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Carmen, do estereótipo ao desafio: a personagem para além da obra de Prosper Mérimée

Carmen, from stereotype to challenge: The character beyond the work of Prosper Mérimée

RESUMO

Este artigo pretende discutir a possibilidade de subversão dos estereótipos atribuídos à mulher por meio da análise da representação da personagem Carmen entre o texto fonte e as adaptações cinematográficas inspiradas na narrativa de Mérimée e/ou na ópera de Bizet. O objetivo é perceber os mecanismos utilizados para a construção da personagem a partir de Uma teoria da adaptação de Hutcheon além de outros autores.

PALAVRAS-CHAVE:
literatura; cinema; representação; estereótipos; subversão dos estereótipos.

ABSTRACT

This article aims to discuss the possibility of subverting the stereotypes attributed to women through the analysis of the representation of the character Carmen between the source text and the cinematographic adaptations inspired by Mérimée’s narrative and/or by Bizet’s opera in order to understand the mechanisms used for the construction of the character from Hutcheon’s A theory of adaptation as well as other authors.

KEYWORDS:
literature; cinema; representation; stereotypes; subversion of stereotypes

Entre o contar e o mostrar: adaptação, literatura, cinema e mercado

Segundo afirma Linda Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), a adaptação faz parte da nossa vida e está presente em toda forma de manifestação artística e literária. Toda forma de arte pode ser adaptada de uma mídia para outra conforme os interesses ou intenções do adaptador. O gosto em transplantar um artefato cultural de uma mídia para outra é tão antigo quanto o próprio ato de criação artística e permanece nos dias atuais, influenciando os modernos meios de produção de arte e de entretenimento. Entretanto, uma das primeiras questões apontadas pela autora a respeito da adaptação é o problema de valor. Geralmente considerada secundária ou derivada do original, a adaptação tende a ser definida como um produto inferior, desqualificada pela crítica. Em relação ao cinema, no que se refere à adaptação de uma narrativa literária para uma narrativa fílmica, geralmente, conforme aponta Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), a questão da fidelidade é sempre evocada como tabu e leva muitos críticos a tomarem essa noção de fidelidade como requisito para a qualificação de um filme em termos comparativos; pior ou melhor que o texto-fonte.

Essa é uma questão importante a ser considerada, porque apesar do consenso entre teoria e crítica - tanto da literatura quanto do cinema - de que entre o texto literário e o filme a comparação restrita à noção de fidelidade é impossível devido à mudança de mídia, a questão é continuamente retomada chegando a interferir no trabalho do adaptador ou diretor. Contudo, embora essa questão seja continuamente retomada no cinema, é necessário lembrar que, nas palavras de Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), “ a adaptação é uma derivação que não é derivativa, uma segunda obra que não é secundária - ela é sua própria coisa palimpséstica” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 30, grifo do autor), o que faz da adaptação sempre uma obra nova. Apesar de recuperar o que chamarei de texto original ou texto fonte, as adaptações no cinema, mesmo quando inspiradas em uma mesma obra, como o exemplo de Carmen - que, conforme Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), já deu origem a mais de 77 adaptações fílmicas - nunca se repetem do mesmo modo. Em todas as versões de Carmen é possível perceber a presença da narrativa de origem, mas todas elas trazem algum elemento novo, o que a torna também original.

Do contar para o mostrar entram em jogo inúmeros recursos e técnicas que são exclusivas do gênero cinematográfico, o que alarga muito a possibilidade de significação que pode ser dada à narrativa segundo as escolhas do(a) diretor(a) ou adaptador(a) e faz da adaptação um produto novo que carrega as marcas do texto fonte, mas não é um simples derivado dele. Provavelmente, devido à capacidade de repetir de outro modo, principalmente se o enredo já foi aclamado pelo público consumidor, a adaptação seja uma constante no cinema, cuja preferência supera qualquer preconceito, conforme constata Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.): “de acordo com estatísticas de 1992, 85% de todos os vencedores da categoria melhor filme no Oscar são adaptações [...] as adaptações totalizam 95% de todas as minisséries e 70% de todos os filmes feitos para a TV que ganharam Emmy Awards” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 24). Esses dados também atestam a relação entre arte e entretenimento.

No contexto da vida moderna, a relação entre arte e entretenimento tende, cada vez mais, ao estreitamento em consequência dos interesses de mercado, dentre os quais o cinema se destaca como um produto de largo alcance, de modo que se tornou impossível, nos dias de hoje, separar o cinema da categoria de produto de consumo, que, por sua vez, relaciona-se ao prazer e ao lucro. Esse é outro motivo apontado por estudiosos de cinema, como Hutcheon e Canevacci, para a preferência pela adaptação; a crença de que um sucesso de público leitor também tem grande probabilidade de atingir sucesso entre os consumidores de cinema e televisão:

A adaptação também exerce um óbvio apelo financeiro. Não é apenas em tempos de retração econômica que os adaptadores se voltam para apostas seguras: no século XIX, os compositores italianos daquela forma de arte notoriamente cara, a ópera, geralmente decidiam adaptar romances ou peças teatrais confiáveis - ou seja, já bem-sucedidas financeiramente - a fim de evitar problemas de ordem econômica e a censura [...]. Os filmes de Hollywood do período clássico apostaram em adaptações de romances populares [...] enquanto a televisão britânica especializou-se na adaptação de romances consagrados dos séculos XVIII e XIX [...]. Todavia isso não é apenas uma questão de evitar riscos; é preciso fazer dinheiro. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 25).

