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O dizer como enquadre de guerra: masculinidades bélicas e letramentos pós-identitários no Brasil contemporâneo

Language as Frame of War: Bellicose Masculinities and Post- identity Literacies in Contemporary Brazil

Resumo:

O meu objetivo, neste artigo, é compartilhar uma reflexão inicial sobre um grupo de performances sociodiscursivas às quais tenho me referido como masculinidades bélicas, reflexão construída a partir de um diálogo indisciplinar com diferentes áreas do saber. Tendo como base a leitura crítica de duas performances e atendo-me ao contexto sociopolítico brasileiro atual, argumento que as masculinidades bélicas se caracterizam pelo engajamento dos sujeitos em práticas necrodiscursivas que (re)produzem enquadres de guerra em diferentes espaços sociais. Desse modo, sugiro o trabalho com letramentos pós-identitários como forma de estranhar textualmente os repertórios mobilizados por masculinidades bélicas, a fim de construir sentidos, performances e enquadres que desafiem o paradigma e a retórica da guerra, no Brasil contemporâneo.

Palavras-chave:
linguagem como performance; masculinidades bélicas; enquadres de guerra; letramentos pós-identitários.

Abstract:

My objective in this article is to share an opening reflection on a group of socio-discursive performances that I have termed bellicose masculinities, a reflection that is rooted in an indisciplinary dialogue with different areas of knowledge. Based on the critical reading of two performances and considering the current Brazilian socio-political context, I argue that bellicose masculinities are characterized by the subjects’ engagement in necrodiscursive practices that (re)produce frames of war in different social contexts. Therefore, I suggest the work with post-identity literacies as a way of textually queering the repertoires mobilized by bellicose masculinities, so that it becomes possible to produce meanings, performances, and frames that challenge the paradigm and the rhetoric of war in contemporary Brazil.

Keywords:
language as performance; bellicose masculinities; frames of war; post- identity literacies.

“O ser humano é maior do que a guerra...” [?]

(ALEKSIÉVITCH, 2016ALEKSIÉVITCH, S. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 390 p., p. 16)

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Introdução

Imagem 1
Jair Bolsonaro em campanha eleitoral no Acre

O meu objetivo, neste artigo, é compartilhar uma reflexão inicial sobre um grupo de performances sociodiscursivas às quais tenho me referido como masculinidades bélicas, grupo esse que pretendo relacionar ao campo da linguagem e dos letramentos. Trata-se de uma elaboração revisitada das questões que apresentei na mesa Letramentos de reinvenção e subversões, organizada pela Associação de Linguística Aplicada do Brasil (URZÊDA-FREITAS, 2020aURZÊDA-FREITAS, M. T. Letramentos e masculinidades queer como repertórios de insurgência. In: ASSOCIAÇÃO DE LINGUÍSTICA APLICADA DO BRASIL, 2020a, Rio de Janeiro. Letramentos de reinvenção e subversões. Rio de Janeiro: Associação de Linguística Aplicada do Brasil, 2020a. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YsmHOTrA7tc&t=2430s. Acesso em: 25 fev. 2021.
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), e na conversa espontânea Masculinidades e letramentos: construindo re-existências, organizada pelo Núcleo de Gênero e Diversidade do Instituto Federal do Rio de Janeiro (URZÊDA-FREITAS, 2020bURZÊDA-FREITAS, M. T. Masculinidades e letramentos: construindo re-existências. Conversa espontânea. Arraial do Cabo: Instituto Federal do Rio de Janeiro, 2020b. Disponível em: https://www.instagram.com/tv/CFkfe6EJKuZ/?igshid=1tt957xmijpon. Acesso em: 25 fev. 2021.
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). Essa elaboração resulta de um diálogo indisciplinar entre os estudos da linguagem, em especial a linguística aplicada, e outras áreas do conhecimento, o qual considera “a necessidade imperiosa de fazer pesquisa e política ao mesmo tempo” como forma de vislumbrar “futuros alternativos para as nossas vidas” (MOITA LOPES, 2009aMOITA LOPES, L. P. Linguística aplicada como lugar de construir verdades contingentes: sexualidades, ética e política. Gragoatá , Niterói, n. 27, p. 33-50, 2009a., p. 34).

Um dos nomes mais importantes na área de estudos sobre masculinidades é o da socióloga Raewyn Connell, professora titular da Universidade de Sydney, Austrália. Em seu clássico Masculinities (2005CONNELL, R. W. Masculinities. California: University of California Press, 2005. 324 p.), a autora define as masculinidades como construtos histórico-culturais que emergem do sistema de relações de gênero, o que nos leva a compreendê-las, simultaneamente, como “um lugar nas relações de gênero, as práticas através das quais homens e mulheres engajam esse lugar no gênero, e os efeitos dessas práticas na experiência corporificada, na personalidade e na cultura”1 1 A tradução dos recortes textuais originalmente escritos em inglês são de minha autoria. (CONNELL, 2005CONNELL, R. W. Masculinities. California: University of California Press, 2005. 324 p., p. 71, grifo meu). Com base nessa e em outras definições que atravessam diferentes campos do saber (CARVALHO, 2011CARVALHO, A. M. “Histórias que a vida conta”: a (re-)construção sócio-discursiva de masculinidades. Cadernos UniFOA, Três Poços, v. 6, n. 17, p. 43-58, 2011. DOI: https://doi.org/10.47385/cadunifoa.v6i17.1081.
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; JANUÁRIO, 2016JANUÁRIO, S. B. Masculinidades em (re)construção: gênero, corpo e publicidade. Covilhã: LabCom.IFP, 2016. 408 p.; MELO; MOITA LOPES, 2014MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. Ordens de indexicalidade mobilizadas nas performances discursivas de um garoto de programa: ser negro e homoerótico. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 14, n. 3, p. 653-673, 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-4017-140312-4413.
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; MOITA LOPES, 2001MOITA LOPES, L. P. Discurso, corpo e identidade: masculinidade hegemônica como comunidade imaginada na escola. Gragoatá, Niterói, n. 11, p. 207-226, 2001., 2002MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2002. 232 p., 2009bMOITA LOPES, L. P. A performance narrativa do jogador Ronaldo como fenômeno sexual em um jornal carioca: multimodalidade, posicionamento e iconicidade. Revista da Anpoll, Brasília, DF, v. 2, n. 27, p. 128-157, 2009b. DOI: https://doi.org/10.18309/anp.v2i27.146.
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; WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008.
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), bem como no conceito de identidade como performance (BUTLER, 1990BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge , 1990. 172 p.; MOITA LOPES, 2008aMOITA LOPES, L. P. Gêneros e sexualidades nas práticas discursivas contemporâneas: desafios em tempos queer. In: SILVA, A. P. D. (org.). Identidades de gênero e práticas discursivas. Campina Grande: EDUEP, 2008a. p. 13-19., 2008bMOITA LOPES, L. P. Sexualidades em sala de aula: discurso, desejo e teoria queer. In: MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. (org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes , 2008b. p. 125-148.; ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; URZÊDA-FREITAS, 2018URZÊDA-FREITAS, M. T. Letramentos queer na formação de professorxs de línguas: complicando e subvertendo identidades no fazer docente. 2018. 283 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.), entendo as masculinidades como performances múltiplas, transitórias e conflitantes que encenam formas masculinas de viver e estar no mundo; formas essas que são sempre situadas e refletem uma intersecção com diferentes repertórios socioidentitários - de classe, raça, gênero, sexualidade etc. Dada a sua (re)produção histórico-cultural e performativa, argumento que as masculinidades se distanciam de compreensões essencialistas de corpo, identidade, sujeito e linguagem, visto que se (re)constroem no ato da performance sociodiscursiva em contextos particulares. Esse dado nos leva à percepção de que a linguagem possui um papel importante na (re)construção das masculinidades, visto que “é um dos meios pelos quais o gênero é representado [e encenado]” ( JOHNSON, 1998JOHNSON, S. Theorizing Language and Masculinity: A Feminist Perspective. In: JOHNSON, S.; MEINHOF, U. H. (ed.). Language and Masculinity. Oxford: Blackwell Publishers, 1998. p. 8-26., p. 25).

Dentre os tipos de masculinidade elencados por Connell (2005CONNELL, R. W. Masculinities. California: University of California Press, 2005. 324 p., p. 76), acredito ser importante revisitar o conceito de masculinidade hegemônica, que, grosso modo, remete às performances masculinas que ocupam uma posição dominante “em um dado padrão de relações de gênero”. Considerando que essas performances são sempre múltiplas, dinâmicas, contextualmente situadas e refletem contradições que resultam de uma complexa hierarquia de gênero (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014.
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), prefiro pensá-las no plural, como repertórios múltiplos e passíveis de contestação. Em diálogo com Connell e Messerschmidt (2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014.
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) e Januário (2016JANUÁRIO, S. B. Masculinidades em (re)construção: gênero, corpo e publicidade. Covilhã: LabCom.IFP, 2016. 408 p.), compreendo as masculinidades hegemônicas como performances reforçadoras do patriarcado e/ou da cis- heteronormatividade que (re)produzem formas dominantes de masculinidade que se destacam sobre outras em determinados períodos históricos e contextos socioculturais. Não obstante as críticas à ideia de masculinidade hegemônica (DEMETRIOU, 2001DEMETRIOU, D. Z. Connell’s Concept of Hegemonic Masculinity: A Critique. Theory and Society, Davis, v. 30, n. 3, p. 337-361, 2001.; ALVES, 2005ALVES, M. F. P. Masculinidade/s: considerações a partir da leitura crítica de alguns textos que focalizam homens. Revista Ártemis, João Pessoa, v. 3, n. 3, p. 1-13, 2005.; MOLLER, 2007MOLLER, M. Exploiting Patterns: A Critique of Hegemonic Masculinity. Journal of Gender Studies, [s. l], v. 16, n. 3, p. 263-276, 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09589230701562970.
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), acredito que uma visão complexa desse conceito pode se mostrar relevante para leituras e compreensões críticas de performances que reiteram modelos dominantes de masculinidade, os quais podem se revelar, por exemplo, em piadas, comentários e posicionamentos ancorados em preceitos sexistas, misóginos e homo(trans)fóbicos.

