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Capacidades relacionais em programas de aceleração corporativa com startups: um estudo em indústrias brasileiras

Relational capabilities in corporate accelerator programs with startups: a case study in Brazilian industries

RESUMO

Programas de Aceleração Corporativas (PACs) representam uma emergente forma de grandes empresas se relacionar com startups. Contudo, deve-se ter capacidades relacionais (CRs) para coordenar competências e combinar conhecimentos. Este estudo investiga a presença das CRs em dois PACs de indústrias brasileiras. Para isso, realizou-se um estudo de caso qualitativo e descritiva. A coleta de dados baseou-se nas motivações, antecedentes e objetivos dos PACs e nas dimensões e componentes das CRs. A análise de dados ocorreu por codificação das informações coletadas. Os resultados revelam a importância das CRs para identificar oportunidades, combinar e gerenciar recursos, adaptar-se às necessidades dos parceiros, aprender com (e junto) a eles, comunicar-se de forma transparente e desenvolver inovações colaborativas. De forma teórica, permite-se utilizar a lente das CRs para analisar aspectos da cooperação nos PACs. De forma prática, auxilia-se gestores na cooperação com startups, assim como empreendedores de startups que queiram trilhar parcerias com grandes corporações.

PALAVRAS-CHAVE:
Programa de aceleração corporativa; Cooperação startup e grande empresa; Capacidades relacionais

ABSTRACT

Corporate Acceleration Programs (CAPs) represent an emerging way for large companies to engage with startups. However, it is necessary to have relational capabilities (RCs) to coordinate competencies and combine knowledge. This study investigates the presence of RCs in two CAPs of Brazilian industries. A qualitative and descriptive case study was conducted. Data collection was based on the motivations, background and objectives of CAPs and the dimensions and components of RCs. Data analysis occurred by coding the collected information. The results reveal the importance of RCs to identify opportunities, combine and manage resources, adapt to partners' needs, learn with (and together with) them, communicate transparently, and develop collaborative innovations. Theoretically, it allows to use the lens of RCs to analyze aspects of cooperation in CAPs. Practically, it assists managers in cooperating with startups, as well as entrepreneurs of startups that want to partner with large corporations.

KEYWORDS:
Corporate accelerator program; Startup and large company cooperation; Relational capabilities

1. Introdução

Dificilmente as organizações detém todos os recursos para inovar. Chesbrough (2003)CHESBROUGH, H. W. The era of open innovation. MIT Sloan Management Review, Cambridge, v. 44, n. 3, p. 34-41, 2003., ao cunhar o termo “Inovação Aberta”, demonstra a importância da combinação de diferentes fontes de ideias e conhecimento, muitas vezes por meio de alianças. Desta forma, a área interna de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) deixa de ser a principal e única fonte de inovação das grandes empresas, que passam a considerar novas estratégias para inovar (CHESBROUGH, 2003CHESBROUGH, H. W. The era of open innovation. MIT Sloan Management Review, Cambridge, v. 44, n. 3, p. 34-41, 2003.), como o relacionamento com startups.

Mesmo antes de Chesbrough (2003)CHESBROUGH, H. W. The era of open innovation. MIT Sloan Management Review, Cambridge, v. 44, n. 3, p. 34-41, 2003., outros autores como Das e Teng (2000)DAS, T. K.; TENG, B.-S. Instabilities of strategic alliances: an internal tensions perspective. Organization Science, Catonsville, v. 11, n. 1, p. 77-101, 2000., Dyer e Singh (1998)DYER, J. H.; SINGH, H. The relational view: cooperative strategy and sources of interorganizational competitive advantage. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 4, p. 660-679, 1998., Lorenzoni e Lipparini (1999)LORENZONI, G.; LIPPARINI, A. The leveraging of interfirm relationships as a distinctive organizational capability: a longitudinal study. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 20, n. 4, p. 317-338, 1999. já defendiam a importância de alianças e sua adequada gestão para o alcance de novos recursos, troca de conhecimentos, inovação e vantagem competitiva. De acordo com Dyer e Singh (1998)DYER, J. H.; SINGH, H. The relational view: cooperative strategy and sources of interorganizational competitive advantage. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 4, p. 660-679, 1998. e Wittmann, Hunt e Arnett (2009)WITTMANN, C. M.; HUNT, S. D.; ARNETT, D. B. Explaining alliance success: Competences, resources, relational factors, and resource-advantage theory. Industrial Marketing Management, New York, v. 38, n. 7, p. 743-756, 2009., quando as empresas cooperam, há uma maior propensão na criação de recursos idiossincráticos, alcançados pela combinação e reconfiguração dos recursos e capacidades dos parceiros.

Dito isso, uma nova e emergente forma de promover a inovação nas grandes empresas é por meio dos Programas de Aceleração Corporativa (PACs) com startups (HEINEMANN, 2015HEINEMANN, F. Corporate accelerators: a study on prevalence, sponsorship, and strategy. 2015. Dissertação (Mestrado) - Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, 2015.; JACKSON; RICHTER, 2017JACKSON, P.; RICHTER, N. Situational logic: an analysis of open innovation using corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 21, n. 7, p. 1750062, 2017.; WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Apesar de inovadoras, as startups geralmente carecem de recursos (financeiros, humanos, operacionais) e legitimidade no mercado, dependendo do acesso a outras empresas para sobreviver e escalar (KNOBEN; BAKKER, 2019KNOBEN, J.; BAKKER, R. M. The guppy and the whale: relational pluralism and start-ups’ expropriation dilemma in partnership formation. Journal of Business Venturing, Bloomington, v. 34, n. 1, p. 103-121, 2019.; ZAREMBA; BODE; WAGNER, 2017ZAREMBA, B. W.; BODE, C.; WAGNER, S. M. New venture partnering capability: an empirical investigation into how buying firms effectively leverage the potential of innovative new ventures. Journal of Supply Chain Management, Hoboken, v. 53, n. 1, p. 41-64, 2017.).

Assim, a lógica central dos PACs consiste em atrair, apoiar e incentivar startups com o intuito de se beneficiar do potencial inovador desses empreendimentos (WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Desta forma, grandes empresas inovam (HOCHBERG, 2016HOCHBERG, Y. V. Accelerating entrepreneurs and ecosystems: the seed accelerator model. Innovation Policy and the Economy, Chicago, v. 16, p. 25-51, 2016.); e em contrapartida, as startups são apoiadas em sua operação (KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.; LEHMANN, 2013LEHMANN, P. Corporate accelerators: characteristics and motives. 2013. Dissertação (Mestrado) - Copenhagen Business School, Copenhagen, 2013.), acessando recursos corporativos como experiência, equipamentos, acesso a mercados e conhecimento da indústria (WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.).

Contudo, parcerias, de uma forma geral, são complexas, ainda mais envolvendo organizações tão diferentes entre si em termos de cultura, poder, recursos e estrutura (ALLMENDINGER; BERGER, 2020ALLMENDINGER, M. P.; BERGER, E. S. C. Selecting corporate firms for collaborative innovation: entrepreneurial decision making in asymmetric partnerships. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 24, n. 1, p. 2050003, 2020.; WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Ademais, embora essa forma de colaboração seja atraente e esteja crescendo em popularidade, a maioria das organizações ainda experimenta maneiras de configurar e gerenciar suas iniciativas de aceleração (KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.) e, de acordo com Hutter, Gfrerer e Lindner (2020)HUTTER, K.; GFRERER, A.; LINDNER, B. From popular to profitable: incumbents’ experiences and challenges with external corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Singapore, v. 25, n. 5, p. 2150035, 2020., grande parte dos programas ainda não fornece os resultados desejados.

