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Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2010 para Rio Grande, RS

Provisional Climatological Normals from 1991 to 2010 for Rio Grande RS

Resumo

Em janeiro de 1989, a estação meteorológica convencional de Rio Grande, RS, pertencente ao Instituto Nacional de Meteorologia, mudou-se da área central da cidade para o campus da Universidade Federal do Rio Grande. Com os dados dessa estação, no início da década de 2000, foi publicado um livro com as Normais Climatológicas Provisórias (NCP) de Rio Grande, no período de 1991 a 2000, seguindo as normas da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Passada mais de uma década dessa publicação, foi possível atualizar esse estudo considerando o período de 1991 a 2010. Portanto, apresenta-se um roteiro para controle de qualidade de dados de estações meteorológicas convencionais de superfície e as NCP de 1991 a 2010 de Rio Grande, bem como uma comparação entre as NCP das décadas 1991-2000 e 2001-2010. Como foi identificada não-homogeneidade nas séries temporais de umidade relativa e intensidade do vento, as NCP não foram computadas para essas variáveis. Rio Grande é uma cidade com pouca variabilidade mensal de precipitação, possui verão quente e inverno frio e, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, o clima é temperado sempre úmido e com verão quente (Cfa) e, pela classificação de Strahler, é subtropical úmido.

Palavras-chave:
controle de qualidade de dados atmosféricos; normais climatológicas provisórias; Rio Grande

Abstract

In January 1989, the conventional weather station in Rio Grande, which belongs to the Instituto Nacional de Meteorologia from Brazil, was moved from the downtown area to the campus of the Universidade Federal do Rio Grande. The Provisional Climatological Normals for Rio Grande, in the period 1991-2000, were determine using the data from this station, following the rules of the World Meteorological Organization (WMO). The results were published in a book in the early 2000s. After more than a decade of that publication, the study was updated considering the period from 1991 to 2010. Therefore, in this paper, we present the procedures for quality control of data from conventional surface meteorological stations and for the determination of the Provisional Climatological Normals from 1991 to 2010, in Rio Grande. Moreover, we compared the Provisional Climatological Normals from 1991-2000 and 2001-2010. Non-homogeneities were identified in the time series of relative humidity and wind speed, which prevent the evaluation of the normals for these variables. Rio Grande is a city with little monthly variability of precipitation, has hot summer and cold winter and, according to the climatic classification of Köppen, the climate is temperate without a dry season and hot summer, denominated Cfa, and, according to the Strahler classification, is a moist subtropical climate.

Keywords:
meteorological data quality control; provisional climatological normals; Rio Grande

1 Introdução

A necessidade da comparação de dados observados em diferentes partes do globo conduziu à definição de Normais Climatológicas (NC) pela Organização Meteorológica Mundial (OMM, WMO-N° 100, 1983WMO n° 100, 1983. Guide to Climatological Practices. Secretariat of the World Meteorological Organization, Geneva, 1983.; 2011WMO n° 100, 2011. Guide to Climatological Practices. Secretariat of the World Meteorological Organization, Geneva, 2011.). As normais correspondem às médias das variáveis atmosféricas registradas em períodos de 30 anos. Segundo a Regulamentação Técnica da OMM n° 49 (WMO-N° 49, 1988WMO n° 49, 1988. Technical Regulations: General Meteorological Standards and Recommended Practices. Vol. 1, Secretariat of the World Meteorological Organization, Geneva, 1988.), considera-se como Normais Climatológicas Padrão a média de dados observados seguindo períodos como: 1° de janeiro de 1901 a 31 de dezembro de 1930, 1° de janeiro de 1931 a 31 de dezembro de 1960, 1° de janeiro de 1961 a 31 de dezembro de 1990 e assim por diante. Como muitas estações meteorológicas não possuem registros longos, a OMM recomenda o cálculo das Normais Climatológicas Provisórias (NCP; que também podem ser denominadas simplesmente de médias). Estas devem ser computadas para períodos com no mínimo dez anos de dados e começando em 1° de janeiro dos anos que terminem com o dígito 1. Por exemplo, 1° de janeiro de 1981 a 31 de dezembro de 1994, 1° de janeiro de 1991 a 31 de dezembro de 2010.

No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 2009INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Normais Climatológicas do Brasil, 1961-1990, 2009, Brasília, DF. Disponível em: http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/normaisclimatologicas Acessado em: setembro de 2016.
http://www.inmet.gov.br/portal/index.php...
), como as observações meteorológicas só começaram a ser realizadas de forma sistemática a partir de 1910, as primeiras NC foram obtidas para o período de 1931 a 1960 e foram publicadas pelo Escritório de Meteorologia do Ministério da Agricultura em 1970. Já as NC para o período de 1961 a 1990 foram publicadas pelo Departamento Nacional de Meteorologia do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, atual INMET, em 1992. Como, ao longo dos anos, vários erros e inconsistências foram sendo registrados pelo INMET no cálculo das normais do período de 1961 a 1990, foram realizados trabalhos que avaliaram e corrigiram esses problemas e, em 2009, o INMET lançou a segunda versão das “Normais Climatológicas do Brasil 1961 a 1990”. Embora o título desse trabalho se remeta a ideia das Normais Climatológicas Padrão (30 anos de dados), o mesmo também inclui NCP de várias estações que não possuem registros longos. Esse fato é mostrado através do parágrafo: “As normais ora publicadas são médias históricas no período de janeiro de 1961 a 31 de dezembro de 1990, correspondentes a 394 estações meteorológicas de superfície do INMET, dentre aquelas em operação naquele período. São, em geral, normais provisórias, segundo conceituação e procedimentos da Organização Meteorológica Mundial (OMM) ...” (INMET, p. 15, 2009INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Normais Climatológicas do Brasil, 1961-1990, 2009, Brasília, DF. Disponível em: http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/normaisclimatologicas Acessado em: setembro de 2016.
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).

Nas NC do INMET, de 1961 a 1990, estão incluídas as NCP da estação meteorológica n° 83995 que é da cidade de Rio Grande, RS. As médias publicadas pelo INMET correspondem à época em que esta estação meteorológica encontrava-se instalada nas coordenadas 32°02’ S 52°06’ O, que correspondem a parte central da cidade, próximo à Praça Tamandaré. A estação meteorológica funcionou neste local até a década de 1980. Entretanto, o documento “Normais Climatológicas do Brasil 1961 a 1990” (INMET, 2009INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Normais Climatológicas do Brasil, 1961-1990, 2009, Brasília, DF. Disponível em: http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/normaisclimatologicas Acessado em: setembro de 2016.
http://www.inmet.gov.br/portal/index.php...
) não indica o período usado no computo das médias em Rio Grande.