Contudo, nos últimos anos, tenho observado uma exacerbação de performances sociodiscursivas masculinas que não somente mobilizam sentidos reforçadores do patriarcado e/ou da cis-heteronormatividade, mas que também (re)produzem o que pretendo chamar aqui de enquadres de guerra (GOFFMAN, 1974GOFFMAN, E. Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience. Cambridge: Harvard University Press, 1974. 586 p.; GOLDSTEIN, 2001GOLDSTEIN, J. S. War and Gender: How Gender Shapes the War System and Vice Versa. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. 540 p.; BUTLER, 2010BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable? New York: Verso, 2010. 193 p.). A título de exemplo, veja-se a declaração feita pelo então candidato à Presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, durante a sua campanha eleitoral de 2018, em Rio Branco, após encenar um fuzilamento com um tripé de câmera (Imagem 1):

Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein. Vou botar esses picaretas pra correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein, galera. Vão ter que comer é capim mesmo, hein. (NO ACRE…, 2018NO ACRE, Bolsonaro fala em “fuzilar a petralhada” e enviá-los à Venezuela - 1°. set. 2018. [S. l: s. n], 2018. 1 vídeo (37 s). Publicado pelo canal Poder 360. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p0eMLhCcbyQ. Acesso em: 20 dez. 2020.
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)

Como se percebe, o eixo central dessa performance sociodiscursiva é a hierarquização de sentidos atribuídos aos corpos a partir do lugar político do sujeito. Embora não seja explicitamente referido, o sujeito bolsonarista é indexicalizado como agente de um projeto de mudança, o que se observa no uso da primeira pessoa do plural - “vamos fuzilar” - e da primeira pessoa do singular - “vou botar”. Por sua vez, o sujeito não bolsonarista é indexicalizado como desonesto - “petralhada”, “esses picaretas” -, apoiador de democracias fragilizadas - “gostam tanto da Venezuela” -, pobre - “lá não tem mortadela” -, irracional e selvagem - “Vão ter que comer é capim mesmo” -, o que produz a figura de um inimigo a ser banido da pátria - seja por meio do extermínio (“vamos fuzilar”) ou da expatriação (“botar esses picaretas pra correr”).

Vemos, assim, que os elementos semióticos e discursivos que constituem a performance de Jair Bolsonaro figuram a imagem de um homem sádico, autoritário e violento. Imagem essa que se distingue parcialmente daquela figurada por um comentário que objetifica o corpo feminino e que estabelece a heterossexualidade como único caminho possível e desejável para os homens, como o fez o cantor Gusttavo Lima em uma live transmitida em abril de 2020 - ao comparar uma bebida vermelha à “menstruação” e afirmar que “o verdadeiro guerreiro [...] sempre suja a sua espada” (GUSTTAVO…, 2020GUSTTAVO Lima bêbado na live da quarentena - guerreiro de verdade suja a espada. [S. l: s. n], 2020. 1 vídeo (32 seg). Publicado pelo canal Alan Marcos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RUi50xkEdL4. Acesso em 1 out. 2022.
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). Embora performances como a de Jair Bolsonaro também reiterem sentidos patriarcais e/ou cis-heteronormativos, o seu efeito mais particular é a (re)produção do ódio e do conflito bélico como bases da vida pública, tendo em vista a mobilização de sentidos “que se materializam diretamente em atos destrutivos” (BUTLER, 1992BUTLER, J. Contingent Foundations: Feminism and the Question of “Postmodernism”. In: BUTLER, J.; SCOTT, J. W. (ed.). Feminists Theorize the Political. New York: Routledge , 1992. p. 3-21., p. 10). Por acreditar que tais repertórios constroem enquadres que se alinham com o paradigma daguerra (MALDONADO-TORRES, 2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p.), tenho me referido a essas performances sociodiscursivas hegemônicas como masculinidades bélicas.

O contexto sociopolítico da projeção exacerbada dessas performances no Brasil contemporâneo tem como base a emergência do Bolsonarismo, um movimento político-cultural iniciado após o Golpe de 2016 e que se consolidou com a vitória de Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018. Entretanto, é importante reconhecer que tais performances não surgiram agora, pois o desejo de guerra masculino perpassa toda a nossa história, como veremos adiante. Na próxima seção, faço um breve panorama da relação entre masculinidades, violência e o paradigma da guerra, que abarca elementos históricos globais e locais. Em seguida, focalizo os conceitos de enquadre de guerra, performatividade e linguagem como performance, os quais embasam a minha leitura crítica de duas performances sociodiscursivas contemporâneas de masculinidade: uma encenada pelo presidente, Jair Bolsonaro, em uma reunião ministerial; e a outra encenada por Guy, um cidadão comum, em uma rede social. Na sequência, reflito sobre possíveis contribuições dos letramentos pós-identitários na construção de sentidos, performances e enquadres que desafiem a retórica da guerra encenada por masculinidades bélicas. Para concluir o artigo, retomo as principais reflexões compartilhadas e sugiro o estranhamento radical da violência como estratégia de luta na escola e na sociedade mais ampla.

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Masculinidades, violência e o paradigma da guerra

Uma das cenas mais fortes do romance Heart of Darkness (Coração das Trevas), de Joseph Conrad (2013CONRAD, J. Heart of Darkness. London: Harper Press, 2013. 130 p.), é quando o protagonista Marlow descobre o método utilizado por Kurtz, líder da expedição comercial no Congo, para cumprir a sua tarefa: “Exterminem todos os selvagens!” (CONRAD, 2013CONRAD, J. Heart of Darkness. London: Harper Press, 2013. 130 p., p. 63). Levando-se em conta os horrores perpetrados no Congo pelo rei da Bélgica, Leopoldo II, e o genocídio empreendido pelos europeus em outros territórios colonizados, entre os quais o Brasil, é possível afirmar que tal enunciado reflete a corporeidade e a violência das performances que produziram o que Connell (2007CONNELL, R. W. Masculinities and Globalization. In: PARKER, R; AGGLETON, P. (ed.). Culture, Society and Sexuality - A Reader. New York: Routledge, 2007. p. 263-274.) denomina ordem global de gênero. Uma vez que o projeto colonial “foi realizado principalmente por grupos de homens - soldados, marinheiros, comerciantes, administradores e muitos que eram tudo isso” (CONNELL, 2007CONNELL, R. W. Masculinities and Globalization. In: PARKER, R; AGGLETON, P. (ed.). Culture, Society and Sexuality - A Reader. New York: Routledge, 2007. p. 263-274., p. 267), pode-se pensar a colonização e suas práticas como efeitos da encenação de masculinidades moderno-coloniais. Trata-se de repertórios que aglutinam dois grupos de performances: as masculinidades de conquista - responsáveis pelos primeiros movimentos do projeto colonial, os quais incluem a destruição dos arranjos de gênero dos povos colonizados -; e as masculinidades imperiais - responsáveis pela construção de um modelo ideal de masculinidade e pela fusão entre as ideologias raciais e de gênero (CONNELL, 2007CONNELL, R. W. Masculinities and Globalization. In: PARKER, R; AGGLETON, P. (ed.). Culture, Society and Sexuality - A Reader. New York: Routledge, 2007. p. 263-274.).

O fato de a violência masculina - branca - constituir o cerne da modernidade colonial nos leva a refletir sobre duas questões: a relação dos homens com a violência; e as raízes histórico-culturais do paradigma da guerra, no Ocidente. No que se refere à primeira questão, acredito ser interessante considerar a reflexão de Rosaldo (1979ROSALDO, M. Z. A mulher, a cultura e a sociedade: uma revisão teórica. In: ROSALDO, M. Z.; LAMPHERE, L. (org.). A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 185-204.), para quem a agressividade masculina resulta de uma construção sociocultural que parte da estrutura familiar e de seus repetidos esforços para (re)produzir as normas de gênero. Segundo a autora, ao contrário das meninas, que geralmente são impelidas a criar laços de identificação com as suas mães e com as atividades do lar, os meninos costumam ser encorajados a se desligar do dito universo feminino para que possam “desenvolver sua masculinidade” (ROSALDO, 1979ROSALDO, M. Z. A mulher, a cultura e a sociedade: uma revisão teórica. In: ROSALDO, M. Z.; LAMPHERE, L. (org.). A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 185-204., p. 41). Em uma perspectiva similar, Connell (2000CONNELL, R. W. Arms and the Man: Using the New Research on Masculinity to Understand Violence and Promote Peace in the Contemporary World. In: BREINES, I.; CONNELL, R. W.; EIDE, I. (ed.). Male Roles, Masculinities and Violence: A Culture of Peace Perspective. Paris: UNESCO Publishing, 2000. p. 21-33., p. 22) argumenta que, embora “os homens [predominem] em todos os espectros da violência”, esse fato não pode ser explicado com base em argumentos essencialistas, já que a formação do indivíduo se dá culturalmente. Nesse sentido, o fato de a maioria dos soldados, policiais e profissionais de esportes violentos serem homens não se relaciona com parâmetros individuais, mas com a masculinização de determinadas atividades e instituições. Portanto, é na conjuntura social que devemos “buscar as causas fundantes da violência generificada” (CONNELL, 2000CONNELL, R. W. Arms and the Man: Using the New Research on Masculinity to Understand Violence and Promote Peace in the Contemporary World. In: BREINES, I.; CONNELL, R. W.; EIDE, I. (ed.). Male Roles, Masculinities and Violence: A Culture of Peace Perspective. Paris: UNESCO Publishing, 2000. p. 21-33., p. 23).

