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Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos

BUENO, Luzia. Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. 144 p. (Coleção Ideias sobre Linguagem).

Ana Elisa Ribeiro

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Belo Horizonte - Minas Gerais / Brasil. anadigital@gmail.com

O estudo dos gêneros textuais tem sido um campo fértil de reflexão sobre a linguagem já há décadas. O refinamento das pesquisas sobre o assunto oferece diversas frentes (inclusive teóricas e metodológicas) pelas quais se podem estudar gêneros que circulam em determinados domínios, modos de produção, práticas de leitura, entre outras angulações. É uma dessas trilhas que a obra Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos, de Luzia Bueno, nos propõe, já que se trata dos resultados da pesquisa de mestrado da autora, sob a honrosa orientação da professora Angela Kleiman (Unicamp).

Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos focaliza, com base no sociointeracionismo de Jean-Paul Bronckart, a forma como os livros didáticos vêm selecionando, apresentando e tratando os gêneros jornalísticos, abordando o problema tanto em relação a quais são esses gêneros (para o trabalho em sala de aula), quanto a em que quantidades eles aparecem e como são "transpostos" de seu ambiente de circulação para as páginas do livro didático. Como o próprio nome da obra sugere, os gêneros jornalísticos são o principal objeto de atenção, sendo o livro didático o espaço em que tais gêneros são reapresentados e, grande parte das vezes, alterados.

Luzia Bueno oferece ao leitor (especialmente ao professor) uma obra dividida em cinco capítulos, além da Apresentação (assinada por Angela Kleiman), da Introdução, das referências bibliográficas e dos anexos (os critérios de avaliação do Plano Nacional do Livro Didático - PNLD). A Introdução esclarece ao leitor o contexto mais amplo da discussão sobre os livros didáticos. Autores como João Wanderley Geraldi e Maria Bernadete Abaurre são citados para um enquadramento sobre os usos do livro didático na escola. Para uns, o objeto é considerado um problema, tornando o professor dependente e acomodado; para outros, em muitos casos, o livro didático é o único material disponível, sendo importante para a educação no país. Posicionando-se a favor de que se dê mais atenção ao livro didático, inclusive como objeto de estudo e investigação, Bueno explicita suas questões: 1) Qual é a forma de apresentação dos gêneros da mídia impressa no livro didático?; 2) Que tipos de atividades didáticas estão sendo propostas para os textos de gêneros da mídia impressa?; e 3) Que implicações tais atividades podem trazer para o ensino da leitura? A última questão resume o cenário geral da pesquisa de Bueno, isto é, como o ensino de leitura é proposto em obras que circulam nas salas de aula.

Sete coleções de obras didáticas de ensino fundamental (séries finais), todas aprovadas no PNLD 1999, são analisadas pela autora: o ALP (Análise, Linguagem e Pensamento), de Maria Fernanda Cocco e Marco Hailer (FTD); Português: Leitura e Expressão, de Cristina Bassi e Márcia Leite (Atual); Português, de Reny Guindaste (Módulo); Linguagem Nova, de Carlos Faraco e Francisco Moura (Ática); Português Através de Textos, de Magda Soares (Moderna); Palavra Aberta, de Isabel Cabral (Atual); e Português em Outras Palavras, de Maria Gonçalves e Rosana Rios (Scipione). Por meio de uma cuidadosa leitura dos livros e de uma criteriosa análise das propostas feitas a partir de textos da mídia impressa, Bueno constrói um retrato interessante (embora desolador) do que tem sido proposto como atividade de leitura de gêneros como notícias, reportagens e outros.

No primeiro capítulo, a autora explicita o conceito de gênero com o qual operará, abrindo espaço para uma discussão sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Jean-Paul Bronckart é, então, convocado ao texto para dar suporte teórico ao trabalho. Com ele, Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly, todos do grupo genebrino, auxiliam Bueno no tratamento dos resultados do que é aplicado às práticas na sala de aula. As sequências didáticas propostas por esses autores são o principal aporte sobre o qual Luzia Bueno erigirá sua investigação dos gêneros jornalísticos em livros didáticos de Português.

