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Ação do prebiótico sobre as proteínas de fase aguda de pacientes com neoplasia hematológica

Action of prebiotics on proteins in the acute phase of hematologic neoplasia

Resumos

Os pacientes com neoplasias hematológicas são submetidos a tratamento quimioterápico que induz uma intensa alteração na integridade da mucosa intestinal, favorecendo um aumento da sua morbi-mortalidade. O presente trabalho foi desenvolvido na Unidade de Transplante de Medula Óssea do Centro de Pesquisas Oncológicas em Florianópolis - SC e teve como objetivo estudar a ação do prebiótico na resposta de proteína da fase aguda de pacientes com neoplasias hematológicas submetidos à quimioterapia. Foi realizado um estudo clínico randomizado duplo cego envolvendo 25 pacientes divididos em dois grupos que receberam por 15 dias: 12g de FOS (n=14) ou placebo (maltodextrina) (n=11). Todas as variáveis foram determinadas antes e após a suplementação. Foram avaliados os níveis séricos das proteínas de fase aguda negativas (albumina e pré-albumina) e a proteína de fase aguda positiva, proteína C reativa (PCR). Verificaram-se a presença de diarréia e de constipação, bem como a quantidade de bifidobactérias e valores de pH fecal. A redução dos níveis séricos de proteínas de fase aguda negativas (albumina e pré-albumina) comprovam o intenso catabolismo protéico, priorizando a síntese de proteína de fase aguda positiva (PCR). O grupo suplementado apresentou um aumento significante na quantidade de bifidobactérias e o pH fecal não foi alterado em ambos os grupos. Os níveis séricos de PCR foram estatisticamente superiores no grupo controle, indicando a ocorrência de processos inflamatórios e maior demanda metabólica, sugerindo que a quantidade de bifidobactérias pode ter favorecido a redução deste quadro no grupo suplementado, confirmado pela correlação negativa entre estas variáveis.

Bifidobactéria; prebiótico; neoplasia hematológica; proteína de fase aguda


Patients with hematologic neoplasias are submitted to chemotherapeutic treatment that induces intense alterations in the integrity of the intestinal mucous membrane, favoring an increase in the morbimortality rate. The current work was developed in the Bone Marrow Transplantation Unit of the Oncology Research Center in Florianopolis and was aimed at studying the action of prebiotic agents on protein response in the acute phase of hematologic neoplastic patients submitted to chemotherapy. A double-blind randomized clinical trial was performed involving 25 patients divided into two groups. Patients received 12 g FOS (n=14) or placebo (maltdextrine) (n=11) over 15 days. All the variables were determined before and after supplementation. The serum levels of negative acute phase proteins, albumin and pre-albumin, and positive acute phase proteins, C-reactive protein, were evaluated. The presence of diarrhea and constipation are reported, as are the quantity of bifidobacteria and fecal pH measurements. Reductions in the serum levels of negative acute phase proteins (albumin and pre-albumin) show intense proteic catabolism thereby, favoring the synthesis of protein in the positive acute phase. The supplemented group presented with a significant increase in the quantity of bifidobacteria. The fecal pH levels were affected in both groups. The serum levels of positive acute phase proteins were statistically higher in the control group indicating the occurrence of inflammatory processes and a higher metabolic demand suggesting that the quantity of bifidobacteria may favor a reduction of these adverse conditions in the supplemented group as was confirmed by the negative correlation between variables.

Bifidobacterium; nutrition; hematologic neoplasia; acute phase proteins


ARTIGOS ARTICLES

Ação do prebiótico sobre as proteínas de fase aguda de pacientes com neoplasia hematológica

Action of prebiotics on proteins in the acute phase of hematologic neoplasia

Telma BúrigoI; Regina L. M. FagundesII; Erasmo B. S. M. TrindadeIII; Helena C. F. F. VasconcelosIV; Ires H. B. MassautV; Marco Antônio S. RotoloVI

INutricionista da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon). Mestre em Nutrição pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE) Especialista em Terapia Nutricional pela UFSC, Florianópolis–SC

IIProfessora titular, Programa de Pós–Graduação em Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, UFSC, Florianópolis–SC

IIIProfessor adjunto do Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, UFSC, Florianópolis–SC

IVProfessora adjunto do Curso de Graduação em Farmácia e Análises Clínicas, Centro de Ciências da Saúde, UFSC, Florianópolis–SC