A esse respeito, Canevacci (1984CANEVACCI, M. A antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984.) destaca a relação entre produção e desejo de retorno, em que o trabalho da produção do filme se desenvolve, em função do retorno dos investimentos, a fim de garantir o sucesso de público e, consequentemente, o lucro. Nesse sentido, as leis de distribuição do filme tendem a influenciar a crítica que, por sua vez, é fundamental para o sucesso da obra fílmica. Esse processo gera um ciclo de dependência entre crítica, produção, distribuição e produto fílmico cujo objetivo final é o lucro. A produção leva em consideração a recepção do público, porque depende dele para a garantia do retorno do investimento, daí a preferência pela adaptação, posto que, uma obra cuja trama já conquistou o gosto popular por si só já representa grandes possibilidades de sucesso, ou seja, a produção privilegia o “enredo garantido” ( CANEVACCI, 1984CANEVACCI, M. A antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984., p. 23), que corresponde a um tipo de enredo já conhecido e aprovado pelo público, como os romances clássicos ou os best sellers. Além disso, segundo constata Abruzzese (2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948.), a escrita romanesca, conto ou novela literária, empresta parte fundamental de sua estrutura narrativa ao cinema, servindo de base para a montagem da narrativa cinematográfica. Aspectos como sequenciação narrativa, continuidade e relação entre as partes da narrativa são fundamentais para o bom desenvolvimento da obra, seja ela literária ou cinematográfica. Em suma, Abruzzesse conclui:

É na espacialidade de todas essas partes que os movimentos da câmera e do ator poderão encontrar sua teoria e sua prática. Mas é precisamente na escolha e administração dessas distribuições, necessárias para conferir à obra um caráter pronto, clássico, que prevalece a força da escrita romanesca contra a fragilidade estrutural de um cinema de montagem, um cinema puramente visionário. E nesse ponto central ainda encontramos Eisenstein 1 1 Sergei Eisenstein, um dos mais importantes cineastas da história do cinema, é considerado o criador da técnica de montagem. , mas sobretudo Hollywood. ( ABRUZZESE, 2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948., p. 923).

O domínio da técnica de montagem no cinema tornou-se, com a evolução tecnológica do gênero, um aspecto definitivo para o desencadeamento da narrativa fílmica. Cada vez mais se acumulam horas e horas de filmagem que serão selecionadas pelo montador, em parceria com o(a) diretor(a), ou diretores, a fim de definir a sequência da narrativa, que não precisa, necessariamente, seguir uma linearidade cronológica, mas deve permitir ao espectador compreender o andamento da trama. É justamente o domínio dessa técnica narrativa, comum à literatura, que permite o trabalho de montagem no cinema. Esse é outro aspecto que estreita cada vez mais a relação entre cinema e literatura, pois as técnicas narrativas desenvolvidas tanto na literatura quanto no cinema permanecem influenciando-se reciprocamente desde o advento do cinema.

O casamento entre cinema e literatura estabeleceu-se, desde o nascimento do gênero cinema narrativo, aliado aos interesses da indústria e a possibilidade de abarcar um grande número de público consumidor, conforme afirma Alberto Abruzzese (2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948.), “os aparatos cinematográficos estruturam-se graças às relações entre os códigos do romance e os códigos da indústria cultural” ( ABRUZZESE, 2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948., p. 925-926). Em um processo de mudança, econômica, política, cultural, no contexto da revolução industrial, o novo modelo de consumo de cultura e entretenimento, alinhando-se aos interesses de mercado, figurou, no primeiro momento, como uma simplificação da leitura:

O meio cinematográfico forneceu instrumentos, aparatos e lugares para padronizar o trabalho social do leitor de massa. [...] O cinema, portanto, foi um instrumento de uma leitura que - exilada da oralidade viva da comunidade e das fábulas narradas ao pé do fogo doméstico - devia voltar a ser uma linguagem comum. Libertando-se da linguagem alfabética, obtinha-se o resultado de reforçar os efeitos da escrita. ( ABRUZZESE, 2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948., p. 933, grifo do autor).

Na categoria de produto cultural e de consumo, o cinema, conforme afirma Fábio Lucas (2007LUCAS, F. Prefácio In: BRITO, J. D. (org.). Literatura e cinema. São Paulo: Novera Editora, 2007. p. 09-15. ), necessitou de temas e enredos que agradassem ao público consumidor. Nesse contexto, o modelo literário do romance romântico adequou-se perfeitamente aos interesses da indústria cinematográfica: “a transposição dos enredos romanescos para o cinema tornou-se moda. Possuem eles, entretanto, recursos diferentes para atingir a atenção do leitor” ( LUCAS, 2007LUCAS, F. Prefácio In: BRITO, J. D. (org.). Literatura e cinema. São Paulo: Novera Editora, 2007. p. 09-15. , p. 11-12). Segundo César Guimarães (1997GUIMARÃES, C. Imagens da memória: entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.), entre o texto e o filme não é possível haver uma mesma informação, visto que os meios e o veículo utilizados para a transmissão da mensagem/imagem diferem. Esse fato abre espaço para uma larga zona de significados. Portanto, para que se torne possível um estudo comparado entre uma e outra forma de representação, é preciso haver, entre o texto e o filme, uma estreita relação:

Um trabalho comparativo entre literatura e cinema, por exemplo, só poderia se realizar - paradoxalmente - no lugar em que os dois tipos de imagem que os constituem (a verbal e a visual) não se encontram separados pela diferença do meio material no qual cada um se realiza e pela natureza diferenciada dos signos que os constituem. ( GUIMARÃES, 1997GUIMARÃES, C. Imagens da memória: entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997., p. 67).

Entretanto, de acordo com Diniz (1999DINIZ, T. F. N. Literatura e cinema: da semiótica à tradução cultural. Ouro Preto: Editora UFOP, 1999.), o tradutor tem liberdade para modificar uma situação de cena, do texto para o filme, ampliando-a ou reduzindo-a, ou ainda pode escolher representá-la por meio de outros instrumentos simbólicos a fim de torná-la mais exótica ou amenizá-la, dependendo de suas intenções. Essas modificações visam a atender às necessidades do gênero cinema, que, como já apontado, tem relação direta com os interesses de mercado. Por isso, conforme verifica Fábio Lucas, “ficou difícil, pelo efeito industrial, manter a mais ousada tentativa de soberania do diretor” ( LUCAS, 2007LUCAS, F. Prefácio In: BRITO, J. D. (org.). Literatura e cinema. São Paulo: Novera Editora, 2007. p. 09-15. , p. 12), fato que torna cada vez mais raro o tipo de obra classificada como cinema-de-autor, cinema de vanguarda ou cinema de arte - que correspondem a um tipo de produção que objetiva subtrair do filme seu caráter de mercadoria, ou ao menos priorizar sua categoria de arte.

