, republicanismo, bem como o envolvimento com as sociedades secretas de diferentes matizes. Isso se evidencia no seu envolvimento nas revoltas e conspirações antimetropolitanas, como a Inconfidência Mineira de 1789 e a Revolução Pernambucana de 1817 (cf. Carvalho, 1981CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. ; Souza, 2010SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Do altar à tribuna: os padres políticos na formação do Estado Nacional brasileiro (1823-1841). Tese (Doutorado em História) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.; Santirocchi, 2015SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de Consciência: os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte: Fino Traço, 2015.).

O clero era uma liderança político-religiosa, assim como servidor da Igreja e da Coroa. Como parte estruturante do aparato governamental, responsável pelos registros vitais (batismo, casamento e óbito), seu envolvimento nos debates que afloraram na “nação portuguesa” foi intenso. Após a Revolução do Porto, em 24 de agosto em 1820, a participação do clero reinol e luso-americano nos eventos políticos foi numerosa e intensa no triênio liberal português (1820-1823) e na conjuntura da Independência do Brasil3 3 É importante ressaltar que o catolicismo não era mais a única religião presente no território daquilo que se tornaria o Império do Brasil. Desde 1810, com os tratados celebrados entre Portugal e Inglaterra (Tratado de Amizade e Aliança e Tratado de Amizade, Comércio e Navegação), as religiões protestantes eram toleradas, em especial o anglicanismo dos ingleses. Estes últimos, com certeza, pressionaram para a manutenção desse status no novo país em formação, não sendo coincidência que inauguraram a sua primeira casa de culto em maio de 1822. Para uma visão geral sobre essa questão, ver: Moura e Silva (2020). .

Essa situação não foi uma exclusividade luso-brasileira, ocorrendo também no mundo hispânico. Aliás, a onda revolucionária dos anos 1820 recebeu muita influência da Revolução Liberal espanhola, em 1820, bem como da Constituição de Cádiz, de 1812. Todavia, em Portugal, na Espanha e em muitos países hispano-americanos já foram feitos levantamentos e pesquisas sobre a participação do clero nos processos revolucionários e de independência, em especial com relação ao episcopado, analisando-se seus posicionamentos favoráveis ou contrários, bem como seus escritos político-religiosos, como foram os casos das Cartas Pastorais. No Brasil, as pesquisas sobre esse tema são praticamente inexistentes4 4 Um único livro que tem por foco o clero e a independência do Brasil foi escrito por um bispo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, por ocasião do centenário da independência: O Clero e a Independência (1923). Destituído de uma teoria e um método historiográfico, o livro apresenta vários equívocos, exaltando o “nacionalismo” do clero. .

Ana Faria (1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. ) e José Sardica (2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002.), por exemplo, procuraram perceber o posicionamento do clero português em relação à Revolução do Porto e ao Triênio Liberal, por meio de sua reação aos diferentes “juramentos constitucionais” e aos pedidos das Cortes de Lisboa para a publicação de Cartas Pastorais de apoio ao constitucionalismo. É um mapeamento como este que estamos buscando fazer no Brasil, e neste artigo pretendemos analisar as Cartas Pastorais dos bispos do Pará, de Maranhão e de Pernambuco que tratam do constitucionalismo derivado da Revolução do Porto, em Portugal, denominadas por nós Cartas Pastorais Constitucionais. Como esses bispos incorporaram a linguagem liberal e constitucional ao discurso religioso para se posicionarem perante a situação política? É o que buscaremos responder parcialmente neste artigo.

1. A Igreja e o Triênio Liberal

Para compreender o papel da Igreja no Império português entre 1820 e 1823, não podemos nos pautar em um recorte a posteriori, que é aquele do Brasil nação. Neste período, ainda temos de pensar em termos de uma nação pluricontinental portuguesa. Em relação ao Reino de Portugal, temos de ter presente sua inserção na Península Ibérica, estando em estreito contato com os movimentos liberais espanhóis. Já em relação à Igreja Católica, apesar do desejo dos estados de transformarem-na em uma entidade nacional, ela permanecia uma instituição que se organizava como um poder transversal em relação aos Estados nacionais em formação, cujo centro era a Santa Sé.

Portanto, temos de compreender o papel da Igreja Católica no triênio liberal português e, concomitantemente, sua atuação nos territórios americanos da nação portuguesa. Mas, para compreendê-lo, temos de entender o cenário europeu. O primeiro desafio à nova ordem imposta após o fim do Império Napoleônico veio com a Revolução Espanhola de 1820. A reação inicial do núncio pontifício na Espanha, Giacomo Giustiniani, e de Consalvi, foi rechaçar o movimento que teria atentado contra a soberania e a vontade real. Essa situação mudou quando Fernando VII jurou a Constituição em 9 de março de 1820. Precipitadamente, o núncio reconheceu a legitimidade da Constituição, já que, segundo ele, não apresentava nenhum artigo contrário à religião católica, apesar de seus princípios herdados do reformismo eclesiástico ilustrado, como o placet e o recurso à coroa. Como ponto positivo, ressaltava o artigo 12, que declarava a Religião Católica Apostólica Romana como a única religião do Estado. Mas logo algumas ações dos liberais iriam desagradá-lo, apesar de não mudarem sua adesão ao sistema, como foi o caso da expulsão dos jesuítas e dos projetos de extinção e reforma do clero regular. Segundo López-Brea, “este nuncio le gustara distinguir entre constitucionales y liberales, identificando a los primeros con la moderación, y a los segundos con el caos y la anarquía. Pero como pensaba que estos segundos eran una abrumadora mayoría en las recién formadas Cortes” (López-Brea, 2002LÓPEZ-BREA, Carlos María Rodríguez. La Santa Sede y los movimentos revolucionarios europeos de 1820. Los casos napolitano y español. Ayer, n. 45, pp. 251-274, 2002., p. 255).

Assumindo uma postura mais moderada que a de seu núncio, a Santa Sé preferiu contemporizar, mantendo suas relações diplomáticas com o governo espanhol. Consalvi aplicava o “realismo prático”, que consistia essencialmente em estabelecer relação com quem efetivamente detinha o poder no território. Além disso, a Santa Sé não poderia deixar o núncio em uma situação difícil, contradizendo-o. Muito menos o clero, que, em sua maioria, havia jurado ou vinha jurando a Constituição. Por isso, o papa reconheceu o novo regime, justificando que ele seria o resultado da “vontade régia”, sendo assim, não colocava em questão a origem do poder divino dos reis, que, nessa lógica, poderiam mudar a sua vontade posteriormente, retomando o absolutismo. Um ponto importante a ser ressaltado, segundo López-Brea, é que a Santa Sé não teria declarado expressamente que era indiferente às formas políticas de governo, mas na prática o seu reconhecimento aplicava esse princípio (López-Brea, 2002LÓPEZ-BREA, Carlos María Rodríguez. La Santa Sede y los movimentos revolucionarios europeos de 1820. Los casos napolitano y español. Ayer, n. 45, pp. 251-274, 2002., p. 256).

