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Prevalência da infecção pelo citomegalovírus: a importância de estudos locais

Prevalence of cytomeglovirus infection: the importance of local studies

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Prevalência da infecção pelo citomegalovírus: a importância de estudos locais

Prevalence of cytomeglovirus infection: the importance of local studies

Alfredo Mendrone Junior

Hematologista e Hemoterapeuta. Médico dos Departamentos de Biologia Molecular e Criopreservação da FPS/HSP - Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo

Correspondência Correspondência: Alfredo Mendrone Junior Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155, 1º andar – Cerqueira César 05403-000 – São Paulo-SP – Brasil E-mail: amendrone@gmail.com

O citomegalovírus (CMV) ou herpesvírus-5 (HHV-5) é um vírus envelopado e que apresenta o maior genoma entre os vírus que infectam espécies animais. Embora na maioria dos indivíduos imunocompetentes seja responsável por infecções assintomáticas, a infecção em pacientes imunocomprometidos representa uma importante causa de morbidade e mortalidade. Nesses pacientes, os sintomas são muito variados, compreendendo desde manifestações diretas da multiplicação viral, como febre, leucopenia, trombocitopenia, hepatite, enterite e pneumonia, até sequelas indiretas incluindo elevado índice de rejeição ao enxerto renal e comprometimento da resposta imune celular.1,2

O predomínio da infecção ocorre em regiões pobres e carentes de recursos e educação e, principalmente, onde as condições de higiene são precárias. De um modo geral, a taxa de prevalência em adultos varia de 40% a 60% em países do hemisfério Norte. Na África e na América Latina, a prevalência na população adulta é mais alta, variando de 80% a 100%.3

No Brasil, estudos de soroprevalência na população entre 15 e 45 anos de idade revelaram 81% de positividade na cidade do Rio de Janeiro4 e aproximadamente 90% na cidade de São Paulo5 e em Santa Catarina.6 Nesta edição da RBHH, encontramos um estudo conduzido por Matos e colaboradores, no qual 636 doadores de sangue da cidade de Salvador (BA) foram testados para avaliação da presença de anticorpos contra o CMV. Neste estudo, os autores encontraram uma prevalência de 87,9% de IgG-CMV.7

A contaminação pelo vírus geralmente é inter-humana, através de contatos íntimos, nos quais as secreções bioló­gicas possam atuar como vetores. O CMV é encontrado na saliva, urina, leite materno, sêmen, secreções vaginais e respiratórias, fezes, sangue e lágrima.

A infecção primária pode ocorrer no período pré-natal, perinatal, ou pós-natal, tanto por via natural como por via iatrogênica através de transfusões de hemocomponentes ou transplantes de órgãos. Estudos mostram que existem dois períodos de maior ocorrência da infecção primária. O primeiro na infância, com aquisição precoce em decorrência da infecção perinatal, e o segundo na adolescência, através da transmissão sexual ou pelo beijo.

Após uma infecção aguda, o vírus não é eliminado do organismo e permanece sob uma forma latente, podendo ser reativado em diferentes circunstâncias, principalmente nos casos de alterações da imunidade. As células mononucleadas do sangue periférico parecem ser os principais sítios de latência do CMV. Raramente a infecção latente causa problemas sérios à saúde do infectado, exceto em pessoas com a imunidade comprometida e em gestantes.8

Estudos têm evidenciado que a transfusão de componentes sanguíneos provenientes de doadores infectados que se encontram em estado de latência da infecção (doadores CMV positivos) é uma importante rota de transmissão do CMV. Este achado tem particular importância em pacientes considerados de risco para infecções graves, como neonatos, receptores de transplantes e pacientes imunocomprometidos CMV negativos, justamente a população de pacientes com alta probabilidade de receber transfusão de hemocomponentes como parte de seu tratamento.9,10

Como DNA do citomegalovírus tem sido encontrado em leucócitos de sangue periférico de doadores saudáveis, a leucorredução de produtos sanguíneos representa uma das estratégias mais utilizadas para reduzir o risco de transmissão de CMV pela transfusão em pacientes de risco. Outra estratégia para prevenção da transmissão transfusional de CMV é a coleta de sangue proveniente de doadores CMV negativos.

Sendo assim, o conhecimento da prevalência de positividade para CMV entre a população de doadores é muito importante por duas razões fundamentais: primeiro, para que se possa avaliar o risco residual da transmissão de CMV por transfusão sanguínea para indivíduos CMV negativos naquela população; segundo, para definição da melhor estratégia a ser utilizada na sua prevenção.

Desta forma, podemos entender a importante contribuição do estudo publicado nesta edição por Matos e colaboradores. Ao mostrar a alta prevalência de positividade para CMV na população de doadores da cidade de Salvador-BA, embora já esperada, os autores confirmam e ressaltam a importância da utilização de estratégias para prevenção da transmissão de CMV pela transfusão em pacientes de risco, bem como demonstram a difícil tarefa para os serviços de hemoterapia locais em obter um cadastro de doadores CMV negativos.

Recebido: 04/01/2010

Aceito: 11/01/2010

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Fishman JA, Rubin RH. Infection in organ-transplant recipients. N N Engl J Med. 1998;338(24):1741-51.
  • 2. Grigoleit U, Riegler S, Einsele H, Laib Sampaio K, Jahn G, Hebart H, et al. Human cytomegalovirus induces a direct inhibitory effect on antigen presentation by monocyte-derived immature dendritic cells. Br J Haematol 2002;119(1):189-98.
  • 3. de Jong MD, Galasso GJ, Gazzard B, Griffiths PD, Jabs DA, Kern ER, et al. Summary of the II International Symposium on Cytomegalovirus. Antiviral Res 1998;39(3):141-62.
  • 4. Suassuna JH, Leite LL, Villela LH. Prevalence of cytomegalovirus infection in different patient groups of an urban university in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 1995;28(2):105-8.
  • 5. Almeida LN, Azevedo RS, Amaku M, Massad E. Cytomegalovirus seroepidemiology in an urban community of São Paulo, Brazil. Rev Saude Publica 2001;35(2):124-9.
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  • 7. Matos SB, Meyer R, Lima FWM. Seroprevalence of cytomegalovirus infection among healthy blood donors in Bahia State, Brazil. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010;32(1):45-9.
  • 8. Pannuti CS. Infecções pelo Citomegalovírus. In: Focaccia R & Veronesi R. Tratado de Infectologia. São Paulo, Editora Atheneu, 3Ş edição - 2 vols, 2005, 2388 p.
  • 9. Ljungman P. Risk of cytomegalovirus transmission by blood products to immunocompromised patients and means for reduction. Br J Haematol 2004;125(2):107-16.
  • 10. Nichols WG, Price TH, Gooley T, Corey L, Moeckch M. Transfusion-transmitted cytomegalovirus infection after receipt of leukoreduced blood products. Blood 2003;101(10):4195-200.
  • Correspondência:

    Alfredo Mendrone Junior
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155, 1º andar – Cerqueira César
    05403-000 – São Paulo-SP – Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010
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