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Intelectuais e a censura em Portugal: o caso do livro Luuanda, de José Luandino Vieira 1 1 Este texto faz parte de pesquisa realizada em Portugal graças à bolsa outorgada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Processo 2018/00101-5.

Intellectuals and Censorship in Portugal: The Case of The Book Luuanda, By José Luandino Vieira

RESUMO

Este artigo apresenta os fatos que marcaram a premiação e a censura ao livro Luuanda, do autor angolano José Luandino Vieira, a partir de documentos da Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS) do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa (Portugal), e de bibliografia portuguesa e angolana. A partir daqueles acontecimentos, analisa alguns dos caminhos da censura no regime fascista de Salazar e aponta o tratamento diferente que este deu aos intelectuais portugueses e ao autor angolano.

Palavras-chave:
José Luandino Vieira; Censura; Luuanda.

ABSTRACT

This article analyzes the award and censorship of the book Luuanda by the Angolan author José Luandino Vieira, based on documents from the International Police and State Defense/General Directorate of Security (PIDE/DGS) from the National Archive of Torre do Tombo, in Lisbon (Portugal), and Portuguese and Angolan bibliography. It situates the events in Salazar’s fascist regime and points out the different treatment that he gave to Portuguese intellectuals and to the Angolan author.

Keywords:
José Luandino Vieira; Censorship; Luuanda

Na manhã do 25 de Abril, estava Lisboa em revolução, voavam os cravos, corriam os tiros e, a dois passos do Quartel do Carmo onde Caetano se encontrava encurralado com o sumo-inquisidor Moreira Baptista, os censores do fascismo continuavam às secretárias, embalados numa rotina de meio século. A dada altura levantaram a cabeça, medindo as horas, e todos à uma desataram a telefonar para os jornais. Reclamavam as provas dos textos das edições da tarde. Estavam de tal modo viciados de autoridade, tão enraizados nos cadeirões sombrios - vivendo neles, larvando papel, reproduzindo-se - que se julgavam instituição natural, função pública. Prolongáveis para lá do fascismo que se estava a extinguir (Pires, 1977, p. 244PIRES, José Cardoso. E agora, José. Lisboa: Moraes Editores, 1999.).

A instalação O Parthenon de livros, da artista argentina Marta Minujín, erguida em Kassel (Alemanha) como uma réplica do templo da Acrópole de Atenas, foi construída com mais de 100.000 livros proibidos em todo o mundo e integrou a Documenta 14 (abril a setembro de 2017). Esta obra, símbolo dos silêncios a que autores e públicos foram relegados pela censura dos diversos países do mundo, indiciaria também, segundo a crítica, “um manifesto contra a herança brutal de impérios colonialistas, lembrando, por exemplo, as raízes do racismo [...]” (Marti, 2017MARTI, Silas. Obras da Documenta de Kassel refletem clima de medo e paranoia. Folha de S. Paulo. 15 jun. 2017. Acesso em: https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/06/1892938-maior-mostra-de-arte-documenta-tem-obras-que-refletem-clima-de-medo-e-paranoia.shtml. Disponível em: 22 dez. 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/paywall/lo...
). Como a obra de Minújin demonstra, a censura ultrapassa fronteiras e tempos e a literatura é uma das suas maiores vítimas.

Se a Inquisição foi um marco com os seus index, institucionalizando a relação Estado e censura, não se pode deixar à margem que o século passado foi palco de numerosos e dolorosos episódios protagonizados por regimes totalitários e seu exercício censório, destacando-se a Bücherverbrennung (queima de livros) realizada entre os dias 10 de maio e 21 de junho de 1933 na Alemanha. Talvez fosse importante refletir que, assim como a sociedade alemã ficou praticamente inerte frente aos acontecimentos, também o mundo, não muito tempo antes, assistira com uma impassividade assustadora às torturas, aos assassinatos e à brutal censura impetrados pelos impérios coloniais europeus, abrindo as portas ao Holocausto (Confino, 2016CONFINO, Alon. Um mundo sem judeus: da perseguição ao genocídio, a visão do imaginário nazista. Tradução de Mario Molina. São Paulo: Cultrix, 2016.; Huyssen, 2014HUYSSEN, Andreas. Políticas de memória do nosso tempo. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014.).

A escolha do tema da censura no Império Colonial Português, mais especificamente sobre um autor de Angola, tem em vista que uma parte significativa da história e da produção literária portuguesa e dos países africanos de língua portuguesa, para não falarmos do Brasil até 1822, é imperial. Em contrapartida, as operações de apagamento, rasura ou mascaramento não são estranhas quando se estuda o Império Colonial Português hoje.

Vale lembrar que a própria nomeação - Império - sofreria uma modificação para os territórios africanos ocupados em 1951 com a revogação do Ato Colonial. Como sabemos, essa modificação tem em vista a pressão de organismos internacionais e, portanto, no papel o Império deixaria de existir, na medida em que as colônias passaram a ser denominadas províncias ultramarinas. Ou seja, ocorre uma ressemantização do Império junto ao mundo - e especialmente à ONU, que havia aprovado uma Resolução contra o colonialismo.

Mas seria somente após 1975 que as operações de uma espécie de camuflagem da notação imperial ganhariam corpo, quando ruidosamente o Império Colonial Português desmorona. Há, nesse particular, uma aparente contradição, pois é após o desaparecimento oficial do Império que ele dará mostras de sua continuidade, tanto no imaginário popular2 2 Imaginário que redundará em produtos como o romance de retornados, sucesso de público, com adaptações para TV e Programas de Rádio com larga audiência, além de feiras de antiguidades em que as recordações da vida nas colônias são expostas, vendidas e adquiridas por saudosistas melancólicos. como no de alguns intelectuais de forma difusa, mesclada a um saudosismo. Cremos que essa permanência permitiu à África tornar-se “uma entidade polivalente vaga ou sem peso e relevo histórico, a respeito da qual qualquer um podia dizer o que quer que fosse sem que isso tivesse consequências” (Mbembe, 2017MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. , p. 16). Pode-se afirmar, portanto, que a questão do Império é ambígua e contraditória.