Por sua vez, no que diz respeito à segunda questão, os repertórios mobilizados pelas masculinidades moderno-coloniais permitem visualizar os movimentos basilares do paradigma da guerra. Apoiando-se na visão de espaço como “uma geografia pensada para destruir um inimigo” (DUSSEL, 1985DUSSEL, E. Philosophy of Liberation. New York: Orbis Books, 1985. 215 p., p. 1), Maldonado-Torres (2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p., p. 3, grifo do autor) define o paradigma da guerra como “uma forma de conceber a humanidade, o conhecimento e as relações sociais que privilegia o conflito ou pólemos”, ou, em termos filosóficos, como “a celebração da redução da singularidade de entidades e sujeitos [...] a uma totalidade”. O autor cita como exemplos desse paradigma as duas guerras “mundiais”, as guerras por independência, a guerra fria e as atuais guerras contra o terrorismo, eventos que têm a sua gênese na construção da modernidade européia:

[o] meu argumento é que a modernidade européia se tornou inextricavelmente ligada à experiência do guerreiro e do conquistador, e que a colonização moderna, o racismo e outras formas de dinâmica social e geopolítica no mundo moderno podem ser concebidas em termos da naturalização do paradigma da guerra. Este é o problema para nós que continuamos a duelar com as várias faces da modernidade e com os seus legados atualmente. (MALDONADO-TORRES, 2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p., p. 4)

Esse argumento é reiterado na discussão que o autor faz sobre o Hitlerismo, base do Holocausto Nazista, o qual ele define como “um ideal que valoriza a força e o poder” e que pega a civilização ocidental de surpresa “porque radicaliza princípios que lhe são caros” (MALDONADO-TORRES, 2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p., p. 42). Ou seja, as guerras do século XX e das duas primeiras décadas do século XXI ecoam os repertórios socioculturais do projeto colonial, que foi idealizado e construído a partir de uma cartografia estruturada na violência e no desejo de destruição do inimigo (DUSSEL, 1995DUSSEL, E. Philosophy of Liberation. New York: Orbis Books, 1985. 215 p.).

Outro dado importante é que tais repertórios continuam sendo majoritariamente encenados por homens, o que se percebe nos nomes associados a grandes eventos bélicos - Adolf Hitler, Josef Stalin, George W. Bush, Osama bin Laden, Vladimir Putin etc. - e no fato de que, nas guerras, como observa Goldstein (2001GOLDSTEIN, J. S. War and Gender: How Gender Shapes the War System and Vice Versa. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. 540 p., p. 10), “os combatentes são geralmente homens” - à época, dos 23 milhões de soldados em serviço no mundo, 97% eram homens. Em relação à Guerra do Vietnã (1954-1975), por exemplo, as 25.000 mulheres que serviram ao exército estadunidense, segundo Kaiser et al. (2017KAISER, A. P. et al. Women at War: The Crucible of Vietnam. SSM - Population Health, [s. l], v. 3, p. 236-244, 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2017.01.003.
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), não foram escaladas para posições de combate, mas para o cargo de enfermeiras. Por sua vez, na Segunda Guerra Mundial, as mulheres que ocupavam a posição de combatentes eram frequentemente submetidas ao descrédito e aos abusos de seus superiores, bem como às humilhações impostas pela estrutura do contexto de guerra, como ter que vestir roupas masculinas e sangrar durante os combates devido à falta de absorventes (ALEKSIÉVITCH, 2016ALEKSIÉVITCH, S. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 390 p.). Em A guerra não tem rosto de mulher (2016ALEKSIÉVITCH, S. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 390 p.), a autora apresenta relatos de mulheres soviéticas que combateram no front da Segunda Guerra Mundial. Ao comentar sobre como eram vistas e tratadas naquele contexto, uma das ex-combatentes declara: “ele [o comandante] não nos via como soldados, e sim como mocinhas” (ALEKSIÉVITCH, 2016ALEKSIÉVITCH, S. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 390 p., p. 50).

Os dados que compõem esse arranjo nos permitem inferir que, a despeito do suporte e da eventual participação de mulheres em contextos bélicos, o paradigma da guerra se configura como um projeto eminentemente masculino, fato que também se observa na história do Brasil. Para citar um exemplo, o Golpe de 1964 e o subsequente Regime Civil-Militar (1964-1985), que podem ser compreendidos como enquadres de guerra devido à intensa mobilização de repertórios bélicos, foram movimentos político-discursivos construídos predominantemente por homens. É nessa realidade histórica que Gracia (2018GRACIA, E. F. Masculinidades e Tortura: gênero e o uso sistemático da tortura na Ditadura Civil-Militar Brasileira. 2018. 137 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.) se baseia ao ponderar que a Ditadura Civil-Militar brasileira foi um período regido por masculinidades militares e policiais. São performances masculinas hegemônicas que encenam modelos dominantes de comportamento no contexto militar, os quais envolvem o potencial combativo, a abominação de repertórios femininos e a vigilância das masculinidades alheias (GRACIA, 2018GRACIA, E. F. Masculinidades e Tortura: gênero e o uso sistemático da tortura na Ditadura Civil-Militar Brasileira. 2018. 137 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.). Como descreve Silva (2016SILVA, N. F. Ditadura civil-militar no Brasil e a ordem de gênero: masculinidades e feminilidades vigiadas. Mosaico, Goiânia, v. 7, n. 11, p. 64-83, 2016. DOI: https://doi.org/10.12660/rm.v7n11.2016.64778.
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), os corpos que performavam repertórios dissidentes de gênero e sexualidade eram vigiados, perseguidos, censurados e punidos por expressarem sentidos considerados imorais ou subversivos. Em um evento recente, o cantor Caetano Veloso, que foi preso e torturado na Ditadura, revelou um efeito dessa dinâmica sociopolítica dos corpos em sua vida: “O espaço muito masculino da prisão militar [...] causou um outro apagão no Narciso aqui, que foi a atração sexual ou sentimental por homens” (FLIP…, 2020FLIP - FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY, 18., 2020. Transições. Mesa composta por Caetano Veloso e Paul B. e mediada por Ángel Gurría-Quintana. Paraty: Flip - Festa Literária Internacional de Paraty, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MxVB_lbOu8U. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=MxVB_lbO...
).

Foi sob repertórios ancorados em uma perversa razão militar (FRANÇA, 2019FRANÇA, F. G. A razão militar e a banalidade do mal. In: VAZ, E. F.; FRANÇA, F. G.; PONTES, N. L. M. T. (org.). A razão militar e a banalidade do mal: escritos sociofilosóficos. Curitiba: Appris, 2019. p. 21-46.) que o chamado Bolsonarismo emergiu na realidade política e cultural brasileira. Trata-se de um movimento que flerta com o paradigma da guerra desde o princípio, na medida em que a sua origem está diretamente ligada ao desejo de “fuzilar o inimigo” (NO ACRE…, 2018NO ACRE, Bolsonaro fala em “fuzilar a petralhada” e enviá-los à Venezuela - 1°. set. 2018. [S. l: s. n], 2018. 1 vídeo (37 s). Publicado pelo canal Poder 360. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p0eMLhCcbyQ. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=p0eMLhCc...
). O popular sinal de arma com as mãos, que representa uma das principais bandeiras da política bolsonarista - o armamento da população -, corrobora esse vínculo. Para Manso (2020MANSO, B. P. A república das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020. 302 p., p. 274), o Bolsonarismo é um representante ideológico “[da] cultura miliciana que se fortaleceu no Rio [de Janeiro] e chegou à presidência do Brasil”, fato que resultou na construção de um país que “libertou-se de freios morais e passou a pregar a violência abertamente”. Uma questão importante a ser colocada é que, apesar do apoio e da participação ativa de mulheres, o corpo masculino está na base do projeto de poder bolsonarista, visão que se confirma na presença maciça de homens - brancos, cisgêneros, heterossexuais e “cristãos” - na equipe gestora do governo. A meu ver, essa é uma das razões que têm levado um grupo cada vez mais expressivo de homens a se apropriar dos discursos autoritários e belicistas endossados por Bolsonaro e a performar, destemidamente, o seu desejo de conflito, destruição e morte, convertendo a noção de guerra em um elemento central e estruturante da nossa vida-mundo (MALDONADO-TORRES, 2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p.).

