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Quimioimunoterapia como primeira linha de tratamento da leucemia linfóide crônica: uma visão crítica

Chemoimmunotherapy as initial therapy for chronic lymphocytic leukemia: a critical review

Resumos

Não existem evidências clínicas mostrando que a associação de fludarabina com ciclofosfamida e rituximab deva ser o novo gold standard para o tratamento de leucemia linfóide crônica, apesar de esta combinação induzir alto índice de resposta clínica completa, que está associada a uma maior probabilidade de sobrevida. Estudos prospectivos randomizados comparando esta associação com outras que não incluem o rituximab são necessários para determinar a real eficácia desta combinação.

Leucemia linfóide crônica; rituximab; fludarabina


There is no solid clínical evidence to the effect that the association of fludarabine, cyclophosphamide and rituximab should be the new gold standard for the initial treatment of chronic lymphocytic leukemia patients. This combination induces a high complete remission rate that in turn is associated with an increased probability of survival. Prospective randomized trials are needed to see how efficient this combination truly is.

Chronic lymphocytic leukemia; rituximab; fludarabine


ARTIGO ARTICLE

Quimioimunoterapia como primeira linha de tratamento da leucemia linfóide crônica: uma visão crítica

Chemoimmunotherapy as initial therapy for chronic lymphocytic leukemia: A critical review

Pedro E. Dorlhiac Llacer

Professor associado, Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço de correspondência Correspondência para: Pedro Enrique Dorlhiac Llacer Rua dos Escultores, 571 05469-010 – São Paulo-SP – Brasil E-mail: pedro.dorlhiac@terra.com.br

RESUMO

Não existem evidências clínicas mostrando que a associação de fludarabina com ciclofosfamida e rituximab deva ser o novo gold standard para o tratamento de leucemia linfóide crônica, apesar de esta combinação induzir alto índice de resposta clínica completa, que está associada a uma maior probabilidade de sobrevida. Estudos prospectivos randomizados comparando esta associação com outras que não incluem o rituximab são necessários para determinar a real eficácia desta combinação.

Palavras-chave: Leucemia linfóide crônica; rituximab; fludarabina.

ABSTRACT

There is no solid clínical evidence to the effect that the association of fludarabine, cyclophosphamide and rituximab should be the new gold standard for the initial treatment of chronic lymphocytic leukemia patients. This combination induces a high complete remission rate that in turn is associated with an increased probability of survival. Prospective randomized trials are needed to see how efficient this combination truly is.

Key words: Chronic lymphocytic leukemia; rituximab; fludarabine.

Introdução

A leucemia linfóide crônica (LLC) é na grande maioria dos casos uma doença linfoproliferativa B com uma evolução clínica prolongada, que atinge preferencialmente indivíduos do sexo masculino acima dos 60 anos. As curvas de sobrevida não evidenciam plateau, mostrando que esta é ainda uma doença sem cura conhecida.

O uso, a partir da década dos 80, de um análogo da purina – a fludarabina – como terapia de resgate, mostrou que é possível se obter remissão clínica completa em uma baixa porcentagem dos pacientes tratados previamente com alquilantes.1 Três estudos fase III demonstraram a superioridade da fludarabina quando comparada com alquilantes no que diz respeito a resposta, remissão completa e sobrevida livre de progressão, mas não em relação a sobrevida global.2,3,4 A pergunta de quão agressivos devemos ser para tratar ou erradicar uma doença de evolução crônica em pacientes idosos é particularmente importante no caso da LLC, doença com a qual cerca de 40% dos pacientes convive bem, sem necessidade de tratamento, especialmente nas fases iniciais. Por outro lado, cerca de 60% dos pacientes irão requerer terapia para controle da proliferação clonal. Qual deve ser esta terapia? Esta resposta deve vir dos estudos fase III randomizados e prospectivos com um seguimento longo, para verificar o impacto não só a curto prazo como também a médio e longo prazos. Estes estudos são complexos e requerem pelo menos dez anos de seguimento para dar as respostas necessárias. De qualquer forma, a idéia de associar fármacos indutores de morte celular que agem de forma diversa é atraente e deve ser explorada.

Os fatos

Protocolos prospectivos e randomizados

Não existem protocolos prospectivos e randomizados comparando o uso de quimioterapia com e sem rituximab para se verificar a real utilidade do uso deste anticorpo anti-CD20.

As evidências existentes que podem ser utilizadas para uma anaálise indireta do impacto de quimioimunoterapia na evolução clínica da LLC são: estudos in vitro, índices de remissão completa, de toxicidade e de sobrevida livre de progressão/doença/tratamento, e controles históricos de sobrevida global.

Evidências in vitro

Os estudos in vitro mostram um sinergismo na ação citotóxica da fludarabina e da ciclofosfamida quando associadas ao rituximab. Por um lado, a fludarabina diminui a concentração das proteínas anticomplemento CD46, CD55 e CD59, facilitando a ação do rituximab, e, por outro, o rituximab diminui a concentração de interleucina 10 e a expressão de BCL-2, facilitando a ação da fludarabina.5,6,7,8

Remissão Completa

Nas leucemias agudas e nos linfomas, a obtenção de remissão completa se correlaciona positivamente com um aumento da sobrevida global. Em 2005, Keating e cols9 mostraram que os pacientes com LLC que atingem remissão completa têm uma maior probabilidade de sobrevida aos 40 meses quando comparados aos que não alcançam esta remissão (99% versus 40%), assim como uma maior sobrevida livre de recidiva (90% versus 60%, respectivamente). Poderia se usar então o índice de remissão completa como um marcador indireto da eficácia de um tratamento em prolongar a sobrevida e a sobrevida livre de recidiva.