Há, ao longo de Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos, uma defesa sincera de que a diversidade de gêneros trabalhada em sala de aula seja prolífica para o ensino de leitura, isto é, de que ela ajudará a formar cidadãos (conforme os PCNs) e "trará benefícios tanto para a produção de textos quanto para a leitura" (p. 40). Sob essa lente, as coleções de livros em foco serão analisadas e, na maior parte das vezes, criticadas.

No segundo capítulo, Bueno aborda os livros didáticos especialmente do ponto de vista de sua história no Brasil, grande parte da qual é marcada por relações com compras governamentais e consumo em escolas públicas. O terceiro capítulo, então, trata do livro didático na atualidade, sob os preceitos dos PCNs, focalizando os gêneros textuais da mídia impressa, especialmente os jornalísticos. A pesquisadora oferece um panorama de como esses livros são estruturados em termos de quantidade de unidades, temas mais abordados, tipos de seções apresentadas para estudo de texto, leitura, gramática, etc.

Segundo os resultados quantitativos apresentados por Bueno, os textos literários ainda são os mais selecionados e abordados nas obras didáticas. No entanto, os gêneros jornalísticos aparecem também com bastante frequência (embora muito menos do que os de literatura). Essa proporção varia muito entre as coleções, mas é possível compor uma lista de principais gêneros jornalísticos encontrados: reportagem, nota, artigo, manchete, anúncio classificado, entrevista, sinopse de filme, foto/legenda, tabela, capa de revista, editorial e notícia (o único encontrado em todas as coleções).

A análise qualitativa desses gêneros mostra, segundo Bueno, que os textos, de maneira geral, são "modificados" em sua apresentação no livro didático, isto é, quase nunca estão apresentados da forma como foram publicados originalmente. As "operações" mais comuns são: o acréscimo de ilustrações e explicações ao original; o corte de partes; a troca de títulos; a descaracterização da diagramação; e a eliminação de recursos gráficos. Elementos como as colunas de texto, por exemplo, que, de certo modo, são parte do que auxilia no reconhecimento de alguns gêneros, são sumariamente alterados na produção da obra didática, mesmo que a intenção seja, justamente, o ensino da leitura daquele gênero (!).

Não ficam em melhor conta as atividades propostas a partir dos gêneros jornalísticos. No capítulo 4, Bueno mostra como são abordadas notícias e reportagens (mais comuns nos livros), concluindo que "[e]nsinar a aceitar passivamente o que um texto diz não é ensinar leitura, mas é isso que vemos em muitos LD" (p. 103). Os estudos do tema dos textos e de questões gramaticais ainda são mais comuns, sem que haja grande engajamento em questões discursivas e de uma abordagem que, de fato, ilumine os gêneros textuais. Luzia Bueno passa, então, às conclusões, conclamando o linguista aplicado para o debate e a prática em prol de uma mudança cultural na produção dos livros didáticos, no ensino de leitura e em suas aplicações em sala de aula.

A obra Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos é, mais do que o relato de uma pesquisa, um alerta sobre o ensino de leitura de gêneros que circulam amplamente em nossa sociedade. Os gêneros abordados, embora sejam tratados como parte da "mídia impressa", são os mesmos que circulam na internet, isto é, estão acessíveis a todos nós por meio de computadores, tablets ou aparelhos de celular com conexão à web. Segundo o que mostra o trabalho de Luzia Bueno, provavelmente não será na escola, por meio de obras didáticas, que as crianças aprenderão a ler e a se servir dos espaços de comentários/debates que grande parte dos jornais disponibiliza ao usuário na atualidade. Onde aprenderão, então, a ser colaboradoras, segundo propõe certo "jornalismo colaborativo" ou "jornalismo cidadão"?

A despeito de a dissertação de Luzia Bueno ter sido defendida em 2002, na Unicamp, e a obra só ter sido publicada em 2011, os resultados apresentados sobre a maneira como os livros didáticos brasileiros propõem o estudo e a leitura de gêneros jornalísticos é, infelizmente, atual. O descompasso entre a oferta de informação (para ser lida, inclusive) e a sistematização escolar parece estar aumentando. Trata-se, portanto, não de um problema para linguistas e professores de Português, mas de um problema também para autores de obras, imprensa e produtores editoriais.

Recebido em 8/2/2012

Aprovado em 8/4/2012

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2012
  • Data do Fascículo
    Set 2012
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