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O dizer como enquadre de guerra: masculinidades bélicas em cena

Imagem 2
Soldado estadunidense na Guerra do Vietnã

Esta imagem retrata o soldado da Marinha estadunidense, Michael Wynn - que, na época, tinha apenas 20 anos -, descansando durante a Operation Ballistic Charge, no sul do Vietnã, em setembro de 1967. Embora os elementos semióticos e discursivos da imagem apontem para um contexto óbvio, acredito ser importante explicar o que me leva a compreendê-lo como um enquadre de guerra. Aqui, lanço mão deste conceito com base na ideia de enquadre como percepção do que está acontecendo em dado contexto (GOFFMAN, 1974GOFFMAN, E. Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience. Cambridge: Harvard University Press, 1974. 586 p.); e nos conceitos de guerra como “violência letal entre grupos” e de sistema de guerra como “formas interrelaciondas em que sociedades se organizam para participar de guerras reais ou potenciais” (GOLDSTEIN, 2001GOLDSTEIN, J. S. War and Gender: How Gender Shapes the War System and Vice Versa. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. 540 p., p. 3). Por fim, interessa-me a reflexão de Butler (2010BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable? New York: Verso, 2010. 193 p.), que define a guerra como um mecanismo institucional que (re)produz a precariedade dos corpos como norma da vida cotidiana. Nesse sentido, os enquadres visuais e conceituais de guerra seriam formas “de construir e destruir populações” (BUTLER, 2010BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable? New York: Verso, 2010. 193 p., p. xix), e, sobretudo, de reiterar quais vidas importam. Em diálogo com essas definições, percebo os enquadres de guerra como recortes contextuais que refletem e mobilizam repertórios bélicos, os quais performam sentidos que indexicalizam a violência e o desejo de conflito, destruição e morte que estruturam o paradigma da guerra.

Dentre os diversos elementos que constituem a imagem, gostaria de focalizar a intrínseca relação entre corpo e linguagem na (re)produção de sentidos. A primeira questão a ser pontuada é o caráter social e performativo da linguagem, o que nos afasta de concepções e modelos linguísticos meramente abstratos. Considerando o meu objetivo neste artigo, acredito que tal entendimento deve partir de Austin (1962AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1962. 166 p.), segundo o qual os enunciados não se configuram como formas de constatação ou descrição da realidade, mas como atos de fala que produzem efeitos no mundo. Entretanto, algumas releituras dessa perspectiva sugerem que tais efeitos não são construídos pelo dizer, mas no dizer, isto é, as palavras não (re)produzem ações: elas são as ações. Uma dessas releituras consta no trabalho de Butler (1990BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge , 1990. 172 p., 2011BUTLER, J. Bodies That Matter: On the Discursive Limits of “Sex”. New York: Routledge, 2011. 258 p., 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge , 1997. 185 p.), sobretudo em sua teoria da performatividade, cujo elemento central é o estranhamento da separação entre palavra e efeito. Partindo da injúria e de atos de fala injuriosos no contexto estadunidense, a autora pondera que a (in)existência dos nossos corpos é linguisticamente construída no ato de dizer. Assim sendo, no caso da injúria, a linguagem “não é um substituto para o fato da violência. Ela institui o seu próprio tipo de violência” (BUTLER, 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge , 1997. 185 p., p. 9).

Neste ponto, cabe introduzir o conceito de linguagem como performance, que, a meu ver, articula três pressupostos: o dizer é uma performance sociodiscursiva; o corpo constitui o ato de fala; e os efeitos do dizer são construídos por meio de repetições. O pressuposto de que o dizer é uma performance encontra respaldo em Goffman (2014GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes , 2014. 232 p.), para quem as nossas ações se configuram como encenações que fazemos para os outros na vida social. Desse modo, pode-se dizer que o uso da linguagem performa sentidos que apontam para como percebemos o mundo, os outros e a nós mesmos. Essa percepção se mostra relevante para o pressuposto de que o corpo é um elemento constitutivo do ato de fala, pois remete aos lugares e aos movimentos socioidentitários do sujeito, localizando o seu dizer em matrizes específicas de sentido. O sujeito precisa do corpo para realizar o ato de fala, cujos efeitos se relacionam com quem o produziu, máxima que nos possibilita compreender a linguagem como ação corpórea (ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.) e o ato de fala como ato de corpo (PINTO, 2002PINTO, J. P. Performatividade radical: ato de fala ou ato de corpo. Gênero, Niterói, v. 3, n. 1, p. 101-110, 2002. DOI: https://doi.org/10.22409/rg.v3i1.260.
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). Por fim, o terceiro pressuposto sugere que os repertórios que encenamos em nossas performances sociodiscursivas resultam da mobilização de repertórios já existentes, o que aponta para os conceitos de citacionalidade e iterabilidade (DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991. 212 p., p. 25-26): Todo signo lingüístico, falado ou escrito (no sentido corrente dessa oposição), em pequena ou grande escala, pode ser citado, posto entre aspas; por isso ele pode romper com todo contexto dado, engendrar ao infinito novos contextos, de modo absolutamente não-saturável. [...] Essa citacionalidade, essa duplicação ou duplicidade, essa iterabilidade de marca não é um acidente ou anomalia, é aquilo (norma/anormal) sem o que uma marca já não poderia sequer ter funcionamento dito “normal”. Que seria de uma marca que não se pudesse citar? E cuja origem não pudesse ser perdida no meio do caminho?

Como vemos, a citacionalidade se concretiza na repetição de um determinado elemento discursivo em novos contextos de fala, enquanto a iterabilidade se refere ao potencial transgressivo dessa repetição. Ou seja, trata-se de um repetir que promove rupturas e deslocamentos, pois a sua performance nunca é exata (ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). No que diz respeito à fotografia do soldado Michael Wynn (Imagem 2), o enunciado em seu capacete2 2 Os soldados em combate na Guerra do Vietnã costumavam grafitar os seus capacetes como forma de expressar os seus anseios e sentimentos em relação à guerra (MOSBAUGH, 2019). - “Faça guerra, não amor” - reflete pelo menos dois movimentos citacionais: o primeiro se relaciona com o slogan pacifista “Faça amor, não guerra”; e o segundo se relaciona com repertórios moderno-coloniais de masculinidade. É interessante perceber, no entanto, que, em ambos os movimentos, a repetição se constrói de modo imperfeito. No primeiro, ao subverter a ordem das palavras guerra e amor no slogan pacifista, produz-se um sentido que transgride o seu objetivo original - posicionamento contra a guerra. No segundo, por se tratar de um homem/soldado estadunidense em um contexto bélico fora de seu país, em meados do século XX, os repertórios citados são recontextualizados no tempo e no espaço de modo a (re)construir sentidos particulares sobre a guerra. Trata-se de um exemplo de masculinidade bélica porque os dizeres que envolvem este corpo masculino (re)produzem um enquadre de guerra no ato da performance. São atos de fala-corpo como efeitos de violência, destruição e morte.

Com base nesses conceitos e pressupostos, compartilho uma proposta de leitura crítica de duas performances sociodiscursivas encenadas no Brasil contemporâneo, as quais identifico como masculinidades bélicas. A primeira é uma fala do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em uma reunião ministerial realizada em abril de 2020, cujo conteúdo foi amplamente divulgado no mês seguinte (maio/2020), com a autorização da Justiça brasileira. O recorte analisado foi extraído de um momento em que o presidente expõe o seu descontentamento em relação às discordâncias de governadores e prefeitos sobre as medidas do governo federal para lidar com a pandemia da Covid-19:

O que esses filha de uma égua quer, ô Weintraub [Ministro da Educação], é a nossa liberdade. Olha, eu tô... como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil! O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, Ministro da Justiça e Ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! (STF…, 2020STF divulga ÍNTEGRA do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. [S. l: s. n], 2020. 1 vídeo (114 min). Publicado pelo canal CNN Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjndWfgiRQQ. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=TjndWfgi...
)

Mais adiante, declara:

Quem não aceitar a minha, as minhas bandeiras, Damares [Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos]: família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado... Quem não aceitar isso, está no governo errado. [...] No meu governo tá errado! É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o seu papel. Se exponha. (STF…, 2020STF divulga ÍNTEGRA do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. [S. l: s. n], 2020. 1 vídeo (114 min). Publicado pelo canal CNN Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjndWfgiRQQ. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=TjndWfgi...
)

A primeira questão que essa performance sociodiscursiva faz saltar aos olhos é a confusão do presidente sobre o conceito de ditadura, já que ele oscila entre escolhas que indexicalizam sentidos aparentemente democráticos - “a nossa liberdade”; “como é fácil impor uma ditadura”; “que cada um faça, exerça o seu papel” - e sentidos que explicitam a sua postura autoritária - “eu quero”; “minhas bandeiras”; “quem não aceitar isso, está no governo errado”. Na sequência, podem-se observar escolhas que indexicalizam a falta de decoro de Bolsonaro ao falar sobre questões de interesse público em uma conjuntura que pressupõe certa formalidade - “esses filha de uma égua”; “um filho da puta”. Com base no contexto macro do recorte em análise - a reunião - e no contexto sociopolítico mais amplo, é possível entender que tais expressões são endereçadas àqueles - políticos e cidadãos comuns - que se opõem ao governo. No entanto, a imagem que estrutura esse enquadre e que atravessa todo o seu processo de significação é a arma de fogo; imagem que se revela em diversos repertórios mobilizados pelo presidente - “que o povo se arme!”; “armamento”; “a questão do armamento aqui”; “quero todo mundo armado!”; “povo armado”. Essas escolhas produzem a imagem de uma guerra iminente, para a qual o cidadão livre precisa se preparar. Nesse enquadre, o belicismo é apresentado como a única forma de garantir a liberdade do povo, o que estabelece o paradigma da guerra como forma de fazer política e de promover a ordem e o bem-estar social no Brasil.

