Acessibilidade / Reportar erro

A dinâmica de produção de conhecimento: teorias e dados, pesquisador e pesquisados

Resumo

As maneiras de desenhar a prática de pesquisa, de construir um discurso sobre ela e de materializá-la no texto variam de acordo com as culturas locais de cada disciplina acadêmica, seus valores e crenças (Becher, 1981; Swales, 1990; Hyland, 2000). Em áreas duras como a física e a química, tradicionalmente se verificou uma tendência ao consenso (Kuhn, 1970), com fundamentos conceituais e procedimentais acordados entre os membros. A cultura coesa das áreas duras foi vista por Thomas Kuhn como sinal de ciência madura, pois evidenciava argumentos consensuais, verificados, testados, discutidos no coletivo da disciplina ao longo de séculos. As ciências humanas e sociais, por outro lado, têm se caracterizado pelarecência da sua organização enquanto disciplina, pela novidade de seus argumentos e pela pouca amplitude de seu consenso (Rorty, 1991). Essa natureza heterogênea da validação do conhecimento e da caracterização do objeto de estudo é vista, neste trabalho, mais como qualidade a ser saudada do que como defeito a ser excluído. Para estudar um objeto tão complexo e rico como a linguagem humana, a Lingüística Aplicada desenha procedimentos que se socorrem em outras tantas disciplinas limítrofes, como a psicologia (na pesquisa cognitivista), a antropologia (na pesquisa etnográfica) e a sociologia (na pesquisa em análise do discurso). O surgimento de diferentes possibilidades para a prática de pesquisa vem acompanhado de discussões sobre a legitimação dos problemas e procedimentos de pesquisa. Diferentes desenhos demandam, entre outras coisas, perspectivas diversas do pesquisador sobre a linguagem e como estudá-la. Este trabalho examina dois conceitos ligados a a essa questão: a perspectiva ética e a perspectiva êmica, tentando relacioná-las a diferentes modos de investigar a linguagem. Por ser de natureza complexa e rica, a linguagem demanda que acomodemos, na metodologia de pesquisa, uma 'tensão dialética' entre direções opostas. Assim, no processo de investigação, tentamos ancorar os dados no seu contexto de situação e, ao mesmo tempo, relacioná-los ao contexto mais amplo da teoria. Procuramos significação na recorrência de elementos lingüísticos e, ao mesmo tempo, buscamos explicar qualitativamente a natureza desses elementos. Desenvolvemos a habilidade de delimitar e observar um . dado contexto de pesquisa e, ao mesmo tempo, tentamos neutralizar esse olhar de fora, para penetrar nesse contexto e obter um 'olhar de dentro'.


A dinâmica de produção de conhecimento: teorias e dados, pesquisador e pesquisados

Dèsirée Motta-Roth

Labler/UFSMF

RESUMO

As maneiras de desenhar a prática de pesquisa, de construir um discurso sobre ela e de materializá-la no texto variam de acordo com as culturas locais de cada disciplina acadêmica, seus valores e crenças (Becher, 1981; Swales, 1990; Hyland, 2000). Em áreas duras como a física e a química, tradicionalmente se verificou uma tendência ao consenso (Kuhn, 1970), com fundamentos conceituais e procedimentais acordados entre os membros. A cultura coesa das áreas duras foi vista por Thomas Kuhn como sinal de ciência madura, pois evidenciava argumentos consensuais, verificados, testados, discutidos no coletivo da disciplina ao longo de séculos. As ciências humanas e sociais, por outro lado, têm se caracterizado pelarecência da sua organização enquanto disciplina, pela novidade de seus argumentos e pela pouca amplitude de seu consenso (Rorty, 1991). Essa natureza heterogênea da validação do conhecimento e da caracterização do objeto de estudo é vista, neste trabalho, mais como qualidade a ser saudada do que como defeito a ser excluído. Para estudar um objeto tão complexo e rico como a linguagem humana, a Lingüística Aplicada desenha procedimentos que se socorrem em outras tantas disciplinas limítrofes, como a psicologia (na pesquisa cognitivista), a antropologia (na pesquisa etnográfica) e a sociologia (na pesquisa em análise do discurso). O surgimento de diferentes possibilidades para a prática de pesquisa vem acompanhado de discussões sobre a legitimação dos problemas e procedimentos de pesquisa. Diferentes desenhos demandam, entre outras coisas, perspectivas diversas do pesquisador sobre a linguagem e como estudá-la. Este trabalho examina dois conceitos ligados a a essa questão: a perspectiva ética e a perspectiva êmica, tentando relacioná-las a diferentes modos de investigar a linguagem. Por ser de natureza complexa e rica, a linguagem demanda que acomodemos, na metodologia de pesquisa, uma 'tensão dialética' entre direções opostas. Assim, no processo de investigação, tentamos ancorar os dados no seu contexto de situação e, ao mesmo tempo, relacioná-los ao contexto mais amplo da teoria. Procuramos significação na recorrência de elementos lingüísticos e, ao mesmo tempo, buscamos explicar qualitativamente a natureza desses elementos. Desenvolvemos a habilidade de delimitar e observar um . dado contexto de pesquisa e, ao mesmo tempo, tentamos neutralizar esse olhar de fora, para penetrar nesse contexto e obter um 'olhar de dentro'.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Referências bibliográficas

