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Ressincronização cardíaca e terapia celular: existe terapia associativa?

Cardiac resynchronization and stem cell therapy: do associative benefits exist?

Resumos

Nos últimos anos, a terapia de ressincronização cardíaca tem sido uma conduta bem definida para pacientes com insuficiência cardíaca (IC), classe funcional III ou IV, que não tiveram resposta à otimização terapêutica. Estudos já mostraram esta eficácia, mas um grupo bem definido de miocardiopatias dilatadas com áreas de fibrose não tem tido o mesmo sucesso (30%-40%). Por isto decidimos associar a estes pacientes o implante de células-tronco. A partir de 04/2005 iniciamos estes implantes em pacientes (pcs.) com IC, classe funcional III/IV, otmizados e fração de ejeção <35% com dissincronia ventricular. Total de 25 pacientes (16 homens), idade entre 30-80anos (média de 58) e 44% de etiologia chagásica (11 pcs). Ressincronização e terapia celular foram por via epicárdica (12 pcs) e endocárdica (13 pcs) e a seleção celular pela filtração por Ficoll e 3.0x10(8) de células infundidas CD34 + (5,0 x 10(6)) e CD 133 + (2,5 x 10(6)). Após 24 meses de evolução observamos que 84,8% destes pcs permaneceram vivos e a mortalidade (15,2%) não estava relacionada ao procedimento. A sobrevida dos portadores de marcapasso foi maior (52,4%) e os chagásicos tiveram uma pior sobrevida, mas com teste de long-rank de 0,218 e 0,626, respectivamente. Nos casos de pcs com ressincronizador isoladamente, os resultados não parecem ser tão bons,e nós optamos pela associação de células-tronco como uma alternativa segura e adequada para estes graves pcs com insuficiência cardíaca e miocardiopatia dilatada.

Ressincronização cardíaca; células-tronco; insuficiência cardíaca


In recent years cardiac resynchronization therapy has been a well defined approach for patients with functional class III or IV heart failure (HF) who do not respond to optimized therapy. Studies have shown efficacy, but one well defined group of dilated heart diseases with large areas of fibrosis has not had the same success rates (30-40%). Hence, we decided to associate stem cell transplant in these patients. Since April 2005 we started to transplant stem cells in 25 patients (16 men) with NYHA III/IV HF with ejection fraction < 35% and ventricle dyssynchrony. Their ages varied between 30 and 80, (mean age 58) and 44% (11 patients) had a chagasic etiology. Resynchronization and stem cell therapy were performed via epicardial (12) or endocardial (13) approaches. Cell selection was by Ficoll filtration with a mean number of 3.0 x 108 cells infused: CD 34+ (5.0 x 106) and CD 133+ (2.5 x 106). In 24 months of evolution we noticed that 84.8% of these patients survived and mortality (15.2%) was not related to the procedure. The survival of pacemaker recipients (52.4%) was higher than another similar group that did not receive pacemaker implants and chagasic patients survived less than the ischemic and the idiopathic patients (42.4%, 55.6% and 77.2%, respectively). In spite of these initial differences, there was no statistical difference between these groups (log-rank test of P=0.218 and P= 0.626, respectively). In cases that resynchronization was performed in isolation, the results do not seem to be satisfactory so we chose to associate stem cell therapy as a safe and adequate alternative for patients with HF and dilated myocardiopathy.

Cardiac resynchronisation; stem cells; heart failure


REVISÃO REVIEW

Ressincronização cardíaca e terapia celular. Existe terapia associativa?

Cardiac resynchronization and stem cell therapy: do associative benefits exist?

