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Influência do formato da desepitelização corneana sobre a acuidade visual no pós-operatório da ceratectomia fotorrefrativa (PRK)

RESUMO

Objetivo:

Verificar se a modificação no formato da desepitelização corneana na ceratectomia fotorrefrativa (PRK), de circular para oval, modifica a recuperação da acuidade visual (AV) no pós-operatório.

Métodos:

Foram avaliados prospectivamente 43 pacientes submetidos ao PRK bilateral e simultâneo. De forma randomizada em cada paciente, um olho foi desepitelizado no formato circular e o outro no formato oval. No sexto dia de pós-operatório (D6) foram registradas a percepção subjetiva pelo paciente da qualidade de visão comparativa entre os olhos, a AV objetiva monocular e o aspecto do empilhamento epitelial corneano.

Resultados:

Em relação à percepção subjetiva da qualidade de visão, observou-se que 48,8% dos pacientes não perceberam diferença entre os olhos e 51,2% perceberam diferença (41,9% referiram melhor qualidade de visão no olho da desepitelização oval e 9,3% referiram melhor visão no olho da desepitelização circular). Em relação à AV (Snellen), a média na desepitelização oval, de 0,62, foi significativamente superior (p<0,001) que na circular, de 0,53. Quanto ao empilhamento epitelial, em 64,3% houve menor densidade do empilhamento nos olhos submetidos à desepitelização oval, em 31,0% não foi identificada diferença e em 4,8% dos olhos submetidos à desepitelização oval o empilhamento foi maior. Tais resultados se devem ao fato de que na desepitelização oval as células epiteliais provêm de bordas não equidistantes do centro da córnea e percorrem uma área menor, determinando um empilhamento epitelial central mais suave.

Conclusão:

Verificou-se que a modificação no formato da desepitelização corneana no PRK para oval, determinou uma significativa melhora da recuperação da AV.

Descritores:
Ceratectomia fotorrefrativa; Acuidade visual; Córnea; Epitélio; Excimer laser

ABSTRACT

Objective:

To determine if the change in the shape of the corneal epithelial removal in photorefractive keratectomy (PRK), from circular to oval shape, modifies the recovery of the postoperative visual acuity (VA).

Methods:

Forty-three(43) patients subjected to bilateral simultaneous PRK were prospectively evaluated. Randomly for each patient, one eye underwent epithelial removal in circular shape and the other in oval shape. On the sixth day of postoperative period (D6) the follow items were recorded: the subjective comparative perception, informed by the patient, of the quality of vision between the eyes, the objective monocular VA and the appearance of the central corneal epithelial suture line.

Results:

With regard to subjective quality of vision perception, it was observed that 48.8% of patients did not realize the difference between the eyes, while 51.2% did (41.9% reported better quality of vision in the eye with the oval shape and 9.3% reported better vision in the eye with the circular shape). With regard to the VA (Snellen), the average in the oval shape of 0.62 was significantly higher (p < 0.001) than the circular shape of 0.53. As for the appearance of the epithelial suture line, in 64.3% of the cases there was a lower density of the suture line in the eyes submitted to the oval shape, 31.0% did not demonstrate difference and in 4.8% of eyes submitted to oval shape the suture line was denser. These results are due to the fact that in the oval shape the epithelial cells come from non-equidistant edges of the corneal periphery to the center and run across a smaller area, determining a smoother, sometimes off-center, epithelial suture line.

Conclusion:

The change in the shape of the corneal epithelial removal in photorefractive keratectomy (PRK), from circular to oval shape, determines a better recovery of the postoperative visual acuity (VA).

Keywords:
Photorefractive keratectomy; Visual acuity; Cornea; Epithelium; Excimer laser

INTRODUÇÃO

A ceratectomia fotorrefrativa (PRK) e a laser in situkeratomileusis (LASIK) são as principais modalidades de cirurgia refrativa realizadas na atualidade11 Netto MV, Espíndola RF, Nogueira RGF, Campos M, Ambrósio Jr R, Andrade NL. Censo Brasileiro de Cirurgia Refrativa. Arq Bras Oftalmol. 2013;76(1):29-32..