Conforme verifica Abruzzese (2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948.) os processos geradores que antecedem ao cinema e as profundas mudanças na estrutura econômica e social das metrópoles levaram ao surgimento de um novo público consumidor de arte - não letrado - que foi percebido como consumidor em potencial a partir do movimento de art nouveau. Esses mesmos processos fizeram, do cinema o produto perfeito para a popularização da arte entre as massas:

O cinema foi a tecnologia criada pelo mercado para poder atender externamente aos processos mentais do indivíduo. Este, antes do cinema, caso quisesse encontrar um meio de expressar à altura da generalidade da metrópole, devia reprimir sua qualidade de espectador - de cidadão e de público - e, podendo, devia se tornar um leitor isolado [...] O leitor devia representar a escrita, encená-la dentro de si. Devia fruir formas de escritas e de representação, que - rigidamente pré-fixadas em comparação a comunicação oral - exigiam um grande esforço cognitivo pessoal para o consumo e a recepção [...]. O cinema vinha ao encontro dessa dificuldade pessoal e social. Como tecnologia que trazia em si a espetacularidade e complexidade espaço temporal da metrópole, ele oferecia plataformas adequadas de produção e consumo que permitiam a expressão coletiva do imaginário individual. ( ABRUZZESE, 2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948., p. 933).

A tecnologia do cinema permaneceu subordinada à relação com a escrita, fato que se evidencia por meio da “capacidade do dispositivo histórico e social do romance literário em descer até as massas graças aos roteiros, e assim acolher em si o sujeito coletivo da sociedade industrial avançada” ( ABRUZZESE, 2009ABRUZZESE, R. Cinema e romance: do visível ao sensível. In: MORETTI, F. (org.). O romance, 1: a cultura do romance. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 919-948., p. 945). A forma de acolhimento no cinema é determinante para a formação do público receptor e a recepção, por sua vez, é definida pelo contexto histórico no qual se realiza. Segundo constata Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), os modos de engajamento do público receptor, tanto do produto cinema quanto de adaptações fílmicas específicas, nunca acontecem no vazio; cada forma de engajamento é definida no contexto e no espaço temporal de um dado grupo social inserido em uma cultura particular. Nesse sentido, o contexto de surgimento do cinema, assim como a preferência pela adaptação, levando em consideração suas origens no Ocidente, sobretudo nas metrópoles da Europa e posteriormente nos Estados Unidos, justificam seu sucesso e a relação direta com a indústria e o capital econômico como reflexo das necessidades e interesses da cultura dominante no Ocidente em um dado momento histórico. Do mesmo modo, as mudanças ocorridas ao longo do tempo e as transformações culturais e de valores sociais interferem na forma de recepção das adaptações hoje e sempre:

Os contextos de criação e recepção são tanto matérias, públicos e econômicos quanto culturais, pessoais e estéticos. Isso explica porque, mesmo no mundo globalizado de hoje, mudanças significativas no contexto - isto é, no cenário nacional ou no momento histórico, por exemplo, podem alterar radicalmente a forma como a história transposta é interpretada, ideológica e literalmente. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 54).

As formas de interpretação ou reinterpretação de uma adaptação ou até mesmo do texto fonte encontram-se inseridas em um contexto específico. O contexto de criação de Carmen, de Mérimée, foi definitivo para a fixação da representação da personagem pelos estereótipos da sexualidade assustadora e sua erotização e justifica a necessidade de sua morte. A narrativa de Mérimée é um reflexo das crenças e valores dominantes no século XIX, assim como das preferências estilísticas que influenciaram a produção literária da época. Contudo, o significado que a morte de Carmen pode assumir, nos dias de hoje ou nas diversas adaptações inspiradas nela ao longo do tempo, permite inúmeras novas possibilidades, que podem levar à representação da personagem como heroína romântica ( Carmen la de Ronda, por Tulio Demicheli, de 1959Carmen La de Ronda. Direção: Tulio Demicheli. Elenco: Félix Fernández, Germán Cobos, Jorge Mistral, Maurice Ronet, Sara Montiel, José Marco Davó, Agustín González, Pilar Gómez Ferrer, Manuel Guitián, Amedeo Nazzari. Trilha sonora: Gregorio García Segura. Espanha. 1959. (106 min), color. ), terrorista ( Prénom Carmen, por Godard, de 1983Prénom Carmen. Direção: Jean-Luc Godard. Elenco: Maruschka Detmers, Jacques Bonnaffé, Myriem Roussel. Trilha sonora: Ludwig van Beethoven. França. 1983. (85 min), color.) ou femme fatale ( Carmen Jones, por Otto Preminger de 1954Carmen Jones. Direção: Otto Preminger. Elenco: Harry Belafonte, Pearl Bailey, Brock Peters. Trilha sonora: Herschel Burke Gilbert. EUA. 1954. (107 min), color. ).

Carmen: a personagem na trincheira da contradição

A novela Carmen, de Prosper Mérimée, publicada em 1845, não ganhou o devido reconhecimento no contexto de sua publicação; sua notoriedade somente seria reconhecida a partir da estreia da ópera de Georges Bizet, em 1875, inspirada na narrativa literária em questão e também intitulada Carmen. No entanto, é devido à força e ao modo peculiar de representação da personagem criada por Mérimée que a obra se tornou conhecida, figurando, a partir de então, como a mais importante criação do autor. Posso dizer que a obra de Mérimée deu origem a um mito. A intensidade e a irreverência da personagem Carmen foram proclamadas e veneradas pelo mundo, levando muitos artistas a inspirarem-se na personagem para suas criações. Da ópera de Bizet aos dias atuais já foram mais de 77 adaptações para o cinema ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), teatro e televisão. De Charles Chaplin (1915), a Vicente Aranda (2003) - no cinema - de Picasso (1949), nas artes plásticas - com 320 ilustrações inspiradas na novela - a Rodion Shchedrin (1967), no ballet, a figura de Carmen prevaleceu mantendo as mesmas características que marcaram a criação de Mérimée: uma cigana sedutora e extremamente perigosa, mas também uma mulher sexualmente independente, senhora do seu corpo e amante da liberdade. Carmen ama o amor e a liberdade sem medo e sem limites. Indiscreta, selvagem, espalhafatosa e sorridente, a personagem transfigurou, em suas diversas adaptações, entre o arquétipo da mulher fatal e a ruptura dos estereótipos do feminino.