Oswaldo T. GrecoI; Rafael L. GrecoII; Ana C. AbreuIII; José Luiz B. JacobIV; Roberto V. ArditoV; Roberto T. TakedaVI; Adelino Parro JuniorVII; Fernando V. SallisVIII; Mario R. LagoIX; Milton A. RuizX

IMédico Cardiologista. Diretor do Depto Científico do IMC/HMC

IIEstagiário do 2º Ano do Incor-USP – São Paulo-SP

IIICoordenadora de Pesquisas Clínicas-IMC/HMC

IVMédico Cardiologista e Hemodinamicista do IMC/HMC

VMédico Cirurgião Cardíaco do IMC/HMC

VIMédico Cirurgião Cardíaco e Diretor Médico da Medtronic do Brasil – São Paulo-SP

VIIMédico Ecocardiografista do IMC/HMC

VIIIMédico Responsável pela Medicina Nuclear do IMC/HMC

IXBiomédico da Terapia Celular do IMC/HMC

XProfessor colaborador da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da FMUSP-SP e coordenador do Grupo de Terapia Celular do IMC/HMC – São José do Rio Preto-SP

Correspondência Correspondência: Osvaldo Tadeu Greco Departamento Científico IMC – Instituto de Moléstias Cardiovasculares Rua Castelo D´agua, 3030 15015-210 – São José do Rio Preto-SP – Brasil E-mail: oswaldogreco@terra.com.br Doi:

RESUMO

Nos últimos anos, a terapia de ressincronização cardíaca tem sido uma conduta bem definida para pacientes com insuficiência cardíaca (IC), classe funcional III ou IV, que não tiveram resposta à otimização terapêutica. Estudos já mostraram esta eficácia, mas um grupo bem definido de miocardiopatias dilatadas com áreas de fibrose não tem tido o mesmo sucesso (30%-40%). Por isto decidimos associar a estes pacientes o implante de células-tronco. A partir de 04/2005 iniciamos estes implantes em pacientes (pcs.) com IC, classe funcional III/IV, otmizados e fração de ejeção <35% com dissincronia ventricular. Total de 25 pacientes (16 homens), idade entre 30-80anos (média de 58) e 44% de etiologia chagásica (11 pcs). Ressincronização e terapia celular foram por via epicárdica (12 pcs) e endocárdica (13 pcs) e a seleção celular pela filtração por Ficoll e 3.0x108 de células infundidas CD34 + (5,0 x 106) e CD 133 + (2,5 x 106). Após 24 meses de evolução observamos que 84,8% destes pcs permaneceram vivos e a mortalidade (15,2%) não estava relacionada ao procedimento. A sobrevida dos portadores de marcapasso foi maior (52,4%) e os chagásicos tiveram uma pior sobrevida, mas com teste de long-rank de 0,218 e 0,626, respectivamente. Nos casos de pcs com ressincronizador isoladamente, os resultados não parecem ser tão bons,e nós optamos pela associação de células-tronco como uma alternativa segura e adequada para estes graves pcs com insuficiência cardíaca e miocardiopatia dilatada.

Palavras-chave: Ressincronização cardíaca; células-tronco; insuficiência cardíaca.

ABSTRACT

In recent years cardiac resynchronization therapy has been a well defined approach for patients with functional class III or IV heart failure (HF) who do not respond to optimized therapy. Studies have shown efficacy, but one well defined group of dilated heart diseases with large areas of fibrosis has not had the same success rates (30-40%). Hence, we decided to associate stem cell transplant in these patients. Since April 2005 we started to transplant stem cells in 25 patients (16 men) with NYHA III/IV HF with ejection fraction < 35% and ventricle dyssynchrony. Their ages varied between 30 and 80, (mean age 58) and 44% (11 patients) had a chagasic etiology. Resynchronization and stem cell therapy were performed via epicardial (12) or endocardial (13) approaches. Cell selection was by Ficoll filtration with a mean number of 3.0 x 108 cells infused: CD 34+ (5.0 x 106) and CD 133+ (2.5 x 106). In 24 months of evolution we noticed that 84.8% of these patients survived and mortality (15.2%) was not related to the procedure. The survival of pacemaker recipients (52.4%) was higher than another similar group that did not receive pacemaker implants and chagasic patients survived less than the ischemic and the idiopathic patients (42.4%, 55.6% and 77.2%, respectively). In spite of these initial differences, there was no statistical difference between these groups (log-rank test of P=0.218 and P= 0.626, respectively). In cases that resynchronization was performed in isolation, the results do not seem to be satisfactory so we chose to associate stem cell therapy as a safe and adequate alternative for patients with HF and dilated myocardiopathy.

