Acessibilidade / Reportar erro

Resultados da associação trabeculotomia-trabeculectomia em pacientes não idosos

Results of trabeculotomy-trabeculectomy in not elderly patients

Resumos

Objetivo: Avaliar os resultados da associação trabeculotomia-trabeculectomia (Tro-Trec) em pacientes de 12 a 50 anos, com glaucoma moderado ou avançado. Métodos: estudo prospectivo de 19 olhos de 13 pacientes, de 12 a 50 anos (média de 33,77 ± 11,43), submetidos à Tro-Trec e seguidos por 21,6 ± 7,2 (5,1 a 29,7) meses. Resultados: A pressão intraocular, (PIO) média inicial de 32,03 ± 10,01 mmHg (variando de 12 a 50), foi reduzida para 9,42 mmHg ± 3,50 (2 e 16), com redução da medicação tópica de 1,47 ± 1,54 (0 a 4) para 0,16 ± 0,37 (0 a 1) medicamentos. A PIO alvo foi atingida em 15 (78,94%) olhos. Houve acentuada redução da PIO mesmo em olhos sem bolhas significativas. O procedimento resultou em hipotonia persistente em três olhos. Conclusão: A cirurgia proposta foi eficaz. A acentuada redução da PIO em olhos sem bolhas significativas sugere que, na faixa etária analisada, a trabeculotomia isolada pode ser suficiente para controle da PIO em alguns pacientes. A incidência de hipotonia foi significativa, porém não superior à relacionada à trabeculectomia isolada, para a mesma faixa etária.

Trabeculectomia; Trabeculotomia; Resultado de tratamento; Glaucoma; Pressão intraocular; Adulto; Adolescente


Purpose: To evaluate the results of the trabeculotomy-trabeculectomy combined procedure in 12 to 50 years old patients with moderate and advanced glaucoma. Methods: Nineteen eyes of thirteen patients underwent a trabeculotomy-trabeculectomy procedure and were prospectively analyzed and followed up for 21,6 ± 7,2 (5,1 a 29,7) months. Results: IOP was reduced from 32,03 ± 10,01 (12 to 50) mmHg to 9,42 ± 3,50 (2 e 16) mmHg with the number of topical medications being reduced from 1,47 ± 1,54 (0 a 4) to 0,16 ± 0,37 (0 a 1). The target IOP was obtained in 15 of the eyes (78,94%). A great IOP reduction was obtained in eyes without significant blebs. Three eyes developed persistent hipotony. Conclusion: The procedure proved to be effective. The IOP reduction in eyes without significant blebs make us to infer that isolated trabeculotomy should be sufficient to control IOP for some of these eyes. The occurency of hipotony was similar to that from isolated trabeculectomy for pacients of the same age.

Trabeculectomy; Trabeculotomy; Treatment outcome; Glaucoma; Intraocular pressure; Adult; Adolescent


ARTIGO ORIGINAL

Resultados da associação trabeculotomia-trabeculectomia em pacientes não idosos

Results of trabeculotomy-trabeculectomy in not elderly patients

Angelo Ferreira PassosI; Kélcia KieferII; Rodrigo Carvalho AmadorIII

IProfessor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM) - Vitória - ES, Brasil

IIMédica Residente do terceiro ano do Serviço de Oftalmologia do HUCAM - Vitória - ES, Brasil

IIIProfessor Substituto da UFES e Médico do Serviço de Oftalmologia do HUCAM - Vitória - ES, Brasil

Endereço para correspodência Endereço para correspondência: Angelo Ferreira Passos Rua Alvim Soares Bermudes, 261, casa 13 Morada de Camburi CEP 29016-515 - Vitória - ES Fax: (27) 3325.9427 e-mail: angelopassos@terra.com.br

RESUMO

Objetivo: Avaliar os resultados da associação trabeculotomia-trabeculectomia (Tro-Trec) em pacientes de 12 a 50 anos, com glaucoma moderado ou avançado.