Em 1989, a estação meteorológica n° 83995 passou a operar no Campus Carreiros da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) que fica a cerca de 10 km do centro da cidade, nas coordenadas 32°04’43” S e 52°10’03” O. Uma mudança na localização da estação meteorológica requeria um novo estudo que determinasse as NCP. Dessa forma, Reboita (2001)REBOITA, M. S. Normais Climatológicas Provisórias de Rio Grande, no período de 1991 a 2000. Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande, 2001. e Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002. determinaram as NCP no período de 1991 a 2000. Nestes estudos, as autoras apresentaram os valores médios mensais e anuais de variáveis meteorológicas medidas diretamente como, por exemplo, pressão atmosférica e temperatura do ar, bem como de variáveis secundárias, como as componentes zonal e meridional do vento. Destacaram também que a temperatura média de bulbo seco apresenta maior valor em janeiro (23 °C) e menor em julho (12 °C), o que caracteriza uma grande amplitude térmica entre verão e inverno (11 °C). Além de Rio Grande possuir um clima com as quatro estações do ano bem definidas, a cidade possui umidade relativa alta variando de cerca de 82% no verão a quase 88% no inverno e totais mensais de precipitação de cerca de 100 mm.

Passados mais de 10 anos após a determinação das NCP de Rio Grande, no período de 1991 a 2000, por Reboita (2001)REBOITA, M. S. Normais Climatológicas Provisórias de Rio Grande, no período de 1991 a 2000. Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande, 2001. e Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002., torna-se possível ampliar o estudo com dados da década de 2000. Assim, o objetivo do presente estudo é a determinação das NCP no período de 1991 a 2010, bem como de uma comparação das NCP das décadas de 1991-2000 e 2001-2010. Para tanto, os procedimentos metodológicos (descrição da área de estudo, controle de qualidade dos dados e procedimentos para calcular as NCP e a classificação climática) utilizados no estudo são apresentados na seção 2; a comparação entre as NCP nos diferentes períodos analisados está na seção 3 e, por fim, a seção 4 apresenta as conclusões.

2 Metodologia

2.1. Estação Meteorológica n° 83995

A estação meteorológica convencional n° 83995, localizada no Campus Carreiros da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), operou entre 1989 e janeiro de 2015REBOITA, M.S.; RODRIGUES, M.; SILVA, F.F.; ALVES, M.A. Aspectos Climáticos do Estado de Minas Gerais. Revista Brasileira de Climatologia, v. 17, p. 206-226, 2015., quando foi desativada (INMETINSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). BDMEP - Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa. s/d. . Disponível em: http://www.inmet.gov.br/projetos/rede/pesquisa/. Acessado em: setembro de 2016.
http://www.inmet.gov.br/projetos/rede/pe...
, s/d). Essa estação meteorológica estava a 2 m acima do nível médio do mar e na latitude 32°04’43” S e longitude 52°10’03” O, sendo operada pela universidade através de um convênio com o 8° Distrito de Meteorologia do INMET. As observações eram realizadas nos horários sinóticos das 12, 18 e 24 UTC (que correspondem às 9, 15 e 21 h local) incluindo as variáveis: pressão atmosférica, temperatura de bulbo seco, temperatura de bulbo úmido, temperatura máxima, temperatura mínima, evaporação, precipitação, número de horas de insolação, velocidade e direção do vento, visibilidade e nebulosidade, além de fenômenos de tempo. A umidade relativa era definida através dos valores da temperatura do bulbo seco e do bulbo úmido. Uma relação dos instrumentos usados na medição dessas variáveis é apresentada em Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002..

2.2. Controle de qualidade dos dados

Antes da realização de qualquer estudo que envolva séries temporais, a primeira tarefa a ser realizada é o controle de qualidade dos dados. O objetivo do controle de qualidade é identificar erros ocorridos no processo de registro, formatação, transmissão e arquivamento dos dados (WMO - N°1186, 2003WMO n° 1186, 2003. Guidelines on Climate Metadata and Homogenization. Secretariat of the World Meteorological Organization, Geneva, 2003.). O controle de qualidade envolve, por exemplo, detecção de erros grosseiros e de dados faltantes, consistência interna, coerência espacial e temporal, verificação da homogeneidade dos dados, correção dos dados, preenchimento de falhas etc.

Na sequência serão descritos os procedimentos realizados no controle de qualidade dos dados observados na estação meteorológica da FURG. Neste estudo, a busca por dados errôneos e faltantes foi realizada somente para o período de 2001 a 2010, pois os do período anterior (1991 a 2000) já foram validados por Reboita (2001)REBOITA, M. S. Normais Climatológicas Provisórias de Rio Grande, no período de 1991 a 2000. Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande, 2001. e Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002..

2.2.1. Erros grosseiros

Os erros grosseiros são valores que uma determinada variável não pode assumir na região de estudo como, por exemplo, uma temperatura máxima de 60 °C em Rio Grande. Esses erros são provenientes de problemas nos instrumentos de medição ou de erros de digitação durante o armazenamento dos dados. Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002., para identificarem os erros grosseiros nos dados medidos nos horários sinóticos, definiram um intervalo de validade para cada variável atmosférica (Tabela 1). Esses intervalos foram construídos com base na análise visual dos gráficos temporais de tais variáveis. Entretanto, a definição dos intervalos pode ser realizada de forma objetiva utilizando a estatística da variação interquartil (Interquartile Range - IQR) como sugerem Sugahara et al. (2012)SUGAHARA, S.; DA ROCHA, R.P.; YNOUE, R.Y.; DA SILVEIRA, R.B. Homogeneity assessment of a station climate series (1933-2005) in the Metropolitan Area of São Paulo: instruments change and urbanization effects. Theor. Appl. Climatol., v. 107, n. 3-4, p. 361-374, 2012. e Silva e Reboita (2013)SILVA, E.D.; REBOITA, M.S. Estudo da Precipitação no Estado de Minas Gerais - MG. Revista Brasileira de Climatologia, v. 13, p. 120-136, 2013.. Essa estatística não foi utilizada no presente estudo para manter a coerência com o estudo de Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002..

Tabela 1
Limiares usados para a identificação de possíveis erros grosseiros (NPE), para o período 2001 a 2010, e número de erros obtidos (NEO). Adaptado de Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002..

Na penúltima coluna da Tabela 1 foi inserido o número de ocorrências em que os valores de uma dada variável excederam aos intervalos definidos no período de 2001 a 2010. Nos três horários sinóticos foram avaliadas as variáveis temperatura de bulbo seco e de bulbo úmido, umidade relativa, cobertura de nuvens, precipitação, pressão atmosférica e intensidade e direção do vento. Já as variáveis com um único valor diário foram a temperatura mínima e máxima, evaporação e horas de insolação. O resultado mostrado na penúltima coluna da Tabela 1 é apenas um indicativo dos erros que podem existir nas variáveis atmosféricas que não possuem intervalos fixos, o que não é o caso das horas de insolação (que pode variar de 0 a cerca de 14 h, o que depende do dia do ano), cobertura de nuvens (0-8 partes do céu) e direção do vento (0-360°). Para a confirmação dos erros, os dados nas datas e horários indicados devem ser avaliados comparando-se os mesmos com dados de estações meteorológicas próximas ou com dados de reanálise ou satélite. No caso da estação meteorológica de Rio Grande, Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002. mencionam que os erros grosseiros podem ser corrigidos quando forem provenientes de erros de digitação no banco de dados, pois pode-se consultar os registros originais numa planilha em papel para verificar o valor correto. Esse procedimento foi realizado com os dados da primeira década em estudo, porém para os da segunda década as autoras não tiveram mais acesso às planilhas manuscritas. Assim, primeiro verificou-se o valor do dado considerado errôneo. Se o valor não apresentava significado físico, considerou-se como errôneo; caso contrário, o dado era comparado com o da reanálise ERA-Interim (Dee et al., 2011DEE, D.P; UPALLA, S.M.; SIMMONS, A.J.; BERRISFORD, P, POLI, P. et al. The ERA-Interim reanalysis: configuration and performance of the data assimilation system. Quart. J. Roy. Meteor. Soc., v. 137, p. 553-597, 2011.) do ponto de grade mais próximo da cidade de Rio Grande, exceto para a precipitação, em que se utilizaram dados de satélite do TRMM 3B42RT-v7 (Huffman et al., 2007HUFFMAN, G.J.; BOLVIN, D.T.; NELKIN, E.J.WOLFF, D.B.; ADLER. R.F. et al. The TRMM Multisatellite Precipitation Analysis (TMPA): Quasi-Global, Multiyear, Combined-Sensor Precipitation Estimates at Fine Scales. Journal of Hydrometeorology, v. 8, p. 38-55, 2007.) para a tomada de decisão do dado como errôneo ou correto.