Esses repertórios bélicos podem ser facilmente observados nas performances de vários políticos e aliados bolsonaristas. Em uma live transmitida em maio de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, confirmou a possibilidade de ruptura institucional entre os poderes Executivo e Judiciário: “Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse momento de caos. Mas falando bem abertamente [...] não é mais uma opinião de se, mas sim de quando isso [a ruptura] vai ocorrer” (EDUARDO…, 2020EDUARDO Bolsonaro diz que ruptura democrática não é questão de “se”, mas de “quando” ocorrerá. [S. l: s. n], 2020. 1 vídeo (1 min). Publicado pelo canal Rogério Tomaz Jr. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nuIb5ZTTj-U. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=nuIb5ZTT...
, grifo meu). Outro exemplo pode ser extraído de um vídeo que o ex-policial militar e deputado federal, Daniel Silveira, publicou em uma rede social, também em maio de 2020, no qual ele se dirige a membros de movimentos antifascistas: “Na hora que vocês vierem e tomar um [tiro] no meio da testa, no meio do peito, e cair o primeiro, vocês vão entender do que vocês estão se metendo. Seus filhos da puta!” (ALVO…, 2020ALVO de cassação, deputado diz que não excluirá vídeo em que ameaça antifas. UOL, São Paulo, 17 jun. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/17/alvo-de-cassacao-deputado-diz-que-nao-excluira-video-em-que-ameaca-antifas.htm. Acesso em: 20 dez. 2020. Não paginado.
https://noticias.uol.com.br/politica/ult...
). Esses são exemplos de masculinidades bélicas encenadas por sujeitos que possuem poder institucional para incitar a mobilização de sentidos de guerra no país. Entretanto, é importante reconhecer que essas performances têm se tornado cada vez mais comuns em contextos ordinários por todo o Brasil, como mostra a performance sociodiscursiva que focalizo a seguir.

O recorte em destaque foi extraído de uma sequência de vídeos publicada em um perfil público de rede social, em meados de 20203 3 Uma vez que me deparei com esse material em um perfil público de rede social, entendo as suas informações como de domínio público. Ainda assim, por questões éticas, optei por criar um codinome para o autor das falas e dos vídeos, e por não descrevê-lo por meio de características específicas que pudessem, de alguma forma, revelar a sua identidade. . Nos vídeos, um homem branco, jovem, aparentemente de classe média e heterossexual, ao qual me refiro através do codinome Guy, faz um desabafo após ter se deparado com um homem desconhecido em sua residência e de tê-lo espancado publicamente até a polícia chegar:

Eu acho bom esses vagabundo... Vagabundo mesmo! Que gosta de defender bandido, tem dó de bandido, assaltante, furtador de casa, residência e tal. Eu tive agora há pouco a oportunidade de pegar um aqui dentro da MINHA CASA4 4 Utilizo a escrita em maiúsculo para marcar a ênfase dada por Guy em seu relato. . Eu posso dizer que eu estou um cara realizado... Porque isso nunca aconteceu comigo, aconteceu agora... Eu DESFIGUREI o rapaz. O rapaz da viatura chegou [e] não conseguiu fazer FOTO de reconhecimento dele. Pra provar que bandido merece isso, VALA! Ponto final.

Após relatar o ocorrido, Guy postou uma sequência de vídeos do espancamento público do “bandido” como prova de coragem e justiça, uma vez que tal ação lhe causou diversos ferimentos pelo corpo:

Imagem 3
Print de vídeo publicado em rede social

Levando-se em conta os elementos semióticos e discursivos que constituem essa performance, é possível afirmar que ela repete diversos sentidos mobilizados por Jair Bolsonaro. Em primeiro lugar, trata-se de um corpo que reflete os lugares identitários - de gênero, raça, classe e sexualidade - que constituem o cerne do Bolsonarismo, os quais indexicalizam as práticas sociais legitimadas por esse projeto de poder. Em segundo lugar, as escolhas de Guy repetem o ódio a quem defende os Direitos Humanos - “esses vagabundo”; “Vagabundo mesmo!”; “Que gosta de defender bandido, tem dó de bandido” -, a concepção elitista e racializada de bandido - “assaltante, furtador de casa” -, e a supervalorização da propriedade privada - “MINHA CASA” - endossados pelo governo federal. No entanto, o que mais causa impacto é a repetição de sentidos que indexicalizam o desejo de conflito, destruição e morte, o qual se observa nas palavras, expressões e ênfases que Guy utiliza para relatar a punição do “bandido” -“DESFIGUREI o rapaz”; “não conseguiu fazer FOTO de reconhecimento”; “bandido merece isso, VALA!”. Tendo em vista os significados denotativos da palavra vala no português brasileiro - escavação profunda e cova gratuita -, pode-se inferir que o seu uso enfático indexicaliza um total desprezo por aquela vida, que poderia ser exterminada e descartada - como um objeto - em qualquer lugar. Essa visão objetificante, que repete um sentido legitimado por Bolsonaro e sua militância - “Bandido bom é bandido morto” -, se expressa com maior intensidade nos vídeos que se seguem ao relato, momento em que o corpo e a agonia do “bandido” se transformam em um espetáculo (Imagem 3). Analisando-se as corporeidades e suas disposições em cena, percebe-se, ainda, a materialização de um conflito racial e de classe, já que se trata de um embate entre um homem branco e de classe média e um homem negro e aparentemente pobre. Embora o termo arma de fogo não seja diretamente evocado, os seus sentidos atravessam a performance de Guy do início ao fim. No caso, o seu corpo assume o papel da arma. E, como nas guerras, ambos saem do front lacerados.

As duas performances sociodiscursivas em foco nos permitem compreender que os seus efeitos bélicos são (re)produzidos com base na citação e na transgressão de uma série de repertórios de sentido já existentes (DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991. 212 p.). Em ambas, pode-se observar, por exemplo, a repetição da linguagem corpórea encenada por masculinidades moderno-coloniais e por masculinidades militares, a qual se expressa na re-atualização de atos de fala como “Exterminem todos os selvagens!” (CONRAD, 2013CONRAD, J. Heart of Darkness. London: Harper Press, 2013. 130 p., p. 63). No entanto, como as repetições nunca são exatas (ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.), os sentidos em questão foram citados em conjunturas particulares, o que implica reconhecer que, a despeito da mobilização de repertórios que estruturam o paradigma da guerra (MALDONADO-TORRES, 2008MALDONADO-TORRES, N. Against War: Views from the Underside of Modernity. Durham: London: Duke University Press, 2008. 342 p.), novos sentidos sobre esse paradigma foram construídos. Em relação à performance de Guy, é possível observar, ainda, como pondera Foucault (2009FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2009. 291 p., p. 30), o modo como as relações de poder se expandem para além do Estado e “aprofundam-se dentro da sociedade”. Trata-se do que o autor chamou de microfísica do poder ou micro-poder, que, segundo Machado (2008MACHADO, R. Introdução: por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p. vii-xxiii., p. XII), remete à percepção de que o poder “[atinge] a realidade mais concreta dos indivíduos [...] penetrando na vida cotidiana”. Em outras palavras, a performance de Guy pode ser lida como uma materialização na carne dos sentidos mobilizados por Bolsonaro.

A segunda questão a ser pontuada é que ambas as performances se relacionam com a (re)construção de enquadres de guerra (BUTLER, 2010BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable? New York: Verso, 2010. 193 p.), o que se revela nas escolhas ofensivas, nos sentidos autoritários, no tom agressivo, enfim, nos atos de fala injuriosos que elas mobilizam (BUTLER, 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge , 1997. 185 p.). Contudo, o elemento que, a meu ver, distingue as masculinidades bélicas de outras masculinidades hegemônicas - como das masculinidades militares, que, em determinados espaços, podem encenar repertórios que desafiam a perversidade da razão militar (FRANÇA, 2019FRANÇA, F. G. A razão militar e a banalidade do mal. In: VAZ, E. F.; FRANÇA, F. G.; PONTES, N. L. M. T. (org.). A razão militar e a banalidade do mal: escritos sociofilosóficos. Curitiba: Appris, 2019. p. 21-46.) - é que elas mobilizam, necessariamente, sentidos que indexicalizam o desejo de conflito, destruição e morte, incitando práticas de violência física/bélica em contextos diversos. Portanto, gostaria de argumentar que a linguagem corpórea (ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.) dessas performances se expressa por meio do engajamento dos sujeitos em práticas necrodiscursivas. Com base no conceito de necropolítica (MBEMBE, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N1 Edições, 2018. 80 p.), Rezende, Castanheira e Lima (2020REZENDE, T. F.; CASTANHEIRA, K.; LIMA, H. Necroenunciation: Commanding the Death of the Other. In: BARBOSA, L. M. A. (ed.). Contemporary Foreign Language - Culture, Teaching and Learning: What Has Changed? Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2020. p. 1-14. No prelo., p. 2) propõem o construto necrolinguagem, definido como uma “linguagem de destruição” por meio da qual se constrói a imagem de um inimigo a ser destruído. Nesse sentido, a necrolinguagem pressupõe a articulação de enunciados que operam “como comandos de morte: a aniquilação do outro através da destruição de sua dignidade e da eliminação de sua vida” (REZENDE; CASTANHEIRA; LIMA, 2020REZENDE, T. F.; CASTANHEIRA, K.; LIMA, H. Necroenunciation: Commanding the Death of the Other. In: BARBOSA, L. M. A. (ed.). Contemporary Foreign Language - Culture, Teaching and Learning: What Has Changed? Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2020. p. 1-14. No prelo., p. 4). Em relação ao foco do artigo, acredito que é por meio da necrolinguagem que as masculinidades bélicas se vinculam à (re)produção de enquadres de guerra no mundo social. Entretanto, uma vez que o efeito está na palavra e se concretiza no ato de dizer (BUTLER, 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge , 1997. 185 p.), o meu argumento é que os dizeres bélicos mobilizados por essas performances não somente (re)produzem, mas se apresentam como enquadres de guerra. A violência e a guerra estão na palavra, na performance, no ato da enunciação.