Podemos pensar também, seguindo o raciocínio de Roberto Regoli (2021REGOLI, Roberto. Roma guarda ad Occidente: papato e patronato ad inizio Ottocento. Lusitania Sacra, n. 43, pp. 15-29, jan.-jun. 2021., p. 21), que a Santa Sé aprovou esse princípio, ao se manter em silêncio perante a declaração do núncio de Madrid, que declarava a “la indiferencia de la Iglesia en materias de régimen político y exhortaba la obediencia al nuevo Gobierno” (González, 1979GONZÁLEZ, Manuel Revuelta. La Iglesia española ante la crisis del Antiguo Régimen (1803-1833). In: ORTÍ, Vicente Cárcel (Dir.). Historia de la Iglesia en España - La Iglesia en la España contemporánea (1808-1975). Vol. V. Madrid: La Editorial Catolica, S. A., 1979. pp. 3-113., p. 84 apud Regoli 2021REGOLI, Roberto. Roma guarda ad Occidente: papato e patronato ad inizio Ottocento. Lusitania Sacra, n. 43, pp. 15-29, jan.-jun. 2021., p. 21). Segundo Regoli, para a Santa Sé não era só uma questão de estabelecer relações com quem efetivamente detinha o poder, mas sim reconhecê-lo como legítimo, pelo menos para a situação europeia. A “teologia política” defenderia a obediência em relação àquele que realmente possui o poder de tutelar a religião. Isso não foi fácil para América Espanhola, devido à discussão em torno ao padroado, um pouco menos complicado para o Brasil, que se manteve sob o governo da mesma dinastia portuguesa5 5 Sobre a questão da relação entre o padroado e as independências ibero-americanas, foi publicado pela revista Lusitania Sacra (n. 43, 2021) um interessante dossiê organizado por Sérgio Ribeiro Pinto e Consolación Fernández Mellén, intitulado “Aplicações e transgressões do último padroado régio ibero-americano (século XIX)” (cf. Lusitania Sacra, 2021). .

As decisões tomadas pela Santa Sé em relação à Espanha serviram como modelo para outras regiões que tomaram como base a Constituição de Cadiz, como Nápoles e Portugal. Em certa medida, também para a América, apesar de que nesses casos as autonomias políticas e constituições não tenham tido a aprovação dos reis ibéricos, pelo menos até o momento do reconhecimento das respectivas independências. Mas o princípio geral era que as constituições eram legítimas, à medida que fossem aceitas pelos seus respectivos reis, entendendo a soberania nacional como uma graça concedida pelos monarcas. Teoricamente, a Santa Sé não condenava as revoluções que estouraram entre 1820 e 1821, tampouco as apoiava (López-Brea, 2002LÓPEZ-BREA, Carlos María Rodríguez. La Santa Sede y los movimentos revolucionarios europeos de 1820. Los casos napolitano y español. Ayer, n. 45, pp. 251-274, 2002., p. 259).

Em Portugal, o representante pontifício era o monsenhor Giuseppe Cherubini, internúncio apostólico. Ele nunca olhou com bons olhos a revolução lusitana, denominada pelos próprios liberais de Regeneração Política da Nação; mas a Santa Sé, na maior parte do tempo, não quis se pronunciar e nem dar diretivas sobre a aceitação ou não do novo sistema, aguardando prudentemente o desenrolar dos acontecimentos. A corte portuguesa havia ficado sem um núncio às vésperas da revolução. Mons. Lorenzo Caleppi (1808-1817) chegou ao Brasil por ocasião da transferência de D. João VI e sua corte ao Rio de Janeiro, em 1808, devido à invasão dos exércitos de Napoleão Bonaparte ao Reino de Portugal. Ele foi substituído por Mons. Giovanni Francesco Marefoschi (1817-1820), que faleceu em 1820. Portanto, enquanto em Portugal existia um representante pontifício na figura do internúncio Cherubini, o clero no Brasil passou todo o triênio liberal e o contexto da independência sem uma orientação formal vinda da Santa Sé (Accioly, 1949ACCIOLY, Hildebrando Pompeo Pinto. Os primeiros núncios no Brasil. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949., pp. 19-212).

Em relação ao clero, segundo Ana Moura Faria (1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. ), a hierarquia católica no reino não teve um posicionamento unitário em relação à Revolução do Porto, à Regeneração Política e ao constitucionalismo, até mesmo pelo fato de as Cortes de Lisboa não terem inicialmente hostilizado a Igreja e a religião, bem como por uma falta de posicionamento efetivo da Santa Sé diante dos acontecimentos. Mas fica clara uma evolução neste triênio, a aproximação da maioria da alta hierarquia ao campo contrarrevolucionário (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , pp. 185; 327). Segundo Miguel Sardica (2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002.), “grosso modo, o alto clero e o clero regular” ficaram “ao lado do miguelismo, e o baixo clero secular ao lado da resistência liberal, sendo o primeiro mais numeroso, e o segundo minoritário e mais oscilante” (Sardica, 2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002., p. 143)6 6 Esse afastamento do clero com relação ao governo liberal está intimamente ligado a medidas regalistas e contrárias ao clero regular. Para compreender melhor as mudanças de posicionamento do clero português, cf. Faria (1992) e Sardica (2002). .

Faria e Sardica analisaram, entre outros documentos, as respostas dos bispos e clérigos aos pedidos ou ordens de “juramentos constitucionais” e publicações de pastorais. Segundo Faria, os juramentos ocorreram em três momentos: 11 de novembro de 1820, logo após a Revolução do Porto; em 29 de março de 1821, jurando as bases da Constituição Política; e após a publicação da Carta Constitucional de 11 de outubro de 1822 (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , p. 288). No Brasil, não temos notícias de resistências aos juramentos, com exceção de um caso, o bispo de Mariana, D. Frei José da Santíssima Trindade, que “quase forçado”, segundo Raimundo Trindade, acabou por proferir o juramento, em 21 de setembro de 1821 - o que se deu mediante restrições a quatro artigos “que se referiam à livre manifestação do pensamento e a liberdade da imprensa” (Trindade, 1953TRINDADE, Raimundo Otávio da. Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua história. 2. Ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1953., p. 192). Posteriormente, ele aderiu à Independência, participou da sagração de D. Pedro, no Rio de Janeiro, e compôs o Triunvirato que administrou a província nos primeiros momentos do Império (Oliveira, 1998OLIVEIRA, Ronald Polito de. Estudo Introdutório. In: SANTÍSSIMA TRINDADE, Dom Frei José da. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais. Fundação João Pinheiro; IHEPA, 1998., pp. 32-33).

A grande maioria do clero no Brasil nunca se tornou contrarrevolucionária, nunca questionou o constitucionalismo, diferentemente de Portugal. Tal fato também marcou os diferentes caminhos políticos entre o ultramontanismo, que se desenvolveu posteriormente nos dois países:

A experiência vintista, introdutora da revolução e do liberalismo em Portugal, deve ser entendida como o primeiro capítulo da longa evolução das relações entre o civil e o religioso que condicionou a história recente portuguesa, umas vezes através da negociação e da cumplicidade, outras, ao invés, revelando tensão e conflito (Sardica, 2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002., p. 127).