VMédica hematologista da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Cepon, Florianópolis–SC

VIMédico hematologista, diretor do Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon), coordenador técnico da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Cepon, Florianópolis–SC

Endereço para correspondência Correspondência: Regina Lúcia Martins Fagundes Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Nutrição Campus Universitário – Trindade 88040–970 – Florianópolis–SC – Brasil E–mail: remartin@ccs.ufsc.br

RESUMO

Os pacientes com neoplasias hematológicas são submetidos a tratamento quimioterápico que induz uma intensa alteração na integridade da mucosa intestinal, favorecendo um aumento da sua morbi–mortalidade. O presente trabalho foi desenvolvido na Unidade de Transplante de Medula Óssea do Centro de Pesquisas Oncológicas em Florianópolis – SC e teve como objetivo estudar a ação do prebiótico na resposta de proteína da fase aguda de pacientes com neoplasias hematológicas submetidos à quimioterapia. Foi realizado um estudo clínico randomizado duplo cego envolvendo 25 pacientes divididos em dois grupos que receberam por 15 dias: 12g de FOS (n=14) ou placebo (maltodextrina) (n=11). Todas as variáveis foram determinadas antes e após a suplementação. Foram avaliados os níveis séricos das proteínas de fase aguda negativas (albumina e pré–albumina) e a proteína de fase aguda positiva, proteína C reativa (PCR). Verificaram–se a presença de diarréia e de constipação, bem como a quantidade de bifidobactérias e valores de pH fecal. A redução dos níveis séricos de proteínas de fase aguda negativas (albumina e pré–albumina) comprovam o intenso catabolismo protéico, priorizando a síntese de proteína de fase aguda positiva (PCR). O grupo suplementado apresentou um aumento significante na quantidade de bifidobactérias e o pH fecal não foi alterado em ambos os grupos. Os níveis séricos de PCR foram estatisticamente superiores no grupo controle, indicando a ocorrência de processos inflamatórios e maior demanda metabólica, sugerindo que a quantidade de bifidobactérias pode ter favorecido a redução deste quadro no grupo suplementado, confirmado pela correlação negativa entre estas variáveis.

Palavras–chave: Bifidobactéria; prebiótico; neoplasia hematológica; proteína de fase aguda.

ABSTRACT

Patients with hematologic neoplasias are submitted to chemotherapeutic treatment that induces intense alterations in the integrity of the intestinal mucous membrane, favoring an increase in the morbimortality rate. The current work was developed in the Bone Marrow Transplantation Unit of the Oncology Research Center in Florianopolis and was aimed at studying the action of prebiotic agents on protein response in the acute phase of hematologic neoplastic patients submitted to chemotherapy. A double–blind randomized clinical trial was performed involving 25 patients divided into two groups. Patients received 12 g FOS (n=14) or placebo (maltdextrine) (n=11) over 15 days. All the variables were determined before and after supplementation. The serum levels of negative acute phase proteins, albumin and pre–albumin, and positive acute phase proteins, C–reactive protein, were evaluated. The presence of diarrhea and constipation are reported, as are the quantity of bifidobacteria and fecal pH measurements. Reductions in the serum levels of negative acute phase proteins (albumin and pre–albumin) show intense proteic catabolism thereby, favoring the synthesis of protein in the positive acute phase. The supplemented group presented with a significant increase in the quantity of bifidobacteria. The fecal pH levels were affected in both groups. The serum levels of positive acute phase proteins were statistically higher in the control group indicating the occurrence of inflammatory processes and a higher metabolic demand suggesting that the quantity of bifidobacteria may favor a reduction of these adverse conditions in the supplemented group as was confirmed by the negative correlation between variables.

Key words: Bifidobacterium; nutrition; hematologic neoplasia; acute phase proteins.