Essa leitura crítica permite inferir que os repertórios sociodiscursivos encenados por masculinidades bélicas tendem a repetir o que poderíamos chamar de uma retórica da guerra (GROSS; AOLAIN, 2014GROSS, O.; AOLAIN, F. N. The Rhetoric of War: Words, Conflict, and Categorization Post-9/11. Cornell Journal of Law and Public Policy, Ithaca, v. 24, n. 2, p. 241-289, 2014.). Em linhas gerais, trata-se da linguagem estética do paradigma da guerra, a qual se constitui por palavras, expressões, frases, conceitos ou, simplesmente, por um conjunto de elementos discursivos que (re)produzem sentidos bélicos em dado contexto social. Obviamente, a mudança de contexto implica mudanças nos arranjos linguístico-estéticos que formam esse conjunto, uma vez que as citações ocasionam rupturas (DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991. 212 p.). No entanto, há alguns elementos discursivos, como as palavras violência, inimigo, destruição e morte, que parecem estar sempre em circulação em diferentes retóricas de guerra. Outro ponto a ser colocado é que, apesar de tais elementos serem mobilizados por diferentes corpos, o corpo masculino - branco, cisgênero e heterossexual - parece ainda constituir o cerne da (re)produção da retórica da guerra em nosso contexto. Para Afonso-Rocha (2021AFONSO-ROCHA, R. Cis-hétero-bolsonarismo. Le Monde Diplomatique Brasil, [s. l], 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/. Acesso em: 25 fev. 2021. Não paginado.
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), essa “corporalidade singular”, representativa do que denomina Cis-hétero- bolsonarismo, opera sociopoliticamente através de uma “recursividade estrutural ao fascismo, em seu sentido mais amplo”, caracterizando-se, assim, por “contradições funcionais, configurações ditatoriais e uma boa pitada de ressentimento”.

Nesse contexto de guerra, como professor de línguas, a pergunta que me faço é: como desafiar masculinidades e sentidos bélicos em sala de aula, de modo a fomentar a construção de outros sentidos, performances e enquadres na vida social?

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Letramentos pós-identitários no campo de batalha: desafiando masculinidades bélicas na e pela língua(gem)

As questões abordadas anteriormente nos permitem afirmar que o Bolsonarismo se configura como uma “forma de colonialismo que busca intimidar ou mesmo apagar as diferenças” (DUBOC; FERRAZ, 2020DUBOC, A. P.; FERRAZ, D. M. What’s Behind Literacy War? A Discursive and Political Analysis of the Neoconservative Brazilian Literacy Policy. Journal of Multicultural Discourses, London, v. 15, n. 4, p. 436-457, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/17447143.2020.1800714.
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, p. 437), o que se torna evidente em sua política de destruição do inimigo (DUSSEL, 1985DUSSEL, E. Philosophy of Liberation. New York: Orbis Books, 1985. 215 p.). A meu ver, essa política tem levado a uma projeção exacerbada de masculinidades bélicas no país, performances que, além de mobilizar dizeres como enquadres de guerra, têm legitimado a encenação de formas masculinas dominantes de estar no mundo. Embora tais performances estejam ganhando cada vez mais espaço no Brasil, faz-se importante reconhecer dois pontos: as masculinidades são performances múltiplas, transitórias e conflitantes (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014.
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); e toda repetição abre espaço para inovação (DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991. 212 p.). A título de exemplo, vejamos a seguinte imagem:

Imagem 4
Soldado da Guerra do Vietnã e Deputado Federal David Miranda

Nessa imagem, vemos dois homens em contextos distintos: o da esquerda é um soldado estadunidense em combate na Guerra do Vietnã, provavelmente entre os anos 1960 e 1970 - cuja identificação não foi possível encontrar -; o segundo é o deputado federal David Miranda, político de esquerda, casado, pai de dois filhos, gay e defensor dos Direitos Humanos, em setembro de 2020. Em relação ao soldado estadunidense, observa-se que, assim como Michael Wynn (Imagem 2), ele usa o próprio capacete para performar sentidos sobre a guerra. No entanto, os seus movimentos citacionais mobilizam sentidos opostos aos de Michael: a citação do slogan pacifista “Faça amor, não guerra!”, em sua proposta original, indexicaliza um posicionamento contrário à guerra; e a citação de um dos lemas mais simbólicos da Revolução Sexual - “Liberdade sexual” - indexicaliza uma performance alternativa a modelos hegemônicos de masculinidade. Por sua vez, no que tange ao deputado David Miranda, percebe-se que ele utiliza a própria camiseta para também (re)produzir sentidos sobre a guerra, o que se dá por meio do enunciado “Lute como Marielle Franco”. Ao citar o corpo de Marielle Franco - mulher negra, casada, queer, mãe, defensora dos Direitos Humanos e vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018 - e vincular a sua imagem ao campo da luta, o deputado mobiliza sentidos que desafiam a hegemonia masculina nos enquadres de conflito e disputa sociais. Ambas as performances foram aglutinadas na mesma imagem propositalmente, como forma de evidenciar a multiplicidade, os trânsitos, as contradições e os atravessamentos que permeiam o campo das masculinidades. São performances continuamente repetidas e contestadas que se (entre)cruzam em diferentes tempos e espaços para (re)produzir significados em constante devir.

É no movimento sempre em curso dos significados que eu gostaria de situar a minha compreensão de letramentos, a qual parte de duas concepções: texto e leitura. Na contramão de abordagens mais conservadoras, que vinculam texto à escrita, entendo a vida social contemporânea como uma realidade hipertextualizada, ou seja, constituída por uma infinidade de repertórios, modalidades e trajetórias textuais. Nessa realidade, a ideia de texto se expande e passa a designar “qualquer elemento [semiótico] que gere o engajamento em práticas discursivas reconhecidas [por um dado] grupo como forma de ação” (ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013., p. 15). Ou seja, falas, conversas, vídeos, imagens, performances e corpos, tais como textos escritos, se configuram como produções textuais legítimas. Essa ideia de texto é um elemento- base da minha concepção de leitura, que também não se restringe à palavra escrita, pois, assim como Freire (1989FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989. 49 p., p. 9), acredito que “[a] leitura do mundo [sempre] precede a leitura da palavra”. Isso significa que os nossos processos de leitura textual são sempre atravessados por nossos corpos, isto é, por quem somos ou nos tornamos no mundo social e pelas formas como percebemos esse mundo. Ambas as concepções me levam a compreender os letramentos, então, como práticas discursivas múltiplas e situadas em que os sujeitos se engajam cotidianamente, dentro e fora do contexto escolar, para interpretar e produzir sentidos sobre a vida.

Uma importante fonte de inspiração para a ideia de letramentos pós- identitários é o campo das praxiologias queer ( JAGOSE, 1997JAGOSE, A. Queer Theory: An Introduction. New York: New York University Press, 1997. 156 p.; SULLIVAN, 2003SULLIVAN, N. A Critical Introduction to Queer Theory. New York: New York University Press, 2003. 232 p.), que, em linhas gerais, propõe o estranhamento dos significados atribuídos aos corpos através de uma crítica radical do conceito de identidade (PRECIADO, 2011PRECIADO, B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002.
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). No âmbito da educação, o desafio que se coloca é “olhar de mau jeito o que está posto” (LOURO, 2004LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 90 p., p. 64) no currículo escolar, de modo a perturbar certezas e pluralizar sentidos, práticas e vivências (NELSON, 2009NELSON, C. D. Sexual Identities in English Language Education: Classroom Conversations. New York: Routledge, 2009. 239 p.; ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2013MOITA LOPES, L. P.; FABRÍCIO, B. F. Desestabilizações queer na sala de aula: “táticas de guerrilha” e a compreensão da natureza performativa dos gêneros e das sexualidades. In: PINTO, J. P.; FABRÍCIO, B. F. (org.). Exclusão social e microrresistências: a centralidade das práticas discursivo-identitárias. Goiânia: Cânone Editorial, 2013. p. 283-301.; URZÊDA-FREITAS, 2018URZÊDA-FREITAS, M. T. Letramentos queer na formação de professorxs de línguas: complicando e subvertendo identidades no fazer docente. 2018. 283 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.). Assim, um dos objetivos dos letramentos queer - ou pós-identitários - seria estranhar a construção textual das identidades como repertórios únicos sobre os corpos e os sujeitos. Aqui, utilizo o termo letramentos pós-identitários para salientar a minha intenção de desconstruir repertórios identitários naturalizados, pois entendo as masculinidades bélicas como citações de repertórios masculinos historicamente dominantes. Uma vez que as masculinidades se constroem e se naturalizam através de repetições inexatas, é possível considerar que a leitura crítica dessas performances pode abrir espaço para a mobilização de sentidos críticos sobre a vida social. No tocante à leitura de masculinidades bélicas, o texto a ser lido e estranhado estaria nos corpos, em suas performances sociodiscursivas e nos contextos e relações que os investem.