Essas experiências vão marcar as relações entre Igreja e Estado em grande parte do século XIX não só português, como apontado por Sardica, mas também brasileiro.

1.1 As cartas pastorais e as Cortes de Lisboa

O padroado possibilitou aos eclesiásticos ocuparem importantes funções do aparato estatal, até mesmo governando capitanias no Brasil. Dalila Zanon (2014ZANON, Dalila. O poder dos bispos na administração do ultramar português: o bispado de São Paulo entre 1771 e 1824. Tese (Doutorado em História) -Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2014.) nos apresenta, de forma pormenorizada, como os bispos participavam da administração do Estado na província de São Paulo. D. Matheus de Abreu Pereira, bispo nas primeiras décadas do século XIX e durante o processo que acabou levando à independência, ocupou por quatro vezes o governo da província: 1808, 1813-1814, 1817-1819, 1822-1823, de forma provisória, durante períodos de ausência de governadores, todos por meio de triunviratos, antiga forma do Antigo Regime, na qual “facultavam poder às três principais autoridades das capitanias, provenientes dos poderes religioso, militar e da justiça” (Zanon, 2014ZANON, Dalila. O poder dos bispos na administração do ultramar português: o bispado de São Paulo entre 1771 e 1824. Tese (Doutorado em História) -Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2014., p. 287)

As cartas pastorais, instrumentos utilizados pelos bispos para se comunicarem com o clero e o povo, desde questões administrativas até aquelas pastorais, também foram utilizadas para transmitir assuntos do interesse do Estado, que, em algumas ocasiões, ordenava ou solicitava aos bispos diocesanos sua publicação. Até mesmo o governo liberal formado após a Revolução do Porto, por três vezes, “recorreu a esta forma de proceder já utilizada pelo Estado nos finais do Antigo Regime, ditaram os precisos termos em que os bispos se deviam dirigir aos seus súbditos para os instruírem quanto ao comportamento político” (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , p. 303). Como veremos mais à frente, uma estratégia parecida foi utilizada até mesmo pelo governo revolucionário de Pernambuco, em 1817.

Não podemos deixar de notar o caráter sagrado do qual o movimento político da Regeneração da Nação Portuguesa se revestiu, com as celebrações católicas, o Te Deum, missas, que atingiram até mesmo o processo eleitoral, no qual os párocos desempenharam papel fundamental na primeira fase da eleição dos representantes paroquiais:

Além do mais, a malha paroquial eclesiástica era a estrutura mais viável para suportar esse novo instrumento de representação política. A dependência do movimento político à esfera religiosa está sinalizada pela celebração da missa antes da eleição, revestindo-a de seriedade, e ainda pelo sermão que os párocos deveriam proferir para a instrução de seus paroquianos (Zanon, 2014ZANON, Dalila. O poder dos bispos na administração do ultramar português: o bispado de São Paulo entre 1771 e 1824. Tese (Doutorado em História) -Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2014., p. 304).

Antes do fortalecimento da imprensa, e mesmo depois, as cartas pastorais eram um dos meios mais eficazes de comunicação. A Igreja Católica, com um aparato administrativo mais amplo e capilar do que o estatal lusitano, poderia levar as cartas e as informações contidas nelas a um número bem maior de súditos:

É que estas pastorais tocavam, pelo menos em teoria, a totalidade da população, uma vez que vinculavam obrigatoriamente todos os párocos a lê-las e a explicá-las na missa dominical de maior afluência, a missa conventual; podiam, além disso, ser, nas mãos da parte do clero paroquial que acolhia favoravelmente o regime liberal, um poderoso instrumento de propaganda legitimado pela autoridade episcopal (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , p. 303).

Elas eram enviadas aos párocos, que as deveriam registrar no livro de tombo da igreja, transmitir aos seus subordinados (capelães e auxiliares) e lê-las nas missas conventuais (as principais missas dos dias santos e dos domingos). Algumas vezes se estipulava inclusive a duração da ocorrência dessas leituras, que poderia durar semanas ou meses. Portanto, mesmo os analfabetos e aqueles afastados das cidades e vilas poderiam ter acesso àquelas informações, que, além de lidas durante as missas mais concorridas, poderiam fazer parte das homilias dos padres, ganhando ainda mais força retórica e moral.

Mesmo nos finais do século XVIII e no século XIX, quando outros centros de sociabilidade foram se fortalecendo, como clubes, sociedade secretas, teatros, bem como a imprensa, as cartas pastorais continuaram sendo um importante meio de comunicação, por serem menos elitistas, atingindo um público mais variado, amplo e chegando a regiões mais interioranas dos territórios.

Através do seu magistério, da imprensa, da assistência, do púlpito e da catequese, o clero era ainda o grande agente educador do país, o grande divulgador da cultura escrita e o indispensável auxiliar administrativo do Estado, ao nível da execução local das determinações emanadas do centro. Na realidade, como depois os liberais haveriam de constatar, o clero assegurava o que, muitas vezes, o poder civil tinha dificuldades logísticas em fazer [...] muitas eram as vezes em que o Estado [...] só se revelava nas vidas individuais mediado pela homilia do cura, pelo ensinamento do frade ou pela pastoral do bispo (Sardica, 2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002., p. 130).

A primeira ordem das Cortes de Lisboa para que os bispos do Reino de Portugal escrevessem Cartas Pastorais em apoio ao governo aconteceu em 26 de fevereiro de 1821. Elas indicavam objetivamente o que as cartas deveriam conter:

recomendando a seus Diocesanos a união reciproca, e sujeição ao governo estabelecido, e provando-lhes que as reformas e melhoramentos de que estão ocupados seus legítimos Representantes de maneira nenhuma ofendem a Religião Católica Apostólica Romana [...]. Outrossim [sic] que os Párocos, além da publicação daquelas Pastorais instrução seus Fregueses nos mesmos objetos, e que os Prelados Regulares fação pregar para os mesmos fins nas Igrejas de seus respectivos Conventos ou Mosteiros pelos mais hábeis e acreditados Oradores (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , p. 302).