BECHER, T. Disciplinary discourse. Studies in Higher Education. 12(3):261-74. 1987.

_____. Towards a definition of disciplinary cultures. Studies in Higher Education, 6 (2): 109-122. 1981.

CORACIMI, M. J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. Campinas: Pontes. 1991.

DAVIS, K. Qualitative theory and methods in applied linguistics research. TESOL Quarterly, v. 29, n. 3, p. 427-53, 1995.

ECKERT, P. Why ethnography? In: Kotsinas, U.-B.; Stenstrom, A.-B., Karlsson, A.-M. (Ed.). Ungdomsprak i Norden. Stockholm: Stockholm University, 1997. p. 52-62.

FAIRCLOUGH, N. (1989). Language and power. New York: Longman.

_____. Discourse and text: linguistic and intertextual analysis within discourse analysis. Discourse & Society, v. 3, n. 2, p. 193-217. 1992a.

_____. Critical language awareness. New York: Longman. 1992b.

HALLIDAY, M.A.K. & R. HASAN. Language, context, and text: Aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press. 1989.

HARRIS, R. A. The linguistics wars. New York: Oxford University Press. 1993.

HASAN, R. The conception of context in text. In: FRIES, P.; Gregory, M. (Ed.). Discourse in society: systemic functional perspectives. Meaning and choice in language - studies for Michael Halliday. Norwood, NJ: Ablex. 1995. p. 183-83.

KAHL, M. L. F. A interpretação do sonho de Freud. Santa Maria: Editora UFSM.2000. KUHN, T. S. The structure of scientific revolution. Chicago: The University of Chicago Press. [1962] 1970.

LEMKE, J.L. Textual politics: discourse and social dynamics. London/ Bristol, PA: Taylor & Francis. 1995.

MARCONDES FILHO, D. Epistemologia tradicional e epistemologia contemporânea. In: OLINTO, H. K., SCHOLLHAMMER, K. E. (Org.). Novas epistemologias: desafios para a universidade do futuro. Rio de Janeiro: NAU: PUC, Departamento de Letras, p.79-91. 1999.

MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas. Campinas: Mercado de Letras. 2002.

_____. Pesquisa interpretativista em Lingüística Aplicada: a linguagem como condição e solução. D.E.L.TA, v. 10, n. 2, p. 329-38. 1994.

MOTTA-ROTH, D. Discourse analysis and academic book reviews: a study of text and disciplinary cultures. In: Coll, J. F., Fortanet, I., Palmer, J. C. Posteguillo, S. (Eds.) Genre studies in English for Academic Purposes. Castellón, Espanha: Universität Jaume I. p.29 - 48. 1998.

RORTY, R. Objectivity, relativism, and truth. Philosophical papers - Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press. 1991.

SWALES, J. M. Genre Analysis. Cambridge: CUP. 1990.

_____. Other floors, other voices: a textography of a small university building. Mahwah, NJ: Lawrence Eiibaum, 1998.

SWALES, J.M., D. BARKS, A. C. OSTERMANN & R. C. SIMPSON. Between critique and accommodation: reflections on an EAP course for Masters of Architecture students. English for Specific Purposes, v. 20, n.4, p. 439-458,2001.