Métodos: estudo prospectivo de 19 olhos de 13 pacientes, de 12 a 50 anos (média de 33,77 ± 11,43), submetidos à Tro-Trec e seguidos por 21,6 ± 7,2 (5,1 a 29,7) meses.

Resultados: A pressão intraocular, (PIO) média inicial de 32,03 ± 10,01 mmHg (variando de 12 a 50), foi reduzida para 9,42 mmHg ± 3,50 (2 e 16), com redução da medicação tópica de 1,47 ± 1,54 (0 a 4) para 0,16 ± 0,37 (0 a 1) medicamentos. A PIO alvo foi atingida em 15 (78,94%) olhos. Houve acentuada redução da PIO mesmo em olhos sem bolhas significativas. O procedimento resultou em hipotonia persistente em três olhos.

Conclusão: A cirurgia proposta foi eficaz. A acentuada redução da PIO em olhos sem bolhas significativas sugere que, na faixa etária analisada, a trabeculotomia isolada pode ser suficiente para controle da PIO em alguns pacientes. A incidência de hipotonia foi significativa, porém não superior à relacionada à trabeculectomia isolada, para a mesma faixa etária.

Descritores: Trabeculectomia/métodos; Trabeculotomia; Resultado de tratamento; Glaucoma/cirurgia; Pressão intraocular; Adulto; Adolescente

ABSTRACT

Purpose: To evaluate the results of the trabeculotomy-trabeculectomy combined procedure in 12 to 50 years old patients with moderate and advanced glaucoma.

Methods: Nineteen eyes of thirteen patients underwent a trabeculotomy-trabeculectomy procedure and were prospectively analyzed and followed up for 21,6 ± 7,2 (5,1 a 29,7) months.

Results: IOP was reduced from 32,03 ± 10,01 (12 to 50) mmHg to 9,42 ± 3,50 (2 e 16) mmHg with the number of topical medications being reduced from 1,47 ± 1,54 (0 a 4) to 0,16 ± 0,37 (0 a 1). The target IOP was obtained in 15 of the eyes (78,94%). A great IOP reduction was obtained in eyes without significant blebs. Three eyes developed persistent hipotony.

Conclusion: The procedure proved to be effective. The IOP reduction in eyes without significant blebs make us to infer that isolated trabeculotomy should be sufficient to control IOP for some of these eyes. The occurency of hipotony was similar to that from isolated trabeculectomy for pacients of the same age.

Keywords: Trabeculectomy/methods; Trabeculotomy; Treatment outcome; Glaucoma/surgery; Intraocular pressure; Adult; Adolescent

INTRODUÇÃO

A trabeculectomia tem sido útil para o tratamento de glaucomas avançados, em que são necessários níveis mais baixos de pressão intraocular (PIO), mesmo em pacientes mais jovens. No entanto, tem os inconvenientes e riscos relacionados com a bolha de filtração(1-3), riscos esses que aumentam com tempo de vida do paciente.

Por sua vez, a trabeculotomia é uma técnica em que a integridade do globo ocular é mais preservada, não implicando em maiores riscos de complicações pós-operatórias. Essa cirurgia, bem estabelecida como relativamente eficaz e segura, com resultados duradouros no tratamento do glaucoma primário infantil(4-14), não tem tido considerável importância no tratamento do glaucoma do adulto, em nosso meio.

Por outro lado, revendo a literatura mundial, observa-se que a trabeculotomia, tanto isolada quanto associada à facoemulsificação, não é tão pouco utilizada como possa parecer, no tratamento do glaucoma do adulto(6-7,15-30). No entanto, nesses casos, parece resultar em menor redução da PIO, em relação ao que ocorre com a trabeculectomia(6-7,15-17,19-20,23-24).