Como visto, essa prática não era nova, já tendo sido adotada no Antigo Regime português. Além da autoridade episcopal, que facilitava a legitimação das decisões, essa instituição tinha representantes distribuídos capilarmente pelo território, sendo um eficaz modo de divulgação das decisões governamentais. O bispo do Porto, D. João de Magalhães e Avelar, foi um dos grandes apoiadores do governo revolucionário. É importante compreender seus argumentos, resumidos por Ana Faria:

em paralelo com argumentos históricos tendentes a afirmar que a religião católica é a única verdadeira, a versão moderna da cidade dos homens agostiniana, segundo a qual “o bom católico é necessariamente bom cidadão”, dando “a César o que é de César” e, por conseguinte, obedecendo “ao Poder Secular que compete aos que governam as Sociedades Políticas”, poder “independente” do poder espiritual dos bispos e dos párocos, os quais “em nada se contrapõem”, antes “auxiliam-se mutuamente” (p. 7). Nessa conformidade, recomenda aos párocos, [...], que instruam a seus fregueses para que obedeçam às Cortes, “não só pelo receio do castigo mas pelo motivo de uma rigorosa obrigação” (p. 9), dentro de um espírito de união e de concórdia entre todos os cristãos, uma vez que “do equilíbrio novamente organizado entre os Poderes Constitutivos e das Leis estabelecidas em Cortes nenhum dano, nenhuma ofensa resulta à [...] integridade da Fé Catholica” (p. 2), “que as Cortes respeitam e protestam manter” (p. 8) (Carta Pastoral do bispo..., 1821CARTA PASTORAL DO BISPO DO PORTO D. João de Magalhães; impressa. Porto (Biblioteca Pública Municipal do Porto). 26 mar. 1821. apud Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , pp. 306-307).

No caso dos bispados do Brasil, analisaremos duas cartas pastorais e uma carta circular ao clero que correspondem a esses moldes, publicadas pelo Bispo do Pará, do Maranhão e pelo Cabido de Pernambuco. Na carta do primeiro, D. Romualdo de Souza Coelho, publicada em 20 de janeiro de 1822, encontramos cópia do “Edital” de “Sua Majestade”, que data de 4 de novembro de 1821, endereçada aos bispos do Brasil e demais províncias ultramarinas, na qual ordena a publicação de cartas pastorais instruindo os fiéis sobre o fato de a constituição não ofender os princípios da religião.

Em 5 de março de 1823, foi dada outra ordem ao episcopado do reino de Portugal para publicar pastorais com intuito “de se influenciar o comportamento político dos fiéis” em reação à revolta contrarrevolucionária do conde de Amarante, que se alastrava pelas terras do Minho e transmontanas desde finais de fevereiro de 1823. Nessa ocasião, os posicionamentos do episcopado variaram “entre uma muito circunspecta obediência e a desobediência óbvia”, com parte dos bispos e muitos eclesiásticos apoiando o movimento rebelde (Faria, 1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. , p. 326).

2. As Cartas Pastorais Constitucionais das dioceses do Maranhão, do Pará e de Pernambuco

A análise do posicionamento de parte do bispado do Brasil em relação ao constitucionalismo será pautada em três cartas pastorais ou similares de autoridades diocesanas. Elas correspondem aos moldes daquelas solicitadas pelas Cortes, uma publicada pelo bispo do Maranhão, D. Joaquim de Nossa Senhora da Nazaré, em 14 de janeiro de 1822; outra pelo bispo do Pará, D. Romualdo de Souza Coelho, em 20 de janeiro de 1822; e a última publicada pelo Cabido de Olinda, “Carta Circular dirigida aos Reverendos Párocos de Pernambuco”, em 21 de maio de 1822.

O primeiro a responder às ordens do Rei e das Cortes foi D. Joaquim Nazaré, em 14 de janeiro de 1822. Declarava que o fazia “em atenção, porém aos Nossos deveres, e para melhor cumprimento das Nossas obrigações”, mas que

Vamos não tanto a declarar-vos o que vós já sabeis, e de que não precisareis, que alguém vos instrua; mas sim a confirmar-vos nesse mesmo juízo, que já tendes formado, de que a Nossa Constituição política não prejudica em nada a Nossa Santa Religião, e que bem longe de lhe ser oposta, vem ao contrário a estabelecê-la no seu antigo lustre, dando a Deus o que é de Deus, e a Cesar o que é de Cesar (Nazaré, 1822NAZARÉ, Joaquim de Nossa Senhora de. A todos os nossos diocesanos e filhos amados em o Senhor Jesus Cristo Nosso Deus... Maranhão: Tipografia Nacional, 1922. , p. 1).

O bispo parte do pressuposto de que todos sabiam o que é uma Constituição e que ela não era contra a religião, talvez por dirigir seu discurso às elites políticas e econômicas da diocese, no entanto, também por enquadrar a Constituição não na nova cultura política do constitucionalismo oitocentista, mas na velha tradição da compilação de leis e nas ordens reais ao estilo das ordenações manuelinas e filipinas, seguindo, no tocante à religião, a manutenção da união entre a Igreja e o Estado, restabelecendo o conjunto de leis do reino ao seu “antigo lustre e dando a Deus o que é de Deus, e a Cesar o que é de Cesar” (Nazaré, 1822NAZARÉ, Joaquim de Nossa Senhora de. A todos os nossos diocesanos e filhos amados em o Senhor Jesus Cristo Nosso Deus... Maranhão: Tipografia Nacional, 1922. , p. 1).

Em sua carta, o bispo Nazaré felicitou a nação portuguesa por ter instituído uma “Constituição Livre” e feito as eleições para deputados sem desordem e derramamento de sangue, em um processo que manteve “pura, e inalterável a Santa Religião” católica, que guardou a “fidelidade ao Nosso Rei” e aceitou “as Leis, que as futuras Cortes” estabeleceriam “para o bem da Pátria e da Sociedade” (Nazaré, 1822NAZARÉ, Joaquim de Nossa Senhora de. A todos os nossos diocesanos e filhos amados em o Senhor Jesus Cristo Nosso Deus... Maranhão: Tipografia Nacional, 1922. , p. 1). Ele não explica o que seria essa Constituição Livre, mas ressalta a hierarquia e a necessidade de fidelidade e obediência a ela. Seguindo esse raciocínio, o bispo sente a necessidade de explicar o seu entendimento do conceito de liberdade,

Devemos com tudo notar (e quisera que isto jamais esquecesse) que esta liberdade que gozamos não é uma liberdade arbitrária a medida das paixões de cada um, o que nos precipitaria em uma anarquia desastrosa, é uma liberdade razoável, que tem sempre em vista os preceitos da Religião, liberdade que se conforma com a lei, que obedece ao Soberano, que respeita as Autoridades, que dá o seu a quem pertence, e que amando a paz e a concórdia, põem todas as coisas no estado permitivo [sic], e faz que, como irmãos, concorramos todos para o bem da pátria e conservação da boa ordem (Nazaré, 1822NAZARÉ, Joaquim de Nossa Senhora de. A todos os nossos diocesanos e filhos amados em o Senhor Jesus Cristo Nosso Deus... Maranhão: Tipografia Nacional, 1922. , p. 2).

Portando, uma liberdade que pressupõe a obediência aos preceitos da religião, à lei, ao soberano, às autoridades instituídas, e “que dá o seu a quem pertence”. Fora disso ocorreria a anarquia. Notamos que o bispo buscou seguir as instruções que recebeu das Cortes, e que produziu uma carta tímida, se comparada à do bispo do Porto, vista anteriormente, e às de seus colegas, que analisaremos a seguir.