Key words: Cardiac resynchronisation; stem cells; heart failure.

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é a doença crônica com o maior impacto na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes. A prevalência de IC nos países ocidentais é estimada em 1% do total da população e cresce a cada ano. A prevalência aumenta com a idade, sendo a principal causa de internação de indivíduos com mais de 65 anos e em aproximadamente 50% da população acima de 85 anos. Apesar do constante desenvolvimento de novas estratégias farmacológicas, condutas eletrofisiológicas com modernos equipamentos e alternativas cirúrgicas cada vez mais sofisticadas, a IC ainda atinge altos índices de mortalidade em todo o mundo.1,2

No grupo de pacientes com insuficiência cardíaca refratária ao tratamento farmacológico, que apresentam dissincronismo ventricular documentado, a terapia de ressincronização cardíaca está indicada.3,4

A despeito das indicações criteriosas, de acordo com diretrizes bem estabelecidas para o implante do ressincronizador cardíaco, em torno de 30% dos pacientes que se submetem a este procedimento não apresentam resposta clínica. Destarte, os pacientes com miocardiopatia isquêmica possuem maior chance de se encontrarem entre os não-responsivos à terapia de ressincronização cardíaca pelo dissincronismo mecânico.5

As células-tronco (CT) representam uma das grandes promessas da medicina do futuro, com propostas de tratamento de diferentes doenças consideradas sem opção terapêutica. Seu principal papel seria a regeneração de órgãos incapacitados funcionalmente, por processos de diferentes etiologias: inflamatórios, traumáticos, degenerativos. Com base nos recentes estudos, este potencial proporcionará no futuro os tratamentos de doenças neurológicas, cardiovasculares e dos tecidos músculo-esqueléticos.6,7

Objetivo geral: Inferir os efeitos da infusão de células mononucleares autólogas derivadas da medula óssea por via intramiocárdica ou intracoronária na função sistólica do ventrículo esquerdo em pacientes com insuficiência cardíaca de qualquer etiologia, refratários à terapêutica farmacológica otimizada, associados à terapia de ressincronização cardíaca.

Objetivos específicos:

Avaliar a segurança da terapia celular em conjunto com a terapia de ressincronização cardíaca.

Casuística e Método

Foram selecionados 25 pacientes (16 homens) com insuficiência cardíaca crônica de diversas etiologias, ambos os sexos, com idade entre 30 e 80 anos ( média = 58 anos), 44% chagásicos, indicados para a terapia de ressincronização cardíaca que atenderam às Recomendações das Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI) da Sociedade Brasileira de Cardiologia.8

Os critérios de inclusão para esta conduta, são:

a) Pacientes em classe funcional III - IV (New York Heart Association) após a otimização da terapêutica medicamentosa oral (digital + IECA + betabloqueador + espironolactona + diurético).

b) Miocardiopatia dilatada, sem indicação de outros procedimentos cirúrgicos cardíacos.

c) Fração de ejeção < 35% no Ecocardiograma (Sympsom).

d) Presença de dissincronismo cardíaco na ventriculografia radiosotópica

(GATED)

Atraso septo posterior>130 ms (dissincronismo intraventricular)

Atraso VD - VE > 45 ms.(dissincronismo interventricular)

Os pacientes serão inelegíveis (critérios de exclusão) se apresentarem qualquer uma das características abaixo:

a) Doenças valvares, exceto a insuficiência funcional mitral ou tricúspide.

b) Diagnóstico sorológico de HIV, Hepatite A (em curso), B e C.

c) Pacientes com indicação de desfibrilador;

d) História de síndrome coronariana aguda nos últimos três meses.

e) Insuficiência renal crônica em tratamento dialítico.

f) Uso abusivo de álcool ou drogas ilícitas em curso (Baseado no DSM IV).

g) Qualquer comorbidade com impacto na sobrevida em cinco anos.

h) Pacientes que tiverem participado de outros estudos de terapia celular nos últimos dois anos.

i) Não aderência ao tratamento clínico.