As quatro ocorrências sugeridas como erros grosseiros na temperatura de bulbo seco e na umidade relativa do ar (Tabela 1), realmente foram erros de digitação, pois apresentaram valores sem significado físico. No caso da evaporação e da precipitação, que tiveram 8 e 30 valores, respectivamente, excedendo aos intervalos fixados, esses não se configuraram como erros na evaporação, mas apenas como um erro na precipitação. Na evaporação, os valores maiores do que o intervalo fixado foram muito próximos deste, e na precipitação os dados do TRMM indicaram totais elevados com valores próximos aos observados na série temporal de Rio Grande. Já a cobertura de nuvens, pressão atmosférica e direção e intensidade do vento apresentaram valores sem significado físico.

Nesse momento do estudo, os dados errôneos foram substituídos por um código de dados faltantes, mas ainda não fora realizado o preenchimento de falhas nas séries temporais, pois ainda era necessário a aplicação de procedimentos mais específicos para a detecção de erros menos evidentes.

2.2.2. Consistência interna

As variáveis atmosféricas observadas devem possuir consistência entre si. Por exemplo, a temperatura máxima não deve ser menor do que a temperatura mínima. Sugahara (1999)SUGAHARA, S. Normais climatológicas das estações de superfície do Brasil, para o período de 1961-1990. Instituto de Pesquisas Meteorológicas/UNESP, Campus Bauru, SP, 1999. descreve alguns procedimentos específicos para a detecção de consistência interna dos dados.

Temperaturas: as medidas de temperatura em estações meteorológicas convencionais podem ser realizadas com 4 tipos de termômetros: o que registra o menor valor de temperatura do ar ao longo de 24 h (termômetro de mínima), o que registra o maior valor de temperatura máxima ao longo de 24 h (termômetro de máxima), o que registra a temperatura do ar momentânea (termômetro de bulbo seco) e o termômetro de bulbo úmido. Esse último é um instrumento similar ao que mede a temperatura do ar momentânea, porém seu bulbo é envolto em uma gaze umedecida com água destilada cerca de 5 min antes da realização da observação. A evaporação da água, como remove energia do ar, causa queda da temperatura. A quantidade de água evaporada depende da umidade do ar. O conjunto de termômetros de bulbo seco e bulbo úmido recebe o nome de psicrômetro; as medidas das temperaturas permitem estimar a umidade relativa do ar. Com base nesses conhecimentos, tem-se que:

  1. a temperatura máxima deve ser maior do que a temperatura mínima e

  2. a temperatura de bulbo seco deverá ser maior ou igual a de bulbo úmido.

Se ocorrerem erros do tipo (a), temperatura máxima menor do que a mínima, os valores das temperaturas mínima e máxima devem ser comparados com os valores da temperatura de bulbo seco dos três horários sinóticos para a tomada de decisão de qual é o valor errôneo: o da temperatura máxima ou da mínima. No caso de erro do tipo (b), temperatura de bulbo seco menor do que a de bulbo úmido, como a medida da temperatura de bulbo úmido depende do umedecimento da gaze e tempo para o termômetro medir as condições ambientes, em geral, esse dado é o que contém erros. Assim, quando essa temperatura for maior do que a de bulbo seco deverá ser excluída da série temporal. Entretanto, antes da exclusão dos dados no presente estudo, foi verificado se não havia inversão na digitação das temperaturas de bulbo seco e úmido, isto é, se estavam em colunas trocadas na série digital. Para tal identificação, foi computado o valor teórico da umidade relativa (Eqs. (1) a (3)), já que esse envolve as variáveis temperatura de bulbo seco e úmido, e comparado com o valor observado. Para o cálculo, colocou-se o valor da temperatura de bulbo seco (úmido) no lugar da de bulbo úmido (seco). Se o valor teórico fosse similar ao observado era porque ocorreu inversão na posição das temperaturas na série digital. Nesse caso, bastava corrigir as informações na série de dados. Se os valores da umidade relativa teórico e observado fossem discrepantes, a temperatura de bulbo úmido era excluída da série de dados. No período de 2001 a 2010, ocorreram 3 casos em que a temperatura mínima foi maior do que a máxima e 26 casos em que a temperatura de bulbo seco foi menor do que a de bulbo úmido.

Umidade Relativa: a umidade relativa observada deve ser comparada com um valor teórico obtido com base na equação de Clausis-Clapeyron (Stull, 2015STULL, R. Practical Meteorology: An Algebra-based Survey of Atmospheric Science. Univ. of British Columbia. 938 p, 2015.). Da mesma forma que em Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002., se o valor observado diferir em mais do que 20% do valor calculado, o mesmo será substituído pelo calculado. Para se obter a umidade relativa, calcula-se (Wallace e Hobbs, 2006WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2a. Ed., Academic Press, 2006.):

(1) U R ( % ) = e e s × 100

onde UR é a umidade relativa do ar em porcentagem, e é a pressão real de vapor dágua e es é a pressão de saturação de vapor dágua considerando a temperatura de bulbo seco, ambas em hPa. Da equação de Clausis-Clapeyron tem-se:

(2) e s ( hPA ) e 0 exp [ L R v ( 1 T 0 1 T ) ]

onde eo = 6,1078 hPa e To = 273,15 K são parâmetros constantes, Rv = 461 J K-1 kg-1 é a constante dos gases para o vapor dágua, T é a temperatura de bulbo seco em Kelvin e L é o calor latente de vaporização, cujo valor para a água líquida é L = 2,5 x 106 J kg-1. A equação anterior também pode ser calculada considerando a temperatura de bulbo úmido ao invés da temperatura de bulbo seco e, nesse caso, es torna-se esu. Para a obtenção da e utiliza-se a Eq. (3).

(3) e ( hPa ) = e s u A P ( T T u )

onde esu é a pressão de saturação de vapor dágua considerando a temperatura de bulbo úmido (hPa), A é a constante psicrométrica (8 x 10-4 °C-1 para pscicrômetro sem ventilação), P a pressão atmosférica (hPa), T a temperatura de bulbo seco (°C) e Tu a temperatura de bulbo úmido (°C).