A esse respeito, vale lembrar que o fenômeno aqui aludido abarca todas as ex-metrópoles, como se pode aquilatar, por exemplo, a partir de uma reportagem estampada no jornal Le Figaro de 2004, referida por Pascal Blanchard em Culture imperiale, e que apresenta uma postura ambígua quanto ao período colonial, e mais especificamente à Grande Exposição de 1940, a qual é referida como um dos momentos em que haveria uma “França orgulhosa de mostrar ao resto do mundo as melhores joias de seu império”, ao mesmo tempo em que aponta ser o colonialismo “uma marca negra na história da República” (Blanchard; Lemaire, 2004BLANCHARD, Pascal; LEMAIRE, Sandrine. Culture impériale: les colonies au cœur de la République 1931-1961. Paris: Autrement, 2004., p. 4).

Em razão da ambiguidade e da contradição que cercam os discursos, inclusive o das memórias sobre o Império Colonial, é que cremos ser necessário voltar a estudá-lo, apontar-lhe as vicissitudes e apresentar algum contributo à “descolonização das mentes”, para utilizarmos a expressão de Wã Thiogo.

O SILÊNCIO AZUL

Assim como em outros Impérios, no caso português a censura atingiu a metrópole e as colônias, tendo como símbolo o lápis azul usado pelos censores para realizarem as marcas que amputariam textos, os censurariam definitivamente ou exigiriam mudanças de redação. Nesse sentido, pode-se dizer que, no caso do Império Colonial português, o silêncio imposto à literatura foi azul.

Para entender o alcance da censura, é necessário recordar que a profunda articulação entre a nação e o império promovida pelo Estado Novo foi fomentada por uma face menos visível da repressão, na medida em que uma máquina de propaganda muito bem azeitada, aliada da atenta e diligente Polícia Política, a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), criada em 1933, posteriormente transformada em PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), construiu a “força ideológica do conceito” imperial e as operações de sentido realizadas em função da mesma. Dessa forma, a partir dos anos 1930 criam-se as agências noticiosas, um cinema de propaganda com os filmes com focalização nas colônias e os prêmios de literatura colonial, que somente serão extintos com a queda do Império.

Vale lembrar que, a partir do salazarismo, um forte aparato se abate sobre a produção intelectual, a partir de uma estrutura institucional constantemente aperfeiçoada (em recursos jurídicos e logísticos): a Direção-Geral dos Serviços de Censura à Imprensa (DGSCI, 1928-33)/Direção Geral dos Serviços de Censura (DGSC, 1933-35)/Direção dos Serviços de Censura (DSC, 1935-72)/Direção-Geral da Informação (DGI, 1972-74). O enquadramento ministerial da Censura modifica-se bastante durante o tempo, sem que, no entanto, suas funções se alterem. Assim, a Censura inicialmente estava afeita ao Ministério da Guerra, passando, em 1940, a integrar o Gabinete de Coordenação dos Serviços de Propaganda e Informação (GCSPI). Quatro anos depois, estará ligada ao Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI); em 1968, à Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT). Com o Decreto-Lei n. 49401, de 24 de novembro de 1969, Marcelo Caetano cria, no Ministério do Interior, e para suceder à PIDE, a Direção-Geral de Segurança (DGS), “com o objetivo de “proceder à escolha, pesquisa, centralização, coordenação e estudo das informações úteis à segurança”. No caso da censura nas então colônias, o órgão competente mais importante começou por ser a DGSCI/DGSC/DSC/DGI, até que uma estrutura própria fosse ali implantada. Às Comissões de Censura cabia realizar a leitura e a emissão de parecer sobre o material lido, assim como emitir regularmente listagens com os títulos dos livros proibidos.

A partir dessa constatação, podemos afirmar que não houve uma série da vida social que deixou de ser alcançada pelo discurso imperial do Estado Novo, que explicava o presente e delineava o futuro para todos os portugueses.

Ancorada em profunda violência, com prisões, torturas e assassinatos, todas as medidas visavam a, como bem afirma Fernando Rosas,

[...] “curar” a pátria enferma para a “reerguer”, para reatar o fio do verdadeiro destino nacional, interrompido pelo parêntese a-histórico e antinacional do liberalismo ou pervertido pela “lepra” socialista ou comunizante.

[...]

Essa “cura” da nação [...] havia de se fazer, necessariamente, pela violência esclarecida das minorias, pela força como uma cruzada, como um golpe de bisturi extirpa o tumor [...]. Tratava-se, afinal de regenerar a alma da nação [e do império] contra ela [ele] própria [o] (Rosas, 2007ROSAS, Fernando. Prefácio. In: MADEIRA, João (Coord.); FARINHA, Luís; PIMENTEL, Irene Flunser. Vítimas de Salazar: Estado novo e violência política. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2007. pp. 15-26. , p. 21).

As metáforas médicas de que se vale Rosas retomam o horizonte dos discursos dos regimes de tipo fascista, entre eles o salazarista3 3 Veja-se, por exemplo, trecho da entrevista de Salazar a Max Fisher reproduzida no jornal O Século, edição de 23 de março de 1937: Portugal “era e é um país doente. É indispensável, para seu repouso, poupá-lo; não se deve gritar inutilmente no quarto de um doente”; ou o Esclarecimento à Nação publicado nos jornais de 10 de setembro 1937 a respeito do motim de alguns marinheiros na Praça do Comércio, do qual citamos um trecho: “Assim se procede geralmente; uma vez ou outra porém convém mais deixar rebentar estes pequenos tumores, porque as vantagens na ordem interna ou na ordem internacional superam os inconvenientes.” (Salazar, 1961, p. 188. Grifamos). , em que a pátria é equiparada ao corpo dos indivíduos, o que nos permite dizer que a censura funcionaria, nessa equação, como remédio e isolamento das doenças que poderiam atacar o corpo social. Assim, o medicamento deveria vir sob a forma na censura prévia, que faria os cortes nas imagens, nos sons e nas letras, e o isolamento na medida em que o público seria preservado de tudo que não fosse “A bem da Nação”4 4 Fórmula com que era encerrada a correspondência oficial no período. .

O Estado, sob o manto de uma política cultural que “inventaria tradições” - para referirmo-nos aqui à expressão cunhada por Hobsbawn -, como o galo de Barcelos ou o Desfile dos Tabuleiros de Tomar, zelou diligentemente para que o corpo social não “adoecesse” com as teorias vindas do exterior. Por isso, Salazar pôde afirmar, no discurso de inauguração da Sede da Propaganda Nacional, a 26 de outubro de 1933, a frase que ficaria como uma espécie de emblema dessa longa noite de pressão: “Politicamente só existe o que o público sabe que existe” (Salazar, 1959SALAZAR, Oliveira A. Discursos e notas políticas (1938-1943) . 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora , 1959.).