Portanto, além de vontade, é preciso capacidade para interagir com outras empresas, coordenar competências e combinar conhecimentos além das fronteiras organizacionais. Tais habilidades são conhecidas na literatura como capacidades relacionais (CRs) e consideradas por alguns autores (ALVES; SEGATTO; DE-CARLI, 2016ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016.; DAS; TENG, 1998DAS, T. K.; TENG, B.-S. Between trust and control: developing confidence in partner cooperation in alliances. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 3, p. 491-512, 1998.; RUNGSITHONG; MEYER; ROATH, 2017RUNGSITHONG, R.; MEYER, K. E.; ROATH, A. S. Relational capabilities in Thai buyer-supplier relationships. Journal of Business and Industrial Marketing, Bingley, v. 32, n. 8, p. 1228-1244, 2017.) como um fator-chave de sucesso para o desenvolvimento de parcerias, além de fonte de vantagem competitiva (LORENZONI; LIPPARINI, 1999LORENZONI, G.; LIPPARINI, A. The leveraging of interfirm relationships as a distinctive organizational capability: a longitudinal study. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 20, n. 4, p. 317-338, 1999.).

Diante desse cenário, buscou-se investigar a presença das CRs em dois PACs de indústrias brasileiras. Para isso, foi utilizado o modelo teórico proposto por Alves, Segatto e De-Carli (2016)ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016., que foi desenvolvido com base em cinco modelos anteriores (JOHNSEN; FORD, 2006JOHNSEN, R. E.; FORD, D. Interaction capability development of smaller suppliers in relationships with larger customers. Industrial Marketing Management, New York, v. 35, n. 8, p. 1002-1015, 2006.; MCGRATH, 2008MCGRATH, H. Developing a relational capability construct for SME network marketing using cases and evidence from Irish and Finnish SMEs. 2008. Tese (PhD) - Waterford Institute of Technology, Waterford, 2008.; NGUGI; JOHNSEN; ERDÉLYI, 2010NGUGI, I. K.; JOHNSEN, R. E.; ERDÉLYI, P. Relational capabilities for value co‐creation and innovation in SMEs. Journal of Small Business and Enterprise Development, Bingley, v. 17, n. 2, p. 260-278, 2010.; SARKAR; AULAKH; MADHOK, 2009SARKAR, M.; AULAKH, P. S.; MADHOK, A. Process capabilities and value generation in alliance portfolios. Organization Science, Catonsville, v. 20, n. 3, p. 583-600, 2009.; SCHILKE; GOERZEN, 2010SCHILKE, O.; GOERZEN, A. Alliance management capability: an investigation of the construct and its measurement. Journal of Management, Bingley, v. 36, n. 5, p. 1192-1219, 2010.). Ademais, a existência de componentes (no modelo escolhido) facilitou a identificação das CRs.

Para a revisão teórica, realizou-se uma busca em bases de dados (Scopus e Web of Science) em início de 2021. Obteve-se um total de 35 artigos revisados por pares nas línguas inglesa e portuguesa, com combinação de palavras-chave relacionadas a CRs e parcerias entre startups e grandes empresas. Destes, pode-se citar os seguintes temas abordados: capacidade de rede de novos empreendimentos, capacidade de rede de startups ou de pequenas empresas e a relação dessa capacidade com inovação, desempenho e vendas.

Outros artigos abordam questões acerca de parcerias assimétricas entre startups e grandes empresas, ou fatores que influenciam o desempenho de novos empreendimentos dentro de aceleradoras de negócios. Nenhum artigo até então identificado tinha como objetivo a identificação das CRs em PACs, nem utilizava o modelo que será abordado neste artigo.

Assim, pode-se afirmar que este estudo também contribui para o crescente e emergente debate acerca do fenômeno da aceleração corporativa. Além disso, torna-se original por utilizar a lente das CRs para estudar o fenômeno, especialmente a caracterização das CRs usando o modelo de Alves, Segatto e De-Carli (2016)ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016..

Considerando que as CRs têm impacto no sucesso de uma parceria, ao discutir sua presença nos PACs, pode-se melhorar a colaboração entre startups e grandes empresas, impactando o empreendedorismo tanto das startups, com o fornecimento de novas oportunidades de negócios e acesso a recursos (KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.) quanto o corporativo, com a longevidade das grandes empresas (SHANKAR; SHEPHERD, 2018SHANKAR, R. K.; SHEPHERD, D. A. Accelerating strategic fit or venture emergence: different paths adopted by corporate accelerators. Journal of Business Venturing, Bloomington, v. 34, n. 5, p. 105886, 2018.).

2. Programas de aceleração corporativa

Os PACs surgiram como um novo método para promover a colaboração entre startups e grandes empresas já estabelecidas (HEINEMANN, 2015HEINEMANN, F. Corporate accelerators: a study on prevalence, sponsorship, and strategy. 2015. Dissertação (Mestrado) - Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, 2015.; JACKSON; RICHTER, 2017JACKSON, P.; RICHTER, N. Situational logic: an analysis of open innovation using corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 21, n. 7, p. 1750062, 2017.; WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Esses programas são de iniciativa das grandes corporações e há predomínio por interesses estratégicos, como geração de novos produtos, resolução de problema específico ou reconhecimento precoce das ameaças e da concorrência.

Como benefícios às corporações, destaca-se o aumento de sua capacidade de inovação e de acesso às tecnologias emergentes por meio das startups (HOCHBERG, 2016HOCHBERG, Y. V. Accelerating entrepreneurs and ecosystems: the seed accelerator model. Innovation Policy and the Economy, Chicago, v. 16, p. 25-51, 2016.). Há também benefícios intangíveis, como rejuvenescimento da cultura corporativa, em virtude da interação e troca de conhecimento com as startups (GUTMANN; KANBACH; SELTMAN, 2019GUTMANN, T.; KANBACH, D.; SELTMAN, S. Exploring the benefits of corporate accelerators: investigating the SAP Industry 4.0 Startup Program. Problems and Perspectives in Management, Sumy, v. 17, n. 3, p. 218-232, 2019.; KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.), e construção de uma imagem inovadora e aberta a novos empreendimentos (JACKSON; RICHTER, 2017JACKSON, P.; RICHTER, N. Situational logic: an analysis of open innovation using corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 21, n. 7, p. 1750062, 2017.; KANBACH; STUBNER, 2016KANBACH, D. K.; STUBNER, S. Corporate accelerators as recent form of startup engagement: the what, the why, and the how. Journal of Applied Business Research, Littleton, v. 32, n. 6, p. 1761-1776, 2016.; KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.).