Hutcheon elege Carmen como um dos melhores exemplos para a análise do fenômeno de adaptação, principalmente porque a narrativa gira “em torno de uma única figura variável, culturalmente estereotipada e, mesmo assim, adequada retrospectivamente, em termos ideológicos, à adaptação para diferentes tempos e lugares” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 206). Contudo, apesar da possibilidade de adequar-se a diferentes temas e motivos, as formas de representação da personagem permanecem entre duas variantes; mulher fatal ou mulher livre. De qualquer forma, considero que dois aspectos prevalecem na representação da personagem: o poder de sedução e o amor à liberdade. Essas características contribuem para a conexão da personagem a questão da representação do feminino a abre a possibilidade de inúmeras interpretações, como atesta Hutcheon:

Desde o início, porém, a narrativa de Carmen, a cigana, acrescenta a essas importantes características, uma confusa série de interpretações políticas: seria ela uma perigosa femme fatale ou uma admirável mulher independente? Esses estereótipos conflitantes, conforme defendo, tornaram a história continuamente fascinante tanto para os adaptadores como para o público [...]. A representação de Carmen como vítima ou criminosa, portanto, depende diretamente da política dos contextos particulares de criação e recepção. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 206).

Em se tratando da personagem Carmen, embora o(a) adaptador(a) opte por centrar sua narrativa fílmica em outras questões, como identidade nacional ( Carmen la de Ronda, 1959) ou racismo ( Carmen Jones, 1954), considero impossível descartar o problema dos estereótipos da mulher demoníaca, porque eles são inerentes à personagem. Desse modo, em suas adaptações, o que entra em questão é a forma como o(a) adaptador(a) vai preferir representar esses estereótipos, podendo simplesmente reproduzi-los, ampliá-los, minimizá-los ou subvertê-los. O modo como esses estereótipos são atribuídos à personagem depende também do ponto de vista de quem a representa, tanto no espaço da diegese quanto fora dele. Na narrativa de Mérimée, que deu origem ao mito Carmen, a personagem é construída a partir de três focalizações narrativas: o ponto de vista de um narrador primeiro, um pesquisador francês cujas características coincidem com o autor, o ponto de vista de D. José e o ponto de vista do próprio Prosper Mérimée, que se realiza de forma indireta no quarto capítulo da obra. A respeito dos pontos de vista que definem a personagem, Hutcheon afirma:

O narrador do texto é um estudioso francês pedante, e é ele quem primeiro descreveu Carmen: ela está fumando, um ato definitivamente transgressivo, mesmo para uma trabalhadora da indústria de tabaco - de fato o cigarro era um sinal de identificação utilizado pelas prostitutas francesas. Ela é bela, porém não de modo convencional; seus olhos são fortes e voluptuosos, ele crê que ela pode ser moura, mas isso porque é incapaz de dizer “judia”; ela lhe fala sobre seu sangue cigano. Essa mulher é uma ladra e talvez uma assassina; é petulante e exigente. Posteriormente lemos a segunda descrição de Carmen feita por D. José, o homem que a amava e que acabou de assassiná-la. Para ele, ela é sedutora, escandalosamente sedutora como seu vestido e seu comportamento; ela tem uma língua afiada; é mentirosa, porém paradoxalmente honesta ao pagar suas “dívidas”; é extravagante e impulsiva. Onde o narrador a considera uma feiticeira, o amante a chama de diabólica. É culpa dela o ciúme que sente; é culpa dela que ele deve assassiná-la. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 208).

Apesar de descrita a partir de diferentes focalizações, a definição da personagem parte de uma mesma ideologia que corresponde ao pensamento hegemônico sobre a mulher no século XIX, sobretudo o universo da fantasia masculina sobre mulheres bonitas e independentes, tanto economicamente quanto sexualmente, que faz dessas mulheres criaturas extremamente atraentes, mas excessivamente perigosas. De acordo com Ann Kaplan (1995KAPLAN, A. A mulher e o cinema: os dois lados da câmera. Tradução de Helen Márcia Potter Pessoa. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.), no patriarcado as mulheres devem ser vulneráveis, tanto economicamente quanto sexualmente, a fim de que elas, submissas às suas leis, contribuam para sua manutenção. Embora represente exatamente o contrário do ideal hegemônico, a personagem Carmen, na narrativa de Mérimée, é construída segundo a ideologia presente nesse mesmo ideal, diluído tanto na fala dos narradores quando do próprio autor, como constata Hutcheon:

Alguns anos depois, Mérimée acrescentou ao texto um tratado etnográfico sobre os ciganos, no qual eles são apresentados como bestiais, imorais e desinteressantes em todos os sentidos. Nessa visão, a morte de Carmen torna-se culpa dos próprios ciganos. Essa construção orientalizada do “outro” europeu é típica do tempo e lugar: Victor Hugo, Théophile Gautier, Alexandre Dumas e Gustave Flaubert haviam viajado para a Espanha e todos a viram como um espaço exótico e oriental em seus escritos. Para cada um deles, o cigano espanhol era como o judeu: doméstico, porém estrangeiro, o outro que está perto - se não está em casa, tampouco está longe. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 2008).

Contudo, a partir da ópera de Bizet, de acordo com a autora, a personagem sofre um processo de subtração de seus atributos mais negativos: “a Carmen da ópera está longe de ser a mulher corrompida e desonesta do texto de Mérimée” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 209). Principalmente porque, além do desaparecimento das “três vozes narrativas” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 209) - Carmen fala/canta por si - surge a personagem Micaela, para lhe fazer o contraponto. Subtraindo algumas partes e acrescentando outras, para Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), “os libretistas fizeram dela uma mulher livre, dona de seu próprio futuro, como somente os homens podiam ser naquele tempo” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 210). Essas, dentre outras características peculiares à ópera, fizeram com que Carmen se tornasse, a partir daí, “o estereótipo - e o desafio - para os intérpretes e, dessa forma, para os adaptadores” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 210-211). De qualquer forma, a representação da personagem transita entre a femme fatale e a mulher livre. Mártir ou demônio, vítima ou criminosa, Carmen permanece sempre na trincheira da contradição e dos eclipses, repetindo-se sempre de forma diferente em cada nova adaptação, mas permanentemente à sombra dos estereótipos. Porém, a manutenção ou a ruptura desses depende das escolhas do(a) adaptador(a).