j) Gravidez

Coleta das células mononucleares da medula óssea

As células mononucleares da medula óssea foram obtidas através de aspirado de medula óssea (MO) na crista ilíaca anterior e posterior, e o aspirado de MO realizado em ambiente cirúrgico com sedação e analgesia do paciente a fim de minimizar a ansiedade e a dor, sob monitorização anestésica padrão. A coleta é realizada depois da antissepsia adequada da pele aspirando-se um volume de no máximo 5 ml de MO por punção de uma ou ambas as cristas ilíacas posteriores, utilizando-se seringas de 20 ml previamente preenchidas com 0,4 ml de heparina (1.000 unidades). As seringas contendo a MO com anticoagulante foram homogeneizadas e encapadas com agulha 25x7.

O processamento das células de MO é basicamente para enriquecer o conteúdo do aspirado de medula óssea, separando a fração mononuclear (fração onde se encontram as células-tronco de células já diferenciadas. O material coletado foi submetido à separação da fração de células mononucleares por gradiente de Ficoll-Paque TM plus.®

A concentração das células mononucleares obtidas é ajustada para se ter 1 x 107células por mL e acondicionadas em seringas de 1mL.

Implante do ressincronizador cardíaco(RC).

O implante do RC foi em centro cirúrgico ou no laboratório de Hemodinâmica / Eletrofisiologia e seguiu o recomendado pelas Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI) da Sociedade Brasileira de Cardiologia.8

Procedimento de implante das células mononucleares

Quando o procedimento cirúrgico foi utilizada a via de acesso foi a toracotomia lateral esquerda ou minitoracotomia anterior esquerda. O procedimento escolhido permitiu o melhor acesso para o implante do eletrodo do ventrículo esquerdo no epimiocárdio e o implante das células mononucleares nas áreas isquêmicas.

A injeção intramiocárdica de células mononucleares realizou-se na(s) parede(s) do ventrículo esquerdo na(s) qual(is) os exames clínicos evidenciaram viabilidade miocárdica. A partir do preparado celular acondicionado nas seringas de 1 mL e injetado 0,2 mL/punção intramiocárdica, com um espaçamento de aproximadamente 1 cm2 por injeção, obtendo-se, consequentemente, 2 x 106células mononucleares autólogas por punção miocárdica. O número de injeções variou entre os pacientes, na dependência do diâmetro ventricular esquerdo e na quantidade de áreas miocárdicas viáveis injetadas, porém o número de células injetadas foi o mesmo, considerando as áreas viáveis.

Em relação à administração em chagásicos por via intracoronariana, o mínimo de 108 células, diluídas em 20 mL de solução fisiológica injetadas lentamente no sistema coronariano foram 10 mL na artéria descendente anterior e 5 mL na área coronária circunflexa quando a dominância foi direita e 10 mL na artéria descendente anterior, 8 mL na artéria circunflexa e 2 mL na artéria coronária direita quando a dominância foi esquerda, no mesmo dia do isolamento das células. Vinte e cinco dias após a infusão das células de medula óssea foi administrado filgrastina (G-CSF), na dose de 5 ug/kg dia subcutâneo (SC) durante cinco dias consecutivos.

Pós-operatório e alta hospitalar

O pós-operatório seguiu de forma idêntica à dos pacientes que se submeteram à cirurgia de implante de ressincronizador miocárdico. Em regra, os pacientes permaneceram os primeiros dois dias de pós-operatório na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) seguindo posteriormente para a enfermaria. É importante comentar que, tanto a permanência na UTI quanto na enfermaria, o tempo pode variar de acordo com a evolução individual.

Processo de consentimento informado (obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido)

A obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é um processo sempre iniciado antes da concordância do sujeito em participar do estudo e continuará ao longo da participação do indivíduo no estudo. A discussão extensa dos riscos e possíveis benefícios da terapia são apresentados pela equipe do estudo aos potenciais sujeitos (e com permissão dos sujeitos potenciais e de suas famílias). Os potenciais sujeitos recebem aconselhamento sobre os objetivos e procedimentos do estudo, potenciais toxicidades e o processo de obtenção do TCLE. O TCLE descreve em detalhes as intervenções/produto do estudo, procedimentos e riscos do estudo e fornecidos ao sujeito. É necessário obter autorização por escrito através da assinatura do TCLE antes de se iniciar a intervenção/administração do produto do estudo. O TCLE será sempre aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição antes de aplicado aos sujeitos do estudo.