Já as startups se beneficiam dos PACs ao obter acesso a recursos corporativos difíceis de alcançar, como experiência, equipamentos, mercados e conhecimento da indústria (WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Também recebem capacitação e relacionam-se com executivos e especialistas do mercado e da corporação (KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.), o que possibilita melhoria dos seus produtos e serviços (KANBACH; STUBNER, 2016KANBACH, D. K.; STUBNER, S. Corporate accelerators as recent form of startup engagement: the what, the why, and the how. Journal of Applied Business Research, Littleton, v. 32, n. 6, p. 1761-1776, 2016.). Ademais, elas aumentam sua credibilidade e visibilidade, facilitando futuras aquisições de clientes (KOHLER, 2016KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016.).

3. Capacidades relacionais

As CRs desenvolvem-se durante as cooperações interorganizacionais (ALVES, 2015ALVES, F. S. Capacidades relacionais em cooperações para desenvolvimento de tecnologias com e sem fins lucrativos. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.). Podem ser definidas como a “vontade e capacidade de parceria de uma empresa” (DYER; SINGH, 1998, pDYER, J. H.; SINGH, H. The relational view: cooperative strategy and sources of interorganizational competitive advantage. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 4, p. 660-679, 1998.. 672) e envolvem a habilidade de escolher o parceiro certo (DONADA; NOGATCHEWSKY; PEZET, 2016DONADA, C.; NOGATCHEWSKY, G.; PEZET, A. Understanding the relational dynamic capability-building process. Strategic Organization, Thousand Oaks, v. 14, n. 2, p. 93-117, 2016.) e de desenvolver competências técnicas e interpessoais para a gestão eficiente do processo de parceria (COSTA et al., 2018COSTA, P. R. et al. Relational capability and strategic alliance portfolio configuration: a study of Brazilian technology firms. International Journal of Emerging Markets, Leeds, v. 13, n. 5, p. 1026-1049, 2018.).

Por meio de rotinas de compartilhamento de conhecimento e de capacidades complementares entre os parceiros, as CRs influenciam o desempenho operacional, facilitando o desenvolvimento conjunto de novos produtos e tecnologias (RUNGSITHONG; MEYER; ROATH, 2017RUNGSITHONG, R.; MEYER, K. E.; ROATH, A. S. Relational capabilities in Thai buyer-supplier relationships. Journal of Business and Industrial Marketing, Bingley, v. 32, n. 8, p. 1228-1244, 2017.), além de crescimento de vendas (KOHTAMÄKI; RABETINO; MÖLLER, 2018KOHTAMÄKI, M.; RABETINO, R.; MÖLLER, K. Alliance capabilities: a systematic review and future research directions. Industrial Marketing Management, New York, v. 68, p. 188-201, 2018.). Quando há CR, há maior capacidade de criação de valor conjunto (devido a melhor capacidade de coordenação), ao invés de captura de valor privado, o que prejudicaria a aliança devido a benefícios assimétricos (WANG; RAJAGOPALAN, 2015WANG, Y.; RAJAGOPALAN, N. Alliance capabilities: review and research agenda. Journal of Management, Bingley, v. 41, n. 1, p. 236-260, 2015.).

Além de funcionarem como uma capacidade estratégica/operacional para a contínua colaboração com os parceiros por meio da gestão, integração e aprendizagem das relações, as CRs também detectam, capturam e reconfiguram recursos, atuando como uma capacidade dinâmica (KOHTAMÄKI; RABETINO; MÖLLER, 2018KOHTAMÄKI, M.; RABETINO, R.; MÖLLER, K. Alliance capabilities: a systematic review and future research directions. Industrial Marketing Management, New York, v. 68, p. 188-201, 2018.). As empresas que desenvolvem CRs conseguem manter relacionamentos mais próximos e duradouros com seus parceiros, combinando recursos para explorar e aproveitar as novas oportunidades que se apresentam (MCGRATH, 2008MCGRATH, H. Developing a relational capability construct for SME network marketing using cases and evidence from Irish and Finnish SMEs. 2008. Tese (PhD) - Waterford Institute of Technology, Waterford, 2008.). Em se tratando de startups, desenvolver capacidades para acessar recursos externos é vital para sua sobrevivência (MCGRATH; MEDLIN; O’TOOLE, 2019MCGRATH, H.; MEDLIN, C. J.; O’TOOLE, T. A process-based model of network capability development by a start-up firm. Industrial Marketing Management, New York, v. 80, p. 214-227, 2019.), pois sua evolução não depende apenas das habilidades do empreendedor, mas requer cooperação com parceiros para acessar recursos, particularmente os intangíveis, como novas competências (CANTÙ; GIORGIA; TZANNIS, 2018CANTÙ, C.; GIORGIA, S.; TZANNIS, A. Exploring the role of business relationships in start-ups’ life cycles: evidences from the Italian context. IMP Journal, Bath, v. 12, n. 3, p. 519-543, 2018.).

Ressalta-se, porém, que as CRs são habilidades estratégicas que emergem e se desenvolvem à medida que se aprende com a experiência interacional (MCGRATH et al., 2017MCGRATH, H. et al. A relational lifecycle model of the emergence of network capability in new ventures. International Small Business Journal: Researching Entrepreneurship, Thousand Oaks, v. 36, n. 5, p. 521-545, 2017.). Portanto, são importante para uma maior criação e apropriação de valor entre os parceiros. Visando uma melhor compreensão das CRs, Alves (2015)ALVES, F. S. Capacidades relacionais em cooperações para desenvolvimento de tecnologias com e sem fins lucrativos. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015. as divide em cinco dimensões (cada uma com seus componentes) interdependentes, como explicado no Quadro 1:

QUADRO 1
Informações acerca das Capacidades Relacionais, de acordo com o modelo de Alves, Segatto e De-Carli (2016)ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016.

4. As capacidades relacionais em programas de aceleração corporativa

PAC ainda é um fenômeno recente, porém em ascensão. Há, portanto, uma incipiência de estudos nessa área, sendo que os artigos mais citados datam de 2015 e 2016. O artigo de Weiblen e Chesbrough (2015), oWEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015. mais destacado do meio acadêmico em termos de citações (130), propõe uma tipologia de mecanismos corporativos para se envolver com startups, pelos quais as empresas estabelecidas podem preencher a lacuna existente entre elas e o mundo das startups. Outro artigo de destaque é o de Kohler (2016)KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016., com 96 citações, em que o autor argumenta acerca de quatro dimensões - proposta, processo, pessoas e lugar - para alavancar a inovação das startups e tornar os programas de aceleração uma parte eficaz da estratégia geral de inovação das corporações. Com relação aos anos de publicação, observa-se uma curva ascendente de artigos com essa temática a partir de 2015.

CR, por sua vez, é um fenômeno com bastante maturidade no âmbito acadêmico. Artigos com esse tema datam de longa data (DYER; SINGH, 1998DYER, J. H.; SINGH, H. The relational view: cooperative strategy and sources of interorganizational competitive advantage. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 4, p. 660-679, 1998.; DYER; KALE, 2007DYER, J.; KALE, P. Relational capabilities: drivers and implications. In: HELFAT, C. E. et al. (Eds.). Dynamic capabilities: understanding strategic change in organizations. Malden: Blackwell Pub, 2007. p. 65-79.; LORENZONI; LIPPARINI, 1999LORENZONI, G.; LIPPARINI, A. The leveraging of interfirm relationships as a distinctive organizational capability: a longitudinal study. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 20, n. 4, p. 317-338, 1999.). O fenômeno continua atual e em evolução, sendo revisitado após vinte anos pelos autores seminais Dyer, Singh e Hesterly (2018)DYER, J. H.; SINGH, H.; HESTERLY, W. S. The relational view revisited: a dynamic perspective on value creation and value capture. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 39, n. 12, p. 3140-3162, 2018..