A Fig. 1 mostra a umidade relativa observada no mês de janeiro de 2001 (linha verde) e a calculada (linha azul). Há poucas discordâncias entre ambas. No período de 2001 a 2010 ocorreram 44 casos em que a umidade relativa observada diferiu em mais de 20% do valor calculado (teórico). Essas diferenças incluíram valores menores e maiores do que o calculado. Nesse caso, a umidade relativa observada foi substituída pelo valor calculado.

Figura 1
Comparação entre a umidade relativa observada (linha verde) e calculada (linha azul) a cada horário sinótico no mês de janeiro de 2001.

Insolação: o número de horas de insolação direta não pode exceder o valor da duração efetiva do brilho solar. A expressão utilizada na determinação da duração efetiva do brilho solar (ou duração do dia solar) pode ser encontrada, por exemplo, em Iqbal (1983)IQBAL, M., An Introduction to Solar Radiation. Academic Press, New York, 1983. e em Vianello e Alves (1991)VIANELLO, R.L.; ALVES, A.R. Meteorologia Básica e Aplicações. Viçosa - MG. Imprensa Universitária, 1991. 449 p. e é apresentada na Eq. (4). Na primeira década de estudo da série temporal de Rio Grande, Reboita (2001)REBOITA, M. S. Normais Climatológicas Provisórias de Rio Grande, no período de 1991 a 2000. Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande, 2001. e Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002. quando detectaram algum valor errôneo na série digital (isto é, valor maior do que o obtido pela Eq. (4)), primeiramente compararam o valor com o da planilha manuscrita pelo observador. Se nesta o valor estivesse correto, bastava corrigir a série de dados digital. Do contrário, o valor era excluído da série temporal. Na segunda década de estudo, a presente validação não detectou nenhum valor excedendo a duração do dia solar.

A duração do dia solar (N) é obtida de:

(4) N ( horas ) = 22 15 H

onde N é expresso em horas e H, que corresponde a ângulo horário, é dado em graus:

(5) cos H = tan ϕ tan δ

sendo φ a latitude do local em estudo em graus e δ a declinação do ângulo solar que é obtida com a equação de Cooper (1969)COOPER, P. I. The absorption of radiation in solar stills. J. Sol. Energy, v. 12, p. 333-346, 1969.:

(6) δ = 23 , 45 sen [ 360 365 ( 284 + n ) ]

onde n indica os dias do ano variando de 1 a 365 dias ou de 1 a 366 dias em caso de ano bissexto. A duração do dia solar obtida com base nas Eqs. de (4) a (6) em Rio Grande é mostrada na Fig. 2. Entre os meses de junho e julho a duração do brilho solar é de cerca de 10 h enquanto em dezembro é de aproximadamente 14 h.

Figura 2
Duração do dia solar (horas) ao longo do ano em Rio Grande, RS.

Direção do Vento: nas estações meteorológicas convencionais, em que a direção do vento é medida através de um cata-vento tipo Wild, as direções do vento correspondem a oito valores em graus: 0, 45, 90, 135, 180, 225, 270 e 315, que indicam as direções norte, nordeste, leste, sudeste, sul, sudoeste, oeste e noroeste, respectivamente. No estudo realizado por Krusche et al. (2002)KRUSCHE, N.; SARAIVA, J.M. B.; REBOITA, M.S. Normais Climatológicas Provisórias de 1991 a 2000 para Rio Grande, RS. Departamento de Geociências da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Rio Grande do Sul, 2002., os casos de calmaria eram identificados com o valor 500. Portanto, valores diferentes desses eram considerados como errôneos. Já na versão atualizada do banco de dados digital, os dados de calmaria foram registrados com valores 999. Na identificação de erros grosseiros, obteve-se apenas um erro. Excluindo esse, não foram identificados valores diferentes dos que correspondem à direção do vento e a calmaria.

2.2.3. Identificação e preenchimento de falhas

Muitas vezes os equipamentos que registram as variáveis atmosféricas podem apresentar problemas ou parar de funcionar e, nesses casos, as séries temporais terão ausência de dados, ou seja, falhas; ou ainda, o instrumento pode ser roubado da estação, como o que aconteceu com o heliógrafo da estação de Rio Grande em 18 de março de 2010. Sua reposição não foi possível. Além disso, quando uma série temporal passa por um controle de qualidade (como nos itens anteriores) e são encontrados dados errôneos, tais dados são descartados, o que também contribui para a geração de falhas nas séries temporais.

A Tabela 2 mostra o número de falhas detectadas nas séries temporais de Rio Grande no período de 2001 a 2010 devido à falta de registros, pois as falhas decorrentes de erros já foram mencionadas nas seções 2.2.1 e 2.2.2.

Tabela 2
Número de falhas (NF) nas séries temporais de Rio Grande, no período de 2001 a 2010, proveniente da falta de registros. A coluna observação indica os dias (ou períodos) das falhas.

Existem diferentes metodologias para o preenchimento de falhas como mostram Fernandez (2007)FERNANDEZ, M.N. Preenchimento de falhas em séries temporais. 2007. 106 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Oceânica) - Fundação Universidade Federal do Rio Grande, FURG, Rio Grande/RS. Disponível em: http://www.engenhariaoceanica.furg.br/arquivos/ fernandez,m.n.pdf. Acessado em: outubro de 2016.
http://www.engenhariaoceanica.furg.br/ar...
, Silva e Reboita (2013)SILVA, E.D.; REBOITA, M.S. Estudo da Precipitação no Estado de Minas Gerais - MG. Revista Brasileira de Climatologia, v. 13, p. 120-136, 2013., Fante e Sant’anna Neto (2016)FANTE, K.P.; SANT’ANNA NETO, J.L. Técnicas Estatísticas para a Homogeneização de Dados de Temperatura em Séries Temporais Climatológicas. Revista Brasileira de Climatologia, v. 18, p. 143-156, 2016. e Yaguchi et al. (2016)YAGUCHI, S.M., MASSIGNAM, A.M.; RICCE, W.S.; PANDOL, C. Preenchimento de Falhas dos Dados Diários de Temperatura Máxima e Mínima do Ar. Ciência e Natura, v.38 n.3, p. 1419-1425, 2016.. No presente estudo, foi utilizada uma das metodologias mais simples: a substituição das falhas por valores médios, exceto para as variáveis com totais acumulados como a evapotranspiração e precipitação. Por exemplo, na ausência de um dado de temperatura de bulbo seco no dia 24 de julho de 2003 às 18 UTC, calculava-se a média entre o dado observado no horário das 12 e 24 UTC e preenchia-se a falha com o valor calculado. No caso de falhas consecutivas, foi adotado o seguinte método: utilizou-se o valor do ponto de grade mais próximo de Rio Grande da reanálise ERA-Interim (Dee et al., 2011DEE, D.P; UPALLA, S.M.; SIMMONS, A.J.; BERRISFORD, P, POLI, P. et al. The ERA-Interim reanalysis: configuration and performance of the data assimilation system. Quart. J. Roy. Meteor. Soc., v. 137, p. 553-597, 2011.). A reanálise foi utilizada para o preenchimento de falhas na pressão atmosférica, temperatura de bulbo seco, intensidade e direção do vento. Para a umidade relativa, como ocorreram 3 falhas consecutivas, utilizou-se a média simples do horário sinótico faltante de dois dias prévios ao dado faltante, pois a reanálise não fornece umidade relativa na superfície. No caso da temperatura de bulbo úmido, uma vez conhecidos os valores da temperatura de bulbo seco e a umidade relativa do ar, utilizou-se uma tabela para encontrar o valor da temperatura de bulbo úmido (Relative Humidity TableRELATIVE HUMIDITY TABLE. s/d. Disponível: https://www.eduplace.com/science/hmxs/es/pdf/5rs_3_2-3.pdf Acessado em: setembro de 2016.
https://www.eduplace.com/science/hmxs/es...
, s/d, por exemplo). Cruzando as informações da temperatura de bulbo seco e umidade relativa, obtém-se a diferença entre as temperaturas de bulbo seco e úmido. Portanto, basta subtrair a diferença do valor da temperatura de bulbo seco para obter a temperatura de bulbo úmido. Esse procedimento foi utilizado para preencher as falhas devido à falta de registro e também para corrigir os 26 valores indicados como errôneos na seção 2.2.2.