Independente do tipo de cirurgia, os resultados visuais a longo prazo são equivalentes e ambas as técnicas apresentam suas peculiaridades e suas complicações22 Francesconi CM, Leoratti MC. Excimer laser. In: Tratado brasileiro de catarata e cirurgia refrativa. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2014..

As principais vantagens do LASIK sobre o PRK são a menor incidência de dor pós-operatória e a rápida recuperação da acuidade visual devido à preservação do epitélio corneano33 Shortt AJ, Allan BD, Evans JR. Laser-assisted in-situ keratomileusis (LASIK) versus photorefractive keratectomy (PRK) for myopia. Cochrane Database Syst Rev [Internet] 2013. Disponível em: http://www.ncbi.nim.nih.gov/pubmed/23440799.
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-44 Walker MB, Wilson SE. Recovery of uncorrected visual acuity after laser in situ keratomileusis or photorefractive keratectomy for low myopia. Cornea. 2001; 20(2):153-5..

A dor pós-operatória do PRK é atualmente controlada através de várias condutas que se complementam: analgesia via oral55 Faktorovich E. New Approaches to Pain Management after PRK: Both oral and topical options show early promise. Ophthalmol Manag [Internet] 2009. [cited 2016 June 21]. Available from: http://www.ophthalmologymanagement.com/articleviewer.aspx?articleID=103393.
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, agentes anti-inflamatórios não esteroidais tópicos66 Altersitz K. NSAID regimen important in perioperative care of laser surface ablation patients: Experts in the field shared their drug choices and dosing regimens for pain control. Ocular Surgery News U.S. Edition [Internet] 2007.[cited 2016 June 21]. Available from: http://www.healio.com/ophthalmology/corneaexternal-disease/news/print/ocular-surgery-news/{8ef80ee1-7c3948dc-9d1f-dc6873d407df}/nsaid-regimen-important-inperioperative-care-of-laser-surface-ablation-patients.
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, indicação de lentes de contato terapêuticas com alta permeabilidade ao oxigênio77 Taylor RK, Caldwell CM, Payne AM, Apsey DA, Townley RJ, Reilly CD, Panday VA. Comparison of 3 silicone hydrogel bandage soft contact lenses for pain control after photorefractive keratectomy. J Cataract Refract Surg. 2014;40(11):1798-804., uso de solução salina balanceada congelada88 Ribeiro LG. Estudo da eficácia do uso intraoperatório de solução salina balanceada congelada como coadjuvante na analgesia pós ceratectomia fotorrefrativa [tese]. Santo André: Faculdade de Medicina do ABC; 2012., emprego de gotas de anestésico diluído pós-operatórias e uso da mitomicina C intraoperatória99 Fortes AC, Martinelli EJ, Ribeiro LG, Corpa JH, Tarcha FA, Rehder JR. Ação do anestésico tópico diluído e da mitomicina sobre a sintomatologia e reepitelização corneana no pós-operatório da ceratectomia fotorrefrativa. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(4):237-43..

É ainda um desafio abreviar o tempo da baixa de AV no pós-operatório do PRK1010 Boughton B. PRK: Feeling better and healing faster. EyeNet Magazine. September; 2008.[cited 2016 June 21]. Available from. www.aao.org.
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.

A baixa de AV, observada nos primeiros dias de pós-operatório do PRK, deve-se à formação de linhas de empilhamento desordenado de células epiteliais provenientes da periferia da córnea que se dirigem ao centro, localizando-se no eixo visual1111 Dua HS, Gomes JA, Singh A. Corneal epithelial wound healing. Br J Ophthalmol. 1994;78(5):401-8.. Como a marcação da área corneana a ser desepitelizada no PRK rotineiramente é feita através de um marcador de zona óptica circular, centralizado na pupila, o processo de reepitelização se inicia na borda da área desepitelizada que, por ser circular, está equidistante do centro da pupila e, portanto, as células provenientes dessa borda devem alcançar ao mesmo tempo o centro da córnea, acentuando o fenômeno de empilhamento citado1212 American Academy of Ophthalmology. Refractive Surgery - BCSC Basic and Clinical Science Course, American Academy of Ophthalmology. Section 13, 2014-2015..