Além dessa diversidade possível na representação da personagem, o contexto histórico e geográfico no qual a adaptação se realiza também interfere no seu significado. Carmen la de Ronda é um exemplo da influência do contexto, tanto na forma dada à adaptação quanto na recepção da obra cinematográfica. Produzida na Espanha, em 1959, durante o Regime Ditatorial de Francisco Pauline (Francisco Franco), conhecido como Franquismo, a adaptação foi gravada em duas versões (uma em espanhol e outra em francês), além de sofrer alguns cortes de cenas - sobretudo de nudez - em consequência da censura. Por outro lado, o filme foi acolhido pelo público em um misto de curiosidade e perplexidade, devido ao sentido dado à adaptação pelo dramaturgo Alfonso Sastre. Em uma adaptação livre, Sastre situa o drama de Mérrimée no contexto da “Guerra da independência nacional”, em 1808 - período em que os espanhóis se voltaram contra o domínio das tropas napoleônicas sobre a Espanha - e transforma Carmen em uma heroína romântica dividida entre dois amores, o guerrilheiro Antônio e o Sargento francês José. A ambiguidade dada às possíveis interpretações sobre a relação amorosa entre Carmen e esses dois homens - que representam simultaneamente o desejo de independência e a dominação francesa - sugere a condição do próprio povo espanhol, vivendo em uma situação de ditadura. Esse aspecto deu à obra um caráter muito peculiar e definiu a forma como ela foi recebida pelo público espanhol no contexto de seu lançamento, que é diferente da forma como o filme seria recebido hoje pelo mesmo público, dada a mudança na condição política do país, assim como difere completamente do efeito despertado em um espectador de outra nacionalidade, principalmente se esse desconhece o contexto histórico no qual a trama foi adicionada.

O contexto de produção também envolve os motivos do adaptador para a escolha da obra e o modo como ele direciona sua adaptação. Nesse caso, conhecer o trabalho do adaptador é tão importante para a compreensão da obra quanto conhecer a própria adaptação. Carmen la de Ronda é uma obra cuja postura política e artística do adaptador definem o destino da adaptação. Sastre é considerado um dos dramaturgos mais polêmicos de seu tempo. Declaradamente avesso à ditadura na Espanha, enfrentou diversos problemas com a censura franquista e seu posicionamento político e ideológico é notório ao longo de toda a sua produção, tanto no teatro quanto no cinema. Por outro lado, conforme afirma Hutcheon (2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013.), “qualquer que seja o motivo, a adaptação, do ponto de vista do adaptador, é um ato de apropriação ou recuperação, e isso sempre envolve um processo duplo de interpretação e criação de algo novo” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 45). É justamente essa capacidade de apropriação e criação de algo novo que fazem com que uma obra como Carmen la de Ronda (Demicheli) pareça tão diversa em comparação a outras adaptações inspiradas no mesmo texto fonte, na ópera de Bizet ou na fusão dos dois textos - a novela e a ópera - a exemplo: Carmen Jones (Otto Preminger - 1954) e Prénom Carmen (Godard - França, 1983).

Dentre os aspectos que diferenciam uma adaptação de outra, além da diferença no contexto histórico e geográfico entre elas, destaco os motivos dos adaptadores: Sastre e Demicheli exploram a situação política da Espanha, Godard traz à baila a questão do fazer cinema e sua condição de artista esquecido, justamente em consequência do desacordo entre sua obra e os interesses do mercado cinematográfico. Figurando no filme como um diretor decadente, esquecido pelo público e interno em uma clínica psiquiátrica, Godard (tio Jean) empresta a chave de sua casa de praia para a sobrinha, Carmen, a pretexto, dessa de gravar um filme experimental com um grupo de amigos, mas, na verdade, Carmen é membro de um grupo terrorista e pretende usar a casa para planejar uma nova ação do grupo. Ao tempo em que a narrativa se desenvolve mesclando elementos da novela de Mérimée e da ópera de Bizet, Carmen conhece e se envolve amorosamente com Joseph, o oficial responsável pela segurança do banco que ela e seu grupo pretendem assaltar. A ação é atravessada por cenas de um quarteto sinfônico que ensaia peças de Beethoven. A morte das personagens acontece ao som de tiros e dos acordes do compositor. A respeito da adaptação de Godard, Hutcheon afirma:

O filme autorreflexivo de Jean-Luc Godard, Nome: Carmen ( Prénom Carmen) (1983), além de substituir a música de Bizet pelos quartetos de cordas de Beethoven, transforma Carmen em uma terrorista assaltante de bancos que só conhece sua ópera homônima através do filme americano Carmen Jones, no entanto a ópera é muito mais que apenas outro intertexto; do título do filme em diante, ela assombra a obra como um palimpsesto. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 212).

Otto Preminger, por sua vez, pretende provocar uma reflexão acerca do racismo; em sua adaptação e roteiro de Harry Kleiner todas as personagens são negras, inclusive o soldado Joe, um militar aspirante a piloto - D. José - e o rico e famoso boxeador Husky Mille - toureiro Escamillo -. A narrativa fílmica, toda inspirada em Bizet, se passa nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, Carmen trabalha na produção de paraquedas, na mesma base onde Joe serve, envolve-se em uma briga e é enviada à prisão sob os cuidados de Joe. A trama se desenvolve basicamente seguido o mesmo enredo de Bizet, contudo, conforme Hutcheon, ao utilizar apenas atores negros o diretor remove “o estrangeirismo de Carmen, uma cigana entre espanhóis, para colocar o foco no sexual, e não nas políticas raciais” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 216). Este, dentre outros fatos, desloca o sentido racial da trama para um efeito inverso daquele provavelmente intentado pelo diretor, visto que, ao retirar a diferença étnica de Carmem, o autor desloca a possibilidade de discussão entre as relações étnicas raciais estabelecidas pela presença dos diferentes e o confronto com o sujeito dominante. Por outro lado, embora a proposta do diretor não se realize de fato, a narrativa fílmica abre espaço para pensarmos outras formas de interpretação e discussão dos textos fontes para além das questões de gênero.