Comitê de Ética em Pesquisa e Análise dos aspectos éticos

Antes de ser colocado em uso, o protocolo deste estudo e os documentos de coleta de dados são revistos e aprovados pelos CEP - Comitê de Ética em Pesquisa do IMC - Instituto de Moléstias Cardiovasculares.

Os aspectos éticos foram observados com base na Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial de 1964, que cita a obrigação da aprovação de estudos pelos Comitês de Ética; o código de Ética Médica em seus capítulos que tratam da pesquisa médica e a Resolução nº196/96 do Conselho Nacional da Saúde - Ministério da Saúde, tendo sido todos os aspectos deste estudo eticamente favoráveis a este tipo de terapia associativa.

Análise estatística

Os dados foram analisados por análise univariada baseando-se em conceitos básicos típicos de estudos comparativos. Estimativas de média, desvio padrão, mediana, extremos, proporções foram calculadas para subsidiar as comparações entre os subgrupos amostrais. Gráficos de barra foram produzidos destacando percentuais de pacientes com ou sem implante de marcapasso e status atual dos grupos. Curvas de sobrevida Kaplan-Meier foram construídas para examinar o tempo de sobrevida dos pacientes, com base em estratificações segundo antecedentes de implante de marca-passo e etiologia da doença. Associados às curvas, foram realizados testes de log-rank para avaliar as diferenças entre as curvas comparadas em cada estratificação.

Resultados

Todos os pacientes (25) foram encaminhados para este projeto de tratamento de pacientes em classe funcional III e IV, havendo melhora de uma classe funcional em 13 pacientes e de duas em 12.

Na Figura 1, através de análise de curva de sobrevida após vinte meses de evolução, foi observada uma tendência de melhora nos pacientes que implantaram marcapasso, apesar de apresentar log-rank de 0,218.

Quando à etiologia, pode ser observada na Figura 2 que os pacientes chagásicos apresentaram uma pior sobrevida neste período, quando comparamos com coronariopatas e dilatados idiopáticos, apesar de log-rank de 0,626. Após este período de evolução, 84,8% destes pacientes permaneceram vivos.

Discussão

Os primeiros grandes estudos com a estimulação multisítio foram realizados na Europa e nos Estados Unidos entre 1994 e 1998, sendo inicialmente utilizados eletrodos epicárdicos, embora com várias limitações em razão da elevada morbidade cirúrgica, pelo procedimento de toracotomia. Posteriormente, dados semelhantes foram apresentados por Cazeau, na França, utilizando a via endocárdica, porém ainda com limitações em virtude do material utilizado na época.9,10

Revisões sistemáticas associadas a metanálises corroboram esses achados, apresentando redução na morbidade e mortalidade ou mortalidade isoladamente.10 Alguns trabalhos demonstram ainda que a maior duração do QRS seria um bom indicador de resposta à ressincronização, como nos subgrupos dos estudos Contak CD e Miracle.11,12,13

O remodelamento ventricular pode ocorrer nos pacientes ressincronizados precocemente (três meses após implante), sendo fundamental como preditor e melhora clínica sustentada. Diversas variáveis clínicas tentam identificar subgrupos com possíveis respostas favoráveis à ressincronização.14

Nos últimos anos, grande interesse no uso terapêutico de células-tronco no reparo do tecido cardíaco após o infarto do miocárdio se refletiu no aumento do número de trabalhos em pesquisa básica, pró-clinica e clínica, publicados em revistas nacionais e internacionais. Entretanto, ainda que possamos assegurar que o tratamento com células-tronco de pacientes com disfunções cardíacas agudas ou crônicas seja factível, resta aos pesquisadores explicar os mecanismos de ação das células utilizadas, o benefício representado por cada tipo celular injetado, assim como o número de células que deve ser utilizado e a janela terapêutica de sua aplicação.