Essa máxima, que seria seguida à risca, acabou fazendo com que a chamada Censura prévia - o controle do material antes que ele se tornasse público, ou seja, os textos que eram submetidos aos censores antes de irem às gráficas - e a censura repressiva (aquela exercida sobre o material já publicado que era recolhido e, com isso, trazia grande prejuízo aos editores) fossem exercidas ao lado da autocensura dos escritores, jornalistas e chefes de redação de jornais.

OS LIVROS ANGOLANOS E A CENSURA

Escolhemos, para ilustrar as questões referentes às tensões a que foram submetidos os escritores, aos mecanismos da censura e à leitura elaborada pelos censores dos textos, os acontecimentos que cercaram a segunda edição do livro Luuanda, de José Luandino Vieira, em 1972.

Vale referir que o título do volume de “estórias” de José Luandino Vieira aparece na listagem Livros proibidos no regime fascista, da Comissão do livro negro sobre o regime fascista, uma das listas mais completas publicadas sobre o tema. Se damos relevo a esse fato, temos em vista que há pelo menos 15 títulos de autores angolanos censurados que não fazem parte das várias listagens existentes sobre os volumes proscritos na longa noite salazarista. Como bem nos recorda o crítico Manuel Ferreira a respeito, “aí até os fins da década de 60, os escritores africanos publicaram as suas obras na metrópole” (Ferreira, 1986, p. 109FERREIRA, Manuel. O livro africano. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra: CES, n. 18/19/20, pp. 105-113, 1986.).

Se bem que a maioria assim o fizesse, houve textos publicados em Angola e no Brasil e que também foram vítimas da censura e, de certa maneira, de um silenciamento da crítica. A este respeito, o mesmo Manuel Ferreira elabora uma lúcida asserção sobre o papel da crítica durante o salazarismo, mas que nos leva a refletir sobre a omissão ocorrida em certas instâncias, até hoje, a respeito da produção africana em língua portuguesa:

Quanto mais nos distanciamos no tempo em relação ao 25 de abril, mais consciência vamos adquirindo da natureza do bloqueamento imposto pelo colonialismo e pelo fascismo sobre a produção literária africana. Porque, talvez não o tenhamos acentuado bem, essa privação exercia-se de dois modos: de um lado a PIDE e a Censura; de outro, os críticos oficiais (Ferreira, 1986FERREIRA, Manuel. O livro africano. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra: CES, n. 18/19/20, pp. 105-113, 1986., p. 110).

Ainda que o crítico se refira ao período salazarista, não se pode dizer que as citações e críticas aos autores e obras das literaturas africanas de língua portuguesa em Portugal nos dias de hoje sejam compatíveis com o número de lançamentos de textos, o que nos permite afirmar que, infelizmente, os chamados “críticos oficiais” ainda desconhecem a África.

Em razão desse fato, procuramos “trafegar na contramão” das apreciações de tais críticos e, assim, ir além das listas de livros proibidos pela censura no período da ditadura, já que elas não levaram em conta os livros de autores angolanos publicados nas então colônias africanas portuguesas. Segundo entendemos, não foi a falta de informações que levou a tal lacuna, mas sim um mito de que a censura foi muito mais branda na África que na metrópole5 5 Essa discussão é situada adequadamente em Melo (2016). . Assim, consultamos os arquivos da PIDE/DGS na Torre do Tombo e a historiografia angolana e pudemos localizar 15 títulos que não constam nas listagens de livros censurados, indicando a data de censura e fornecendo pequenas referências sobre os mesmos:

1957 - A primeira edição de A cidade e a infância, livro de contos de José Luandino Vieira, da série Cadernos Nzamba, foi integralmente censurada e apreendida pela PIDE6 6 As etapas que cercavam a burocracia do ato censório somente tardiamente chegariam a Angola, o que não quer dizer que não havia censura, mas sim o controle burocrático do processo. Dessa forma, verifica-se, por exemplo, que não havia um espaço em que os livros apreendidos eram depositados. Eles apenas eram destruídos. Dessa forma, não havia como recuperá-los. No caso, a apreensão era feita diretamente pela PIDE, que geralmente, encarregava-se de destruir também “o chumbo”, ou seja, as matrizes dos livros, conforme nos informou Leonel Cosme em entrevista realizada a 10 de maio de 2018 em Portugal. .

1957 - O livro Filho de pai incógnito, de Gonzaga Lambo, foi tão cortado pelo censor que não pôde ser publicado à época de sua escrita.

1960 - A Antologia da poesia negra de expressão portuguesa, de Mário de Andrade, é publicada pela Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. A partir do Boletim número 1160 da Inspeção dos Serviços de Censura de Lisboa são proibidas “quaisquer referências” ao livro.

1961 - Castro Soromenho - Terra morta. O romance foi escrito em 1949 e marca uma nova fase da escrita do autor, com textos críticos à colonização portuguesa - anteriormente, Castro Soromenho obtivera, com Nhári (1939) e Rajada (1943), premiação nos concurso de Literatura Colonial.

1961 - Alexandre Dáskalos - Poemas. A Coleção Bailundo (Nova Lisboa/Huambo), dirigida por Ernesto Lara Filho e Rebelo de Andrade, pretendia seguir os passos da Editora Publicações Imbondeiro (Sá da Bandeira/Lubango) e iniciou o seu catálogo com um pequeno livro de poemas de Alexandre Dáskalos, com prefácio de Alfredo Margarido, personna non grata ao regime, conforme se verifica pelo Relatório da Censura.

1961 -Notícias do Bloqueio (Fascículo n. 8). Ainda que seja uma publicação portuguesa, editada no Porto, tinha como corpo dirigente escritores portugueses, cabo-verdianos e moçambicanos (Egito Gonçalves, Daniel Filipe, Papiano Carlos, Luís Veiga Leitão, Ernâni Melo Viana e Antonio Rebordão Navarro). O fascículo proibido era dedicado a Angola e trazia textos de Antonio Jacinto, Mário Antonio, Viriato da Cruz e Agostinho Neto. O ofício de apreensão é da PIDE e tem o número 2187-SR de 12/05/1961.

1965 - Fechamento da Editora Publicações Imbondeiro, de propriedade de Leonel Cosme e Garibaldino de Andrade, a qual teve cinco anos de duração (1960-1964) e lançou 68 cadernos mensais, na Colecção Imbondeiro, nos quais colaboraram contistas e poetas novos e consagrados, originários de todos os territórios de língua portuguesa, incluindo o Brasil. A editora chegou ainda a publicar, com tiragem já próxima dos 2.000 exemplares, 2 antologias só de contistas e 4 só de poetas.