Introdução

O sistema digestório abriga uma flora de mais de 500 espécies de bactérias e sua população não está distribuída igualmente ao longo de sua extensão. O estômago e o intestino delgado contêm poucas espécies aderidas ao seu epitélio e somente algumas permanecem livres no seu lúmem. Já o cólon contém um complexo e dinâmico ecossistema microbiótico, com grande concentração de bactérias, chegando a atingir mais de 1.011a 1.012 unidades formadoras de colônia por mililitros (UFC/mL).1,2 Grande parte das bactérias intestinais é benéfica, entretanto, certas espécies são patogênicas e podem estar envolvidas no desenvolvimento de doenças agudas ou crônicas. Consideradas bactérias não patogênicas ou benéficas, as bifidobactérias e lactobacilos desempenham atividades biológicas positivas na saúde humana e são alvos comuns das intervenções dietéticas.3

O termo prebiótico foi introduzido por Gibson & Roberfroid, 1953, e definido como sendo um ingrediente alimentar não digerido, que resulta em benefício ao hospedeiro pela estimulação seletiva do crescimento e/ou ativação do metabolismo de uma ou de um número limitado de bactérias no cólon. Entretanto, a participação da dieta na composição da microbiota intestinal pode ser mais eficiente quando ocorre a utilização de substratos específicos para determinadas bactérias, como os frutooligossacarídeos (FOS), que contribuem para aumento da quantidade de bifidobactérias no cólon. Considerando que a microbiota intestinal humana é composta de centenas de microorganismos, situações de desequilíbrio na sua composição podem representar uma potencial ameaça no surgimento de diversas doenças, associadas ou não à diminuição da defesa imunológica do hospedeiro.5

As neoplasias malignas hematológicas, que compreendem principalmente as leucemias, linfomas e mielomas, são caracterizadas por alterações no sistema imunológico que, em geral, são resultantes de uma combinação de fatores determinantes da própria doença, bem como do tratamento antineoplásico. A rigor, todos os componentes básicos da defesa do organismo podem ser afetados: a pele, as mucosas, a imunidade celular específica e inespecífica e a imunidade humoral, em particular a síntese hepática da proteína de fase aguda.6

Assim sendo, o objetivo desse estudo foi avaliar a ação do prebiótico na resposta de proteína de fase aguda de pacientes onco–hematológicos submetidos à quimioterapia.

Casuística e Métodos

Este foi um estudo do tipo ensaio clínico randomizado, duplo cego, de natureza quantitativa prospectiva. Desenvolvido na Unidade de Transplante de Medula Óssea (TMO) do Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon), localizado no Hospital Governador Celso Ramos (HGCR), em Florianópolis – SC, durante o período de julho a novembro de 2005. Foram estudados 25 pacientes com neoplasias malignas hematológicas, submetidos a altas doses de quimioterapia, internados, com tempo igual ou superior a 15 dias. Foram considerados como critérios de inclusão os pacientes que apresentaram os seguintes diagnósticos: leucemia mielóide aguda (LMA), leucemia linfóide aguda (LLA), linfoma de Hodgkin (LH) e linfoma não–Hodgkin (LNH) e pacientes que aceitaram alimentação por via oral. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Cepon e obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de todos os participantes do estudo. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos através de sorteio, constituindo–se grupo controle com 11 pacientes (G1), recebendo suplementação de placebo (maltodextrina) e grupo suplementado com 14 pacientes (G2), recebendo suplementação de frutooligossacarídeo (FOS). O FOS e o placebo foram administrados diariamente por um período de 15 dias a partir do primeiro dia da quimioterapia (dia 1), da seguinte forma: um envelope de 6 g diluídos em 100 mL de água mineral, duas x ao dia, totalizando 12 g/dia, via oral. Foram coletados dados de sexo, diagnóstico e idade de todos os participantes do estudo.

Avaliação das proteínas de fase aguda

Para a determinação de albumina, pré–albumina e proteína C reativa foram coletadas amostras de sangue um dia antes do início e no final da suplementação do FOS ou placebo. As análises das dosagens foram realizadas pelo Laboratório do Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis–SC.

A avaliação da albumina (soro) foi utilizada como um indicador nutricional e determinada pelo método verde bro–mocresol, utilizando Kit Bayer®, equipamento ADVIA 1650. Para pré–albumina o método laboratorial empregado foi o de nefelometria através do Kit Dade Bhering®.

A proteína C reativa (soro) foi determinada pelo método turbidimétrico, através do Kit Dade Behring®, equipamento BNII, com linearidade de acordo com a curva obtida. As absorbâncias medidas em 546 nm.

Foram considerados como valores de referências utilizados pelo laboratório, conforme segue: albumina: 3,5 a 5,5 g/dL; pré–albumina: 20,0 a 40,0 mg/dL e proteína C reativa: inferior a 3,0 mg/L.