Com relação à associação trabeculotomia-trabeculectomia (tro-trec), vários são os relatos de sua exitosa utilização em casos de glaucoma congênito e infantil(4-5,7,9,31). No entanto, foram encontradas apenas duas publicações da utilização dessa cirurgia combinada no adulto. Uma delas consistiu na associação da trabeculotomia com a técnica convencional da trabeculectomia(20), tendo sido a outra associada com uma técnica não penetrante(32).

No presente trabalho se propôs avaliar os resultados obtidos com a técnica combinada tro-trec, para tratamento do glaucoma em pacientes de 12 a 50 anos. A análise foi restrita a essa faixa etária, considerando o fato de os resultados dessa técnica combinada já estarem bem definidos nos glaucomas infantis primários e também de já existirem trabalhos mostrando que os resultados da trabeculotomia não são tão bons nos pacientes mais idosos(6,8,33). A indicação da técnica combinada foi reforçada pelo fato de vários pacientes residirem em outros municípios, e a necessidade de que sua PIO fosse controlada com o menor número de procedimentos possível, o que foi considerado mais viável com a associação de dois procedimentos. Esse entendimento baseou-se no fato de que, na faixa etária em questão, existiriam boas chances de se obter o controle da PIO em alguns casos, exclusivamente pela ação da trabeculotomia, em caso de falência da trabeculectomia(6,25,33-34). Por outro lado, caso a PIO não estivesse controlada, poderia ser tentada a recuperação da fístula da trabeculectomia, pelo simples procedimento do agulhamento, com boas chances de sucesso(35).

MÉTODOS

Foram analisados prospectivamente 19 olhos de 13 pacientes, tratados com tro-trec, no período de 01/05/2006 a 15/09/2008. Foram incluídos pacientes na faixa etária de 12 a 50 anos, com glaucoma bilateral, primário.

O critério de sucesso utilizado foi a obtenção da PIO alvo, sem ou com uso de medicação hipotensora tópica. Para os olhos com glaucoma muito avançado foi considerada PIO alvo de 6,5 mmHg a 12 mmHg, já para aqueles com glaucoma de dano moderado foi considerada PIO alvo de até 16mmHg(36).

Foi utilizado o teste "t de Student", para a avaliação da significância estatística da redução da PIO e do número de colírios utilizados.

Técnica operatória e pós-operatório (po)

Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião, com anestesia peribulbar com Ropivacaína, exceto nos dois olhos de um paciente de 12 anos, em que foi utilizada anestesia geral com Sevorane.

Inicialmente foi confeccionado um retalho conjuntival base fórnix, súpero-nasal, seguido de retalho escleral de meia espessura, de 2,5 x 3,5mm; paracentese da câmara anterior; localização e sondagem do canal de Schlemm, rompendo-se o trabeculado para ambos os lados do óstio de entrada, na medida do possível com toda extensão da sonda do trabeculótomo; realização da trabeculectomia propriamente dita, pela retirada de fragmento córneo-escleral, a partir do orifício de penetração no Schlemm, abrangendo a área do trabeculado; iridectomia; sutura do retalho escleral com mononylon 10.0; sutura do retalho conjuntival com o mesmo fio; injeção de dois miligramas de dexametasona, subconjuntival.

Em 15 dos 19 olhos analisados, foi utilizada mitomicina a 0,5%, por dois minutos, seguida de lavagem com 20 mililitros de solução salina balanceada.

Após a cirurgia, os pacientes foram avaliados no primeiro, quinto, 12º 30°, 60º e 90°dia PO e, depois, a cada três meses. De início, foi prescrito colírio de antibiótico e corticóide, por uma semana, passando-se, em seguida, para o uso do corticóide isolado. O esteróide foi prescrito inicialmente, seis vezes ao dia, com redução gradativa e suspensão em cerca de oito semanas.