Em sua Carta Pastoral, D. Romualdo Coelho, logo no início, já deixa claro que sua intenção é dissipar quaisquer temores sobre o sistema Constitucional e defender a “nossa Regeneração Política”. Após elogiar seu clero, fomentador de “germes do Patriotismo”, ele declara que escreve a pastoral respondendo a um pedido de “Sua Majestade”, para demonstrar que “o Sistema Constitucional nada tem de incompatível com o da Religião”. Em seguida, avisa seus leitores: “só faremos duas sucintas reflexões, que permite a escassez do tempo, para dar um novo impulso à teórica [sic], que tem regulado a vossa conduta pacífica, e superior a toda a expectação” (Coelho, 1822COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adiamento de hum edital análogo. Lisboa: Na Tipográfica patriótica, 1822., p. 3).

Quais seriam então as duas reflexões teóricas com as quais o bispo buscava contribuir com a causa constitucional da Regeneração do Reino? No primeiro ponto, ele define o que é Constituição: “um Estatuto, Lei, ou Regra Civil, para compor e dirigir as ações de cada um dos particulares unidos em sociedade, segundo as diferentes relações de uns, para com outros, com o fim de recíproca segurança pessoal, garantida pelo vigor do Compromisso, ou Pacto social” (Coelho, 1822COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adiamento de hum edital análogo. Lisboa: Na Tipográfica patriótica, 1822., p. 4). Em seguida, ataca os opositores, dizendo que “seria estupidez” pensar que essa novidade seria “funesta à Religião”.

Já percebemos aqui a adoção de termos e conceitos liberais, como o Pacto Social, definido pelo bispo como um compromisso de particulares por meio da definição de leis civis. Na sua exposição, não tem espaço a intervenção divina ou a eclesiástica. Segundo sua pastoral, é incompreensível e repugnante pensar uma “sociedade perfeita” sem regras e leis fundamentais. Para o bispo, a igreja também se apresentava como sociedade perfeita, por ser autônoma na sua esfera, ter governo, regras e justiça própria. Todavia, ele tinha ciência de que a Constituição possuía outra natureza, pois suas leis eram “sancionadas pelo consenso unânime dos Povos, mediante a providência de Assembleias Nacionais”.

O discurso da novidade constitucional, porém, deveria ser inserido na tradição, pois, segundo o discurso liberal lusitano, que o bispo adotou, o que se passava não era uma revolução, mas sim uma Regeneração da Nação. Portanto, “Assembleias Nacionais” que estabelecem regras à sociedade, “se praticara[m] sempre em Portugal, para socorrer-se aos males eminentes, ou da Anarquia, ou do Despotismo, nas crises mais violentas e que marcam as Épocas da sua duração gloriosa”. Todavia, o bispo não deixa de marcar a diferença entre as práticas do passado e a atual: “É verdade que naqueles Comícios, ou Cortes mais singelas pela simplicidade dos tempos, e pouco conhecimento dos genuínos princípios do Direito Natural, se não adoptou o termo = Constituição”. Nisso não teria nada contrário à religião católica, que também possuía um “corpo de regras para estimular a sua conduta, e manter em perfeito equilíbrio as diferentes Hierarquias, e Empregos da Sociedade Cristã, como se vê em todas as Dioceses, sem remontar aos tempos Apostólicos, onde teve a sua origem”. Transvestir o novo em um discurso tradicional, por meio de sua comparação a algo familiar aos diocesanos; esta era uma estratégia para afastar eventuais preocupações e prevenções contra o novo regime e algum possível sentimento antirreligioso por parte deste.

As mudanças, porém, não deveriam ser temidas, pois:

à medida que o espírito humano se adianta em conhecimentos, preenche mais dignamente os seus deveres, e ofícios com relação a Deus, a si, e aos seus semelhantes; ninguém pode duvidar que o estado progressivo de luzes, em que nos achamos, fará cada vez mais indissolúveis os sagrados vínculos da Religião, e por consequência mais sólidos os fundamentos da Sociedade Civil (Coelho, 1822COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adiamento de hum edital análogo. Lisboa: Na Tipográfica patriótica, 1822., p. 4).

O “adiantar do conhecimento” e o “estado progressivo de luzes” só poderia, na opinião do bispo, fortalecer o catolicismo e, consequentemente, a sociedade civil. Podemos notar que D. Coelho parece não temer incorporar ao seu discurso os conceitos fundamentais do iluminismo e do liberalismo político, distanciando-se, assim, do posicionamento da Santa Sé.

O segundo ponto é todo dedicado a justificar como o sistema constitucional não é contrário à religião, o que fica claro logo no primeiro parágrafo:

Que subsistindo a Religião pelas suas próprias forças, ela se acomoda admiravelmente com todas as formas de Governo; porque o seu império, que só se dirige ao Coração do homem, nunca pode ter colisão com as Leis Civis; especialmente quando estas se derivam, como as nossas, dos princípios invariáveis da Lei Natural, que sendo a expressão genuína da vontade de Deus, jamais pode contravir aos da Religião Revelada, que professamos (Coelho, 1822COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adiamento de hum edital análogo. Lisboa: Na Tipográfica patriótica, 1822., p. 4).

Nesse segundo ponto, o bispo volta a defender que “as luzes” só podem fortalecer a religião, ao contrário de um “governo arbitrário” que só a prejudicaria. Segundo ele, não existiriam formas de governo ruins para a Igreja nem contradição entre os dois poderes, desde que houvesse autonomia entre eles e ações em conjunto para um mesmo fim, o qual deveria ser o modelo de perfeição evangélica, que formaria tanto o cristão quanto o cidadão. Tal modelo deveria unir os deveres políticos e religiosos, regidos pelas luzes pautadas na Lei Natural, que nunca poderiam contradizer as Leis Divinas (Coelho, 1822COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adiamento de hum edital análogo. Lisboa: Na Tipográfica patriótica, 1822., p. 4).

Podemos notar que a carta do bispo de Belém se aproxima muito mais daquela do Bispo do Porto, se comparada à de seu colega do Maranhão. Isso marca também as diferenças de posicionamentos políticos de ambos. D. Nazaré foi o único bispo que não aderiu à Independência do Brasil e voltou para Portugal, onde se alinhou aos contrarrevolucionários e miguelistas. D. Coelho foi fiel às Cortes de Lisboa até a sua dissolução, aderindo em seguida à Independência do Brasil.

A terceira carta que analisaremos toma um rumo e aborda um contexto diferentes. A Diocese de Olinda é um caso sui generis, por vários motivos. Aqui cito cinco deles: 1) sua extensão abarcava do Ceará até parte do oeste mineiro; 2) tinha um dos principais seminários da colônia, inspirado nas reformas eclesiásticas pombalinas; 3) sua instabilidade política entre os anos de 1817 e 1824; 4) era a única diocese vacante no período da independência, sendo administrada por diferentes governadores de bispado; e, finalmente, 5) o forte envolvimento do seu clero nos movimentos revolucionários que ocorreram na região.