Na literatura revisada foi encontrado apenas um relato apresentado pela Dra. Marguerite McDonald sugerindo que a mudança no formato da desepitelização corneana no PRK teria influência benéfica sobre a acuidade visual pós-operatória. Para reduzir a baixa de AV que ocorre entre o terceiro e quarto dia de pós-operatório do PRK, ela sugere que seja realizada a remoção do epitélio corneano no formato oval em vez de circular e assim, a linha de fechamento epitelial se localizaria fora do centro e o empilhamento epitelial não ficaria diretamente sobre o eixo visual1313 Lake N. Surface ablation: closing the pain gap with LASIK. Newsletter Refractive Outlook [a Internet]. 2013. [cited 2016 June 21]. Available from: http://isrs.aao.org/resources/june-2013.
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Não há nenhum outro trabalho que descreva e avalie esse benefício de forma controlada.

O presente trabalho tem como objetivo verificar, de forma prospectiva e randomizada, se a modificação no formato da desepitelização corneana no PRK, de circular para oval, determina uma melhor recuperação da acuidade visual no pós-operatório.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo prospectivo, intervencionista, mascarado para o paciente, randomizado, no Setor de Cirurgia Refrativa do Instituto de Olhos da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC e no Centro Oftalmológico Laser Ocular ABC. Comparou-se a desepitelização oval em um dos olhos com a circular no olho contralateral, em 43 pacientes submetidos à ceratectomia fotorrefrativa (PRK) bilateral simultânea, operados entre Maio e Junho de 2015 com o Excimer Laser WaveLight EX500 da Alcon. Esse tamanho da amostra foi dada pela demanda do ambulatório no período.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC e pelo Comitê de Ética Plataforma Brasil sob o número 42989814.2.0000.0082. Este trabalho também foi registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos sob número RBR-2w7phk. Todos os pacientes incluídos concordaram com a realização do estudo após explicação detalhada e assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido

Os critérios de inclusão foram: pacientes com indicação formal para realização de PRK bilateral, com acuidade visual pré-operatória corrigida igual a 1,0 em ambos os olhos e diferença entre o equivalente esférico da ametropia de cada olho inferior a 1 dioptria. Em cada paciente incluído neste estudo foi realizada, no inicio do procedimento de PRK, a desepitelização com formato oval em um dos olhos e circular no contralateral, de acordo com sorteio realizado antes do procedimento.

Os critérios de exclusão foram: qualquer intercorrência intraoperatória e pacientes que, por algum motivo, descontinuaram o uso das lentes de contato terapêuticas ou apresentaram qualquer intercorrência oftalmológica antes da avaliação do 6º dia de pós-operatório.

O marcador oval foi desenvolvido especificamente para o presente estudo com as seguintes características (Figura 1): maior diâmetro com 9,5 mm, menor diâmetro com 7,5 mm e altura de 5 mm com uma haste de manuseio na lateral, delimitando uma área interna de 55,93 mm2 [raio 1 (4,75) x raio 2 (3,75) x π (3,14)]. O marcador circular usado foi o convencional de marcação de zona óptica com 9,5 mm de diâmetro, 6,5 mm de altura e haste na lateral, delimitando uma área interna de 70,86 mm2 [raio (4,75) x π (3,14)].

Figura 1
Marcador de zona óptica oval (diâmetro 1: 9,5 mm/ diâmetro 2: 7,5 mm/ altura: 5,0 mm)