1965 - Encerramento da revista Ribalta, de Luanda, também em razão da ação da censura.

1966 - Ernesto Lara Filho - Canto de matrindinde e outros poemas feitos no Puto. Trata-se de uma publicação do autor, feita em Luanda, em 1963.

1967 - Apreensão do conto de Leonel Cosme (um dos responsáveis pela Imbondeiro) intitulado “Os mortos inúteis”.

1969 - Censura do livro de Manuel Santos Lima As sementes da liberdade, publicado no Brasil, com o auxílio de Jorge Amado.

1967 - José Luandino Vieira - Vidas novas.

1971- Mário Brochado Coelho - Em defesa de Joaquim Pinto de Andrade. O autor é português, mas o assunto trata da prisão do nacionalista Joaquim Pinto de Andrade.

1969 - Américo Boavida - Angola, cinco séculos de exploração portuguesa - publicado no Brasil pela Civilização Brasileira em 1967.

1971 - Castro Soromenho - A chaga - Edição da Editora Civilização Brasileira, Brasil.

LUUANDA, UM CASO DE POLÍCIA (POLÍTICA)

Luuanda: eis, pois, um livro que vivamente recomendo. A minha opinião tão favorável será fruto de um entusiasmo passageiro e infundamentado? Creio que não: os valores plásticos e estilísticos estão à vista. E quando são tão notórios como no caso deste para mim livro-surpresa parece que não haverá grande margem para se incorrer num erro crasso de juízo. Se há, porém, do meu lado entusiasmo a mais, o tempo mo dirá (ou as raciocinadas críticas alheias).

(Torres, 1965TORRES, Alexandre Pinheiro. Luuanda de Luandino Vieira. Vida literária e artística, O livro português da semana - Crítica. Diário de Lisboa, Lisboa, p. 8, 14 jan. 1965.)

A citação acima de Alexandre Pinheiro Tores refere-se a uma crítica feita por ele sobre o livro de Luandino Vieira e demonstra o seu entusiasmo após a leitura do mesmo. Tendo feito parte do júri que o premiou, entende-se o porquê de ter sustentado o seu voto, apesar de todas as pressões. Mas não nos adiantemos.

Compondo o quadro de tensões que o ano de 1965 trouxe ao regime salazarista, a guerra colonial pode ser considerada como cenário privilegiado em que se inscreve o episódio de repressão ao prêmio concedido ao livro Luuanda. Com o recrudescimento da guerra em três frentes diferentes longe da metrópole (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique), há o agravamento dos gastos do Estado e a necessidade de engajar um maior número de homens no combate, além do aumento de mortes nas frentes de batalha. A chegada das urnas com os corpos dos soldados mortos torna-se um impacto enorme na população e o governo toma medidas para que os enterros não se transformem em manifestações contra a guerra colonial. Compondo o quadro, há a fuga crescente de Portugal dos jovens em idade de recrutamento, de tal forma que, na região de Leiria, por exemplo, a taxa de ausentes ao recrutamento militar chegou perto dos 60%7 7 “No início de 1965, verificou-se um acréscimo do tráfego ilícito de emigrantes portugueses com destino à França e à Alemanha. [...]. Este fenómeno aumentou de tal forma, que em determinadas zonas do País o número de ausentes ao recrutamento militar abrangeu os sessenta por cento [...]” (Queimado, 2012, p. 20). .

Em razão dessas questões internas (para não nos referirmos às numerosas pressões internacionais), tornar a premiação de um livro um caso de polícia política, primeiro demonizando os intelectuais que concederam a honraria e depois legando-os ao ostracismo, foi a forma que o regime escolheu para lidar com o acontecimento. Ao mesmo tempo, transformou Luandino Vieira, um branco que fazia ações culturais e políticas no musseque (estava ligado ao Botafogo Futebol Clube de Luanda)8 8 O nome da agremiação angolana era devido ao clube brasileiro, e sua concentração na área esportiva estava limitada quase integralmente ao futebol. Era um “clube de musseque” que chegou a disputar jogos com os “clubes dos brancos”. [...] “o Botafogo vai se transformando em um local de encontro, de discussão política e até mesmo, para alguns de seus adeptos, em local de conscientização política e trabalho clandestino. O clube tinha um serviço de assistência gratuita para consultas médicas, dadas pela doutora Julieta Granda, que seria presa no famoso Processo dos 50, ocorrido em 1959. Tinha também um serviço de alfabetização e um departamento cultural que publicava um jornal chamado Balumuquene (segundo Adriano dos Santos, esse título em kimbundu poderia ser traduzido como “Levantem-se”) (Bittencourt, 2010, p. 11). , em terrorista.

É dessa maneira que a premiação de Luuanda pela Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE) converte-se em uma grande campanha midiática (como diríamos hoje). As críticas à outorga do prêmio, expressas em artigos, editoriais e artigos estampados em jornais de Portugal, mas também em Angola e de Moçambique -, faziam referência, sobretudo, ao fato de o prêmio ter sido concedido a “um terrorista”, palavra com que todos os textos definiam o autor, ainda que Luandino Vieira tenha sido condenado sem provas a 12 anos de prisão por sua ligação ao MPLA, dado que não ocorreu o seu envolvimento em ações violentas.

A este respeito, escolhemos três textos que se referem ao episódio, por serem eles paradigmáticos dos tipos de publicação a que nos referimos: um artigo de autoria de um militar, outro oriundo de um editorialista e uma carta de leitores. O primeiro deles foi publicado pela Revista Infantaria (Revista técnica de cultura militar), em seu n. 32 (1965), por Armando Pascoa, que mais tarde (21 de junho de 1969), como General, tornar-se-ia Diretor da Censura. Diz ele:

De mãos dadas com os inimigos da Pátria, são indiscutivelmente traidores todos esses que constituíram a “maioria” que sancionou a atribuição dum prémio a um traidor a um tempo assassino dos seus próprios irmãos. Onde está o moral daqueles que, sem o dizerem abertamente - porque não têm coragem para o fazer - procuram tornar ídolo, num campo em que pontificam - o das letras - por inércia de muitos, um indivíduo confessadamente traidor? (Pascoa, 1965PASCOA, Armando. Um premio de novelística. Revista de infantaria, Edição Infantaria, II Série, n. 216, 217, 218. Abr.-Jun. 1965., p. 202).