No período entre 1817 e 1824, a diocese de Olinda estava em regime de sede vacante. Durante parte desse período, até o início de 1822, o bispado foi governado pelo Vigário Capitular Manoel Vieira de Lemos Sampaio, passando em seguida a ser administrada pela própria corporação do Cabido da Sé7 7 Seguindo uma afirmação não referenciada de Oliveira Lima (1917), nas “Anotações” publicadas juntamente com a obra de Muniz Tavares História da Revolução Pernambucana de 1817, alguns autores (Pagano, 1938, p. 205; Siqueira, 2016, p. 129; Vieira, 2016, p. 142, entre outros) acusam Manoel Sampaio de ter escrito uma “pastoral rousseauniana”, e que “sustentaria não ser a revolução republicana contrária ao Evangelho, visto que o direito da casa de Bragança se fundava em contrato bilateral, de que estavam desobrigados os povos, por ser a dinastia faltado primeiro às suas obrigações”. Mas não encontrei na documentação uma pastoral nesses termos. Além disso, essas pastorais caíram na conta do padre Bernardo Luiz Ferreira Portugal no decorrer da devassa feita após a revolução. Sodré (1999, p. 15), que também reproduz esse trecho sem referenciá-lo, ainda comete o erro de dizer que ele era o Governador do Bispado, quando, na verdade, extraordinariamente, no período revolucionário, o bispado estava sendo governado pelo Cabido (Sodré, 1999, p. 15). Documentos da Devassa e outros mais podem ser encontrados em Documentos Históricos (s.d.), nos volumes de 1954. Em alguns trabalhos, Manoel Vieira de Lemos Sampaio é apresentado como bispo de Olinda em 1818, mas até mesmo em uma pastoral que assinou nesse ano, apaziguando os ânimos após a Revolução de 1817, consta que ele era apenas Governador do Bispado (Silva, 2005, p. 72; Silva, 2006, p. 363). . Durante o processo que acabou culminando na independência do Brasil, temos, pelos menos, duas cartas pastorais publicadas pelos governadores deste bispado, ambas em 1822, tendo como tema a questão constitucional. Encontramos uma delas, intitulada: “Carta Circular dirigida aos Reverendos Párocos de Pernambuco”, de 21 de maio de 1822. Ela foi publicada na Gazeta do Rio de Janeiro, n. 84, de sábado, 13 de julho de 1822, e enquadra-se na categoria que criamos de “Carta Pastoral Constitucional”, mesmo não sendo, tecnicamente, uma Carta Pastoral, como veremos a seguir. Ela traz pontos em comum com outras cartas já analisadas, embora contenha várias particularidades relacionadas ao contexto de Pernambuco.

O Cabido de Olinda enviou cópia desta circular juntamente com um ofício a D. João VI8 8 Esse documento encontra-se na Gazeta do Rio de Janeiro de 13 de julho de 1822, logo na primeira página. Agradeço a Lucas Rafael Meneses por tê-lo encontrado e me repassado cópia. . Este ofício começa informando que esta corporação tinha retomado a frente da administração do bispado após o governo de um Vigário Capitular, que tinha sido escolhido por ela em 1819, mesmo sendo “contra a prática geral dos Bispados do Brasil, e principalmente deste”. Essa informação do Cabido é inexata, pois nas dioceses do Brasil era eleito um governador de bispado, um Vigário Capitular, em sede vacante, como determinavam os decretos tridentinos. Segundo Trento, no dia seguinte à morte, resignação ou transferência de um bispo deveria ser decretado sede vacante e, no prazo de oito dias, ser eleito, pelo Cabido, um Vigário Capitular para o Governo da Diocese. Caso isso não ocorresse, o Arcebispo ou o bispo mais antigo das dioceses sufragâneas deveriam nomear um Vigário Capitular (Vide, 1853VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras no Arcebispado da Bahia. São Paulo: Tipografia 2 de Dezembro, 1853. p. XVIII., p. XVIII).

Aparentemente, pelo menos no século XIX o Cabido de Olinda pretendeu, em algumas ocasiões, não seguir essa regra, tentando administrar a diocese pela corporação. Em 1802, por exemplo, com a morte do bispo Dom Frei José de Santa Escolástica, o Cabido de Olinda deixou de eleger o Vigário Capitular no prazo estabelecido pelo Concílio de Trento, cabendo ao bispo de São Paulo, D. Mateus de Abreu Pereira, em razão de ser o sufragâneo mais antigo, nomear Frei Francisco de Santo Damaso de Abreu Vieira como Vigário Capitular, seguindo a Sessão 24, Cap. 16, do Concílio de Trento (Vide, 1853VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras no Arcebispado da Bahia. São Paulo: Tipografia 2 de Dezembro, 1853. p. XVIII., p. XVIII).

Portanto, a afirmação do Cabido era falsa, tratando-se, provavelmente, de uma construção discursiva para legitimar o seu governo direto da diocese, mesmo indo contra as normas da Igreja. Os membros do Cabido tinham consciência disso, tanto que não chamaram seu documento de Carta Pastoral, mas de “Carta Circular”. Esse afastamento das regras e do que se praticava fica mais evidente com o fato de o Cabido buscar se apoiar no padroado, bem como nas regalias reais, para justificar sua atitude, afirmando que o rei seria o único com autoridade para nomear um governador de bispado, o que contradiz a prática corrente e as normas da Igreja. Essa prática de se apoiar no braço do Estado, quando o intuito é se afastar da norma da Igreja, era comum ao jansenismo e, também, ao regalismo, que se desenvolveu posteriormente no Império do Brasil. O Cabido sustentava que:

direito de Sua Majestade como Grão Mestre, e única Autoridade legítima para a nomeação dos primeiros funcionários Eclesiásticos, e achando-se ora [o Cabido] reentrada na posse da sua jurisdição ordinária pela desistência formal do Vigário Capitular em razão das suas moléstias, acordou em continuar na sua velha posse, exercitando por si mesmo plenitude da jurisdição ordinária, e muito principalmente porque exigindo o novo Sistema hum maior cuidado, e trabalho para fazer manter a liga entre o Sacerdócio e o Governo Constitucional, e preparar os Povos pelos princípios religiosos a aderirem a causa da Nação, a cujos trabalhos já se deu princípio, como demonstra a Circular, que temos a honra levar a Real Presença de Vossa Alteza, a Igreja, e o Estado serão muito mais bem servidos por serem discutidas as operações por uma Corporação de Eclesiásticos de muito boa fé, e empenhados em promover a felicidade da Nação; o que participamos a Vossa Alteza Real para determinar o que julgar convinhável ao bem da Igreja, e da Nação (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 1).

Podemos ver que o Cabido buscava justificar o seu governo por meio de um motivo político, por acreditar ser o melhor para as exigências do “novo Sistema”, mantendo a “liga entre o Sacerdócio e o Governo Constitucional”. Na opinião deles, então, para um Governo Constitucional, nada melhor que “uma Corporação de Eclesiásticos” “empenhados em promover a felicidade da Nação”, para servirem à Igreja e ao Estado. Esse discurso mesclava o constitucionalismo e o reformismo eclesiástico pombalino, dando preeminência ao Estado sobre a Igreja.