Conforme Hutcheon, a diversidade de motivos, aliada à diversidade temática, assim como a variabilidade histórica, geográfica e cultural permitem, nas adaptações de Carmen, o processo que a autora denomina como “indigenização” ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 201), que corresponde à transferência ou adequação de aspectos culturais e identitários considerados mais adequados aos interesses e ao contexto da adaptação. Esse aspecto também é determinante para a diferenciação entre as adaptações, principalmente se essas partem de um mesmo texto fonte: no caso das adaptações citadas, ambas misturam aspectos da narrativa de Mérimée com a ópera de Bizet. Sobre a indigenização em Carmen, Hutcheon afirma:

A história de Carmen, entretanto, já viajou muito e, assim, foi indigenizada desde a primeira vez que foi contada e, mais importante ainda, mostrada em performance. Quando essa narrativa muda de contexto - de tempo e lugar -, ela é tão diferente como a mesma. Reconhecível ou como femme fatale, ou como mulher independente - em alguns casos, como as duas coisas -, Carmen é criada novamente, porém criada sob nova forma a cada vez. Sua dupla identidade estereotípica possivelmente contribui para a ubiquidade e o poder de sua história - e para a capacidade de sobreviver a grandes mudanças de política de gênero, etnia e raça. Mas provavelmente também é verdade que não podemos vivenciar qualquer adaptação da história de Carmen hoje sem vê-la através das lentes de temas contemporâneos como violência às mulheres e alteridade étnica ou racial. ( HUTCHEON, 2013HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2013., p. 222, grifo da autora).

Talvez devido à capacidade de acumular diversos aspectos eróticos em suas múltiplas versões, a personagem tenha se tornado um mito cuja imagem se repete e se renova até os dias atuais. Por outro lado, acredito que os aspectos eróticos e o magnetismo exercido pela personagem só podem ser compreendidos a partir do desvelamento dos fenômenos que envolvem sua criação e sua representação.

Da criação ao crime: depois de morta a criatura supera o criador

Desde o início da narrativa de Mérimée Carmen incorpora a femme fatale, sua morte é definida a partir de sua própria caracterização como uma mulher independente, sedutora e extremamente transgressora, conforme observa Bookermesana,

No romance de Mérimée, Carmen, o personagem feminino foi criado segundo os atributos da mulher fatal. Carmen é uma boêmia de costumes levianos que seduz e destrói um homem honesto e respeitador dos valores sociais, que se apaixona por ela e é levado ao crime. Carmen é um perfeito bode expiatório e pagará com sua vida. Será sacrificada em nome da moral e da decência, vítima da paixão de D. José. Entretanto, graças às recentes versões artísticas, a imagem de Carmen dinamiza-se, liberta-se das conotações negativas que o contexto sociocultural do século XIX lhe atribuía. Reencontramos a mulher em seu aspecto sintético e polivalente. ( BOOKER-MESANA, 2005BOOKER-MESANA, C. Carmen. In: BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de Mitos literários. Tradução de Carlos Sussekind. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. p. 146-149., p. 146, grifo da autora).

A tragédia anunciada no drama de Mérimée realiza-se plenamente na ópera de Bizet, na qual, conforme Góes (1987GÓES, M. Carmen de Bizet: grandes óperas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1987.), percebe-se uma violência contrastante semelhante à expressa na música de Verdi para Otello de Shakespeare, e conclui: “Carmen dá margem aos mais variados tipos de montagem porque lida com arquétipos e porque permite tanto uma abordagem expressionista, à maneira dos grandes quadros de Goya, quanto um enfoque simbolista estilizado” ( GÓES, 1987GÓES, M. Carmen de Bizet: grandes óperas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1987., p. 19). Para o autor, Carmen não só aceita seu destino, sem reclamar, como também o escolhe. Ela prefere morrer a perder a liberdade:

Rainha do livre arbítrio, ela é uma personagem que, ao contrário das centenas de personagens célebres da dramaturgia ocidental, jamais lamenta a sua sorte, sorte que ela escolhe e que exibe como coisa sua, sem interferências. Hamlet lamenta-se o tempo todo, Lear também, bruto joga-se contra a espada de Volúmnio, Fausto não se contenta com o passar do tempo, e lamenta-se. Elektra lamenta-se, Heráclito também. Carmen não. O segredo da sua força é sua liberdade, e quem sempre foi livre não tem direito a lamentações. ( GÓES, 1987GÓES, M. Carmen de Bizet: grandes óperas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1987., p. 23).

A morte de Carmen é predeterminada desde a concepção da criação da narrativa por Mérimée: o autor ter-se-ia inspirado na história de um crime passional para a concepção de sua novela. Além disso, uma personagem feminina com uma pulsão erótica tão avassaladora quanto a de Carmen e imbuída de todas as formas de transgressão aos valores dominantes da época não poderia sobreviver nessas circunstâncias. Sua morte é estritamente necessária a fim de restabelecer a ordem instituída. É por meio dos avanços socioculturais e artísticos nos posteriores artefatos culturais, inspirados em Carmen, que sua morte passa a assumir outros significados, mas preserva o aspecto ritual.

