Acessibilidade / Reportar erro

Diálogos: Literatura Comparada e Tradução

Conforme destacou Sandra Bermann (2010BERMANN, Sandra. Literatura comparada e tradução: algumas observações. Tradução de Neusa da Silva Matte. Translatio, Porto Alegre, v. 26, n. 2, p. 15-20, 2010.), pensar sobre o papel da tradução na história literária e cultural traz à tona uma consciência aguçada de seu potencial transformador. É inegável que a Literatura Comparada e os Estudos da Tradução têm confluído em vários sentidos nos últimos tempos. Nas décadas recentes, os Estudos da Tradução tiveram um desenvolvimento excepcional, e os Estudos Literários da Tradução tampouco pararam de se desenvolver e reinventar, mantendo uma intensa relação com a Literatura Comparada.

Susan Bassnett (1992BASSNETT, Susan. Comparative literature: an introduction. Oxford: Blackwell, 1992. 192 p.) foi pioneira, ainda nos idos da década de 1990, ao defender uma conexão mais próxima entre a Literatura Comparada e a Tradução, reivindicando essa última como a disciplina principal, e a Literatura Comparada como uma área valiosa, porém subsidiária. Mais tarde, ela revisaria tal posição para afirmar que nem a Literatura Comparada nem os Estudos da Tradução deveriam ser vistos como disciplinas, mas sim como métodos de enfocar a literatura, modos de ler mutuamente benéficos. Fato é que, nos Estudos da Tradução, a ênfase inicial na linguística se deslocou rapidamente para a cultura, que, por sua vez, se desdobrou em abordagens relacionadas à ética do tradutor, ao agenciamento, à questão colonial, às diásporas, às migrações e à alteridade - formas de circulação e de intercâmbios da literatura traduzida nos sistemas literários nacionais, desta vez tirando o foco dos modelos meramente eurocêntricos e se abrindo a novas relações.

Também a Literatura Comparada contou, historicamente, com teóricos que buscavam alargar o seu escopo espacial, linguístico e político. Já nos anos 1960, René Étiemble (2011ÉTIEMBLE, Rene. Literatura comparada: textos fundadores. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. ) e René Welleck (1959WELLECK, René. The crisis of comparative literature (1959). In: DAMROSCH, David; MELAS, Natalie; BUTELEZI, Mbongiseni (ed.). The Princeton sourcebook in comparative literature: from the European enlightenment to the Global present. Princeton: Princeton University Press, 1959. p. 161-177. ) advertiam que a “Literatura geral” corria o risco de perder seu significado ao ignorar as literaturas que se encontravam do lado de fora da restrita tradição regional europeia. Nos anos 1990, Earl Miner (1990MINER, Earl. Comparative poetics: an intercultural essay on theories of literature. Princeton: Princeton University Press, 1990. 259 p.) buscou integrar diferentes tradições literárias, propondo uma poética comparativa que abrangesse uma maior parcela de civilizações do mundo. Nos anos 2000, Gayatri Spivak (2005SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Death of a discipline. New York: Columbia University Press, 2005. 136 p.) revisita o tema da falta de diversidade dos currículos, prevendo mesmo a morte da disciplina, caso a teoria não buscasse rever suas limitações. Também Emily Apter, em Translation zone (2005APTER, Emily. The translation zone: a new comparative literature. Princeton: Princeton University Press, 2005. 312 p.), se propôs a repensar os paradigmas das humanidades após o 11 de Setembro, tomando a tradução como categoria central de análise e que poderia, inclusive, fornecer novos aparatos conceituais à Literatura Comparada.

O presente volume propõe trazer reflexões em torno da tradução não apenas como uma interface entre contextos e culturas, mas também como elemento de manutenção de contatos e estruturas de conhecimento e saber estabelecidos. A tradução está no ato de compreender e de se fazer compreender nos mais diversos campos. Propõe-se pensar a teoria da tradução (literária) e a própria reflexão de escritores que também atuam como tradutores, discutindo, entre outros, o conceito de autotradução. Propõe-se também uma atenção especial à prática da tradução em tempos de intensos deslocamentos humanos e a fragmentação do mito da monocongruência entre língua, cultura, nacionalidade, etnia e identidade, quando muitos escritores com histórico de migração produzem suas obras em mais de uma língua, fazendo uso de colagens ou outros recursos que dificultam a tradução (se concebida de forma técnica ou ortodoxa) e trazem novos elementos para reflexões em torno do conceito mesmo de tradução.

Referências

  • APTER, Emily. The translation zone: a new comparative literature. Princeton: Princeton University Press, 2005. 312 p.
  • BASSNETT, Susan. Comparative literature: an introduction. Oxford: Blackwell, 1992. 192 p.
  • BERMANN, Sandra. Literatura comparada e tradução: algumas observações. Tradução de Neusa da Silva Matte. Translatio, Porto Alegre, v. 26, n. 2, p. 15-20, 2010.
  • ÉTIEMBLE, Rene. Literatura comparada: textos fundadores. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
  • MINER, Earl. Comparative poetics: an intercultural essay on theories of literature. Princeton: Princeton University Press, 1990. 259 p.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Death of a discipline New York: Columbia University Press, 2005. 136 p.
  • WELLECK, René. The crisis of comparative literature (1959). In: DAMROSCH, David; MELAS, Natalie; BUTELEZI, Mbongiseni (ed.). The Princeton sourcebook in comparative literature: from the European enlightenment to the Global present. Princeton: Princeton University Press, 1959. p. 161-177.

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022
Associação Brasileira de Literatura Comparada Rua Barão de Jeremoabo, 147, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, BA, Brasil, CEP: 40170-115, Telefones: (+55 71) 3283-6207; (+55 71) 3283-6256, E-mail: abralic.revista@abralic.org.br - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: abralic.revista@abralic.org.br