Compreendo a leitura crítica como um processo de estranhamento textual, ou seja, de olhar os textos de mau jeito (LOURO, 2004LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 90 p.) para que seja possível extrair deles e problematizar sentidos ocultos que (re)constroem práticas sociais hegemônicas, dentre as quais a violência e a guerra. Em contextos escolares, essa leitura pode se realizar no trabalho com imagens, vídeos, músicas, falas orais e/ ou escritas etc., que envolvam, de alguma forma, performances de masculinidade bélica. Por sua vez, o trabalho com esses objetos textuais pode ser realizado através de rodas de conversa, tarefas em grupo, debates democráticos, apresentações orais, produções artísticas etc. Em relação ao percurso de leitura, a minha sugestão é que o estranhamento textual seja compreendido como um exercício de crítica histórica, identitária e político-social. No que diz respeito à crítica histórica, o objetivo seria encorajar a mobilização de sentidos sobre repertórios históricos que informam e se repetem nas performances em evidência, tais como a ideia de um inimigo a ser destruído. Já o estágio de crítica identitária trabalharia com a mobilização de sentidos que desafiem os mecanismos identitários que (re)produzem - através da repetição - performances de masculinidade bélica, apontando caminhos para a desestabilização de verdades únicas sobre os corpos. Por fim, o estágio de crítica político-social teria por objetivo mobilizar sentidos que permitam relacionar as performances em questão à conjuntura e aos repertórios políticos dominantes, e que, na sequência, fomentem a problematização de seus efeitos bélicos no mundo social. Creio que as discussões compartilhadas nas seções anteriores podem ser relevantes para uma visão mais concreta dessa proposta de leitura.

Outra sugestão para a realização desse trabalho é focalizar objetos e repertórios textuais que apontem para a pluralidade, os trânsitos e as contradições que permeiam o campo das masculinidades - tal como fiz no início desta seção -, de modo a ampliar os sentidos mobilizados para além das masculinidades bélicas e dos repertórios de gênero (Imagem 4). Em todo caso, acredito que um processo de estranhamento textual deve ser realizado de forma democrática, o que nos leva ao caminho do questionamento. A seguir, apresento sugestões de perguntas para os três estágios de leitura crítica propostos anteriormente:

Quadro 1 Sugestões de perguntas para a leitura crítica de masculinidades bélicas

Crítica histórica Crítica identitária Crítica político-social
Com quais eventos históricos esta performance se relaciona? Que repertórios masculinos e não masculinos esta performance repete e/ou transgride? Como esta performance se relaciona com o atual cenário político-social?
Que repertórios históricos ela repete e/ou transgride? Que elementos discursivos apontam para essa repetição e/ou transgressão? Por que a violência é um elemento central nesta performance? Que elementos discursivos a (re)constroem no texto? Que repertórios discursivos do cenário político atual legitimam e/ou contradizem esta performance?
Como esta performance constrói a ideia de um inimigo a ser destruído? Quem é esse inimigo e por que ele “deve” ser destruído? Que outras masculinidades são ou poderiam ser encenadas neste enquadre? O que seria diferente? Que repertórios do paradigma da guerra o texto repete? Quais os seus efeitos bélicos na realidade social?
Como sujeitos não masculinos encenariam esta performance no mesmo enquadre? Que repertórios alternativos à guerra são e/ou podem ser mobilizados?
Fonte: elaboração própria

Independentemente da forma como sejam implementados, um conceito que atravessa a compreensão dos letramentos pós-identitários é a ideia de linguagem como performance, segundo a qual os efeitos dos nossos atos de fala-corpo são produzidos no ato da performance discursiva (BUTLER, 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge , 1997. 185 p.; PINTO, 2002PINTO, J. P. Performatividade radical: ato de fala ou ato de corpo. Gênero, Niterói, v. 3, n. 1, p. 101-110, 2002. DOI: https://doi.org/10.22409/rg.v3i1.260.
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; ROCHA, 2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). Além disso, o trabalho com esses letramentos, no âmbito da leitura crítica de masculinidades bélicas, ancora-se em dois objetivos sociopedagógicos que julgo centrais. O primeiro é a criação de espaços para a mobilização de verdades contingentes sobre os corpos e os sujeitos, isto é, verdades “cuja natureza movente e fluida” (MOITA LOPES, 2009aMOITA LOPES, L. P. Linguística aplicada como lugar de construir verdades contingentes: sexualidades, ética e política. Gragoatá , Niterói, n. 27, p. 33-50, 2009a., p. 38) nos permita compreender melhor os movimentos e a fluidez da própria vida social. O segundo é a “expansão de perspectivas” (MONTE MÓR, 2018MONTE MÓR, W. Letramentos críticos e expansão de perspectivas: diálogo sobre práticas. In: JORDÃO, C. M.; MARTINEZ, J. Z.; MONTE MÓR, W. (org.). Letramentos em prática na formação inicial de professores de inglês. Campinas: Pontes Editores, 2018. p. 315-335., p. 321) na construção de significados sobre o mundo e sobre quem podemos ser/nos tornar nesse mundo de conflitos e possibilidades. Ambos os objetivos convergem na tentativa de criar novos sentidos, performances e enquadres sociais que se oponham à linguagem da guerra na escola e na sociedade mais ampla. Se o paradigma da guerra se perpetua através da repetição imperfeita de uma retórica que se constitui por uma linguagem de destruição e morte - ou necrolinguagem -, devemos apostar nessa imperfeição para construir outros mecanismos discursivos que o desafiem radicalmente. Afinal, como pondera Rocha (2013ROCHA, L. L. Teoria queer e a sala de aula de inglês na escola pública: performatividade, indexicalidade e estilização. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013., p. 42-43), a repetição da linguagem é sempre “uma repetição com potencial transgressivo”. Em outras palavras: se a guerra se (re)faz na e pela língua(gem), é na e pela língua(gem) que devemos estranhá-la. Esse é o grande desafio dos letramentos pós-identitários em nosso campo de batalha atual.

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Na (contra)mão da guerra…

O meu objetivo, neste artigo, foi compartilhar uma primeira reflexão sobre as performances sociodiscursivas às quais tenho me referido como masculinidades bélicas, reflexão construída a partir de um diálogo indisciplinar com diferentes áreas do saber. Tendo como base a construção histórico-cultural da violência masculina em cenários de guerra, e atendo-me ao contexto sociopolítico brasileiro atual, procurei focalizar alguns elementos que distinguem as masculinidades bélicas de outros repertórios hegemônicos de masculinidade. Dentre esses elementos, o mais representativo é o engajamento das masculinidades bélicas em práticas necrodiscursivas, as quais indexicalizam o desejo de violência, destruição e morte que caracteriza o paradigma da guerra. Ou seja, é por meio de uma necrolinguagem que os dizeres mobilizados por essas performances enunciam a destrutividade (BUTLER, 1992BUTLER, J. Contingent Foundations: Feminism and the Question of “Postmodernism”. In: BUTLER, J.; SCOTT, J. W. (ed.). Feminists Theorize the Political. New York: Routledge , 1992. p. 3-21.), vinculando-se diretamente à construção de enquadres de guerra no mundo social. Por acreditar que as palavras não se separam de seus efeitos, o meu argumento é que os repertórios de sentido performados por masculinidades bélicas (re)produzem tais enquadres no próprio ato da enunciação. São palavras-corpo como efeitos de guerra.

As leituras críticas apresentadas corroboram a visão de que as masculinidades são performances situadas que se entrecruzam com outros repertórios socioidentitários, já que os recortes analisados apontam para uma intersecção entre repertórios de gênero, classe, raça e sexualidade. Além disso, pode-se observar que os sentidos postos em circulação por masculinidades bélicas têm operado como reforçadores em potencial do paradigma da guerra no Brasil contemporâneo, que, por sua vez, tem sido legitimado pelo atual presidente da República e por seu projeto de poder, o Bolsonarismo - ou Cis-hétero- bolsonarismo (AFONSO-ROCHA, 2021AFONSO-ROCHA, R. Cis-hétero-bolsonarismo. Le Monde Diplomatique Brasil, [s. l], 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/. Acesso em: 25 fev. 2021. Não paginado.
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). Nessa conjuntura, a performance de Guy se mostra especialmente relevante, pois demonstra como esse discurso autorizado pelo Estado pode repercutir na vida cotidiana. Não se trata de um julgamento moral quanto ao sentimento de (in)justiça de Guy, pois ele realmente teve a casa invadida. O caráter bélico de sua masculinidade reside na forma violenta como ela foi encenada, o que se percebe no modo como a lei e a justiça foram evocadas pelo próprio cidadão naquele enquadre. Isso não significa, portanto, que Guy ou qualquer outro homem que encene repertórios bélicos o faça em todos os contextos ou que a masculinidade bélica seja a sua única performance disponível. Uma vez que as masculinidades são repertórios plurais, moventes e contraditórios, acredito que toda performance masculina deve ser analisada com base no enquadre em que é encenada, já que a mudança de enquadre pode resultar em mudanças de repertório.