Isso se torna ainda mais evidente na Carta Circular, que logo no segundo parágrafo afirma que:

A Igreja está no estado, e antes do homem ser alistado debaixo das bandeiras do Cristianismo era Cidadão, antes de contrair as obrigações para com a Religião três vezes Santa, as havia contraído para com a Nação: todo Cidadão e Católico tem a preencher duas obrigações, que sendo em seus fins diversos, são tão conexas em princípios, que se não pode ser mau cidadão, sem ao mesmo tempo ser péssimo Católico (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 1).

Portanto, a cidadania precederia a religião; o Estado estaria acima da Religião, mas para ser um bom cidadão era preciso ser, antes, um bom católico, pois a moralidade cristã daria os pré-requisitos para a fidelidade e a honestidade dos cidadãos. Uma clara defesa da necessidade da união entre Igreja e Estado, com a primeira sob o controle do segundo.

A Religião Cristã é a única universal, é a única que é sempre grande em todos os Governos, é a única que pode sempre em todos os climas fazer a felicidade do homem honesto: a sua pureza, a doçura da sua Moral, o respeito e a consideração, que respira para com todas as Autoridades Constitucionais, a precisa obrigação que impõe ao homem, não só pelo medo dos castigos temporais, porém pelos espirituais, de obedecer a todos os poderes estabelecidos, o delicado amor com que ordena, que os homens se liguem entre si, sejam quaisquer que forem os princípios do Governo político, são as provas mais positivas da sua bondade absoluta, e da Divindade do seu Instituidor (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 2).

Em seguida, a Carta Circular adere ao discurso da Regeneração, ao afirmar que a “Ilustre Nação Portuguesa” tinha “reassumido o seu Caráter originário e os seus primitivos direitos”. Segundo o documento, desde o Gênesis Deus havia feito “um pacto social” com o ser humano “para conservar ilesa a Categoria de Nação; uma Constituição liberal, [...] que sustentou a dignidade do homem”. O rei de Portugal, livre e de

bom grado aderiu à Constituição, jurou-a solenemente, e hoje forma a sua gloria, a sua maior grandeza, o doce titudo [sic] de Rei Constitucional, o de Chefe de uma Nação verdadeiramente grande e livre, de um Povo brioso e generoso, que tendo pelo novo pacto cedido uma parte da Soberania Natural em o todo da nação, para manter a ordem, liberdade, e felicidade; não vacilou um instante em os depositar como delegados em suas hábeis mãos para os dirigir e executar segundo as bases constitucionais, e leis de administração feitas pela Soberania Nacional por via dos seus Representantes (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 2).

Portando, a adesão do rei à Constituição seria um retorno às leis naturais, elaboradas pelo Autor da Natureza, ou seja, Deus, nas quais o homem se inseria e as quais ele deveria seguir para a sua felicidade. O povo então teria dividido parte da “Soberania Natural” com o rei e os delegados da nação, responsáveis por elaborar as bases constitucionais e as leis. O rei agora seria “Constitucional”, “Católico Romano”, “justo e virtuoso”, e teria “a segurança do trono, não nas incertas bocas de fogo, e pontas de baionetas; porém sim no coração, na ternura, e no amor da Nação, bases solidas, e que se não minam” (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 2).

A carta denuncia que “um terrível e temível bando de ímpios”, o qual “se ajuntou [n]uma quadrilha de perversos”, “abusando da ignorância e simpleza dos Povos, trabalham sem descanso para os fazer crer que El-rei não é Constitucional, e que os princípios da religião Cristã estão em oposição com os do Governo Constitucional”. E, ainda mais, queriam deturpar a ideia de liberdade, dizendo ao “cidadão livre” que “lhe é também livre fazer tudo quanto a sua natural fereza, e veemente paixão lhe ditar, como se fosse possível mesmo em o curto espaço de uma hora existir sociedades com tais princípios, e tais sócios!”. Para vencer essas mentiras era fundamental a ação dos padres - que deveriam “fazer em todos os Domingos, e dias de guarda Catecismos as vossas ovelhas, e [...] instruí-las nos princípios da Santa Religião Cristã” (Cabido, 1822CABIDO da Sé de Olinda. Carta Circular dirigida aos Reverendos Parochos de Pernambuco. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 84, p. 1, 13 jul. 1822., p. 2) e claramente também no apoio ao rei e às Cortes. A liberdade do cidadão e do católico deveria ser aquela definida no Evangelho e na Constituição.

Encontramos, na carta circular do Cabido, traços em comum com a carta pastoral do Bispo do Porto, o que demonstra que algumas ideias circulavam entre a alta hierarquia eclesiástica além e aquém-mar. Mas há um ponto que a difere das demais cartas aqui analisadas: enquanto seus colegas buscavam garantir, em seus discursos, a autonomia entre os dois poderes (temporal e espiritual) considerados iguais, o cabido de Olinda aparentemente não encontrava problemas em defender uma certa submissão da Igreja ao poder do Estado.

Em relação aos caminhos políticos, enquanto as Províncias do Pará e do Maranhão resistiram à independência até meados de 1823, quando foram submetidas à autoridade de D. Pedro I, a província de Pernambuco tentou manter uma certa autonomia nesse contexto (Mello, 2004MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Ed. 34, 2004.). O Cabido da diocese, que teve muitos de seus membros participando da Revolução de 1817, abraçou a Constituição, mesmo aquela outorgada por D. Pedro I em 1824, causando a ira do Frei Caneca (Caneca, 1976CANECA, Frei. Ensaios Políticos. Introdução do Prof. Antonio Paim Pontifícia. Universidade Católica; Rio Conselho Federal de Cultura Editora Documentário, 1976. , pp. 18-36).

CONCLUSÃO: UMA IGREJA CONSTITUCIONAL

As poucas cartas pastorais analisadas neste artigo já nos permitem perceber o importante papel desempenhado pela Igreja em prol do constitucionalismo, em primeiro lugar, e, posteriormente, em prol da independência e da consolidação do Estado brasileiro independente. Se somarmos a isso a participação direta do clero no mundo político, tal fato fica mais evidente. Para ficarmos somente entre as três dioceses analisadas, D. Romualdo Coelho foi deputado nas cortes de Lisboa, enquanto seu sobrinho, o cônego Romualdo Seixas, futuro Arcebispo nomeado por D. Pedro I, foi presidente de diferentes Juntas de Governo Provisório no Pará. D. Joaquim de Nazaré foi presidente da Junta de Governo Provisória no Maranhão até o momento da submissão da província ao Império.

Percebemos influências de ideias ilustradas e liberais nas Cartas Pastorais Constitucionais, com exceção daquela do bispo do Maranhão, bem como um acentuado regalismo no Cabido de Pernambuco, possivelmente advindo da formação no Seminário de Olinda. Mas é inegável a contribuição delas para a formação de uma opinião pública favorável ao constitucionalismo. Elas demonstram também como os bispos buscavam interpretar e reelaborar as informações que recebiam e os acontecimentos que presenciavam no intuito de forjarem suas próprias contribuições para o debate sobre o futuro da “nação”, dentro do discurso religioso.