A técnica cirúrgica utilizada seguiu os seguintes tempos cirúrgicos: anestesia tópica e antissepsia da pele; colocação de campos adesivos estéreis para isolamento dos cílios e blefarostato com aspiração; aplicação sobre a córnea por 10 segundos de solução salina balanceada congelada, pré-preparada em bastonete com esponja de celulose e mantida em congelador até sua aplicação; marcação da área a ser desepitelizada com marcador oval em um dos olhos e circular no contralateral, ou vice versa, conforme sorteio; remoção mecânica do epitélio corneano com espátula de borda romba, respeitando os limites e o formato de cada marcador; fotoablação pelo excimer laser; aplicação de mitomicina C (MMC) a 0,02% colocada dentro de um marcador de zona óptica de perfil alto, de 6,5mm de diâmetro, posicionado no centro da área tratada por tempos semelhantes em cada olho do paciente, de 20 a 45 segundos, de acordo com a quantidade de ablação para tratamento da ametropia; aspiração da MMC; irrigação abundante da superfície ocular com solução salina balanceada; aplicação sobre a córnea de solução salina balanceada congelada por 10 segundos; colocação de lente de contato terapêutica de silicone hidrogel e instilação de uma gota do colírio antibiótico moxifloxacino 0,5% e uma gota do colírio de corticóide acetato de prednisolona 1%.

Quando o olho que recebeu a marcação oval apresentou astigmatismo, o maior diâmetro do marcador foi colocado no mesmo sentido do eixo da maior ablação astigmática. Dessa forma, a área de maior tratamento ficou dentro da área desepitelizada de maior diâmetro de extensão, delimitada pelo marcador oval. Para facilitar esse posicionamento usou-se um transferidor de eixo colocado próximo à córnea de acordo com o eixo do astigmatismo refracional.

No pós-operatório, os pacientes, desconhecendo em qual olho havia sido feita a desepitelização oval e a circular, foram instruídos a aplicar os mesmos colírios nos dois olhos, iniciando duas horas após a cirurgia, como segue: colírio do anti-inflamatório não esteroide tópico nepafenaco 0,1%, 1 gota de 8 em 8 horas por 3 dias; colírio do antibiótico moxifloxacino 0,5%, 1 gota de 8 em 8 horas por 7 dias; colírio de corticóide, acetato de fluormetolona a 0,1%, 1 gota de 6 em 6 horas por 3 semanas e colírio de lágrima artificial carmelose sódica 0,5%, 1 gota de 4 em 4 horas por 2 meses. Foi prescrito como analgésico via oral paracetamol 500mg em associação com fosfato de codeína 30mg, de 12 em 12 horas por 3 dias.

No dia seguinte ao procedimento foi realizada a primeira avaliação pós-operatória. Foram avaliados a sintomatologia, o aspecto biomicroscópico do segmento anterior e o posicionamento das lentes de contato terapêuticas de ambos os olhos.

Os pacientes foram orientados a retornar para nova avaliação no 6º dia de pós-operatório. Nesse dia, foram avaliados três itens: a percepção subjetiva, informada pelo paciente, quanto à qualidade de visão comparativamente entre os olhos; a acuidade visual de cada olho medida com a tabela de Snellen em decimal e a avaliação biomicroscópica da córnea, realizada pelo médico examinador, comparando de forma subjetiva o empilhamento epitelial.

Em alguns pacientes, em que a diferença no aspecto da reepitelização entre os olhos foi nitidamente perceptível ao exame na lâmpada de fenda, foi feita documentação fotográfica mostrando o empilhamento corneano em olho direito (OD) e em olho esquerdo (OE) (Figuras 2, 3 e 4).

Figura 2
Aspecto do empilhamento epitelial no 6º dia de pós-operatório de PRK. OD com desepitelização oval e OE circular.

Figura 3
Aspecto do empilhamento epitelial no 6º dia de pós-operatório de PRK. OD com desepitelização oval e OE circular.

Figura 4
Aspecto do empilhamento epitelial no 6º dia de pós-operatório de PRK. OD com desepitelização circular e OE oval.

Constatada a completa reepitelização corneana de ambos os olhos, no 6º dia de pós-operatório (D6), foram retiradas as lentes de contato terapêuticas. Os pacientes receberam orientações sobre os medicamentos, evolução da acuidade visual, com retorno programado para um mês.

Inicialmente todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas, esta análise foi feita através da observação dos valores mínimos e máximos, e do cálculo de médias, desvios-padrão e mediana. Para as variáveis qualitativas calcularam-se frequências absolutas e relativas.

Para a comparação das duas técnicas foi utilizado o teste não-paramétrico de Wilcoxon, pois a suposição de normalidade dos dados foi rejeitada.

O nível de significância utilizado para os testes quantitativos foi de 5%.