Ao se combinar os dois constructos, contudo, nenhum artigo foi encontrado. Porém, aprofundando-se a investigação, buscou-se artigos que abordassem as CR entre empresas estabelecidas e startups. Isso porque, embora os PACs tenham suas particularidades, eles são considerados uma forma emergente de colaboração entre startups (ou novos empreendimentos) e empresas estabelecidas (WEIBLEN; CHESBROUGH, 2015WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015.). Assim, foi possível compreender melhor as intersecções envolvendo CRs nas parcerias entre startup-empresa.

Dentre os autores, destacam-se Helen McGrath, e Thomas O'Toole, com sete artigos publicados em conjunto, sendo alguns deles em co-autoria com outros pesquisadores. O tema que prevalece entre esses dois autores é a capacidade de rede de novos empreendimentos. Em seguida, destaca-se o autor Vinit Parida com dois artigos publicados também acerca de capacidade de rede de startups ou de pequenas empresas e a relação dessa capacidade com inovação, desempenho e vendas.

Outros artigos mais recentes como os de Allmendinger e Berger (2020)ALLMENDINGER, M. P.; BERGER, E. S. C. Selecting corporate firms for collaborative innovation: entrepreneurial decision making in asymmetric partnerships. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 24, n. 1, p. 2050003, 2020. e Knoben e Bakker (2019)KNOBEN, J.; BAKKER, R. M. The guppy and the whale: relational pluralism and start-ups’ expropriation dilemma in partnership formation. Journal of Business Venturing, Bloomington, v. 34, n. 1, p. 103-121, 2019. abordam os riscos e desafios das parcerias assimétricas entre startups e grandes empresas. Já o artigo de Shetty, Sundaram e Achuthan (2020)SHETTY, S.; SUNDARAM, R.; ACHUTHAN, K. Assessing and comparing top accelerators in Brazil, India, and the USA: through the lens of new ventures’ performance. Entrepreneurial Business and Economics Review, Cracóvia, v. 8, n. 2, p. 153-177, 2020. investiga os fatores que influenciam o desempenho de novos empreendimentos dentro das principais aceleradoras de negócios de três países distintos (EUA, Brasil e Índia). Destaca-se ainda o artigo de Zaremba, Bode e Wagner (2017)ZAREMBA, B. W.; BODE, C.; WAGNER, S. M. New venture partnering capability: an empirical investigation into how buying firms effectively leverage the potential of innovative new ventures. Journal of Supply Chain Management, Hoboken, v. 53, n. 1, p. 41-64, 2017. por revelar maneiras eficazes pelas quais empresas estabelecidas fazem parceria com novos empreendimentos e como governam esses relacionamentos, conceituando-se assim o construto da “capacidade de parceria de novos empreendimentos”, que não deixa de ser uma nova conceituação para CR. Com relação aos anos de publicação, observa-se que a maior ocorrência de artigos foi entre 2015 e 2021.

5. Procedimentos metodológicos

Para investigar a presença das CR em dois PACs de indústrias brasileiras, adotou-se uma abordagem qualitativa descritiva, com o estudo de caso como método de pesquisa. A escolha dos casos ocorreu por intencionalidade, a partir dos seguintes critérios: (1) ter ocorrido durante um período de tempo limitado; (2) ter ocorrido com diversas startups; (3) oferecer recursos e suporte às startups; 4) já estar pelo menos na segunda edição, aumentando a probabilidade da existência das CRs (5) ser iniciativa de uma única empresa e não de um consórcio, pois o foco era a relação diádica entre grande empresa e startup. A saturação de dados foi obtida uma vez que já no segundo PAC entrevistado (corporação e startup) já houve repetição de informações.

Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas online, gravadas e, posteriormente, transcritas. A entrevista foi composta por questões acerca dos PACs (motivações, antecedentes e objetivos), bem como das dimensões e componentes das CRs. Para aquele questionário, foi elaborado exclusivamente para essa pesquisa. Já as questões de CRs foram adaptadas do trabalho de Alves (2015)ALVES, F. S. Capacidades relacionais em cooperações para desenvolvimento de tecnologias com e sem fins lucrativos. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.. Foi realizado um pré-teste do questionário com uma empresa já estabelecida. O Quadro 2 apresenta os detalhes de cada entrevista e das empresas participantes.

QUADRO 2
Detalhamento das entrevistas e das empresas

Já os dados secundários foram obtidos por meio dos regulamentos1 1 Os regulamentos dos PACs foram obtidos nos sites oficiais da Corp-1 e Corp-2, sendo os links suprimidos para preservar a identidade dos entrevistados. dos PACs, notícias relacionadas e sites das empresas. As informações foram coletadas sem uso de roteiro pré-estabelecido, mas buscando triangular as informações obtidas junto as entrevistas realizadas. Assim, igualmente buscou-se dados acerca de motivações, antecedentes e objetivos dos PACs e desenvolvimento das dimensões e componentes das CRs.

A coleta de dados ocorreu entre agosto e outubro de 2021, configurando-se como uma pesquisa de corte transversal, haja vista que as entrevistas aconteceram em um momento único. Porém, teve aproximação longitudinal, pois buscou-se a presença das CRs ao longo do tempo, ou seja, desde a criação dos programas. Para isso, foram realizados questionamentos a respeito de fatos passados, para que se pudesse inferir, de maneira lógica, como tais capacidades se apresentam, bem como as motivações e antecedentes para a criação dos PACs.

Para a análise dos dados, estes foram codificados com o auxílio do software ATLAS.ti, identificando as seguintes informações: motivações, antecedentes e objetivos dos PACs e dimensões e componentes das CRs. No que se refere às ‘capacidades relacionais’, foi utilizado um processo dedutivo de codificação, ou seja, códigos foram previamente estabelecidos (SALDAÑA, 2013SALDAÑA, J. The coding manual for qualitative researchers. 2. ed. Atalanta: Sage, 2013.), de acordo com os componentes do modelo teórico adotado. A seguir, são apresentados os casos, a análise dos resultados e as discussões pertinentes.

6. Resultados e discussão

O PAC-1 foi criado em 2018 como parte da estratégica da empresa em busca de transformação digital. A motivação para sua criação foi explorar novos modelos de negócios e iniciar uma jornada de servitização da Corp-1, ou seja, oferecer serviços e não apenas o produto. Em outras palavras, seu objetivo era “transformar a Corp-1 não mais em uma empresa que vende rolo de manta asfáltica, e sim, metro quadrado impermeabilizado” (C1).

Antes de ter seu próprio programa de aceleração, a Corp-1 patrocinou um programa em conjunto com mais três empresas da indústria de material de construção organizado por uma aceleradora parceira. De acordo com C1, os resultados desse programa frustraram os participantes, mas também proporcionaram muitos aprendizados para a criação do programa proprietário da Corp-1.