Talvez justamente pela força representada na personagem sua morte seja ritualizada desde a novela de Mérimée. Carmen não é uma mulher qualquer, ela é o Demônio, ou, além disso, é uma mulher demônio, um monstro híbrido da sedução responsável pela perdição dos homens, por isso sua morte não poderia ser banal; ela necessita do ritual para garantir a sensação de restauração da ordem perdida. Esse aspecto ritualístico tende a ser retomando de diferentes modos na grande maioria das versões artísticas de Carmen. Em Mérimée, Carmen é morta a facadas em um monte afastado, um lugar ermo, em meio à natureza, longe de todos. Lugar ideal para o ritual do sacrifício, sua morte se dá mediante as súplicas de D. José e sua ira por não a ver ceder. Essa morte é a última tentativa feita por D. José para tentar “salvar sua alma”. Nessa intenção, D. José encomenda uma missa a um ermita pela alma da amante antes mesmo de assassiná-la - fato que caracteriza um crime premeditado na visão contemporânea e a preparação para o ritual no contexto da época, que não considerava o assassinato de mulheres adulteras um crime. Ressalto que a ideia de salvação, nesse caso, relaciona-se ao resgate moral de D. José. Em seu devaneio, ele acredita ser possível retomar seu antigo prestígio social e resgatar o amor entre os dois. D. José ignora a vontade de Carmen, incapaz de compreender sua postura diante da vida. Ele a mata por punição, mas também por um sentimento de posse, porque percebe que ela está perdida para ele e não aceita esse fato, por isso assassinar e ocultar o cadáver, em uma tentativa desesperada de preservar a ilusão da posse, e ainda deposita sobre seu túmulo uma cruz e o anel de compromisso que ele a havia dado, como forma de garanti-la aprisionada a ele e a seus valores.

A ação violenta da morte de Carmen se compara à violência do amor de D. José, um amor imbuído de posse, semelhante ao concebido no contexto do século XIX no qual a mulher não passava de moeda de troca entre os interesses do pai e do futuro marido. Conforme Otávio Paz (2001PAZ, O. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 2001.) o amor é fruto da cultura e sua concepção varia segundo o contexto histórico e social:

A atração erótica por uma única pessoa é universal e aparece em todas as sociedades; a ideia ou filosofia do amor é histórica e brota só onde existem circunstâncias sociais, intelectuais e morais. Platão sem dúvida teria se escandalizado com o que chamamos de amor. Algumas de suas manifestações lhe seriam repugnantes, como a idealização do adultério, o suicídio e a morte. ( PAZ, 2001PAZ, O. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 2001., p. 45, grifo nosso).

Diante do exposto, é possível dizer que a idealização do amor no Ocidente tem relação com o princípio da dominação masculina; nessa ordem social “as mulheres só poderiam aí ser vistas como objetos” ( BOURDIEU, 2014BOURDIEU, P. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014., p. 55). Na economia dos bens simbólicos, ela deve garantir a perpetuação da família e o aumento simbólico do poder dos homens. Por isso é vista como um produto, um objeto de troca de bens entre o pai e o marido. Ela deve passar das mãos de um para o outro na qualidade de objeto e permanecer sob o domínio exclusivo de seu novo dono, o marido ou o amante. Nesse sentido, o crime passional praticado por homens contra suas “mulheres adúlteras” foi legalmente admitido pelas instituições e pela cultura hegemônica ocidental. Daí a morte de Carmen ser necessária e perfeitamente admissível para a sociedade contemporânea do século XIX, na qual a forma mais comum do homem recuperar sua honra perdida com a traição de uma mulher era lavá-la com sangue, fato que, simbolicamente recupera o primitivo ritual do sacrifício - a ideia de purificação através do sangue - e reitera o caráter mitológico de Carmen. Além disso, averiguou também que, para a cultura ocidental dominante, durante muito tempo, o adultério foi um crime exclusivamente feminino. Para o pensamento hegemônico, a traição do homem reflete um aspecto “natural” como uma necessidade fisiológica inerente ao caráter masculino; por outro lado, a traição da mulher é considerada um crime que deve ser reprimido e punido a fim de dar o exemplo a outras mulheres. D. José assassina Carmen por ciúme, pelo desejo e de posse sobre algo que ele já não tem, pois não suporta a ideia de vê-la com outro homem. “Estou cansado de matar teus amantes. É a ti que eu matarei” ( MÉRIMÉE, 2011MÉRIMÉE, P. Carmem. Tradução de Roberto Gomes. Porto Alegre: L&PM, 1997., p. 87). No entanto, ao ritualizar a morte da amante, reafirma o caráter ambivalente da personagem visto que, embora assassinando a amante e ocultando o cadáver, D. José permanece incapaz de retê-la.

Ironicamente, para D. José a “salvação” de Carmen seria ficar com ele. Embora ele a culpe pela sua desgraça e tenha certeza de que ela é o demônio, insiste que permaneçam juntos como se ele fosse capaz de “salvá-la”. Contudo, a idealização de salvação, aliada ao resgate do “amor” perdido, coincide com o ideal de feminino comum ao pensamento hegemônico do patriarcado no qual a mulher deve ser submissa, fiel e obediente ao homem, primeiro ao pai e depois ao marido. Esse ideal masculino é justamente o avesso do representado por Carmen. Nesse sentido, “salvar” significa transformar, moldar sua personalidade, aprisioná-la no ideal concebido pelo narrador principal que concebe a mulher como objeto de posse. Carmen, porém, prefere a morte a aceitar a dominação, portanto, a morte da personagem soa simultaneamente como castigo e como ato de liberdade devido ao fato de que, no instante da morte, é Carmen quem decide seu destino, optando pela morte em nome da liberdade. Destoando das vozes dos narradores, o autor promove a transformação da personagem de objeto da narração a sujeito com vontade e voz. Essa forma de representação da mulher dá à personagem um novo significado, que permitiu a Carmen tornar-se símbolo de independência e liberdade. Nesse caso, a força da representação da personagem extrapola os limites da própria obra, assumindo proporções inesperadas ao longo do tempo e inspirando artistas nas diversas áreas, do cinema e das outras artes.

Considerações finais

Carmen, de Mérimée, tornou-se um fenômeno que ultrapassa as barreiras da obra original devido à capacidade de reunir os diversos elementos de representação dos desejos e pavores masculinos em um evento único que tende a agregar caracteres basilares da cultura hegemônica. Da novela de Mérimée à consagração em Bizet, a personagem tornou-se um mito também devido às inúmeras versões do cinema que, por sua vez, não só recuperam os estereótipos do feminino como os subvertem devido à diversidade de possibilidades de representação e de interpretação desses artefatos culturais.

Como afirma Canevacci (1984CANEVACCI, M. A antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984.), “o espírito do cinema é a forma alienada através da qual o capital se manifesta em sua fenomenologia; é a ideologia do capital que põe a si mesmo como contingência, como aparição milagrosa, como parábola-fábula mito” ( CANEVACCI, 1984CANEVACCI, M. A antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984., p. 32). Além disso, de Lauretis, assim como Canevacci, constata a presença do mito e da ideologia como elementos estruturantes do aparato cinematográfico, mas vai além; ela também verifica a influência dessa presença no processo de representação da mulher no cinema dominante.