RESULTADOS

Dos 43 pacientes nesta análise, 17 do sexo masculino (39,5%) e 26 do sexo feminino (60,5%). A idade variou entre 22 e 45 anos, sendo a idade média de 30,79 anos. A acuidade visual em decimal pós-operatória variou entre 0,30 e 0,80 nos pacientes submetidos à técnica de desepitelização circular e de 0,30 a 1,00 nos submetidos à técnica oval.

Notou-se diferença estatisticamente significante entre as duas técnicas em relação à recuperação da acuidade visual no D6 (Tabela 1). A técnica de desepitelização oval apresentou melhor recuperação quando comparada à técnica circular (Gráfico 1).

Gráfico 1
Box-plot da AV no D6 segundo a técnica utilizada.

Tabela 1
Valores descritos da AV em cada técnica de desepitelização aplicada no D6

Em relação à percepção subjetiva da qualidade de visão nos 43 pacientes, observou-se que 48,8% dos pacientes não perceberam diferença entre os olhos e 51,2% perceberam alguma diferença (41,9% perceberam melhor qualidade de visão no olho da desepitelização oval e 9,3% perceberam melhor qualidade de visão no olho da desepitelização circular) (Gráfico 2).

Gráfico 2
Distribuição de frequências dos 43 pacientes em relação à percepção da melhor AV no D6.

Em relação à avaliação biomicroscópica subjetiva da densidade do empilhamento epitelial, feita pelo examinador, em 64,3% dos pacientes houve menor empilhamento nos olhos submetidos à desepitelização oval, em 31,0% não foi identificada diferença e em 4,7% dos pacientes houve maior empilhamento nos olhos com desepitelização oval (Gráfico 3).

Gráfico 3
Distribuição de frequências dos 43 pacientes em relação à densidade do empilhamento epitelial no D6.

Confirmou-se então o desfecho primário de melhora da acuidade visual medida em decimal com a tabela de Snellen, no sexto dia pós-operatório, que variou entre 0,30 e 0,80 nos pacientes submetidos à técnica de desepitelização circular e de 0,30 a 1,00 nos submetidos à técnica oval.

DISCUSSÃO

Várias teorias explicam a cicatrização corneana e, quando ela ocorre após desepitelização, segue o mesmo padrão do "turnover" fisiológico corneano, que envolve os processos de migração e multiplicação celular. No início, as células que circundam a área desnudada, se achatam, deslizam e migram para cobrir o defeito. Após, ocorre atividade mitótica nas células basais restaurando a estrutura de multicamadas do epitélio1414 Dua HS, Forrester JV. Clinical patterns of corneal epithelial wound healing. Am J Ophthalmol. 1987;104(5):481-89..

Já foi demonstrado que existe uma taxa de mitose no epitélio corneano que é maior na periferia da córnea, perto do limbo, em relação ao centro. Isto possibilita um fluxo de células epiteliais de um sítio de maior taxa de mitose para a região de menor taxa de mitose, que seria o centro corneano1515 Bron AJ. Vortex patterns of the corneal epithelium. Trans Ophthalmol Soc UK. 1973;93:455-72..

O conceito do "turnover" fisiológico corneano pode ser explicado pela teoria X, Y, Z que já foi comprovada por diversos estudos e experimentos, onde X representa a proliferação das células basais epiteliais, Y representa a proliferação e migração centrípeta das células limbares e Z seria a perda epitelial superficial. Logo, X + Y = Z, para que haja o constante estado de equilíbrio1616 Thoft RA, Friend J. The X, Y, Z hypothesis of corneal epithelial maintenance. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1983;24(10):1442-3.. Estima-se que esse processo ocorra a cada 7 a 10 dias1717 Hanna C, O'Brien JE. Cell production and migration in the epithelial layer of the cornea. Arch Ophthalmol. 1960;64:536-9.. No presente estudo foi constatada essa migração centrípeta finalizada no D6, porém não foi dada ênfase no aspecto microscópico deste fenômeno.