Desde o primeiro ciclo, o PAC-1 busca soluções digitais para a cadeia da construção, em especial para processos de impermeabilização, bem como oportunidades de atuação em novos mercados (C1). Atualmente, o objetivo do programa é ampliar a oferta de soluções ao segmento de construção civil, disponibilizando novos produtos, serviços e tecnologias. O PAC-1 tem duração de quatro meses, no qual se aceleram em média cinco startups por ciclo. A partir do terceiro ciclo, passou a ser realizado de forma independente, ou seja, sem aceleradora parceira (C1). No momento da entrevista o PAC-1, estava no seu quarto ciclo. No decorrer do programa, as startups realizam uma PoC (proof of concept) dentro de uma empresa madrinha, cliente da Corp-1. Além do benefício de testar a solução em uma grande empresa, as startups recebem mentorias, treinamentos e possibilidade de se relacionar com o ecossistema da Corp-1 (C1). Além disso, o programa é com participação societária nas startups, mas não com todas as aceleradas. Portanto, conforme o regulamento, ao término do programa de aceleração poderá ser avaliada uma rodada de investimento para a startup.

O PAC-2 foi criado em 2017 como estratégia de inovação aberta da empresa para conectar as áreas de negócio da Corp-2 às startups. A Corp-2 e todas as empresas do grupo já tinham um histórico de parcerias, mas sempre no âmbito de cliente/fornecedor com grandes empresas, possuindo parcerias de até 20 anos voltadas à tecnologia. Contudo, ao buscar inovação aberta por meio de programa de aceleração, visava-se além de inovação, novos modelos de negócios e otimização de processos com soluções já desenvolvidas por startups, conforme explicado pelo entrevistado C2.

De acordo com o regulamento, os objetivos do PAC-2 são: (i) conhecer ideias e soluções para os desafios apresentados e (ii) identificar startups que poderão vir a ser fornecedoras ou parceiras de negócios. Para isso, podem se inscrever no programa startups que já tenham um MVP desenvolvido que atenda aos desafios de negócios propostos pela Corp-2. No total, mais de 40 startups já passaram pelo PAC-2 e, no momento da entrevista, este estava em sua quarta edição (C2).

O PAC-2 ocorre uma vez ao ano, junto a uma aceleradora parceira e tem duração de quatro meses. Não há contrapartida societária e se acelera em média dez startups por ciclo (C2). Durante o programa, cada startup realiza um projeto piloto para a resolução de um desafio de negócio da Corp-2. Ao final, se houver uma entrega de valor, pode-se firmar um contrato de parceria (C2). Embora o site do programa afirme que não é parte de seu escopo mentorias ou capacitações de negócio, as evidências empíricas demonstraram que existe mentoria, capacitação e troca de conhecimento, de forma tácita.

Considerando as informações coletadas dos PACs investigados, suas motivações, antecedentes e objetivos são apresentados numa síntese no Quadro 3.

QUADRO 3
Características dos PACs

Com relação às capacidades relacionais, observou-se a presença das cinco dimensões do modelo de Alves (2015)ALVES, F. S. Capacidades relacionais em cooperações para desenvolvimento de tecnologias com e sem fins lucrativos. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015., bem como de seus componentes nos dois casos estudados.

A dimensão de coordenação demonstra-se de grande valia para uma adequada gestão dos programas, em virtude da complexidade e do curto prazo de cada ciclo, da quantidade de profissionais envolvidos, das diferenças culturais, da expectativa que se gera entre os participantes. Isso reforça a importância dessa dimensão para o alinhamento das ações entre os envolvidos e para o alcance dos objetivos mútuos (SCHILKE; GOERZEN, 2010SCHILKE, O.; GOERZEN, A. Alliance management capability: an investigation of the construct and its measurement. Journal of Management, Bingley, v. 36, n. 5, p. 1192-1219, 2010.).

Em ambos os PACs, observou-se formalização por meio de regulamentos dos programas, de fases pré-estabelecidas, de controle/acompanhamento das atividades, do uso de metodologias ágeis e de papeis definidos. No PAC-1, observou-se uma periodicidade semanal das sprints2 2 Sprint é um espaço de tempo dentro do qual um conjunto de atividades deve ser realizado. Este conceito é aplicado nas metodologias ágeis de desenvolvimento de softwares e permite dividir o trabalho em etapas ou ciclos (RICO, 2020). durante o programa, sendo uma semana com a startup e a empresa madrinha; e na semana seguinte apenas com os empreendedores das startups. As sprints apenas com os empreendedores têm o intuito de ajudá-los sob o ponto de vista de gestão empresarial, por meio de mentorias (on demand) de acordo com a necessidade específica de cada empreendedor (C1).

Já no PAC-2, durante a execução do piloto, o relacionamento é conduzido de acordo com as peculiaridades de cada desafio a ser solucionado. Com exceção do prazo de início e térmico, percebe-se flexibilidade em termos de cronograma, reuniões e encontros. Há áreas que optam por reuniões semanais com as startups enquanto outras quinzenais, dependendo da natureza do projeto piloto (C2).

Além disso, a presença de um mediador (gestor de aceleração na Corp-1 e gerente de inovação na Corp-2) entre startups e áreas de negócios das grandes empresas também se revelou indispensável no processo em ambos os casos, bem como a experiência de aceleradoras parceiras, ao menos, para auxiliar na criação dos PACs. Na fala do entrevistado S2, CEO da startup-2, esse mediador foi essencial à comunicação, compreensão e aproximação entre startup e corporação.

Ele (gerente de inovação) era o cara da Corp-2 que tinha uma mentalidade de startup, sabe, e isso nos ajudou muito. [...] ele nos ajudou muito em diversos momentos a fazer a tradução da mentalidade e, às vezes, até do vocabulário startupês para essa turma. A gente falava de sprints, de backlog, que são termos voltado para planejamento, execução, cadência e agilidade, e ele ajudava nessa ponte. E muitas vezes, quando um cliente, quando um gestor pedia alguma coisa pra gente, ele (gerente de inovação) dizia ‘na realidade o que ele queria era isso aqui em startupês’. Aí a gente conseguia se comunicar bem. Então, ele de fato foi, literalmente, um tradutor, um guia pra gente navegar dentro do ambiente corporativo. Isso pra gente foi super importante. (S2).

Tais evidências reforçam os achados de Kohler (2016)KOHLER, T. Corporate accelerators: building bridges between corporations and startups. Business Horizons, Bloomington, v. 59, n. 3, p. 347-357, 2016., que diz que os gestores de aceleração são “construtores de pontes” entre startups e corporações, responsáveis por facilitar a interação nos dois sentidos. De forma similar, Gerbasi e Latusek (2015)GERBASI, A.; LATUSEK, D. Trust-building in international business ventures. Baltic Journal of Management, Bingley, v. 10, n. 1, p. 30-51, 2015. sugerem que o envolvimento de um terceiro ou intermediário, aliado a interações frequentes e experiências compartilhadas entre os pares são os três caminhos interdependentes a se seguir para a construção de confiança entre os parceiros.