Entre os tratamentos que obtêm um maior índice de remissão completa está a associação de fludarabina com ciclofosfamida e rituximab. (Tabela 1)

A comparação dos resultados obtidos com os vários esquemas apresentados nesta tabela deve ser feita com extrema cautela, já que esta é uma comparação de grupos historicamente diferentes. Apesar disto, aparentemente o melhor efeito citorredutor é obtido quando o rituximab é utilizado concomitantemente a outros quimioterápicos.

Na tabela 2 observamos que os pacientes menores de 55 anos e aqueles com estádio A em progressão são os grupos que apresentam, neste estudo de Keating e cols,9 os melhores índices de remissão completa.

Em função destes dados seria melhor iniciar o tratamento da LLC o mais cedo possível, o que por um lado faz sentido do ponto de vista da biologia do tumor, já que quanto menor a massa tumoral inicial, melhor a sobrevida e menor a possibilidade de encontrar subclones com mutações que confiram resistência ao tratamento ou novas vantagens proliferativas ou de sobrevivência das células tumorais. Por outro lado, isto vai contra um dos paradigmas do tratamento da LLC, que é observar e não tratar nos estádios iniciais. Isto claro que não é necessariamente válido para a associação de fludarabina, ciclofosfamida e rituximab, já que não existem estudos prospectivos comparativos demonstrando que o tratamento com esta combinação é melhor do que se observar e esperar. Se for verdade, porém, que quanto menor a massa tumoral melhor a sobrevida, os pacientes com LLC que atingem uma melhor remissão imunofenotípica deveriam ter maior sobrevida. Keating e cols9 mostram que a recidiva nos pacientes com menos de 1% de células CD5+ e CD19+ na medula óssea, quando comparados àqueles com mais de 5%, após tratamento com fludarabina, ciclofosfamida e rituximab, é 3,6%, versus 43% (p<0,001). O mesmo é verdadeiro para a porcentagem de mortes, 2,8% versus 14,3% (p<0,001). Não é possível calcular as curvas de sobrevida devido ao baixo número de eventos ocorridos.

Sobrevida e sobrevida livre de progressão

Em 2005, Byrd e cols10 publicaram análise retrospectiva comparando pacientes tratados com fludarabina e rituximab com um grupo histórico semelhante que fez uso somente de fludarabina, mostrando que a adição de rituximab a fludarabina aumenta em forma significativa a sobrevida e a sobrevida livre de progressão.

Toxicidade

Em análises usando controles históricos,9,10 a adição de rituximab aos esquemas de fludarabina com e sem ciclofosfamida não aumenta em forma preocupante a toxicidade do regime (neutropenia e plaquetopenia, entre outros).

Os problemas

Estudos prospectivos e randomizados

Não existem, e devido a este fato não é possível concluir se a quimioimunoterapia como primeira linha para tratamento de LLC é ou não um novo gold standard na terapia desta doença. Como os estudos prospectivos e randomizados levam dez a vinte anos para nos dar as respostas necessárias, isto significa que as mudanças de terapia na LLC resultantes destes estudos andariam necessariamente defasadas em relação aos “avanços terapêuticos”, o que poderia prejudicar os pacientes. Por isto é necessário utilizar índices indiretos, que não requeiram seguimentos prolongados, para avaliar a possível eficácia das novas opções terapêuticas e assim decidir se vale a pena que se tornem objeto de ainda outros estudos prospectivos randomizados.

Estudos in vitro

Estes são somente o início da longa cadeia de eventos que leva à aprovação de uma terapia como gold standard para determinada doença. Os estudos fase um, dois e três são necessários e indispensáveis.

Remissão completa

O trabalho de Keating e cols,9 de 2005, é o primeiro a demonstrar que os pacientes com LLC que atingem remissão completa têm uma melhor sobrevida ao menos a médio prazo; resta ver se, com um seguimento mais prolongado, esta melhor sobrevida será mantida e se estes resultados podem ser duplicados por outros grupos. Se a utilização de fludarabina associada ao rituximab é ou não melhor que a combinação de fludarabina, ciclofosfamida e rituximab é também uma questão não decidida, e novos estudos são necessários para esclarecer esta questão.

Toxicidade

Não se deve esquecer o fato de o rituximab apresentar toxicidade específica própria do uso endovenoso de anti­corpos monoclonais, mesmo que humanizados. Isto introduz um elemento operacional e de impacto na qualidade de vida, que deve ser pesado contra o efeito benéfico do uso do anticorpo. Além do que, são necessários estudos prospectivos randomizados de terapias com e sem imunoterapia, para se verificar se de fato as toxicidades são ou não semelhantes. Os controles históricos são úteis para se ter uma visão geral e para se programarem os estudos fase três.

Conclusão

Devemos concluir que não existem evidências suficientemente fortes que indiquem que a quimioimunoterapia é o gold standard no tratamento das LLC; porém, o aparentemente melhor índice de resposta completa obtido com esta modalidade mista de terapia deve garantir a sua inclusão nos novos estudos e protocolos clínicos a serem feitos para se dilucidar definitivamente esta questão.

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  • Correspondência para:
    Pedro Enrique Dorlhiac Llacer
    Rua dos Escultores, 571
    05469-010 – São Paulo-SP – Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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