Existe uma diferença de potencial elétrico de 6 mV entre a córnea e o pólo posterior do olho. Assim, o olho humano se comporta como um dipolo, orientado no eixo anteroposterior, com a córnea sendo o pólo positivo. Uma vez que as células sofrem influência do campo eletromagnético, por terem íons de ferro e correntes iônicas no seu interior, elas tendem a se organizar em círculos concêntricos1818 Berson EL. Electrical phenomena in the retina. Adler's physiology of the eye and clinical applications. 7th ed. London: CV Mosby; 1981..

Um aspecto semelhante foi apresentado na conhecida teoria "Hurricane and Blizzard Keratopathy", a qual descreve que a reepitelização corneana ocorre através da distribuição das células epiteliais de modo espiralado e no sentido horário, influenciada pelo campo eletromagnético do olho durante o processo de "turnover" epitelial basal1111 Dua HS, Gomes JA, Singh A. Corneal epithelial wound healing. Br J Ophthalmol. 1994;78(5):401-8..

A epitelização corneana em uma lesão grande circular ocorre de maneira não uniforme. Há a diminuição progressiva da área desepitelizada com formação de folhetos epiteliais vindos de diferentes áreas da borda da circunferência da lesão, que avançam para o centro formando linhas de frente convexas. Essas linhas convexas se encontram no centro da lesão, formando uma linha única de contato em formato da letra Y, que logo desaparece1414 Dua HS, Forrester JV. Clinical patterns of corneal epithelial wound healing. Am J Ophthalmol. 1987;104(5):481-89.. Também foi constatada, no exame realizado na lâmpada de fenda no D6, a presença desta cicatrização em Y na maioria dos pacientes avaliados.

Neste estudo, a ocorrência desses eventos pode ter sido alterada pela modificação do formato da área de desepitelização, como sugerido no único relato encontrado na literatura referente à modificação do formato da desepitelização corneana no PRK e sua influência na AV1313 Lake N. Surface ablation: closing the pain gap with LASIK. Newsletter Refractive Outlook [a Internet]. 2013. [cited 2016 June 21]. Available from: http://isrs.aao.org/resources/june-2013.
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. Ao se mudar o formato da desepitelização, de circular para oval, observou-se uma melhor acuidade visual no D6, tanto na avaliação subjetiva percebida pelo paciente (41,9% na oval contra 9,3% na circular), como na medida objetiva com a tabela de Snellen (média de 0,62 na oval e 0,53 na circular, p<0,001). Possivelmente, esse processo de melhor recuperação da AV se deva às distâncias distintas que a migração das células epiteliais percorre e, por não alcançarem o centro ao mesmo tempo, formam uma linha de contato mais tênue no centro da córnea, podendo estar até descentrada em relação ao eixo visual.

A taxa de cicatrização do defeito epitelial já foi relacionada à área da lesão. Lesões grandes cicatrizam mais rápido que lesões menores1919 Matsuda M, Ubels JL, Edelhauser HF. A larger corneal epithelial wound closes at a faster rate. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1985;26 (6):897-900.. Baseado nesta teoria, a técnica circular, por desepitelizar uma área maior (70,86 mm2), apresenta um fechamento de forma mais exuberante, determinando uma maior hiperplasia epitelial no eixo visual, com comprometimento maior da qualidade da AV. Na técnica oval, a área de defeito epitelial é menor (55,93 mm2), levando a uma cicatrização mais lenta e provavelmente mais suave, com menor comprometimento da AV.

Os resultados significativos observados neste estudo são inéditos, pois não há na literatura trabalhos que tenham avaliado se formatos de desepitelização distintos ao circular no procedimento cirúrgico do PRK modificam o tempo de recuperação da acuidade visual no pós-operatório.

CONCLUSÃO

Verificou-se através deste trabalho, que a modificação no formato da desepitelização corneana na ceratectomia fotorrefrativa (PRK), de circular para oval, determina uma melhor recuperação da acuidade visual, utilizando-se um instrumental simples, de fácil aplicação e com um significativo impacto no resultado desse procedimento refrativo nos primeiros dias pós-operatórios.

  • O trabalho foi realizado na Faculdade de Medicina do ABC e no Centro Oftalmológico Laser Ocular ABC.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2016
  • Aceito
    24 Jun 2016
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