Após o preenchimento de falhas e correções dos dados de temperatura de bulbo seco e bulbo úmido, calculou-se novamente a umidade relativa do ar com base na Eq. (1). O número de casos entre 2001 e 2010 em que a umidade relativa observada e calculada diferiram em mais de 20% (em módulo) passou para 42 casos. Nesses, a umidade relativa observada foi substituída pelo valor calculado. As três falhas consecutivas da cobertura de nuvens foram preenchidas da mesma maneira que na umidade relativa, enquanto para a precipitação, como não houve ocorrência dessa conforme os dados do TRMM, as três falhas foram preenchidas com zeros.

2.2.4. Teste de homogeneidade

Uma série temporal de medidas atmosféricas é dita homogênea se suas variações são causadas somente por eventos de tempo ou clima (Conrad e Pollak, 1950CONRAD, V.; POLLAK, C. Methods in climatology. Harvard University Press, Cambridge, MA, p. 459, 1950.). Entretanto, fatores como defeitos nos instrumentos de medida, troca de instrumentos, práticas observacionais errôneas, mudança da estação meteorológica de local, entre outros fatores não-naturais podem criar variações artificiais ou descontinuidades nas séries temporais que são denominados de não-homogeneidade. A WMO/TD N°. 1186 (2003) recomenda alguns testes para verificar se uma série de dados é ou não homogênea. Entretanto, após essa publicação da WMO, Rodionov (2004)RODIONOV, S. N. A sequential algorithm for testing climate regime shifts. Geophys. Res. Lett., 31, L09204, 2004. elaborou uma outra metodologia para detecção de descontinuidades nas séries temporais que é baseada no processamento sequencial de dados em que são testadas diferenças na média entre dois seguimentos de dados com um determinado comprimento (mais detalhes em Rodionov, 2004RODIONOV, S. N. A sequential algorithm for testing climate regime shifts. Geophys. Res. Lett., 31, L09204, 2004.). O presente estudo utiliza essa metodologia para avaliar a homogeneidade das séries temporais de Rio Grande que, para tanto, foram transformadas em séries médias anuais.

Entre todas as variáveis apresentadas na Tabela 1, três mostraram descontinuidades na série temporal: umidade relativa do ar, intensidade do vento e evaporação (Fig. 3). A umidade relativa do ar entre 1991 e 2004 teve média anual de 82,9% enquanto esse valor decresceu abruptamente para 77,5% no período de 2005 a 2010 (Fig. 3a). Por outro lado, o total anual de evaporação (Fig. 3c) apresentou um aumento no seu valor médio a partir de 2004. Nota-se que há inconsistência física entre essas duas variáveis, pois com maior evaporação se esperaria uma atmosfera mais úmida, isto é, com maiores valores de umidade relativa, considerando-se uma situação em que não ocorram mudanças na temperatura do ar; ou ainda que a umidade relativa se mantivesse com valores similares aos dos primeiros anos no caso de aumento da temperatura do ar. Sugere-se que a inconsistência seja nos dados de umidade relativa, já que a mudança constada na média da evaporação coincide com um período de tendência positiva (mas sem significância estatística) na temperatura média diária compensada (Fig. 4). A equação para cálculo dessa temperatura é apresentada na seção 2.3. O teste do Rodionov não detectou descontinuidades na temperatura média diária compensada.

Figura 3
Identificação de descontinuidades nas séries temporais medidas em Rio Grande no período de 1991 a 2010. As linhas azuis indicam as médias anuais da (a) umidade relativa do ar (%) e (b) intensidade do vento (m s-1) e o (c) total anual da evaporação (mm). Já as linhas pretas indicam os valores médios de cada período considerado sem descontinuidade.
Figura 4
Média anual da temperatura média diária compensada (detalhes do cálculo na seção 2.3) em Rio Grande, no período de 1991 a 2010. A linha preta indica a tendência linear dos dados. Para testar a significância estatística da linha de tendência foi utilizado o teste de Mann-Kendall (Yue et al., 2002YUE, S., PILON, P.; CARADIAS, G. Power of the Mann-Kendall and Spearman’s rho tests for detecting monotonic trends in hydrological series. Journal of Hydrology, v. 259, p. 254-271, 2002.) com nível de significância de 0,05. Esse indicou ausência de significância estatística na tendência.

Com relação à intensidade do vento, a Fig. 3b indica que realmente há descontinuidade nos dados. O período de 1994 a 1997 apresenta ventos mais intensos (4,3 m s-1) do que o período posterior (2,7 m s-1). Essas não-homogeneidades na intensidade do vento estão associadas à troca de instrumentos na estação meteorológica. No início dos 20 anos de estudo, a intensidade do vento foi medida por um anemógrafo a 12 m de altura, depois por um cata-vento tipo Wild a 10 m de altura e, na última década, por um sensor instalado numa estação automática a 10 m de altura. Além disso, a estação meteorológica era cercada nos lados sul, sudeste e leste por árvores (Fig. 5) que entre janeiro a abril de 2004 foram cortadas. Ressalta-se que atualmente, as árvores já estão com tamanho similar ao da época em que foram cortadas (Fig. 5). Em suma, não serão calculadas as NCP para a umidade relativa e nem para a intensidade do vento considerando o período 2001-2010.

Figura 5
Localização da estação meteorológica de Rio Grande (cruz amarela) no Campus da FURG e indicação em cor cinza da região que teve as árvores cortadas. Ressalte-se que as árvores atualmente já estão do tamanho que tinham antes do corte.

2.3. Procedimentos para o cálculo das médias (NCP)

De acordo com Sugahara (1999)SUGAHARA, S. Normais climatológicas das estações de superfície do Brasil, para o período de 1961-1990. Instituto de Pesquisas Meteorológicas/UNESP, Campus Bauru, SP, 1999. e com a OMM (WMO-N° 100, 1983; 2011), existem alguns procedimentos para a determinação das NC e NCP. Estes estão descritos na sequência:

  1. A regra dos 3/5 estabelece que se mais de 3 valores diários consecutivos estiverem faltando ou se os dados faltantes ultrapassarem a 5, dentro de um mesmo mês, a média mensal não será calculada.