Determinação da quantidade de bifidobactérias e pH fecal

Para o isolamento e a quantificação de bifidobactérias e pH fecal, amostras de fezes foram coletadas na unidade de TMO, em sacos plásticos individuais com fecho hermético para impedir a entrada de ar. As amostras devidamente identificadas foram enviadas e analisadas no Laboratório de Microbiologia Clínica do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no início e após a suplementação, de acordo com a técnica descrita pelo Instituto de Tecnologia em Alimentos — ITAL (Campinas/SP) e por Munõa & Pares.7

Os dados de bifidobactérias foram apresentados em escala logaritmica (log) de unidade formadoras de colônia por mililitro de fezes (UFC/mL). O pH das amostras de fezes foi avaliado utilizando–se fitas de pH (três tipos de fitas com diferentes faixas de pH: 2.5–4.5 / 4.0–7.0 / 6.5–10.0).7

As amostras fecais dos pacientes selecionados foram mantidas em ambiente anaeróbio por, no máximo, oito horas até a análise. O meio seletivo BIM–25: RCA (Reinforced Clostridial Agar®) foi adicionado de alguns antibióticos. Para diluição das amostras foram utilizados frascos com tampão fosfato previamente autoclavados, que foram desaerados em banho–maria por 15 minutos e rapidamente resfriados em banho de gelo. Foram preparados frascos para as diluições decimais seriadas até 10–7.

Após a aplicação nas placas, o inóculo (0,1 mL) foi semeado uniformemente em toda a superfície do ágar utilizando–se a alça de Drigalski, devidamente estéril. As placas, corretamente identificadas com o nome do paciente e as respectivas diluições, foram incubadas a 37°C durante 72 horas em jarra anaeróbia. Foi utilizado o sistema comercial de geração de atmosfera anaeróbia (Anaerobac da Probac®).

Após 72 horas de incubação foi observado o crescimento de, no máximo, quatro tipos de colônias nas placas, para todos os pacientes estudados (colônias brancas, cor–de–rosa claras, cor–de–rosa escuras e de cor púrpura). Foi feita a coloração de Gram para todos os tipos de colônias. A microscopia mostrou, em todas elas, a morfologia esperada e característica das bifidobactérias, ou seja, a presença de bacilos Gram–positivos curtos, algumas vezes cocóides, arranjados isoladamente, aos pares, em cadeias e/ou com ramificações.

Determinação das complicações intestinais

Observou–se diariamente, durante o período da suplementação, as complicações intestinais, como a presença de diarréia em um dia (três ou mais evacuações líquidas/dia) e constipação (três dias ou mais sem evacuar e com dificuldades ou dor à evacuação).8

Análise estatística

Para a análise estatística, os dados foram organizados e registrados no programa Excel® 2000 e inseridos no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 10.0 para o Windows.

A análise multivariada 2 (ANOVA two way) foi utilizada para as variáveis, considerando a interação grupo (controle e suplementado) versus tempo (inicial e final). A escolha da análise pelas diferenças, se deu visando reduzir a variabilidade individual da amostra. Utilizou–se o teste não–paramétrico de Mann–Whitney para análise da quantidade de bifidobactérias com o nível de significância de 95% (p < 0,05).

Resultados

Considerando a caracterização da amostra, observa–se que, quanto à faixa etária, como mostra a Tabela 1, as médias de idade são semelhantes nos grupos controle e suplementado, assim como a distribuição por sexo e por diagnóstico, apresentando–se homogêneos e sem diferença estatística. No entanto, quando se analisa a distribuição dos pacientes estudados quanto ao sexo, observa–se predomínio do sexo masculino com 72% enquanto o feminino foi de 28%. Quanto ao tipo de neoplasia, houve maior freqüência dos casos de leucemias, representando 60%, enquanto a freqüência dos linfomas foi de 40%. Conforme a Tabela 2, observa–se que houve redução dos níveis séricos de albumina e pré–albumina nos grupos, sendo que o grupo suplementado apresentou uma redução significativamente menor que o grupo controle quando se consideram as suas diferenças. Os valores de albumina permaneceram ainda acima dos valores de referência (>3,5g/dL), porém a pré–albumina mostrou–se inferior aos níveis de referência no final do período (<20mg/dL) nos dois grupos.