Ao longo de cinco páginas, o texto tratará sobretudo da Traição: a que os membros do júri da premiação e os intelectuais da Sociedade Portuguesa de autores teriam realizado ao distinguir o livro de um escritor, ele também traidor, “português só de alcunha, só do jeito que lhe poderia ter ficado de ter nascido em terra portuguesa e de pais portugueses. Que de resto, em carácter é sem dúvida um apátrida.” (Pascoa, 1965PASCOA, Armando. Um premio de novelística. Revista de infantaria, Edição Infantaria, II Série, n. 216, 217, 218. Abr.-Jun. 1965., p. 200). Trata-se, pois, de colocar juntos os intelectuais que renegaram a pátria. Essa orientação acabará por mudar, fazendo com que o epíteto de terrorista para o escritor galardoado seja o usado, deixando de citar os escritores de Sociedade de Autores.

Dentre os vários textos elencados por Francisco Topa no livro Luuanda há 50 anos: críticas, prémios, protestos e silenciamento (2014TOPA, Francisco (Intr., rec. e ed.). Luuanda há 50 anos: críticas, prémios, protestos e silenciamento. Porto: Sombra pela Cintura, 2014.) foram eleitos dois, que, segundo entendemos, dão o tom das críticas apresentadas contra a premiação.

O primeiro deles refere-se a editorial publicado sobre a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, no Jornal Diário da Manhã, de Lisboa, a 23 de maio de 1965:

Neste caso, o tumor foi extirpado e ficou limpo o campo operatório. O que constitui resultado excelente pelo qual deve sem restrições felicitar-se o Governo.

Em condições normais e se o escândalo não tivesse atingido as proporções que atingiu, invadindo uma zona em que não pode ser tolerada qualquer situação dúbia, porventura se admitiria que se confiasse na própria Sociedade a tarefa de depuração que tinha de ser executada, em ordem a restituir ao corpo coletivo um salutar equilíbrio, indispensável ao exercício da missão de utilidade comum, isto no caso de vir a concluir-se que esta deveria ser realizada através de uma associação desse tipo.

A verdade, porém, é que a solução do assunto não podia ser retardada e que era impossível encarar outra hipótese que não fosse a de extinguir a Sociedade que se cobrira de vergonha através do seu procedimento inqualificável (Topa, 2014TOPA, Francisco (Intr., rec. e ed.). Luuanda há 50 anos: críticas, prémios, protestos e silenciamento. Porto: Sombra pela Cintura, 2014., p. 142).

Não há aqui como deixar à margem as palavras de Fernando Rosas, atrás referidas, sobre a aproximação entre o “corpo da pátria” e o papel saneador da violência fascista, assumida plenamente pelo Jornal referido e que se consubstancia em palavras como “tumor extirpado”, “campo operatório”, “restituir ao corpo coletivo o saudável equilíbrio”. A referência à tarefa que o articulista (e o regime) delega à Sociedade de Escritores é a negação e, assim, a solução é simples: determinar a sua extinção, pois dessa maneira se depuraria o mal.

O outro texto chega às raias do ridículo. Entendemos e nos solidarizamos com a dor das missivistas pela morte de seu conterrâneo, consequência da guerra colonial. Mas não há como conter o riso frente ao telegrama redigido pelo Movimento de Almeirim e estampado no Diário de Notícias de Lisboa, em maio de 1965:

As filiadas do Movimento Nacional Feminino de Almeirim associam-se de todo o coração à repulsa e indignação manifestada pelo povo de Angola contra a atribuição de prémio feito pela Sociedade Portuguesa de Escritores a um traidor à Pátria. Sentem que o seu querido morto Joaquim Colares Cardoso estremece no seu túmulo por ver galardoado um daqueles que contribuiu para o seu sacrifício e de tantos portugueses que na terra querida de Angola têm caído em defesa da integridade da Pátria. Pedem a anulação do prémio atribuído. A comissão concelhia (Topa, 2004TOPA, Francisco (Intr., rec. e ed.). Luuanda há 50 anos: críticas, prémios, protestos e silenciamento. Porto: Sombra pela Cintura, 2014., p. 89).

A manifestação do “Movimento de Almeirim” mostra a tônica de grande parte da movimentação estimulada pelo governo e pelos meios de comunicação contra a premiação do livro: seu autor estava preso e era “terrorista”, ou seja, atentara contra a integridade da pátria, “una e indivisível, do Minho ao Timor”, conforme um dos slogans da propaganda salazarista.

O conturbado processo aponta para uma relação de força entre intelectuais e poder, na medida em que o questionamento se volta para o autor e não para o livro. Ao mesmo tempo, os elementos do júri - João Gaspar Simões, Fernanda Botelho, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira - são pressionados a retirar a premiação e os três últimos são detidos para interrogatório, culminando os acontecimentos com a extinção da SPE pelo Ministro Galvão Teles.

Na contramão da atitude dos intelectuais portugueses que sustentaram o voto no livro de Luandino Vieira, devemos recordar a Mesa-redonda levada ao ar no dia 27 de maio de 1965, antes da final da Taça dos Campões Europeus de Futebol, em que se defrontavam o Benfica de Portugal e o Milan da Itália. Naquela oportunidade, intelectuais angolanos como Mário Antônio e Geraldo Bessa Victor, além dos “africanistas” José Redinha e Amândio César, se dedicaram, ao debater a premiação, a explicitar que o autor não tinha o domínio da língua portuguesa e que o livro não tinha valor. Tratava-se aqui de contrapor a palavra do júri, considerado pelos jornais como tendencialmente ideológico, pois “comunista”, à voz de intelectuais autorizados, porque africanos.

Todos sabemos que o resultado dessa “movimentação cívica” foi o enceramento da Sociedade de Escritores e a prisão de alguns dos membros do júri que premiara o livro. Tratava-se de uma ação que tentava mais uma vez calar o intelectual. A este respeito, o despacho do Ministro da Educação Nacional em 21 de maio de 1965 é bastante explícito:

Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através de júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por atividades de terrorismo na província de Angola;

Considerando que, apesar de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indivíduo, nem o júri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram;

Considerando, com efeito, que tal repúdio se não contém, nem mesmo de forma implícita, no comunicado remetido pela direção da Sociedade à Imprensa e de que a mesma direção me enviou cópia;

Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos que, além do mais, profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados portugueses tombam no Ultramar vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente;

Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da extinção da Sociedade em referência;

Determino, nos termos do artigo 4º do Decreto-lei nº 39.660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores. 12-5-1965. O Ministro da Educação Nacional (a) J. Galvão Teles.