Em todo caso, quando se trata de performances bélicas de masculinidade, os seus repertórios sociodiscursivos são mobilizados através de uma retórica da guerra. Nesse sentido, os letramentos pós-identitários se apresentam como um caminho para contestar essa retórica e sua necrolinguagem no contexto escolar, de modo a perturbar certezas sobre os corpos e os sujeitos, problematizar sentidos/ efeitos mobilizados por masculinidades bélicas e pluralizar os repertórios de masculinidade. Embasado por uma visão expandida de texto e leitura, entendo a leitura crítica como um processo de estranhamento textual que se realiza por meio de uma crítica histórica, identitária e político-social. No caso das masculinidades bélicas, o objetivo é desconfiar dessas performances, dos elementos que as constituem e dos seus sentidos aparentes, de forma que outros sentidos sobre a guerra, a violência e sobre estar no mundo como homem possam ser construídos. Não se trata de uma proposta tranquila, pois, como afirmam Duboc e Ferraz (2020DUBOC, A. P.; FERRAZ, D. M. What’s Behind Literacy War? A Discursive and Political Analysis of the Neoconservative Brazilian Literacy Policy. Journal of Multicultural Discourses, London, v. 15, n. 4, p. 436-457, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/17447143.2020.1800714.
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), a emergência do Bolsonarismo desencadeou uma guerra de letramentos no Brasil, que representa uma batalha entre perspectivas tradicionais e progressistas de letramento. Além disso, as forças conservadoras que se introjetaram no país a partir de 2013 levaram à polarização da sociedade brasileira, fato que tornou a realização de projetos críticos uma atividade ainda mais complexa em diversos contextos educacionais. Assim, é possível que um dos elementos mais presentes na implementação de letramentos pós-identitários seja o conflito, o qual devemos acolher e tomar como uma oportunidade genuína de diálogo intercultural, de negociação de sentidos e, sobretudo, de aprendizagem mútua. Ironicamente, talvez essa proposta deva ser concebida como uma tática de guerrilha, já que ela se insere em um contexto de guerra sociodiscursiva no qual se pretende “[abrir] os horizontes de significados para outras [visões e] performances” (MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2013MOITA LOPES, L. P.; FABRÍCIO, B. F. Desestabilizações queer na sala de aula: “táticas de guerrilha” e a compreensão da natureza performativa dos gêneros e das sexualidades. In: PINTO, J. P.; FABRÍCIO, B. F. (org.). Exclusão social e microrresistências: a centralidade das práticas discursivo-identitárias. Goiânia: Cânone Editorial, 2013. p. 283-301., p. 289, grifo do autor).

Como frisei na introdução e como busquei evidenciar ao longo do artigo, as masculinidades bélicas não representam um fenômeno novo. Ao contrário, são performances que têm sido repetidamente encenadas em diferentes épocas, contextos e enquadres, o que nos permite concluir que elas estão diretamente envolvidas na construção da complexa e disputada realidade que vivemos hoje. A nossa história está vinculada aos arquétipos do sujeito imperialista, materializados na imagem de um homem - branco - com uma espada ou arma de fogo nas mãos, pronto para destruir o inimigo. O que temos testemunhado no Brasil atual, pelas vias do Bolsonarismo, é uma repetição dessa imagem, o que, por sua vez, tem propiciado uma intensa circulação de sentidos bélicos recontextualizados e distribuídos em diferentes enquadres. Uma vez que esses enquadres têm sido protagonizados por homens, acredito que esta reflexão inicial sobre masculinidades bélicas pode se somar a outros estudos que compreendem a pesquisa em linguística aplicada como uma atividade política, buscando analisar como a linguagem opera na (re)construção da realidade e como podemos “imaginar o futuro e criar alternativas radicais para a vida social” (MOITA LOPES, 2009aMOITA LOPES, L. P. Linguística aplicada como lugar de construir verdades contingentes: sexualidades, ética e política. Gragoatá , Niterói, n. 27, p. 33-50, 2009a., p. 39). Devo salientar, no entanto, que a minha intenção aqui não foi apresentar verdades, mas colocar um conceito em circulação para que ele seja repetido e inaugure outros sentidos, leituras e perspectivas. Como tudo na vida, masculinidades bélicas é um conceito situado, movediço e transitório.

Para finalizar, espero que esta reflexão possa colaborar, ainda, com os estudos educacionais que têm procurado estranhar radicalmente a violência, o militarismo e o paradigma da guerra, voltando-se para a construção de repertórios de paz na sociedade (CONNELL, 2000CONNELL, R. W. Arms and the Man: Using the New Research on Masculinity to Understand Violence and Promote Peace in the Contemporary World. In: BREINES, I.; CONNELL, R. W.; EIDE, I. (ed.). Male Roles, Masculinities and Violence: A Culture of Peace Perspective. Paris: UNESCO Publishing, 2000. p. 21-33.; MATOS, 2014MATOS, F. G. Peace Linguistics for Language Teachers. DELTA, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 415-424, 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-445089915180373104.
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; NELSON, 2015NELSON, C. D. Conflict, Militarization, and Their After-effects: Key Challenges for TESOL. TESOL Quarterly, Hoboken, v. 49, n. 2, p. 309-332, 2015. DOI: https://doi.org/10.1002/tesq.187.
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). Embora concorde que “a descolonização é um fenômeno sempre violento” (FANON, 2004FANON, F. The Wretched of the Earth. New York: Grove Weidenfeld, 2004. 251 p., p. 35), acredito que, como professores, não podemos ceder facilmente às investidas sedutoras da retórica da guerra. Assim como Butler (2020BUTLER, J. The Force of Nonviolence: An Ethico-political Bind. London: Verso, 2020. 153 p., p. 171), insisto que nos apoiemos na força da não violência como estratégia de luta, o que significa apostar na mobilização de sentidos que “busquem desmantelar regimes violentos”. Em The Things They Carried (2009O’BRIEN, T. The Things They Carried. New York: Houghton Mifflin, 2009. 233 p.), Tim O’Brien relata, por meio da ficção, as suas memórias e percepções sobre a guerra, tendo como base a sua experiência na Guerra do Vietnã. No conto “How to Tell a True War Story”, ele afirma: “Uma verdadeira história de guerra nunca é moral. Ela não ensina, nem desperta a virtude, nem sugere modelos apropriados de comportamento humano, nem impede os homens de fazer o que eles sempre fizeram” (O’BRIEN, 2009O’BRIEN, T. The Things They Carried. New York: Houghton Mifflin, 2009. 233 p., p. 65). Essa parece ser também a visão de Kurtz, personagem do romance Heart of Darkness (Coração das Trevas), que, no leito de morte, revela a sua percepção sobre as atrocidades do projeto colonial: “O horror! O horror!” (CONRAD, 2013CONRAD, J. Heart of Darkness. London: Harper Press, 2013. 130 p., p. 90). Lembrando que Kurtz era o líder da expedição comercial no Congo e que o seu método era “[e]xtermin[ar] todos os selvagens!” (CONRAD, 2013CONRAD, J. Heart of Darkness. London: Harper Press, 2013. 130 p., p. 63). Um corpo e dois atos de fala que resumem os sentidos e as contradições da guerra.

Agradecimentos

Agradeço às/aos colegas do grupo de pesquisa Transição (UFG), bem como à Tânia Ferreira Rezende, Luciana Lins Rocha e Mário Martins Neves Júnior, pela leitura crítica do texto e pelas valiosas ponderações colocadas, as quais influenciaram muito positivamente a elaboração da versão aqui apresentada.

Referências

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  • AFONSO-ROCHA, R. Cis-hétero-bolsonarismo. Le Monde Diplomatique Brasil, [s. l], 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/ Acesso em: 25 fev. 2021. Não paginado.
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  • 1
    A tradução dos recortes textuais originalmente escritos em inglês são de minha autoria.
  • 2
    Os soldados em combate na Guerra do Vietnã costumavam grafitar os seus capacetes como forma de expressar os seus anseios e sentimentos em relação à guerra (MOSBAUGH, 2019MOSBAUGH, R. C. Ron Mosbaugh: Helmet Graffiti During Vietnam War a Sign of the Times. The Joplin Globe, Joplin, 4 set. 2019. Disponível em: https://www.joplinglobe.com/opinion/columns/ron-mosbaugh-helmet-graffiti-during-vietnam-war-a-sign-of-the-times/article_5b02ed62-c77e-5199-9441-48857b0425a7.html. Acesso em: 20 dez. 2020.
    https://www.joplinglobe.com/opinion/colu...
    ).
  • 3
    Uma vez que me deparei com esse material em um perfil público de rede social, entendo as suas informações como de domínio público. Ainda assim, por questões éticas, optei por criar um codinome para o autor das falas e dos vídeos, e por não descrevê-lo por meio de características específicas que pudessem, de alguma forma, revelar a sua identidade.
  • 4
    Utilizo a escrita em maiúsculo para marcar a ênfase dada por Guy em seu relato.
  • 5
    Embora o rosto do homem fotografado esteja coberto, optei por tarjar a sua região dos olhos e colocar a imagem em preto e branco com vistas à preservação de sua identidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2021
  • Aceito
    23 Ago 2021
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