As narrativas mítico-literárias, assim como o cinema, constituem-se como lugar de produção de imagens que se pretendem como realidade. Segundo de Lauretis, o cinema, ao produzir imagens, “tende também a produz a mulher como imagem” ( DE LAURETIS, 1992DE LAURETIS, T. Alicia ya no: feminismo, semiótica e cine. Tradução de Silvia Iglesias Recuero. Madri: Ediciones Cátedra, Universitat de Valência, Instituto de la Mujer, 1992., p. 64, tradução minha), é justamente o modo de representação dessa imagem o ponto chave para a afirmação da mulher como objeto do olhar, da sexualidade e do desejo, e legitimação do seu lugar no patriarcado ou a promoção de uma visão crítica a respeito da imagem da mulher no cinema. Daí a necessidade de atenção a essas formas de representação não apenas com a finalidade de denúncia da dominação, mas a fim de perceber as armadilhas intrincadas nesse sistema. Por outro lado, as transformações ocorridas na sociedade ocidental nos dois últimos séculos, impulsionadas, entre outras coisas, pelos movimentos feministas e pós-coloniais, acarretaram profundas mudanças nos valores morais e sociais que regem a sociedade, e, embora determinadas crenças e valores permaneçam sustentados no mito primitivo arraigado no cerne da nossa cultura, a capacidade de reificação da ideologia e, consequentemente, do mito, inerente ao aparato cinematográfico, permitem tanto a replicação das mudanças quanto sua promoção por meio da ruptura nos modos de representação dessas mudanças e/ou mesmo a violação das estruturas do aparato cinematográfico por intermédio do próprio produto cinema, a exemplo de Godard.

Portanto, diante de uma adaptação para o cinema faz-se necessário considerarmos os mecanismos que envolvem o produto cinematográfico e o caminho ideológico escolhido pelos produtores da adaptação, segundo Ann Kaplan (1995KAPLAN, A. A mulher e o cinema: os dois lados da câmera. Tradução de Helen Márcia Potter Pessoa. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.), os signos do cinema dominante, sobretudo estilo hollywoodiano, são marcados pela ideologia do patriarcado, responsável tanto pela manutenção das nossas estruturas sociais quanto pela construção da mulher de maneira específica que tende a reprodução e manutenção dos estereótipos do feminino. Por outro lado, se a forma de representação possibilita uma releitura desses estereótipos já tão profundamente enraizados em nossa sociedade, deslocando a posição da personagem de objeto sexualizado a sujeito agente do seu destino, os mecanismos do produto cinema se preservam, porém, para além da mera reprodução de valores e ideologias consagradas temos a promoção de uma dilatação das possibilidades de significação do sujeito feminino.

A personagem Carmen é uma figura de caráter ambivalente. Embora apresente características estereotipadas, ela representa independência, força, ousadia e liberdade. Uma mulher vítima da violência masculina, mas também símbolo de coragem e determinação, capaz de enfrentar a morte em nome de sua liberdade. Essa característica situa a obra de Mérimée em um paradoxo semelhante ao identificado por Bloch (1995BLOCH, R. H. Misoginia Medieval: e a invenção do amor romântico. Tradução de Claudia Moraes. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.) no discurso misógino medieval, no qual a fixação pela demonização da mulher revela uma obsessão e fascínio por aquilo que se intenta rejeitar, mas também que se deseja dominar. É justamente esse paradoxo que permitiu ao longo do tempo e permitirá às produções futuras inspiradas em Carmen a recriação e ressignificação da obra de modo a promover o redimensionamento dos significados da representação da personagem e de sua morte.

REFERÊNCIAS

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  • BLOCH, R. H. Misoginia Medieval: e a invenção do amor romântico. Tradução de Claudia Moraes. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
  • BOURDIEU, P. A dominação masculina Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
  • Carmen La de Ronda Direção: Tulio Demicheli. Elenco: Félix Fernández, Germán Cobos, Jorge Mistral, Maurice Ronet, Sara Montiel, José Marco Davó, Agustín González, Pilar Gómez Ferrer, Manuel Guitián, Amedeo Nazzari. Trilha sonora: Gregorio García Segura. Espanha. 1959. (106 min), color.
  • Carmen Jones Direção: Otto Preminger. Elenco: Harry Belafonte, Pearl Bailey, Brock Peters. Trilha sonora: Herschel Burke Gilbert. EUA. 1954. (107 min), color.
  • CANEVACCI, M. A antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1984.
  • DE LAURETIS, T. Alicia ya no: feminismo, semiótica e cine. Tradução de Silvia Iglesias Recuero. Madri: Ediciones Cátedra, Universitat de Valência, Instituto de la Mujer, 1992.
  • DINIZ, T. F. N. Literatura e cinema: da semiótica à tradução cultural. Ouro Preto: Editora UFOP, 1999.
  • GÓES, M. Carmen de Bizet: grandes óperas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1987.
  • GUIMARÃES, C. Imagens da memória: entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.
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  • KAPLAN, A. A mulher e o cinema: os dois lados da câmera. Tradução de Helen Márcia Potter Pessoa. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
  • LUCAS, F. Prefácio In: BRITO, J. D. (org.). Literatura e cinema São Paulo: Novera Editora, 2007. p. 09-15.
  • MÉRIMÉE, P. Carmem Tradução de Roberto Gomes. Porto Alegre: L&PM, 1997.
  • PAZ, O. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 2001.
  • Prénom Carmen Direção: Jean-Luc Godard. Elenco: Maruschka Detmers, Jacques Bonnaffé, Myriem Roussel. Trilha sonora: Ludwig van Beethoven. França. 1983. (85 min), color.
  • 1
    Sergei Eisenstein, um dos mais importantes cineastas da história do cinema, é considerado o criador da técnica de montagem.

Editado por

editor-chefe: Rachel Esteves Lima
editor executivo: Cássia Lopes Jorge Hernán Yerro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2022
  • Aceito
    02 Dez 2022
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