Em relação à proteína C reativa, pode–se verificar que os valores séricos encontrados no grupo suplementado foram inferiores aos do grupo controle. Quando se analisa a diferença entre os grupos no período inicial e final, encontra–se diferença significante entre os dados. Pode–se observar ainda que houve um aumento muito superior aos valores de referência nos dois grupos (<3mg/L).

Quanto aos dados referentes à quantidade de bifidobactérias, de acordo com o Gráfico 1, em escala logaritmica (log) nos grupos estudados, verifica–se que houve diferença significante entre o período inicial e final nos grupos. Pode–se observar também, que o grupo suplementado apresentou crescimento do conteúdo de bifidobactérias no final do período e o grupo controle mostrou uma redução do conteúdo inicial de bifidobactérias.


Quanto ao pH fecal inicial e final, conforme Gráfico 2, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, porém pode–se notar uma pequena redução do pH no grupo suplementado e uma discreta elevação no grupo controle.


Na Tabela 3 observa–se que os grupos mostraram–se similares em relação às complicações gastrointestinais analisadas, não apresentando diferença estatisticamente significante. Entretanto, os pacientes do grupo controle apresentaram maior freqüência de diarréia (54,5%). Verifica–se que 57,2% dos pacientes do grupo suplementado não apresentaram queixas quanto a estas complicações, porém, observa–se maior freqüência de constipação neste grupo (21,42%).

Conforme a Tabela 4, verifica–se uma correlação negativa e significante entre a freqüência de diarréia, os níveis séricos de proteína C reativa e conteúdo de bifidobactérias (log).

Discussão

Nos dois marcadores protéicos de fase aguda negativa (albumina e pré–albumina) foram observadas diferenças significantes entre os grupos quando se avaliou a diferença entre período inicial e final, sendo que o grupo controle apresentou níveis menores. Os níveis de albumina sérica se mantiveram dentro dos valores de normalidade, porém apresentaram declínio ao final do período estudado em ambos os grupos.

Esses resultados são relatados de forma similar por Inui 2002,8 por Nitenberg e Raynard ,10 quando descreveram que o metabolismo das proteínas sofre importantes alterações metabólicas nos pacientes com câncer, que se reflete em aumento no turnover protéico, na redução da síntese de proteína muscular, no aumento na síntese das proteínas hepáticas de fase aguda e gliconeogênese, na perda de proteína corpórea gerando, portanto, balanço nitrogenado negativo.

Neste estudo foi verificada uma elevação intensa dos níveis séricos de proteína C reativa (PCR) nos dois grupos estudados; entretanto, esta elevação foi estatisticamente superior no grupo controle. Os dados sugerem que este grupo pode ter desenvolvido processos inflamatórios ou dano tecidual e que o grupo suplementado tenha sido beneficiado pela ação do FOS, visto que esta proteína é um indicador altamente sensível para processos inflamatórios.

Os resultados do presente estudo apresentaram ainda uma correlação negativa da proteína C reativa (PCR) com a quantidade de bifidobactérias, indicando que quanto maior a sua quantidade menor são os níveis séricos de PCR. Não foram encontrados trabalhos apresentando correlação semelhante na literatura. No entanto, pesquisas desenvolvidas por autores como Raynes11,12,13 têm adotado a PCR como um marcador de infecção bacteriana em seus estudos utilizando prebióticos e probióticos.

A ação antiinflamatória dos prebióticos tem sido descrita principalmente no desenvolvimento e/ou na prevenção e na avaliação das doenças inflamatórias intestinais. O efeito do FOS está provavelmente ligado às modificações induzidas pela microbiota intestinal pela acidificação do meio com a produção dos ácidos graxos de cadeia curta e o aumento da produção das bactérias produtoras de ácido láctico. Porém, este envolvimento do FOS no processo antiinflamatório é difícil de ser avaliado.14,15,16

Estudo prospectivo randomizado realizado por Raynes et al,12 com o objetivo de avaliar o efeito da fibra solúvel na incidência de infecção pós–cirúrgica, com trinta pacientes submetidos a grandes cirurgias abdominais, distribuídos segundo o tipo de dieta: 1) solução enteral rica em fibra solúvel + lactobacilos vivos; 2) solução enteral rica em fibra solúvel + lactobacilos mortos; 3) solução enteral sem fibra ou nutrição parenteral; não houve diferença estatisticamente significante dos níveis de PCR entre os grupos. Os autores concluíram que a solução rica em fibra apresentou menor taxa de infecções em relação aos pacientes do grupo que receberam solução parenteral ou dieta enteral sem fibra. Os pacientes do grupo com lactobacilos vivos + fibra receberam antibióticos por menor tempo.