  2. Com base em (a), o número de dias N no cálculo da média mensal pode variar entre 23 e 31.

  3. Para a precipitação, evaporação e horas de insolação serão calculados totais mensais ao invés de médias, sem permitir nenhum dado faltante.

  4. O total diário da precipitação é calculado:

    (7) p d = p 18 + p 24 + p 12

    onde pd é o total diário de precipitação, p18 é a precipitação medida às 18 UTC do dia anterior, p24 é a precipitação medida às 24 e p12 é a precipitação das 12 UTC do dia atual.

  5. No caso do número de dias com precipitação, será calculado o número de dias por mês com precipitação diária maior ou igual a 0,1 mm.

  6. A temperatura média diária compensada será calculada como:

    (8) T d = T max + T min + T 12 + 2 T 24 5

    onde Td é a temperatura média diária, Tmax é a temperatura máxima, Tmin é a temperatura mínima, T12 é a temperatura do ar às 12 UTC e T24 é a temperatura do ar às 24 UTC.

  7. A umidade relativa média diária será calculada como:

    (9) U R d = U R 12 + U R 18 + 2 U R 24 4

    onde URd é a umidade relativa diária e UR12, UR18 e UR24 correspondem à umidade relativa medida às 12, 18 e 24 UTC, respectivamente.

  8. A umidade específica será calculada como:

    (10) q d = q 12 + q 18 + 2 q 24 4

    onde qd é a umidade específica diária e q12, q18 e q24 correspondem à umidade específica estimada às 12, 18 e 24 UTC, respectivamente.

A variável umidade específica (q) pode ser estimada a partir da equação (Vianello e Alves, 1991VIANELLO, R.L.; ALVES, A.R. Meteorologia Básica e Aplicações. Viçosa - MG. Imprensa Universitária, 1991. 449 p.):

(11) q = 0 , 622 ( e p 0 , 378 e )

onde p é a pressão atmosférica (hPa) e e é a pressão parcial do vapor dágua (hPa) obtida com a Eq. (3). O valor de e também pode ser obtido isolando-se essa variável na Eq. (1), isto é, e= (UR es)/100.

Para as demais variáveis, a média diária será calculada como:

(12) M d = M 12 + M 18 + M 24 3

onde Md é a média diária e M12, M18 e M24 correspondem à observação das 12, 18 e 24 UTC, respectivamente.

A média mensal de uma dada variável será calculada como:

(13) M m = M d 1 + M d 2 + M d 3 + M d N N

onde Mm é a média mensal, Md1 é a média diária da variável no primeiro dia do mês até chegar a média diária do último dia do mês MdN e N é o número de dias do mês.

Calculada a média mensal (ou o total mensal), Mm, de uma variável para todos os meses do período de estudo, calculam-se as NCP:

(14) N C P = M m 1 + M m 2 + M m 3 + M m n N m

onde Mm1é a média mensal do primeiro ano em estudo, Mmn é a média mensal do último ano do período e Nm é o número de anos, maior ou igual a 10 anos.

Os procedimentos acima descritos foram utilizados para o cálculo das NCP de Rio Grande, RS, no período de 1991-2000, 2001-2010 e 1991-2010.

2.4. Classificação climática

Com base nas NCP de 1991 a 2010 da temperatura do ar de bulbo seco e precipitação será determinada a classificação climática de Köppen-Geiger para Rio Grande com base na metodologia descrita em Kottek et al. (2007) e Reboita et al. (2015)REBOITA, M. S. Normais Climatológicas Provisórias de Rio Grande, no período de 1991 a 2000. Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande, 2001.. Também será citada a classificação de Strahler que é apresentada em Strahler e Straher (1996)STRAHLER, A.; STRAHLER, A. Introducing Physical Geography, John Wiley and Sons, Inc., New York, EUA, 1996.. Essa classificação é baseada no deslocamento e atuação de sistemas sinóticos numa dada região.

3. Resultados

3.1. Normais climatológicas provisórias

A Fig. 6 mostra as NCP de Rio Grande nos períodos de 1991-2000, 2001-2010 e 1991-2010 das variáveis atmosféricas: temperatura mínima, temperatura máxima, temperatura de bulbo seco, temperatura de bulbo úmido, temperatura obtida da média diária compensada, umidade relativa (só para 1991-2000), umidade específica (só para 1991-2000) e pressão atmosférica. O ciclo anual das temperaturas (Fig. 6 a-e) em Rio Grande é caracterizado por temperaturas mais elevadas no verão (maiores valores em janeiro) e menores no inverno (menores valores em julho). Esse padrão é devido ao ciclo anual da radiação solar, que é determinado pela inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao plano orbital e pelo movimento de translação do planeta e, esse ciclo, também define o número de horas de brilho solar (Fig. 2). Quanto maior o número de horas de insolação, maior é quantidade de energia recebida no sistema terra-atmosfera, o que contribui para a ocorrência de temperaturas mais elevadas (Fig. 6a-e). Com relação à temperatura de bulbo seco (Fig. 6c), a amplitude anual (diferença entre o mês mais quente e o mês mais frio) é de cerca de 11 °C nos três períodos de estudo. A NCP de 1991-2010 dessa variável mostra média anual de 19,0 °C. Já as temperaturas mínima, de bulbo úmido, média diária compensada e máxima apresentaram os seguintes valores 14,9 °C, 16,9 °C, 18,3 °C e 22,6 °C, respectivamente, no período 1991-2010.

Figura 6
NCP de Rio Grande nos períodos de 1991-2000 (linha azul), 2001-2010 (linha verde) e 1991-2010 (linha vermelha) das variáveis atmosféricas: (a) temperatura mínima (°C), (a) temperatura máxima (°C), (c) temperatura de bulbo seco (°C), (d) temperatura de bulbo úmido (°C), (e) temperatura obtida da média diária compensada (°C), (f) umidade relativa (%), (g) umidade específica (g/kg) e (h) pressão atmosférica (hPa).

Uma comparação entre os períodos 1991-2000 e 2001-2010 mostra que as NCP das temperaturas são ligeiramente maiores na segunda década de estudo. Tanto a temperatura do ar média compensada quanto a de bulbo seco apresentam a média anual mais quente em cerca de 0,5 °C na década de 2001-2010 comparada a de 1991-2000. O aumento das temperaturas na segunda década de estudo também é registrado nos dados da reanálise ERA-Interim (Dee et al., 2011DEE, D.P; UPALLA, S.M.; SIMMONS, A.J.; BERRISFORD, P, POLI, P. et al. The ERA-Interim reanalysis: configuration and performance of the data assimilation system. Quart. J. Roy. Meteor. Soc., v. 137, p. 553-597, 2011.). Ao computar-se a diferença da média anual da temperatura do ar a 2 m de altura da reanálise entre as décadas 1991-2000 e 2001-2010, há indicação de temperaturas mais elevadas no período de 2001-2010, em grande parte do sul do Brasil e oceanos adjacentes (Fig. 7). Na localização da cidade de Rio Grande, a reanálise indica aumento da temperatura média anual de cerca de 0,2-0,3 °C o que é similar ao identificado no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2013INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, IPCC. Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Stocker, T.F., D. Qin, G.-K. Plattner, M. Tignor, S.K. Allen, J. Boschung, A. Nauels, Y. Xia, V. Bex and P.M. Midgley (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 1535 pp, 2013.) em termos de média anual considerando todo o globo. Nota-se, portanto, que o aumento registrado nas temperaturas média compensada e de bulbo seco na estação meteorológica de Rio Grande é 0,2 °C maior do que a diferença obtida na temperatura do ar a 2 m de altura da ERA-Interim (Fig. 7). Embora os dados de temperatura do ar sejam assimilados na reanálise, após são interpolados espacialmente, o que pode suavizá-los. Em suma, o que se ressalta aqui é que as temperaturas da segunda década são maiores do que as da primeira.

