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Condutas frente à contaminação bacteriana em concentrados de células progenitoras hematopoéticas periféricas

Management of the bacterial contamination in peripheral blood stem cell concentrates

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Condutas frente à contaminação bacteriana em concentrados de células progenitoras hematopoéticas periféricas

Management of the bacterial contamination in peripheral blood stem cell concentrates

José Francisco C. Marques Júnior

Hematologista e Hemoterapeuta. Assessor da Coordenadoria do Hemocentro Unicamp e Supervisor da Seção de Aféreses do Hemocentro Unicamp - Campinas-SP

Correspondência Correspondência: José Francisco C. Marques Jr Rua Pedro Natalino Zaghi 92 – Barão Geraldo 13085-070 – Campinas-SP – Brasil E-mail: marquesj@unicamp.br

Os procedimentos de mobilização e de coleta por aféreses das células progenitoras hematopoéticas a partir do sangue periférico já está estabelecido como parte integrante dos transplantes de medula óssea, substituindo quase totalmente a coleta de medula óssea de crista ilíaca nos transplantes autólogos e, parcialmente, nos transplantes alogênicos,1 por razões de comodidade, conforto, segurança, simplicidade, efetividade e praticidade.

A contaminação bacteriana dos concentrados de células progenitoras hematopoéticas pode ser induzida nas diversas etapas do processo, como na coleta, no processamento, o qual inclui procedimentos para congelamento e descongelamento e, até, no momento da reinfusão.

Segundo a legislação vigente no Brasil,2 é obrigatória a análise microbiológica para fungos e bactérias aeróbias e anaeróbias tanto para as unidades coletadas do sangue periférico quanto da medula óssea, para uso alogênico ou autó­logo. Nos casos de infusão imediata, isto é, sem a necessidade de criopreservação, a bolsa pode ser liberada para infusão antes do resultado da análise microbiológica, porém, logo que disponível, o resultado deve ser registrado e comunicado ao médico responsável pela infusão.

Ao pesquisar mais amiúde a legislação pertinente a este assunto, não é mencionada a necessidade da realização de nova cultura após o descongelamento das unidades criopreservadas, nem tampouco qual estratégia deve ser adotada nos casos de positividade das culturas, mas, tão somente, que as bolsas de células progenitoras hematopoéticas com exames microbiológicos positivos, ou com resultado positivo em pelo menos um dos marcadores para doenças infecciosas transmissíveis, devem ter essas informações no seu rótulo, devendo ser armazenadas, preferencialmente, em congelador ou tanque específico, separadas das demais unidades com testes negativos e, se acondicionadas no mesmo congelador ou tanque das negativas, deve ser usado um sistema de embalagem externa que garanta a proteção das demais bolsas criopreservadas.2

Não obstante a legislação brasileira careça de informações acerca desta estratégia, também não se observa publicação na literatura médica nacional que analise este assunto de maneira profunda, ficando diversas questões a serem refletidas, tais como: O que fazer em caso de positividade de um componente contaminado? Em que condições deve ser dado antibiótico profilático imediatamente antes da reinfusão? Em quais casos se deve descartar o componente? O que é necessário para embasar o risco-benefício da reinfusão de um concentrado contaminado, ou seja, o número de células coletadas? A patogenicidade do germe isolado? Outros parâ­metros? Justificaria a descontinuidade do antibiótico com a informação da negatividade de cultura no pós-descongelamento?

Não há dúvida que os produtos contaminados muitas vezes devam ser reinfundidos, porém, não podemos menosprezar o fato de que as infecções são a principal causa de mortalidade e morbidade em pacientes transplantados, tanto por medula óssea como por sangue periférico, justificando que a antibioticoterapia baseada no germe isolado em cultura e antibiograma deve ser obrigatoriamente realizada para diminuir a morbimortalidade por infecção aguda nestes pacientes já imunocomprometidos tanto pela doença de base como pelo tratamento.

Neste fascículo da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Almeida e cols3 analisam, através de um estudo observacional transversal retrospectivo e de maneira quantitativa, 618 coletas de células progenitoras hematopoéticas periféricas em 330 pacientes de um Hospital Universitário em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no período de 2000 a 2007, identificando positividade de hemoculturas em 4,2% destas coletas, o que coincide com resultados de outros trabalhos internacionais, como discutido no próprio artigo. Várias questões são discutidas, entre elas os critérios para descarte destas unidades, dependendo da situação clínica do paciente e das condições da coleta e mobilização, emergindo a necessidade de decisões que podem ou não colocar, por um lado, o paciente em risco de desenvolver processo infeccioso com variados graus de gravidade e, por outro, comprometer a função hematopoética por infusão de quantidade menor de células devido ao descarte.

Um aspecto que merece evidência é que os autores citam que, do total de 26 coletas contaminadas, 12 foram infundidas e 14 desprezadas por opção do médico responsável pela reinfusão. Alguns critérios devem ser considerados quanto ao desprezo e, na minha opinião, como já dito anteriormente, o mais importante deles é se este desprezo terá algum impacto na redução do número de células CD34+ a ponto de comprometer o resgate da função hematopoética. O risco-benefício de se infundir um produto contaminado, já em posse da informação sobre qual a bactéria envolvida e do resultado do antibiograma, deve ser cuidadosamente avaliado, pois um período mais longo de aplasia ou uma plaquetopenia persistente após o transplante com número reduzido de células também compromete os resultados finais do transplante, lembrando também, como citado no artigo, que a contaminação não interfere na recuperação hematológica, na duração da febre ou no número de dias de antibióticos.4

A iniciativa do grupo de autores em investigar a prevalência de hemoculturas positivas nos concentrados de células progenitoras hematopoéticas periféricas coletadas por aféreses, e os tipos de bactérias envolvidas é, indubitavelmente, de grande relevância para aumentar a qualidade do tratamento do paciente transplantado.

Este trabalho é caracterizado por, além da sua importância prática, levantar as questões cujas respostas precisam ser esclarecidas e aplicadas no sentido de se obter constante e crescente melhora dos resultados dos transplantes para pacientes de tão alta gravidade e complexidade.

Recebido: 02/12/2009

Aceito: 07/12/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Anderlini P, Rizzo JD, Nugent ML, Schmitz N, Champlin RE, Horowitz MM. Peripheral blood stem cell donation: an analysis from de International Bone Marrow Transplant Registry (IBMTR) and European Group for Blood and Marrow Transplant (EBMT) databases. Bone Marrow Transplant. 2001;27(7):689-92.
  • 2. Ministério da Saúde. Resolução - RDC Nş 153 Regulamento Técnico para Procedimentos Hemoterápicos. Diário Oficial da União 2004:120.
  • 3. Almeida ID, Coitinho AS, Juckowsky CA, Schmalfuss T, Balsan AM, Röhsig LM. Controle de esterilidade de produtos de células progenitoras hematopoéticas do sangue periférico. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010;32(1):23-28.
  • 4. Schwella N, Rick O, Heuft HG, Miksits K, Zimmermann R, Zingsem J. Bacterial contamination of autologous bone marrow: reinfusion of culture-positive grafts does not resut in clinical sequelae during the posttransplantation course. Vox Sang. 1998;74(2):88-94.
  • Correspondência:

    José Francisco C. Marques Jr
    Rua Pedro Natalino Zaghi 92 – Barão Geraldo
    13085-070 – Campinas-SP – Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010
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