RESULTADOS

Dos 13 pacientes tratados, dez eram do sexo masculino (73,92%). Nove (69,23%) eram pardos, três (23,07%) negros e um (7,69%) branco. A idade variou de 12 a 50 anos (média 33,77 ± 11,43 anos). Havia apenas um paciente com 12 anos, tendo os outros mais de 23 anos. Todos os dezenove olhos eram fácicos e não haviam sido submetidos a nenhum procedimento cirúrgico.

Nenhum dos olhos apresentava dimensões fora dos padrões normais, alta ametropia ou alterações significativas do segmento anterior. Também não havia qualquer história ou sinais oculares que pudessem sugerir uma origem secundária para o glaucoma, como trauma ou inflamação. Quanto aos achados gonioscópicos pré-operatórios, todos os olhos apresentavam seio camerular amplo, sem disgenesias significativas. Alguns olhos apresentavam apenas certa exuberância dos processos irianos, mas sem alteração aparente, que viesse a sugerir obstrução da drenagem do aquoso.

Quinze olhos apresentavam glaucoma terminal ou muito avançado, com escavação total ou praticamente total, e três olhos, glaucoma moderadamente avançado, com escavação 0,8 x 0,8.

A PIO média inicial de 32,03 ± 10,01 mmHg (12 a 50) foi reduzida para 9,42 mmHg ± 3,50 (2 a 16) (p< 0,01) com redução da medicação tópica de 1,47 ± 1,54 (0 a 4) para 0,16 ± 0,37 (0 a 1) medicamentos (p >0,1). Apenas três pacientes necessitaram do uso de somente um medicamento hipotensor ocular de uso tópico. A acetazolamida sistêmica pode ser suspensa nos quatro pacientes (cinco olhos) que dela faziam uso antes da cirurgia (Tabela 1).

O tempo de seguimento foi de 21,6 ± 7,2 meses (5,1 - 29,7 meses), ao final do qual, três olhos (15,78%) apresentavam PIO menor que 6,5 mmHg, treze olhos (68,42%), PIO entre 6,5 e 12mmHg, e três olhos (15,78%), PIO acima de 12 (de 13 a 16). Dentre os 19 olhos tratados, para os 15 que apresentavam glaucoma muito avançado ou terminal, cuja PIO alvo foi considerada de 6,5 mmHg a 12 mmHg, o objetivo foi atingido em onze; um olho encontrava-se com PIO de 13 mmHg; três olhos (15,78% do total) ficaram com hipotonia, um com PIO de 2 mmHg e dois com PIO de 4 mmHg. Para os quatro olhos com glaucoma com grau moderado de evolução, cuja PIO alvo considerada foi de até 16 mmHg, o objetivo foi alcançado em todos.

Na última avaliação, 14 dos 19 olhos tratados apresentavam bolhas de filtração bem estabelecidas, sendo que em 10 olhos eram de grande tamanho, e em quatro, de médio tamanho. Dois olhos apresentavam bolhas muito pequenas e três olhos não apresentavam bolha. Nessa ocasião, a PIO média era de 7,56 mmHg ± 3,57 (2-12) no grupo com bolhas grandes, 9,50mmHg ± 1,73 (8-12) nos olhos com bolhas médias, 14,50mmHg ± 2,12 (13-16) no grupo com mínimas bolhas e de 11,33mmHg ± 2,31 (10-14) nos olhos sem bolhas (Tabela 2).

Corte de sutura do retalho escleral foi realizado em apenas um caso, com laser de argônio, não tendo surtido efeito. Cinco olhos (26,31%) foram submetidos ao agulhamento, sendo que, em dois deles, o procedimento foi realizado por duas vezes. Dois desses olhos apresentaram hipotonia duradoura e os outros três foram considerados como sucesso cirúrgico.

As complicações ocorridas nas cirurgias são resumidas na Tabela 3.