Figura 7
Diferença da média anual da temperatura do ar (°C) a 2 m de altura da reanálise ERA-Interim (resolução horizontal de 0,75°) nos períodos de 2001-2010 e 1991-2000. O círculo branco indica a localização da cidade de Rio Grande.

Os maiores valores obtidos nas temperaturas de bulbo seco, úmido e da média diária compensada na segunda década de estudo podem ser decorrentes da influência do maior aumento da temperatura máxima (Fig. 6b) em comparação com o da temperatura mínima (Fig. 6a). No mês de julho, por exemplo, a média da temperatura máxima é cerca de 1,7 °C maior na segunda década de estudo em relação à primeira, enquanto a média da temperatura mínima é 0,6 °C. Esses resultados são consistentes com os de López-Franca et al. (2016)LÓPEZ-FRANCA, N.; ZANINELLI, P.G.; CARRIL, A.F.; MENÉNDEZ; C.G., SÁNCHEZ E. Changes in temperature extremes for 21st century scenarios over South America derived from a multi-model ensemble of regional climate models. Climate Research, v. 68, n. 2-3, p. 151-167, 2016. que mostram que no período de 1991 a 2010 o número de dias e noites quentes (metodologia que utiliza a temperatura máxima) têm aumentado mais do que o número de dias e noites frias (metodologia que utiliza a temperatura mínima) no sudeste da América do Sul, o que inclui o município de Rio Grande. Além disso, os autores mostram as projeções dessas variáveis no período de 2079-2098 e indicam aumento dos dias e noites quentes e decréscimo do número de dias e noites frias. Com relação ao presente estudo, embora o teste estatístico não-paramétrico de Wilcoxon (Gibbons e Chakraborti, 2011GIBBONS, J.D.; CHAKRABORTI, S. Nonparametric Statistical Inference, 5th Ed., Boca Raton, FL: Chapman & Hall/CRC Press, Taylor & Francis Group, 2011.) indique que não há diferenças significativas nas médias das temperaturas nos períodos de 1991-2000 e 2001-2010, mesmo assim os valores de diferenças observados fazem surgir algumas questões: a) o aumento das temperaturas tem sido por efeito local ou global? b) por que o aumento da temperatura mínima é menor do que o registrado na temperatura máxima? Uma possível hipótese é que o efeito da urbanização no Campus da FURG tenha contribuído para aumentar as máximas, enquanto a perda de radiação noturna não é muito alterada, o que impacta menos as temperaturas mínimas.

Da termodinâmica da atmosfera, tem-se que a pressão de vapor do ar úmido é maior à medida que a temperatura aumenta, ou seja, o ar quente pode conter mais vapor dágua do que ar frio. Assim o aumento das temperaturas pode aumentar a evaporação e a quantidade de vapor dágua na atmosfera. De fato, a Fig. 8b mostra que a evaporação na segunda década de estudo foi maior do que na primeira década. A maior concentração de vapor dágua na atmosfera pode ocasionar aumento da nebulosidade. Entretanto, na Fig. 8a os valores médios mensais da cobertura de nuvens nas duas décadas são próximos, o que indica que a nebulosidade não aumentou na segunda década. Por outro lado, a cobertura de nuvens é uma variável que envolve a subjetividade do observador. Assim, aqui não será realizada nenhuma relação dessa com outras variáveis atmosféricas.

Figura 8
NCP de Rio Grande nos períodos de 1991-2000 (linha azul), 2001-2010 (linha verde) e 1991-2010 (linha vermelha) das variáveis atmosféricas: (a) duração do brilho solar (horas), (b) evaporação (mm), (c) precipitação (mm), (d) cobertura de nuvens (décimos), (e) número de dias com precipitação maior ou igual a 0,1 mm e (f) intensidade do vento (m s-1).

Para as umidades relativa e específica, não foram computadas as NCP de 2001-2010 devido à falta de homogeneidade na série temporal da umidade relativa (Fig. 3a). São apresentadas somente as NCP de 1991-2000 (Fig. 6f-g). A umidade relativa possui ciclo anual com o padrão inverso ao das temperaturas, da evaporação e umidade específica. A umidade relativa é a razão entre a quantidade de vapor d’água existente na atmosfera e a quantidade de vapor que saturaria esta atmosfera. Em outras palavras, a umidade relativa indica a porcentagem de umidade que falta para o ar chegar à saturação. Como em menores temperaturas o ar pode chegar à saturação mais rápido, é esperado que os maiores valores de umidade relativa ocorram no inverno e os menores no verão. Embora a Fig. 6f mostre uma variação na umidade relativa entre o verão e o inverno, essa variável não possui grande amplitude anual, varia de 81% no verão para 87% no inverno. Outra variável que não apresenta grande variabilidade anual é a cobertura de nuvens (Fig. 8d). Cerca de 5 a 6 oitavos do céu permanecem cobertos por nuvens ao longo do ano.

Em termos de pressão atmosférica (Fig. 6h), os valores obtidos nas duas décadas de estudo são similares; exceto em junho, quando o período 2001-2010 tem 1 hPa de pressão mais alta em relação ao período prévio. Em Rio Grande, a pressão atmosférica é mais alta entre os meses de junho e setembro. Também é a partir de junho que os ventos começam a aumentar sua intensidade, atingindo valores máximos em outubro (Fig. 8f). Como a série temporal da intensidade do vento (Fig. 3b) também não apresentou homogeneidade nos dados, as NCP só foram apresentadas para o período de 1991-2000. A explicação para os maiores valores de pressão no inverno está associada à influência do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), que tem seu setor oeste atuando sobre grande parte do Brasil nessa época do ano (Fig. 9c), das condições mais frias da própria estação e também pela influência de anticiclones pós-frontais. Já na primavera (Fig. 9d), o ASAS começa a se retrair para leste e seus ventos atuam com maior intensidade sobre o sul do Brasil, por isso a predominância de ventos de nordeste (Fig. 10). As NCP de 1991-2010 indicam que nos meses de abril e maio a direção predominante do vento é a sudoeste. Sugere-se que esses ventos estejam associados com a passagem de sistemas frontais frios sobre a região que, em geral, são mais intensos devido à tal época do ano. Em termos de frequência, de Jesus et al. (2016)DE JESUS, E.M.; DA ROCHA, R.P.; REBOITA, M.S.; LLOPART, M.; MOSSO DUTRA, L.M.; REMEDIO, A.R.C. Contribution of cold fronts to seasonal rainfall in simulations over the southern La Plata Basin. Climate Research, v. 68, p. 243-255, 2016. mostram que em Rio Grande não há variabilidade sazonal da frequência de sistemas frontais, passando em média 14 sistemas no município por estação do ano. Um fato interessante é que na primeira década de estudo, a direção predominante do vento é a nordeste; exceto no mês de maio, em que predominam ventos de sudoeste. Já na segunda década, de abril a julho os ventos predominantes são de sudoeste. Esse aumento na frequência de ventos de sudoeste em 2001-2010 pode estar associado com o corte (poda) das árvores localizadas nas cercanias da estação meteorológica (Fig. 5) que ocorreu no primeiro trimestre de 2004. As árvores com cerca de 20 m de altura que faziam uma barreira a sul-sudeste-leste da estação meteorológica foram reduzidas a cerca de um metro de altura. Isso pode ter facilitado o registro de ventos de quadrante sul na estação.