A coordenação também é fundamental para sinergia e integração entre startups e áreas de negócios das grandes empresas. Ações voltadas à integração e sinergia são percebidas já no início do PAC-1 por meio de visitas dos empreendedores das startups à fábrica, oportunizando um contato direto com as áreas da Corp-1. “O nosso onboarding3 3 Onboarding no universo das startups refere-se ao processo de integração de um novo cliente (RICO, 2020). era muito assim, a gente fazia no segundo dia de programa uma visita in loco até a fábrica, onde eles (empreendedores das startups) conheciam as nossas áreas, as áreas faziam pitch para eles, para que eles então entendessem a natureza do nosso próprio negócio” (C1). De forma similar, no PAC-2 existe a fase de aproximação entre startups e áreas de negócios, que consiste em um breve período que antecede o piloto, para avaliar aspectos relacionados à aderência entre as partes, grau de incerteza e de riscos da solução para a Corp-2, investimento necessário para o piloto, disponibilidade dos empreendedores das startups e projeção dos resultados. Após isso, inicia-se o desenvolvimento do piloto propriamente dito, no qual é realizada a PoC.

A dimensão cultural destaca-se no aspecto da confiança e do estabelecimento de valores e cultura comum entre os parceiros. As dificuldades de se lidar com as diferenças culturais foi um desafio citado entre os entrevistados e para que seja uma relação ganha-ganha, é preciso confiança mútua e clareza acerca das diferenças existentes entre os envolvidos.

De acordo com C1, é o acompanhamento de perto da Corp-1 que contribui para a criação de confiança com as startups. “[...] esse acompanhamento de perto, sempre foi uma marca muito forte para a gente. A gente não delegou para a aceleradora, a gente não delegou para os outros. A gente sempre fez esse acompanhamento” (C1). A influência de relações estreita na construção de confiança é corroborada pelo entrevistado S1, CEO e fundador da startup-1, ao explicar que os executivos da Corp-1 dão bastante atenção às startups durante o programa, fazendo com que os empreendedores se sintam importantes por terem disponibilidade e dedicação desses executivos. “Não é algo da porta para fora, só para mostrar ao mercado que a corporação se relaciona com startups” (S1). Ele ainda explica que a partir do momento que a startup percebe essa seriedade, passa a confiar que estar conectada àquela corporação é um bom caminho a seguir (S1).

No PAC-2, a relação estreita entre os atores também está atrelada ao estabelecimento de confiança entre os parceiros. Para o entrevistado C2, a confiança é um requisito para se prolongar essa relação e a sua construção é bastante natural, ocorrendo no dia a dia do desenvolvimento do piloto (PoC) das startups com as áreas de negócios.

Você está notando a startup engajada, respondendo bem os nossos prazos, trazendo soluções. Porque uma certeza que você tem é que vão surgir entraves, vão surgir problemas no meio do caminho que precisam ser superados. E você vê a forma como a startup reage a isso. Isso aumenta a confiança a partir do momento que você vê a capacidade de superação, de busca de soluções para os problemas que em qualquer projeto acontecem né. E a velocidade que ela (startup) reage também a isso. (C2).

Já para o entrevistado S2, CEO e fundador da startup-2, o apoio da alta gestão (diretor geral do programa) é essencial para o estabelecimento de confiança e continuidade da parceria, que se perpetua até hoje, mesmo após o término do programa. Isso confirma os achados de Richter; Jackson e Schildhauer (2017)RICHTER, N.; JACKSON, P.; SCHILDHAUER, T. Outsourcing creativity: an abductive study of open innovation using corporate accelerators. Creativity and Innovation Management, Oxford, v. 27, n. 1, p. 1-10, 2017. de que o comprometimento da alta administração é a chave para o sucesso de cooperação.

O diretor C2 tem sido uma pessoa incrível, nos apoiando em todos os sentidos. Mesmo nos momentos mais difíceis ele disse: ‘Cara, fica tranquilo, a cultura daqui é assim mesmo’. Tanto que o primeiro projeto, a gente não conseguiu fazer uma boa entrega, mas nem por isso a gente deixou de se relacionar e fazer outros projetos com a Corp-2. [...] enfim um chapéu de diretor fez toda a diferença em fazer a gente sair do outro lado sabe. Se essa iniciativa fosse algo departamental ou se fosse apenas de uma área específica, eu acho que o projeto tinha morrido ali e a empresa não tinha seguido adiante esse relacionamento conosco. (S2).

Percebe-se na citação anteriores a importância de haver transparência na comunicação com as startups e de compreender que as culturas são diferentes. No PAC-1, a comunicação também foi apontada por C1 como um importante elemento para o estabelecimento de confiança: “outro aspecto foi sempre ter papo reto com as startups. Startup vem cá, conta a tua verdade para mim, põe ela na mesa, mas você também vai ouvir a minha verdade” (C1), corroborando a importância de se falar a mesma linguagem para o estabelecimento da confiança (GERBASI; LATUSEK, 2015GERBASI, A.; LATUSEK, D. Trust-building in international business ventures. Baltic Journal of Management, Bingley, v. 10, n. 1, p. 30-51, 2015.).

As evidências empíricas sugerem, que com o tempo, após várias edições dos programas, tende-se a fortalecer a relação entre startups e grande empresa, estabelecendo-se valores comuns, aproveitando-se assim o melhor de cada parceiro. Para C2, “Tanto nós interferimos na cultura da startup, quanto a startup interfere na nossa cultura. Isso acontece naturalmente de forma inevitável e algumas vezes irreversível”. Para ele, todas essas mudanças são decorrentes de um processo de amadurecimento e de aprendizado.

O entrevistado C1 também afirma que a aproximação com as startups provoca mudanças tanto na corporação quanto nas startups. “Olha, a gente está aprendendo bastante com elas (startups). É um mundo completamente diferente do que a gente estava acostumado enquanto organização tradicional de 85 anos” (C1). Já as startups, por exemplo, passaram a se preocupar com determinados processos e normas da corporação (C1). Esses resultados corroboram o entendimento de Ngugi, Johnsen e Erdélyi (2010)NGUGI, I. K.; JOHNSEN, R. E.; ERDÉLYI, P. Relational capabilities for value co‐creation and innovation in SMEs. Journal of Small Business and Enterprise Development, Bingley, v. 17, n. 2, p. 260-278, 2010., de que construir uma cultura e valores compartilhados favorece a cocriação de valor para melhorar o relacionamento, permitindo assim que os parceiros alcancem algo que nenhuma das partes poderia alcançar sozinha.

As dimensões de conhecimento e tecnológica são visivelmente presentes no relacionamento das startups com as áreas de negócios para o desenvolvimento ou aprimoramento de produtos/serviços em conjunto. Os envolvidos interagem para troca de conhecimentos, habilidades e experiências por meio do desenvolvimento de PoCs, podendo surgir inovações colaborativas e novas possibilidades de negócios. Essas soluções desenvolvidas em conjunto ainda podem ser testadas em um cliente real da grande empresa ou em uma empresa parceira (madrinha), potencializando os aprendizados e minimizando os erros de se introduzir uma inovação no mercado.

Os PACs, portanto, relevam-se uma importante ferramenta para a experimentação e criação de valor entre startups e grandes empresas. Conforme exemplificado “[...] algumas soluções a gente teve que desenvolver do zero e aí a gente tem até a patente desse aparelho em conjunto com a startup” (C1). Um outro caso de inovação colaborativa foi a de adaptar a solução da startup para o mercado de construção. “Eles já tinham a tecnologia baseada em dados para bens de consumo em geral, mas nunca para material de construção, daí a gente construiu com eles, adaptou a tecnologia para as nuances da indústria de material de construção” (C1).