Dos três casos de hipotonia duradoura ou persistente, um apresentava dobras de coróide e catarata incipiente (Figuras 1 A e B), com discreta redução da acuidade visual; outro caso apresentava dobras de coróide, estando também com câmara anterior rasa, na última avaliação. Dos 13 casos de hifema, apenas um foi importante, acometendo 2/3 da câmara anterior e tendo persistido por quatro semanas. Dentre os outros 12 casos, em que foram discretos, em seis, resolveram-se em até cinco dias, e, nos outros seis, de seis a doze dias.


No pós-operatório, todos os pacientes apresentavam o óstio interno da trabeculectomia livre. Quanto à trabeculotomia, o achado mais freqüente foi o de uma lâmina mais longa ou mais curta, correspondente à parede posterior ou interna do Sclemm, que foi rompida, quase aposta ao leito do canal, aberto. Menos frequentemente, havia simplesmente uma depressão na região do canal de Schlemm, sugerindo a eliminação de sua parede posterior. Áreas de gônio-sinéquias foram observadas em vários olhos, ao nível da trabeculotomia.

DISCUSSÃO

No presente trabalho, a técnica combinada Tro-Trec provocou expressiva redução da PIO no grupo de 19 olhos de 13 pacientes tratados, também com grande redução da medicação hipotensora. A PIO média inicial de 32,03 ± 10,01 mmHg (12 - 50) foi reduzida para 9,42 mmHg ± 3,50 (2 e 16), com redução da medicação tópica de 1,47 ± 1,54 (0 a 4) para 0,16 ± 0,37 (0 a 1) medicamentos. Apenas três pacientes necessitaram do uso de somente um medicamento hipotensor ocular de uso tópico. Os quatro pacientes (cinco olhos) que faziam uso da acetazolamida oral antes da cirurgia puderam suspendê-la após o procedimento.

Com o tempo de seguimento médio de 21,6 ± 7,2 meses (5,1 - 29,7 meses), a PIO alvo havia sido obtida em 11 dos 15 olhos que apresentavam glaucoma avançado ou terminal, que ficaram com PIO de 6,5 a 12mmHg. Um olho estava com PIO de 13, na ocasião, apenas com um medicamento hipotensor, e três olhos (15,78%) estavam com hipotonia (dois com 4mmHg e um com 2mmHg). Os quatro olhos com glaucoma com moderada evolução estavam com PIO 9, 10, 14 e 16 mmHg, sendo, portanto, a PIO alvo alcançada em todos.

Em relação aos três casos de hipotonia, eram todos olhos com glaucoma terminal, com AV de conta dedos a meio metro, motivo pelo qual houve pouca repercussão clínica. Na última avaliação, um apresentava câmara anterior rasa, outro, dobras de coróide, e o último, dobras de coróide e catarata incipiente. Apenas nesse último, foi constatada discreta redução adicional da AV, que ocorreu somente após o início da catarata.

Na última avaliação, 14 olhos apresentavam bolhas de filtração bem estabelecidas, sendo que, em 10 olhos, as bolhas eram de grande tamanho e, em quatro, de médio tamanho. Em dois outros olhos, as bolhas eram muito pequenas, mínimas, e, em três olhos, não havia bolha de filtração.

Comparando a PIO antes do procedimento cirúrgico e na última avaliação nos três olhos sem bolha de filtração e nos dois olhos com bolhas de filtração insignificantes, verifica-se que houve acentuada redução da PIO nesses dois grupos. A média da PIO destes cinco olhos, no pré-operatório, era de 31,70 ± 4,27 (25-35,5) mmHg, tendo sido reduzida para 12,59 ± 2,60 (10-16) mmHg, com redução dos número de colírios de 1,60 ±1,67 (0-4) para 0,2 ± 0,45 (0-1), sendo que dois pacientes (dois olhos) usavam acetazolamida oral e deixaram de usar. Isso sugere um acentuado efeito hipotensor da trabeculotomia isolada, nesses casos, levando a supor que a essa cirurgia isoladamente pode ser suficiente para o controle da PIO de grande número desses pacientes, mormente se, pelo estadiamento do glaucoma, não forem requeridos níveis muito baixos de PIO(19,25,26). E pelo fato de alguns autores que avaliaram o efeito da trabeculotomia, em diferentes idades, terem sugerido um efeito menos relevante dessa cirurgia em pacientes com idade mais avançada(8,23,25,30,33) no presente trabalho, foram analisados somente pacientes na faixa etária dos 12 aos 50 anos.