Figura 9
Média da pressão atmosférica (hPa) ao nível médio do mar entre 1991 e 2010 no (a) verão, (b) outono, (c) inverno e (d) primavera. O centro de alta pressão representa o Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul. A fonte de dados utilizada para a elaboração das figuras é a ERA-Interim (Dee et al., 2011DEE, D.P; UPALLA, S.M.; SIMMONS, A.J.; BERRISFORD, P, POLI, P. et al. The ERA-Interim reanalysis: configuration and performance of the data assimilation system. Quart. J. Roy. Meteor. Soc., v. 137, p. 553-597, 2011.) com resolução horizontal de 0,75°.
Figura 10
NCP de Rio Grande no período de 1991 a 2010 para as direções do vento em cada mês do ano. Na figura (a) indica janeiro enquanto (l) dezembro e os valores do eixo vertical correspondem à porcentagem de ocorrências detectadas na série temporal com dados dos horários das 12, 18 e 24 UTC. As iniciais no eixo horizontal indicam: N norte, NE nordeste, L leste, SE sudeste, S sul, SO sudoeste, O oeste, NO noroeste e CALM calmaria.

Para finalizar essa seção é apresentando o climograma de Rio Grande no período de 1991 a 2010 (Fig. 11). Nesse são mostradas as NCP da temperatura de bulbo seco e precipitação, bem como o valor teórico do brilho solar calculado com a Eq. (4).

Figura 11
Climograma de Rio Grande, RS, no período de 1991 a 2010 mostrando as NCP da temperatura de bulbo seco (°C) e precipitação (mm), bem como o valor teórico do brilho solar (horas).

3.2. Classificação climática

A classificação climática de Köppen-Geiger para Rio Grande necessita das NCP da temperatura de bulbo seco e precipitação (Tabela 3). Considerando a metodologia descrita em Kottek et al. (2006)KOTTEK, M.; GRIESER, J.; BECK, C.; RUDOLF, B.; RUBEL, F. World Map of Köppen-Geiger climate classification updated. Meteorologische Zeitschrift, v. 15, n. 3, p. 259-263, 2006. e os parâmetros apresentados na Tabela 4, tem-se o clima temperado quente (inicial C) para Rio Grande, uma vez que a Tmin se encaixa no limiar -3 °C < Tmin < +18 °C. Como os parâmetros da precipitação não se encaixam nas opções Cs e Cw (ver Tabela 1 de Kottek et al., 2006KOTTEK, M.; GRIESER, J.; BECK, C.; RUDOLF, B.; RUBEL, F. World Map of Köppen-Geiger climate classification updated. Meteorologische Zeitschrift, v. 15, n. 3, p. 259-263, 2006.) que são clima temperado quente com verão seco ou inverno seco, respectivamente, logo, se enquadram em sempre úmido (Cf). Por fim, tem-se que o clima de Rio Grande é Cfa, isto é, clima temperado sempre úmido e com verão quente, uma vez que Tmax≥ 22 °C.

Tabela 3
NCP de Rio Grande no período de 1991-2010 da temperatura de bulbo seco (°C) e precipitação (mm) em cada mês do ano.
Tabela 4
Parâmetros utilizados para calcular a classificação climática de Köppen-Geiger.

A classificação climática de Strahler é genética e não empírica, como a de Köppen-Geiger, ou seja, a classificação de Strahler é determinada pela dinâmica das massas de ar atuantes na região (Strahler e Strahler, 1996STRAHLER, A.; STRAHLER, A. Introducing Physical Geography, John Wiley and Sons, Inc., New York, EUA, 1996.): a massa de ar marítima tropical e a massa de ar continental polar. A primeira citada quando associada a processos convectivos favorece a ocorrência de nebulosidade e precipitação ao longo do ano. Já, a segunda, quando atinge a região está associada a sistemas frontais e/ou ciclones extratropicais, que são importantes para a organização de precipitação. Por isso, a precipitação é bem distribuída ao longo do ano em Rio Grande (Fig. 11). Estas características, somadas à localização entre 20° e 35° S, determinam o clima subtropical úmido para Rio Grande na classificação de Strahler.

4. Conclusões

Este estudo teve como objetivo atualizar as NCP de 1991 a 2000 de Rio Grande, RS, que foram publicadas em 2002. Para tanto, computaram-se as NCP dos períodos de 2001-2010 e 1991-2010, bem como compararam-se as NCP das décadas de 1991-2000 e 2001-2010. Inicialmente os dados utilizados no estudo passaram por um controle de qualidade com base nas recomendações da OMM. Nessa etapa, também realizou-se o preenchimento de falhas nas séries temporais (ausência de dados e também dados excluídos por não apresentarem significado físico). Embora o período de 2001-2010 tenha mostrado um aumento nas temperaturas do ar, esse aumento não foi estatisticamente significativo. Por outro lado, os resultados concordam com os de outros estudos que indicam aumento das temperaturas ao longo das últimas décadas (IPCC, 2013INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, IPCC. Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Stocker, T.F., D. Qin, G.-K. Plattner, M. Tignor, S.K. Allen, J. Boschung, A. Nauels, Y. Xia, V. Bex and P.M. Midgley (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 1535 pp, 2013.) e com o de López-Franca et al. (2016)LÓPEZ-FRANCA, N.; ZANINELLI, P.G.; CARRIL, A.F.; MENÉNDEZ; C.G., SÁNCHEZ E. Changes in temperature extremes for 21st century scenarios over South America derived from a multi-model ensemble of regional climate models. Climate Research, v. 68, n. 2-3, p. 151-167, 2016. que mostram, no período de 1991 a 2010, um maior aumento no número de dias e noites quentes do que no de dias e noites frias no sudeste da América do Sul.

Algumas das características climáticas de Rio Grande são: as maiores temperaturas ocorrem no verão e as menores no inverno, enquanto que a precipitação é bem distribuída ao longo dos meses, fatos que levam à definição de clima temperado sempre úmido e com verão quente (Cfa), de acordo com a classificação de Köppen-Geiger, e clima subtropical úmido pela classificação de Strahler. Além disso, na maior parte do ano predominam ventos de nordeste em Rio Grande.

Em um próximo estudo será apresentada uma análise de períodos secos e úmidos com base na precipitação diária, identificados os anos secos e úmidos com a técnica dos quantis e avaliada a relação da precipitação com mecanismos de teleconexão, como o fenômeno El Niño-Oscilação Sul.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2016
  • Aceito
    01 Ago 2017
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