Em todo o lamentável episódio verifica-se que o objetivo do governo era mais amplo que proibir um livro: tratava-se de demonstrar a posição “contra a pátria” tomada pelos intelectuais que se contrapunham ao regime, e que haviam, portanto, negado o “dogma indiscutível a ideia da nação pluricontinental e plurirracial, una, indivisível e inalienável” (Rosas, 2001ROSAS, Fernando. O salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo. Revista Análise social, Lisboa: Instituto Ciências Socias da Universidade de Lisboa, v.35, n. 157, pp. 1031-1054, 2001., p. 1035), pois apontavam, entre outros aspectos de Luuanda, que o livro marcava diferenças com o cânone da literatura portuguesa, desafiando a colonialidade.

Vale referir que, desde a sua fundação, a Sociedade Portuguesa de Escritores se contrapôs ao regime, seja pela vinculação de muitos de seus membros ao Partido Comunista Português (um dos maiores inimigos de Salazar), seja pela negação das diretrizes de Antonio Ferro, artífice da política cultural do regime. Ao instituir a sua própria premiação literária,

a capacidade de intervenção da SPE aumentava assim exponencialmente, sendo considerada, ao lado da Academia das Ciências, a grande responsável pela “formação das novas hierarquias das letras portuguesas” (George, 2000GEORGE, João Pedro de Avellar. Campo literário português?: o caso da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965. Revista de História das Idéias, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, v. 21, pp. 461-499, 2000., p. 468).

A estratégia do regime, no que se refere aos autores insubmissos, é silenciá-los, a partir da proibição de qualquer referência sobre eles. A respeito, veja-se o que nos diz Cesar Principe sobre o telefonema recebido por Manuel Ramos, ex-diretor do Jornal de Notícias, no dia 16 de novembro de 1965:

Qualquer referência aos seguintes escritores é para cortar: Luiz Francisco Rebello, Urbano Tavares Rodrigues, Sofia de Mello Breyner Andresen, Francisco de Sousa Tavares, Mário Sacramento, Fausto Lopo de Carvalho, José Augusto França, Jorge Reis, Natália Correia, Mendes Atanásio, Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, Manuel da Fonseca e Jacinto do Prado Coelho. Estes nomes são cortados. Estes escritores morreram! (apud Nunes, 2016-2017NUNES, Henrique Barreto. “Estes Escritores Morreram”. A Censura aos Livros e à Leitura no Estado Novo. Boletim Cultural: Vila Nova de Famalicão, pp. 196-215, 2016-2017., p. 205).

Ao proibir quaisquer referências a esses autores, eles “desapareciam” para seus leitores. Então, a fórmula de que muitos lançaram mão foi escrever sob pseudônimo, tanto as traduções que realizavam quando os comentários críticos que publicavam em periódicos.

Em contraposição à operação de apagamento dos componentes do júri, o regime aciona a imprensa para levar ao opróbrio o autor do livro ganhador: a campanha realizada pelos mais variados periódicos de todo o Império expôs Luandino Vieira como “terrorista”, negando-lhe o papel de intelectual ao desconsiderar a qualidade estética de seu texto para centrar-se em suas atividades anticoloniais. Ao fazê-lo, procura calar a voz de um intelectual africano insubmisso cuja literatura, avessa a exotismos tropicais, afirma-se como marco de uma literatura angolana que passa ao largo da chamada “literatura ultramarina”.

A REPUBLICAÇÃO DO LIVRO

Apesar de todo o cerceamento, os livros proibidos tinham um pequeno público leitor em Lisboa, Coimbra, no Porto e noutras cidades portuguesas: algumas livrarias vendiam-nos “por baixo do balcão”, alguns eram emprestados ou então vinham na bagagem dos viajantes, que os traziam das cidades europeias ou brasileiras. Era poucos os exemplares que escapavam das garras da censura que, muitas vezes, agia ainda nas tipografias, mas havia um mercado paralelo de obras proibidas.

Luuanda, em razão das críticas positivas que havia recebido, e principalmente pelo caráter anticolonial que o episódio de sua publicação explicitou, estava quase esgotado, restando poucos exemplares na Casa dos Estudantes do Império. Foram feitas mais duas edições, não submetidas à censura, e, lembre-se, não era frequente a censura prévia aos livros,

sendo, no entanto, proibidos de circular e apreendidos pela PIDE/DGS nas tipografias, nas editoras, nas livrarias ou, muito simplesmente, nos correios, tendo os CTT íntima participação nessa atividade (Caldeira, 2008CALDEIRA, Alfredo. A censura a que temos direito. Media & Jornalismo, Coimbra: Centro de Investigação, Media e Jornalismo, n. 12, pp. 9-18, 2008., p. 14).

Passado um ano daqueles acontecimentos com a Sociedade Portuguesa de Autores, há um ofício dirigido pelo Serviço Nacional de Informação à PIDE perguntando se a obra estava proibida, ao que o diretor responde, por missiva de 21 do mesmo mês, que não existe despacho sobre o volume pelo fato de ele nunca ter sido submetido à apreciação. Pode parecer absurdo, mas a burocracia dos serviços de censura seguia um rigoroso caminho e, no caso das obras de ficção ou poesia, não havia, como já indicamos, censura prévia.

Provavelmente o livro não fora censurado em razão da movimentação de intelectuais em diferentes países (George, 2000GEORGE, João Pedro de Avellar. Campo literário português?: o caso da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965. Revista de História das Idéias, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, v. 21, pp. 461-499, 2000., pp. 485-486), já que em numerosos documentos encontrados nos arquivos que examinamos há referência à necessidade de ações discretas da censura9 9 Citamos trecho de um desses documentos, o Relatório número 6998, assinado pelo leitor dos quadros da PIDE, Major José de Sousa Chaves, a propósito da apreensão do livro Coração Solitário Caçador de Carson McCullers, com prefácio de José Rodrigues Miguéis: “Surge, de novo, o problema de o livro se encontrar já à venda e, portanto, o inconveniente de mais uma apreensão escandalosa, pelo que não me pronuncio, submetendo o assunto ao critério da Exma. Direção”. . A bem da verdade, talvez devêssemos utilizar a palavra “dissimulação” para melhor definir as ações da censura. Vejam-se, a este respeito, as Instruções emanadas do Serviço das Biblioteca e Arquivo a respeito da vigilância a ser exercida sobre os estrangeiros que consultassem manuscritos na Biblioteca Nacional:

Nos 1) e 2) V.ª Ex.ª deve, sem qualquer forma dar a perceber que é proibida ou mesmo dificultada ou condicionada a leitura dos mesmos documentos, comunicar telefonicamente à Direção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes o nome do requisitante e aguardará as instruções que relativamente a cada caso forem julgadas convenientes (Ordens emanadas da Inspeção Superior das Bibliotecas e Arquivos apud Rodrigues, 1980RODRIGUES, Graça Almeida. Breve história da censura literária em Portugal. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa; Ministério da Educação e Ciência, 1980., p. 70).