A Igreja no Brasil desempenhou um papel fundamental na educação política constitucional da população, explicando seu funcionamento e garantindo aos fiéis que o sistema não era contrário às suas crenças religiosas. Portanto, pode-se afirmar sem temor que, no Brasil, o constitucionalismo não foi questionado pelo episcopado, e a maioria dos bispos e governadores das dioceses o abraçaram e defenderam. A grande maioria da nossa alta hierarquia e do baixo clero não foi contrária à revolução e abraçou o novo sistema. Tanto que, até meados dos anos de 1840, os clérigos ocuparam cerca de 25% dos cargos imperiais eletivos e, também, tiveram participação intensa na política das províncias. Até mesmo o clero ultramontano, contrarrevolucionário e reacionário em muitos países, no Brasil, apesar de conservador, nunca questionou e foi defensor da monarquia constitucional.

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  • 1
    As pesquisas utilizadas para a elaboração deste artigo fazem parte do projeto de Pós-Doutorado desenvolvido na UNIRIO, sob a direção do Prof. Dr. Anderson José Machado de Oliveira, entre fevereiro de 2021 e janeiro de 2022, intitulado A Igreja Católica, o clero e a independência do Brasil.
  • 2
    Para conhecer o processo de organização da Igreja Católica no mundo, recomendo a leitura de Fantappiè (2020FANTAPPIÈ, Carlo. A Santa Sé e o mundo em perspectiva histórico-jurídica. ­Almanack, pp. 1-21, n. 26, 2020.).
  • 3
    É importante ressaltar que o catolicismo não era mais a única religião presente no território daquilo que se tornaria o Império do Brasil. Desde 1810, com os tratados celebrados entre Portugal e Inglaterra (Tratado de Amizade e Aliança e Tratado de Amizade, Comércio e Navegação), as religiões protestantes eram toleradas, em especial o anglicanismo dos ingleses. Estes últimos, com certeza, pressionaram para a manutenção desse status no novo país em formação, não sendo coincidência que inauguraram a sua primeira casa de culto em maio de 1822. Para uma visão geral sobre essa questão, ver: Moura e Silva (2020MOURA, Carlos André Silva de; SILVA, Edjaelson Pedro da. Acordos entre a coroa inglesa e o Brasil para a “liberdade” de culto: debates a partir de uma ordem jurídica no início do século XIX. Rever, São Paulo, v. 20, pp. 331-344, 2020. ).
  • 4
    Um único livro que tem por foco o clero e a independência do Brasil foi escrito por um bispo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, por ocasião do centenário da independência: O Clero e a Independência (1923SILVA, Duarte Leopoldo e. O clero e a Independência: conferências patrióticas. Rio de Janeiro: Centro D. Vital, 1923.). Destituído de uma teoria e um método historiográfico, o livro apresenta vários equívocos, exaltando o “nacionalismo” do clero.
  • 5
    Sobre a questão da relação entre o padroado e as independências ibero-americanas, foi publicado pela revista Lusitania Sacra (n. 43, 2021) um interessante dossiê organizado por Sérgio Ribeiro Pinto e Consolación Fernández Mellén, intitulado “Aplicações e transgressões do último padroado régio ibero-americano (século XIX)” (cf. Lusitania Sacra, 2021).
  • 6
    Esse afastamento do clero com relação ao governo liberal está intimamente ligado a medidas regalistas e contrárias ao clero regular. Para compreender melhor as mudanças de posicionamento do clero português, cf. Faria (1992FARIA, Ana Mouta. A hierarquia episcopal e o vintismo. Análise Social, v. XXVII, pp. 285-328, 1992. ) e Sardica (2002SARDICA, José Miguel. O vintismo perante a igreja e o catolicismo. Penélope, n. 27, pp. 127-157, 2002.).
  • 7
    Seguindo uma afirmação não referenciada de Oliveira Lima (1917LIMA, Oliveira. Anotações. In: TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução de Pernambuco em 1817. Recife: Governo do Estado; Casa Civil de Pernambuco, 1969. pp. 7-302.), nas “Anotações” publicadas juntamente com a obra de Muniz Tavares História da Revolução Pernambucana de 1817, alguns autores (Pagano, 1938PAGANO, Sebastião. O Conde dos Arcos e a Revolução de 1817. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1938. , p. 205; Siqueira, 2016SIQUEIRA, Antônio Jorge de. A teologia da ilustração e o seminário de Olinda-PE. In: AYROLO, Valentina; OLIVEIRA, Anderson José Machado de (Eds.). Historia de clérigos y religiosas en las Américas: conexiones entre Argentina y Brasil (siglos XVIII y XIX). Buenos Aires: Teseo, 2016. pp. 127-150., p. 129; Vieira, 2016VIEIRA, Dilermando Ramos. História do catolicismo no Brasil. Vol. 1. Aparecida: Santuário, 2016., p. 142, entre outros) acusam Manoel Sampaio de ter escrito uma “pastoral rousseauniana”, e que “sustentaria não ser a revolução republicana contrária ao Evangelho, visto que o direito da casa de Bragança se fundava em contrato bilateral, de que estavam desobrigados os povos, por ser a dinastia faltado primeiro às suas obrigações”. Mas não encontrei na documentação uma pastoral nesses termos. Além disso, essas pastorais caíram na conta do padre Bernardo Luiz Ferreira Portugal no decorrer da devassa feita após a revolução. Sodré (1999SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999., p. 15), que também reproduz esse trecho sem referenciá-lo, ainda comete o erro de dizer que ele era o Governador do Bispado, quando, na verdade, extraordinariamente, no período revolucionário, o bispado estava sendo governado pelo Cabido (Sodré, 1999SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999., p. 15). Documentos da Devassa e outros mais podem ser encontrados em Documentos Históricos (s.d.)DOCUMENTOS HISTÓRICOS: Provedoria da Fazenda Real de Santos (RJ). s.d. Disponível em: Disponível em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/documentos-historicos/094536 . Acesso em: 4 out. 2022.
    http://bndigital.bn.br/acervo-digital/do...
    , nos volumes de 1954. Em alguns trabalhos, Manoel Vieira de Lemos Sampaio é apresentado como bispo de Olinda em 1818, mas até mesmo em uma pastoral que assinou nesse ano, apaziguando os ânimos após a Revolução de 1817, consta que ele era apenas Governador do Bispado (Silva, 2005SILVA, Luiz Geraldo Santos. “Pernambucanos, sois portugueses!”. Natureza e modelos políticos das revoluções de 1817 e 1824. Almanack braziliense, n. 01, pp. 67-79, mai. 2005., p. 72; Silva, 2006SILVA, Luiz Geraldo Santos da. O avesso da independência: Pernambuco (1817-1824). In: MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. pp. 343-384., p. 363).
  • 8
    Esse documento encontra-se na Gazeta do Rio de Janeiro de 13 de julho de 1822, logo na primeira página. Agradeço a Lucas Rafael Meneses por tê-lo encontrado e me repassado cópia.
  • **
    O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo a Pesquisas do Estado do Maranhão (FAPEMA).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    25 Ago 2022
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