As células-tronco são definidas e identificadas com base em sua capacidade de se dividir indefinidamente, originando cópias celulares (clonogenicidade) e também tipos celulares diferentes (pluripotencialidade). Uma das principais características das células-tronco (e o que realmente as define) é a capacidade de auto-renovação.

Em trabalho pioneiro, Menasché (2001), na França, realizou o transplante de células satélite de músculo esquelético para o coração de um paciente idoso com insuficiência cardíaca refratária. Entretanto, embora tenha apresentado resultados favoráveis em uma análise de curto prazo, pacientes tratados com células satélites apresentam, a longo prazo, efeitos adversos, como arritmias devido à falta de integração das células injetadas com as do tecido sadio receptor do enxerto.15

A injeção transendocárdica de células mononucleares em tecido infartado crônico do miocárdio mostrou-se um procedimento seguro e eficaz, acelerando o processo de regeneração do músculo cardíaco e recuperando as propriedades mecânicas do coração. Aparentemente, o principal papel destas células é promover a revascularização do tecido e a recuperação, direta ou indireta, dos cardiomiócitos (efeito parácrino).16,17

Strauer e cols. transplantaram células mononucleares da medula óssea em dez pacientes com infarto agudo do miocárdio. Durante a angioplastia coronariana, essas células foram injetadas na artéria que irriga a região por meio de cateter balão. Nos três primeiros meses de seguimento, houve diminuição da área enfartada (ventriculografia esquerda), além de aumento da contratilidade da parede afetada.18

Recentes estudos mostram que células autológas de medula óssea infundidas por via intracoronariana ou intramiocárdica representam uma possível estratégia para a reversão da disfunção ventricular, principalmente pós-infarto, estimulando a neovascularização na área infartada com consequente melhora da perfusão na área isquêmica crônica e aumento da função sistólica do ventrículo esquerdo.19

As células-tronco representam uma das grandes promessas da medicina do futuro, com propostas de tratamento de diferentes doenças consideradas sem opção terapêutica. Seu principal papel seria a regeneração de órgãos incapacitados funcionalmente, por processos de diferentes etiologias: inflamatórios, traumáticos, degenerativos. Com base nos recentes estudos, este potencial proporcionará, no futuro, o tratamento de doenças neurológicas, cardiovasculares e dos tecidos músculo-esqueléticos.20

Revisão interessante dos principais estudos que analisaram a resposta à ressincronização cardíaca destaca que a utilização somente da presença de dissincronia elétrica como critério de seleção, método hoje utilizado e validado para indicação do procedimento, tem promovido melhora clínica significante nos portadores de IC. Mostra também que, em pequenos estudos de série de casos de casuísticas de centros isolados, a utilização de critério de presença de dissincronia mecânica para a indicação da ressincronização cardíaca promoveu resultados mais consistentes quando propiciamos a associação com terapia celular.21,22

Conclusão

Nos casos em que a ressincronização cardíaca não teve bom resultado associado apenas à otimização terapêutica, a escolha da associação com implante de células-tronco se mostrou um procedimento seguro e adequado como alternativa de tratamento de pacientes com miocardiopatia dilatada e insuficiência cardíaca refratária.

Recebido: 02/07/2008

Aceito: 25/11/2008

IMC – Instituto de Moléstias Cardiovasculares de São José do Rio Preto-SP

HMC – Hospital de Moléstias Cardiovasculares de São José do Rio Preto-SP

Avaliação: O tema apresentado consta da pauta elaborada pelo editor, Professor Milton Artur Ruiz e coeditores deste suplemento, Professores Sergio Paulo Bydlowski e Adriana Seber.

Conflito de interesse: não declarado

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  • Correspondência:
    Osvaldo Tadeu Greco
    Departamento Científico IMC – Instituto de Moléstias Cardiovasculares
    Rua Castelo D´agua, 3030
    15015-210 – São José do Rio Preto-SP – Brasil
    E-mail:
    Doi:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Maio 2009

    Histórico

    • Aceito
      25 Nov 2008
    • Recebido
      02 Jul 2008
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
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