TELLES, J. A. "É pesquisa, é? Ah, não quero, não, bem!" Sobre pesquisa acadêmica e sua relação com a prática do professor de línguas. Linguagem & Ensino, v. 5, n. 2, p. 91-116, 2002.

TITSCHER, S., M. MEYER, R. WODAK & E. VETTER. Methods of text and discourse analysis. London/Thousand Oaks/New Delhi: Sage. 2000.

  • BECHER, T. Disciplinary discourse. Studies in Higher Education 12(3):261-74. 1987.
  • _____. Towards a definition of disciplinary cultures. Studies in Higher Education, 6 (2): 109-122. 1981.
  • CORACIMI, M. J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência Campinas: Pontes. 1991.
  • DAVIS, K. Qualitative theory and methods in applied linguistics research. TESOL Quarterly, v. 29, n. 3, p. 427-53, 1995.
  • ECKERT, P. Why ethnography? In: Kotsinas, U.-B.; Stenstrom, A.-B., Karlsson, A.-M. (Ed.). Ungdomsprak i Norden Stockholm: Stockholm University, 1997. p. 52-62.
  • FAIRCLOUGH, N. (1989). Language and power New York: Longman.
  • _____. Discourse and text: linguistic and intertextual analysis within discourse analysis. Discourse & Society, v. 3, n. 2, p. 193-217. 1992a.
  • _____. Critical language awareness New York: Longman. 1992b.
  • HALLIDAY, M.A.K. & R. HASAN. Language, context, and text: Aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press. 1989.
  • HARRIS, R. A. The linguistics wars New York: Oxford University Press. 1993.
  • HASAN, R. The conception of context in text. In: FRIES, P.; Gregory, M. (Ed.). Discourse in society: systemic functional perspectives. Meaning and choice in language - studies for Michael Halliday. Norwood, NJ: Ablex. 1995. p. 183-83.
  • KAHL, M. L. F. A interpretação do sonho de Freud. Santa Maria: Editora UFSM.2000.
  • KUHN, T. S. The structure of scientific revolution. Chicago: The University of Chicago Press. [1962] 1970.
  • LEMKE, J.L. Textual politics: discourse and social dynamics London/ Bristol, PA: Taylor & Francis. 1995.
  • MARCONDES FILHO, D. Epistemologia tradicional e epistemologia contemporânea. In: OLINTO, H. K., SCHOLLHAMMER, K. E. (Org.). Novas epistemologias: desafios para a universidade do futuro Rio de Janeiro: NAU: PUC, Departamento de Letras, p.79-91. 1999.
  • MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas. Campinas: Mercado de Letras. 2002.
  • _____. Pesquisa interpretativista em Lingüística Aplicada: a linguagem como condição e solução. D.E.L.TA, v. 10, n. 2, p. 329-38. 1994.
  • MOTTA-ROTH, D. Discourse analysis and academic book reviews: a study of text and disciplinary cultures. In: Coll, J. F., Fortanet, I., Palmer, J. C. Posteguillo, S. (Eds.) Genre studies in English for Academic Purposes. Castellón, Espanha: Universität Jaume I. p.29 - 48. 1998.
  • RORTY, R. Objectivity, relativism, and truth. Philosophical papers - Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press. 1991.
  • SWALES, J. M. Genre Analysis Cambridge: CUP. 1990.
  • _____. Other floors, other voices: a textography of a small university building. Mahwah, NJ: Lawrence Eiibaum, 1998.
  • SWALES, J.M., D. BARKS, A. C. OSTERMANN & R. C. SIMPSON. Between critique and accommodation: reflections on an EAP course for Masters of Architecture students. English for Specific Purposes, v. 20, n.4, p. 439-458,2001.
  • TELLES, J. A. "É pesquisa, é? Ah, não quero, não, bem!" Sobre pesquisa acadêmica e sua relação com a prática do professor de línguas. Linguagem & Ensino, v. 5, n. 2, p. 91-116, 2002.
  • TITSCHER, S., M. MEYER, R. WODAK & E. VETTER. Methods of text and discourse analysis London/Thousand Oaks/New Delhi: Sage. 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    2003
Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Letras, Av. Antônio Carlos, 6627 4º. Andar/4036, 31270-901 Belo Horizonte/ MG/ Brasil, Tel.: (55 31) 3409-6044, Fax: (55 31) 3409-5120 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: rblasecretaria@gmail.com