Somente em 1972, no marcelismo, após uma revisão do autor, uma nova edição (com o texto “definitivo” que hoje conhecemos de Luuanda) é publicada, mas ela é submetida a um parecer, considerada inconveniente, apreendida em 1973, e a Edições 70 multada por publicá-la.

Considerando as leis em vigor10 10 A lei estabelecera o direito de recurso, que não havia durante o governo de Salazar. , o Diretor das Edições 70 faz um recurso à censura do livro, em que argumenta:

[...] nunca o livro Luuanda esteve retirado do mercado, tendo sido objeto de pelo menos duas edições anteriores à presente e que quando certa entidade fez uma outra edição dessa obra, sem autorização do autor, o tribunal competente concedeu a esse último a proteção legal adequada, em processo que corréus seus termos nessa Comarca de Lisboa (Documento PT-TT-SNI-DSG-13-7_m0529, s.d.DOCUMENTO PT-TT-SNI-DSG-13-7 m0529. Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS); Secretariado Nacional de Informação - Direção dos Serviços de Censura. Lisboa (Torre do Tombo). s.d.).

Como se pode notar, o editor omite toda a polêmica que cercou o prêmio de novelística outorgado a Luuanda, mas ressalta a decisão jurídica que deu ganho de causa a José Luandino Vieira quando uma edição pirata do livro, ainda em 1965, foi publicada com a indicação de que se tratava de obra editada em Belo Horizonte, no Brasil. Até hoje não está esclarecida a responsabilidade por essa edição, e alguns boatos chegam a afirmar que fora produzida por agentes da própria PIDE da cidade de Braga, os quais, tendo certeza do lucro que adviria de uma edição não autorizada, a teriam realizado.

Quanto à Informação da Direção dos Serviços de Informação que inicia o processo a fim de justificar a apreensão do livro, verifica-se a objetividade dos juízos elaborados: já não há referência à atuação política do autor e sim ao enredo e ao espaço em que as estórias se desenvolvem. Trata-se, segundo entendemos, de um leitor atento ao conteúdo das “estórias”, conhecedor de literatura e imbuído de todos os preceitos do salazarismo para Angola. Não se afasta muito do chefe de brigada que assina o Relatório da PIDE - Delegação de Angola, o qual justificou, em março de 1966, o encerramento da Sociedade Cultural de Angola que havia atribuído o prêmio Mota Veiga ao livro o qual seria, segundo o documento: “obra, aliás, que se integra na problemática desnacionalizante da literatura negro-africana (ou negritude) que a referida sociedade fomentava desde 195711 11 Relatório já citado e que se encontra online nas páginas do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. .

Conheçamos alguns passos do relatório do censor sobre o livro Luuanda:

1) O livro é composto de três novelas situadas no ambiente dos musseques de Luanda. Apesar de as histórias serem diferentes, o que é comum a todas elas é a preocupação de mostrar a miséria física e moral em que vivem os habitantes daqueles bairros, a fome que suportam e as prepotências de que são vítimas por parte dos brancos e dos pretos ao serviço da polícia. 2) Outra das constantes presentes nas diversas histórias é mostrar a observação em que os brancos vivem de modo relativamente ao terrorismo e aos terroristas. 3) Neste livro parece que, pela descrição geral, que faz da vida dos musseques e das relações entre brancos e pretos, deforma sensivelmente a realidade da vida social angolana de uma forma negativa, constituindo um incitamento à revolta e à violência no sentido de uma alteração das condições de vida descritas, pelo que a sua circulação parece ser proibida nos termos do nº 3 do artigo 63º. Do Decreto-Lei nº 150/72. Concluindo: sou de parecer que se proceda à apreensão do livro em referência.

A partir de uma descrição concisa, mas bem elaborada, com a designação bastante apropriada de “novela” para as três estórias, a informação apresenta, de forma objetiva, o espaço privilegiado em que se desenvolvem as narrativas. Chama a atenção que os musseques são o palco onde reina a fome, as profundas diferenças entre negros e brancos e a violência (temas transversais às três narrativas). Refere-se ainda à questão dos terroristas focalizados pelos brancos em Luuanda, elemento importante na trama das estórias, mas que é nomeado de passagem em cada uma delas. Tal referência demonstra o cuidado da leitura efetuada. Por último, incorpora o texto da lei a seu parecer, para concluir que se deve proceder “à apreensão do livro12 12 Diz o referido Parágrafo do Artigo 63: “3. É proibido distribuir, divulgar, vender, afixar ou expor publicamente e ainda importar, exportar, deter em depósito ou anunciar, para algum daqueles fins, qualquer impresso que: a) Contenha texto ou imagem cuja publicidade integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado, ou ultraje a moral pública, ou constitua provocação pública ao crime ou incitamento à violência.” . Esse parecer será incorporado às páginas seguintes do processo.

Segundo nos parece, o censor tem uma boa capacidade de leitura e conhece, de maneira precisa, as diretrizes da censura quando elabora sua informação. Seu foco principal é o receio do “incitamento à violência” estabelecido na letra da lei, mas acrescenta algo que se pode depreender da leitura do texto de José Luandino Vieira e que é hoje apontado por vários críticos literários na escrita do autor: a presença da utopia, que ele interpreta como um incitamento à “alteração das condições de vida descritas”.

O acórdão de treze páginas, lavrado a 23 de novembro de 1973, após incorporar o parecer do censor e deliberar que o livro faz parte da “literatura social”, e que esse aspecto “decerto era perceptível pela empresa editora”, penaliza a Edições 70 a uma multa de 25.000$00, por não ter apresentado Luuanda anteriormente à censura. Com esse acórdão, o Conselheiro José Alfredo Soares Manso Preto pretende instaurar jurisprudência, pois eram vários os editores que não submetiam os livros de ficção ou poesia à censura antes de sua edição, afirmando que eles não necessitariam de censura prévia.