Essa proximidade entre startups e áreas da grande corporação traz ainda outras recompensas e incentivos a ambas as partes, em especial na obtenção de conhecimento. “É o tempo todo a startup apresentando a sua solução e a área criticando, elogiando e colocando ela (startup) adaptada ao que se necessita dentro da organização” (C2). Da mesma forma, para C1, “é nas mentorias que eles (empreendedores) veem grande valor. Esse aprendizado com os executivos que a gente tem como mentores” (C1).

Para as startups, há ainda a questão da credibilidade de se associar a uma marca reconhecida, bem como ter à sua disposição uma estrutura interna (de recursos, de pessoas) que a ajuda em vários aspectos como, por exemplo, elaboração de um contrato, questões de segurança da informação (C1 e C2). Para a corporação, há a questão de desenvolver um produto com mais flexibilidade, de forma mais ágil, na qual as tentativas e erros são mais frequentes. Além disso, conforme explica C2, a startup possivelmente já testou possibilidades que os profissionais da grande corporação, muitas vezes, não têm tempo hábil para fazer, como, por exemplo, novas soluções de software e de processos. As evidências ainda sugerem que ao se perceber valor (recompensa) no relacionamento, estimula-se a obtenção e transferência de conhecimento e de tecnologia.

A dimensão de coadaptação demonstra-se imprescindível em dois momentos distintos. O primeiro deles é para a criação dos PACs, exigindo das grandes empresas alterações das rotinas usuais, adaptação de recursos e/ou modos operacionais para oferecer um ambiente adequado à realidade das startups, mais simplificado e protegido da burocracia organizacional conforme recomendado por Weiblen e Chesbrough (2015)WEIBLEN, T.; CHESBROUGH, H. W. Engaging with startups to enhance corporate innovation. California Management Review, Berkeley, v. 57, n. 2, p. 66-90, 2015..

Alterações nos departamentos jurídico e de compras foram necessárias na Corp-2 para que houvesse maior flexibilidade no relacionamento com as startups. Isso porque, de acordo com o entrevistado C2, a startup, geralmente por ser uma empresa pequena, não tem as mesmas condições que grandes fornecedores parceiros têm de atender todos os requisitos exigidos por uma grande corporação.

Já a Corp-1 precisou criar uma empresa, chamada aqui de Corp-X, para comercializar as soluções desenvolvidas conjuntamente com as startups aceleradas. Isso foi necessário porque apesar de continuarem no mesmo mercado de atuação (construção civil), oferecer tecnologia a esse mercado provou ser diferente do core business inicial da empresa.

Acreditava-se que o nosso time comercial, que já trabalha com o público de construtoras, saberia vender tecnologia e isso se provou que não é verdade. É um outro business, é um outro produto, é um outro interlocutor dentro da construtora. Fora isso esse mundo digital é uma outra mentalidade de negócios muito diferente de uma mentalidade tradicional de commodity de indústria. (C1).

Tudo isso, reafirma o entendimento de Jackson e Richter (2017)JACKSON, P.; RICHTER, N. Situational logic: an analysis of open innovation using corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 21, n. 7, p. 1750062, 2017. de que a grande empresa deve trabalhar para minimizar os efeitos de lógicas situacionais diferentes relacionados à tomada de decisão, formas de comunicação, velocidade de ações entre outros no relacionamento com startups (JACKSON; RICHTER, 2017JACKSON, P.; RICHTER, N. Situational logic: an analysis of open innovation using corporate accelerators. International Journal of Innovation Management, Manchester, v. 21, n. 7, p. 1750062, 2017.).

O segundo momento diz respeito à capacidade de coadaptação entre startups e áreas de negócios das grandes empresas por meio de relacionamento estreito, capacidade de alteração e busca por soluções em conjunto, proporcionando inovações colaborativas, troca de conhecimento, aprendizado mútuo, relação de confiança, sentimento de pertencimento e de parceria. Por vezes, a inovação é representada por adaptações junto às startups relacionadas ao setor, à tecnologia utilizada, à segurança da informação conforme explicado pelo entrevistado: “até mesmo quando a gente fala de LGPD, a gente teve que fazer as startups adaptarem muita coisa em conjunto” (C1).

Para C2, o que faz realmente o dia a dia do programa é a relação estreita e as interações frequentes entre áreas, startups, sponsors (patrocinadores) e líderes de cada área patrocinadora para o desenvolvimento do piloto. De acordo com ele há muita liberdade para que as áreas contribuam com as startups. Embora não haja no programa mentorias e capacitações formais “Olha hoje você virá aqui pra mentoria (C2)”, elas ocorrem naturalmente durante todo o piloto, nas interações entre áreas e startups, fato corroborado por S2:

A gente não esperava esse tipo de abertura. A sinceridade e o feedback mega honesto e transparente também do time tem sido muito bom. Mas sabe aquele feedback, não de reclamar, mas de dar feedback com propósito de que a startup melhore, de que a gente quer te ajudar a crescer. (S2).

Percebe-se que o aprendizado está muito relacionado a capacidade de coadaptação. Segundo C2, “a cada edição se aprende mais. Você aprende com o processo, as startups aprendem, nós aprendemos e nos anos seguintes você vai formatando o programa já com uma bagagem, com uma evolução dentro do processo”. Ademais, o aprendizado, decorrente de experiências passadas, permite avaliar melhor se as startups se enquadram no perfil necessário para desenvolver um projeto, ou seja, se elas já estão numa fase de atender ou não uma empresa do porte da Corp-2. Tais evidências corroboram a pesquisa de Wittmann, Hunt e Arnett (2009)WITTMANN, C. M.; HUNT, S. D.; ARNETT, D. B. Explaining alliance success: Competences, resources, relational factors, and resource-advantage theory. Industrial Marketing Management, New York, v. 38, n. 7, p. 743-756, 2009. acerca de que o conhecimento baseado nas experiências passadas ajuda a orientar futuras alianças e a identificar parceiros promissores.

Ainda segundo C2, o nível de acerto e de fechamento de contratos aumentaram ao longo dos anos, pois já se consegue selecionar, filtrar e orientar melhor as startups acerca do que é necessário para que elas atendam uma grande organização (C2). Isso, na opinião do entrevistado “é um aprendizado e hoje nós estamos muito mais maduros, principalmente, em tornar o processo dinâmico e constante dentro da organização”, ou seja, conseguindo se relacionar com as startups independente de uma rodada específica de desafio, mas de forma pontual de acordo com o interesse e necessidade da corporação (C2).

O entrevistado C2 ainda complementa que não se trata de um processo fácil. Existem erros e uma taxa aproximada de 30% de startups que prosperam. Contudo, segundo ele, embora não seja simples, a inovação aberta é necessária, e até uma questão de sobrevivência das grandes empresas (C2). Essa importância da inovação aberta é corroborada pelo entrevistado C1. Para ele, o programa “abriu um horizonte para a Corp-1. Colocou-a na vanguarda hoje da inovação. Mostrou uma oportunidade latente e um mercado gigantesco. A gente tem o potencial de tornar a Corp-X em cinco anos maior que a Corp-1” (C1).

7. Considerações finais

Os resultados da pesquisa levam a constatar que durante os PACs ocorre uma cooperação experimental, sem a necessidade de compromisso de longo prazo. Para se atingir os resultados esperados, contudo, é necessário comprometimento, vontade de realização de ambos os lados – startups e corporação – e desenvolvimento de CRs entre os envolvidos.