Ao analisar a quantidade de bifidobactérias na população deste estudo, observou–se efeito positivo do uso do prebiótico FOS no grupo suplementado, havendo um aumento estatisticamente significante no conteúdo de bifidobactéria neste grupo. Estudo semelhante foi realizado por Gibson e Roberfroid,4 com oito indivíduos saudáveis que receberam 15g de FOS por um período de 15 dias. Verificaram que a suplementação de FOS em indivíduos saudáveis promoveu o aumento significativo das bifidobactérias enquanto os bacteróides, fusobactérias e clostrídio foram reduzidos, sugerindo que a dieta pode alterar a microbiota colônica.

No presente estudo observou–se também uma correlação negativa entre o conteúdo de bifidobactérias e a freqüência de diarréia, indicando que quanto maior o conteúdo de bifidobactérias menor é a freqüência de diarréia.

Sabe–se que a diarréia pode ocorrer quando a capacidade de fermentação foi superada devido ao excesso de conteúdo dietético (diarréia osmótica) ou, ainda, provocada por liberação de toxinas tais como: clostridium difficile, giardia lamblia, salmonella e shigella (diarréia infecciosa). As terapêuticas empregadas no seu tratamento utilizam antibióticos e antidiarréicos que provocam intensas alterações na microbiota intestinal. Há evidências sugerindo que a fermentação dos carboidratos é reduzida por meio de antibióticos, diminuindo a habilidade da microbiota anaeróbica intestinal em fermentá–los. In vitro, estudos mostram que as fezes de indivíduos saudáveis perdem parcialmente sua capacidade fermentativa na presença do antibiótico clindamicinda.17

A utilização de bifidobactéria e de lactobacilo é sugerida como estratégia terapêutica eficaz em casos de diarréia, por excluir as bactérias patogênicas na competição pelos sítios de ligação na mucosa intestinal e na disponibilidade de substratos. Além disso, também por sua capacidade de secretar substâncias bactericidas como resultado do processo de fermentação, afastando o patógeno invasor, bem como impedindo a adesão destas bactérias à mucosa intestinal.18 Ação verificada por Gibson & Wang,19 quando in vitro foi acrescido FOS ao meio de cultura com bifidobactérias, elas secretaram um peptídeo que é inibidor da maioria das toxinas dos microorganismos causadores de diarréia aguda.

Diante dos resultados pode–se concluir, portanto, que a suplementação do prebiótico frutooligossacarídeos (FOS) foi capaz de aumentar o conteúdo de bifidobactérias. A redução dos níveis séricos de proteínas de fase aguda negativas (albumina e pré–albumina) comprovam o intenso catabolismo protéico, priorizando a síntese de proteína de fase aguda positiva (PCR). Os níveis séricos de proteína C reativa foram estatisticamente superiores no grupo controle, indicando a ocorrência de processos inflamatórios e maior demanda metabólica, sugerindo que a quantidade de bifidobactérias pode ter favorecido a redução deste quadro no grupo suplementado, confirmado pela correlação negativa entre estas variáveis. Não obstante, estudos clínicos com um maior número de pacientes com câncer, especialmente os portadores de neoplasias onco–hematológicas, deverão ser realizados incluindo também parâmetros imunológicos mais precisos para confirmar estes resultados preliminares e elucidar a eficácia dos prebióticos na evolução clínico–metabólica destes pacientes.

Agradecimentos

Ao Programa de Pós–graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ao Departamento de Análises Clínicas/UFSC e ao Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon). Os autores agradecem também aos pacientes, sem os quais este estudo não teria sido possível.

Recebido: 15/03/2006

Aceito: 04/12/2006

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

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  • Correspondência:
    Regina Lúcia Martins Fagundes
    Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Nutrição
    Campus Universitário – Trindade
    88040–970 – Florianópolis–SC – Brasil
    E–mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 2006
    • Recebido
      15 Mar 2006
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