Sob esse particular, o “Caso Luuanda” também é exemplar nas relações que a censura estabelece com as casas editoras, e como o parecer do censor determina uma sentença judicial.

Como afirmaria José Cardoso Gomes,

Na máquina totalitária, sem independência entre poderes, os braços da repressão trabalham em compromisso contínuo. Polícia e tribunal, decreto e censura fazem parte duma mesma aliança, e não é por acaso que alguns diretores da Polícia Cultural (Geraldes Cardoso, Garcia Domingues) tenham transitado da Polícia Judiciária para os tribunais de Supremos Censores (Pires, 1999PIRES, José Cardoso. E agora, José. Lisboa: Moraes Editores, 1999., pp. 79-180).

Como se pode verificar, o “Caso Luuanda”, como o chamamos, explicita as questões referentes aos embates entre intelectuais e o poder quando da premiação do livro, a repressão ao júri da Sociedade Portuguesa de autores e os meandros da justiça sob a censura.

Felizmente, quando o censor exarou seu parecer, faltavam menos de três anos para o 25 de abril, e o edifício do Império Colonial já apresentava fissuras que indicavam a sua queda próxima.

REFERÊNCIAS

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  • TORRES, Alexandre Pinheiro. Luuanda de Luandino Vieira. Vida literária e artística, O livro português da semana - Crítica. Diário de Lisboa, Lisboa, p. 8, 14 jan. 1965.
  • 1
    Este texto faz parte de pesquisa realizada em Portugal graças à bolsa outorgada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Processo 2018/00101-5.
  • 2
    Imaginário que redundará em produtos como o romance de retornados, sucesso de público, com adaptações para TV e Programas de Rádio com larga audiência, além de feiras de antiguidades em que as recordações da vida nas colônias são expostas, vendidas e adquiridas por saudosistas melancólicos.
  • 3
    Veja-se, por exemplo, trecho da entrevista de Salazar a Max Fisher reproduzida no jornal O Século, edição de 23 de março de 1937: Portugal “era e é um país doente. É indispensável, para seu repouso, poupá-lo; não se deve gritar inutilmente no quarto de um doente”; ou o Esclarecimento à Nação publicado nos jornais de 10 de setembro 1937 a respeito do motim de alguns marinheiros na Praça do Comércio, do qual citamos um trecho: “Assim se procede geralmente; uma vez ou outra porém convém mais deixar rebentar estes pequenos tumores, porque as vantagens na ordem interna ou na ordem internacional superam os inconvenientes.” (Salazar, 1961SALAZAR, Antonio de Oliveira. Discursos. 5ª Ed. Volume Segundo. Coimbra: Coimbra Editora, 1961., p. 188. Grifamos).
  • 4
    Fórmula com que era encerrada a correspondência oficial no período.
  • 5
    Essa discussão é situada adequadamente em Melo (2016MELO, Daniel. A censura salazarista e as colónias: um exemplo de abrangência. Revista de História da Sociedade e da Cultura, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, v. 16, pp. 475-496, 2016.).
  • 6
    As etapas que cercavam a burocracia do ato censório somente tardiamente chegariam a Angola, o que não quer dizer que não havia censura, mas sim o controle burocrático do processo. Dessa forma, verifica-se, por exemplo, que não havia um espaço em que os livros apreendidos eram depositados. Eles apenas eram destruídos. Dessa forma, não havia como recuperá-los. No caso, a apreensão era feita diretamente pela PIDE, que geralmente, encarregava-se de destruir também “o chumbo”, ou seja, as matrizes dos livros, conforme nos informou Leonel Cosme em entrevista realizada a 10 de maio de 2018 em Portugal.
  • 7
    “No início de 1965, verificou-se um acréscimo do tráfego ilícito de emigrantes portugueses com destino à França e à Alemanha. [...]. Este fenómeno aumentou de tal forma, que em determinadas zonas do País o número de ausentes ao recrutamento militar abrangeu os sessenta por cento [...]” (Queimado, 2012QUEIMADO, Armindo José Raminhos. Portugal, Guerra Colonial e Ação Psicológica (1965-1973): Perspectiva Histórica. Dissertação (Mestrado em Estudos Históricos Europeus) - Escola de Ciências Sociais, Universidade de Évora. Évora, 2012., p. 20).
  • 8
    O nome da agremiação angolana era devido ao clube brasileiro, e sua concentração na área esportiva estava limitada quase integralmente ao futebol. Era um “clube de musseque” que chegou a disputar jogos com os “clubes dos brancos”. [...] “o Botafogo vai se transformando em um local de encontro, de discussão política e até mesmo, para alguns de seus adeptos, em local de conscientização política e trabalho clandestino. O clube tinha um serviço de assistência gratuita para consultas médicas, dadas pela doutora Julieta Granda, que seria presa no famoso Processo dos 50, ocorrido em 1959. Tinha também um serviço de alfabetização e um departamento cultural que publicava um jornal chamado Balumuquene (segundo Adriano dos Santos, esse título em kimbundu poderia ser traduzido como “Levantem-se”) (Bittencourt, 2010BITTENCOURT, Marcelo. Jogando no campo do inimigo: futebol e luta política em Angola. CONGRESSO IBÉRICO DE ESTUDO AFRICANOS, 7, 2010, Lisboa. Anais do 7º Congresso ibérico de estudos africanos. Lisboa, 2010. pp. 1-21. , p. 11).
  • 9
    Citamos trecho de um desses documentos, o Relatório número 6998, assinado pelo leitor dos quadros da PIDE, Major José de Sousa Chaves, a propósito da apreensão do livro Coração Solitário Caçador de Carson McCullers, com prefácio de José Rodrigues Miguéis: “Surge, de novo, o problema de o livro se encontrar já à venda e, portanto, o inconveniente de mais uma apreensão escandalosa, pelo que não me pronuncio, submetendo o assunto ao critério da Exma. Direção”.
  • 10
    A lei estabelecera o direito de recurso, que não havia durante o governo de Salazar.
  • 11
    Relatório já citado e que se encontra online nas páginas do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
  • 12
    Diz o referido Parágrafo do Artigo 63: “3. É proibido distribuir, divulgar, vender, afixar ou expor publicamente e ainda importar, exportar, deter em depósito ou anunciar, para algum daqueles fins, qualquer impresso que: a) Contenha texto ou imagem cuja publicidade integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado, ou ultraje a moral pública, ou constitua provocação pública ao crime ou incitamento à violência.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2023
  • Aceito
    05 Maio 2023
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