Ademais, as evidências indicam que os PACs diferem de uma relação tradicional de cliente-fornecedor. A ideia é que ambos, startup e corporação dediquem recursos e competências durante um tempo pré-determinado com o intuito de desenvolver soluções e viabilizar negócios em conjunto. Desta forma, buscam-se oportunidades e ganhos mútuos com soluções pensadas, elaboradas e construídas de forma cooperativa.

Para operacionalizar a pesquisa foi utilizado o modelo de CRs de Alves, Segatto e De-Carli (2016)ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016. e os resultados revelam a presença das cinco dimensões no contexto estudado, demonstrando sua importância (CRs) para identificar oportunidades, combinar e gerenciar recursos, adaptar-se às necessidades dos parceiros e aprender com (e junto) a eles, comunicar-se de forma transparente e desenvolver inovações colaborativas. Os resultados ainda sugerem que a existência das CRs durante os PACs potencializa benefícios como aprendizado, mudança cultural, geração de negócios, apoio nas operações das startups e ampliação da capacidade de inovação das grandes empresas.

Ao término dos PACs, havendo continuidade da parceria entre empresa estabelecida e startups, a tendência, conforme observado nas entrevistas, é o fortalecimento das CRs, por meio do aumento de confiança, de relacionamento estreito e de longo prazo, da identificação de novas soluções em conjunto, bem como do estabelecimento de valores e cultura comum.

Além da influência das CRs nos PACs, percebe-se que os PACs também são facilitadores no desenvolvimento e aprimoramento das CRs, pois permitem que as grandes empresas aprendam cada vez mais a se relacionar com as startups e vice-versa. As evidências empíricas demonstram que ao longo do tempo e das diversas edições dos PACs, as CRs das empresas estabelecidas vão sendo aprimoradas por meio de experiências passadas, erros e melhorias realizadas, proporcionando assim maior assertividade nos relacionamentos futuros com as startups. Desta forma, os PACs possibilitam um processo contínuo de aprendizado para as empresas estabelecidas e para o aprimoramento das suas CRs. Já para as startups, os PACs auxiliam no aprimoramento de diversas habilidades de negócios, dentre elas das CRs e, consequentemente da expansão de redes de relacionamentos, pois as startups participantes ampliam sua reputação, ganham visibilidade no mercado, conhecimento acerca da indústria e de como se relacionar com empresas de grande porte.

De forma prática, as descobertas dessa pesquisa podem ser relevantes para gestores de grandes empresas que desejam ou já se relacionam cooperativamente com startups, assim como para os empreendedores de startups que queiram trilhar parcerias com grandes corporações a partir dos programas de aceleração corporativa.

O diferencial deste trabalho foi aplicar o estudo das CRs em um tema tão recente como o da aceleração corporativa, revelando-se assim um fértil solo para futuras pesquisas acadêmicas que queiram explorar o relacionamento entre grandes empresas e startups na busca por inovação e cooperação. Amplia-se também a compreensão empírica acerca desse tipo de programa, demonstrando que estes tornam-se cada vez mais relevantes na estratégia corporativa de se buscar inovação além das fronteiras organizacionais.

Destaca-se ainda que o trabalho mostrou-se original, visto que nenhum dos artigos já publicados na área abordou objetivos semelhantes, no intuito de entender como as capacidades relacionais se desenvolviam em ambientes de aceleração corporativa. Ainda, aponta-se a novidade no uso do modelo de Alves, Segatto e De-Carli (2016)ALVES, F. S.; SEGATTO, A. P.; DE-CARLI, E. Theoretical framework about relational capability on inter-organizational cooperation. Journal of Industrial Integration and Management, Singapure, v. 1, n. 4, p. 1650012, 2016., em ambientes de inovação aberta recentes como os PACs.

Apesar do rigor adotado ao longo do desenvolvimento deste trabalho, algumas limitações foram encontradas. Umas delas diz respeito ao processo de inferência dos elementos analisados, pois na literatura, existem diferentes interpretações para o termo ‘capacidade relacional’. Essa limitação foi mitigada com a utilização de um modelo teórico, que facilitou o processo de identificação da presença ou ausência de tais capacidades nos casos analisados. Uma outra limitação diz respeito ao próprio método de pesquisa utilizado, o estudo de caso, que impossibilita a generalizações dos resultados (Yin, 2015YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015.). O trabalho também foi limitado por contemplar entrevistas com apenas uma pessoa de cada organização (startup e empresa estabelecida). Entrevistas com as áreas de negócios, com departamentos de compra, jurídico, aceleradoras parceiras e outros envolvidos nos programas aumentariam a compreensão das CRs nos PACs em questão.

Independente das limitações pontuadas, o tema revela-se um fértil solo para futuras pesquisas acadêmicas que queiram explorar o complexo relacionamento entre grandes empresas e startups na busca por inovação e cooperação. Possibilidades de pesquisas futuras acerca desse tema são apresentadas na sequência. (1) Investigar a influência das CRs na criação e apropriação de valor entre startups e grandes empresas, associando a geração das rendas relacionais proposta por (DYER; SINGH, 1998DYER, J. H.; SINGH, H. The relational view: cooperative strategy and sources of interorganizational competitive advantage. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 23, n. 4, p. 660-679, 1998.). (2) Aprofundar as rotinas de compartilhamento de conhecimento, bem como a institucionalização dessas rotinas com as startups. Questiona-se ainda a capacidade de absorção e gestão do conhecimento ao longo do tempo pelas grandes empresas após diversas edições dos PACs. (3) Analisar as CRs a nível de ecossistema empresarial, incluindo portfolio de startups aceleradas, empresas parceiras e clientes que participam dos PACs. (4) Correlacionar fracassos dos PACs à ausência de CRs, visto que a incapacidade de perceber valor nos relacionamentos criados pode levar à perda de oportunidades de negócios (NGUGI; JOHNSEN; ERDÉLYI, 2010NGUGI, I. K.; JOHNSEN, R. E.; ERDÉLYI, P. Relational capabilities for value co‐creation and innovation in SMEs. Journal of Small Business and Enterprise Development, Bingley, v. 17, n. 2, p. 260-278, 2010.). (5) Investigar a influência das CR no crescimento e desenvolvimento das startups aceleradas.

  • 1
    Os regulamentos dos PACs foram obtidos nos sites oficiais da Corp-1 e Corp-2, sendo os links suprimidos para preservar a identidade dos entrevistados.
  • 2
    Sprint é um espaço de tempo dentro do qual um conjunto de atividades deve ser realizado. Este conceito é aplicado nas metodologias ágeis de desenvolvimento de softwares e permite dividir o trabalho em etapas ou ciclos (RICO, 2020RICO, A. L. Dicionário startupês: os significados dos principais termos do ecossistema empreendedor. 2. ed. São José dos Campos: [s. n.], 2020.).
  • 3
    Onboarding no universo das startups refere-se ao processo de integração de um novo cliente (RICO, 2020RICO, A. L. Dicionário startupês: os significados dos principais termos do ecossistema empreendedor. 2. ed. São José dos Campos: [s. n.], 2020.).
  • Fonte de financiamento: o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2022
  • Revisado
    30 Maio 2023
  • Aceito
    11 Jun 2023
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