Os quatro pacientes (cinco olhos) com aparente controle da PIO apenas pelo efeito da trabeculotomia tinham idade de 12, 23 (dois olhos), 26 e 50 anos. Quatro deles já apresentavam significativo tempo de seguimento, de 22,6 a 29,7 meses, e um, de apenas 8,6 meses. Chama atenção a durabilidade do efeito da trabeculotomia. No glaucoma congênito e infantil, uma vez controlada a PIO com essa cirurgia, os autores desse trabalho têm observado a persistência do seu efeito ao longo de muitos anos. Essa durabilidade tem sido relatada por outros autores(33), inclusive tratando pacientes com idade entre 22 e 80 anos(20,23,29,33).

Ainda, no presente relato, outro fato que fala a favor de importante efeito redutor da PIO, da trabeculotomia isolada, é o que foi observado no comportamento dos olhos que foram submetidos ao agulhamento, devido à falência da fistula da trabeculectomia. Nenhum dos cinco olhos submetidos ao agulhamento apresentava bolha de filtração, antes do primeiro procedimento (dois olhos foram submetidos a dois agulhamentos) e esse foi realizado, em um dos olhos, aos 12 dias de pós-operatório, enquanto que, nos demais, foi realizado de três a onze meses após a cirurgia. A PIO média logo antes do agulhamento era de 20,80 ± 9,23 (14-38) mmHg, com 0,6 ± 0,48 (0-1) medicamentos tópicos. Nenhum paciente fazia uso de acetazolamida oral. Antes da cirurgia de Tro-Trec, estes mesmos olhos apresentavam PIO média de 34,0 ± 13,44 mmHg (12 a 50), com o uso de 0,4 ± 0.8 (0-2) medicamentos hipotensores oculares tópicos, estando, ainda, um destes olhos, sob efeito de acetazolamida oral. Supõe-se, assim, na ausência de bolha, que a trabeculotomia isolada havia reduzido a PIO nesse grupo de cinco olhos, em média 13,2 mmHg, com redução percentual de 38,82%.

Por outro lado, os três olhos com hipotonia apresentavam grandes bolhas de filtração, o que pode fazer supor que a causa da hipotonia tenha sido a hiperfiltração pela trabeculectomia, provavelmente, não sendo devido à associação da trabeculotomia. A hipotonia, se considerada como PIO igual ou inferior a 6 mmHg, não é relatada em nenhum dos trabalhos em que a trabeculotomia foi utilizada isoladamente, para tratamento do glaucoma juvenil ou do adulto(4,5,16,19-25,33).

A ocorrência de hipotonia é sabidamente mais freqUente em pacientes jovens e sua incidência em três (15,78%) dos 19 olhos, em pacientes com média de idade de 34,33 anos (27, 30 e 46 anos), não é superior à relatada por alguns autores em trabeculectomias isoladas(37,38) .

É importante ressaltar que, para a realização da trabeculotomia associada à trabeculectomia, para facilitar a identificação do canal de Schlemm, confeccionou-se o retalho escleral com as incisões radiais tendo seus limites anteriores muito à frente, ao nível de limbo, o que deve expor os olhos a um maior risco de hipotonia, principalmente em pacientes jovens(39). No serviço em que se realizou esse trabalho, não se vem mais realizando esse tipo de retalho, procurando fazê-lo mais largo, ou seja, maior no sentido lateral, e bem mais curto sentido ântero-posterior, o que viabiliza o acesso à região do Schlemm, mesmo com o limite anterior das incisões radiais ficando mais para trás. Além disso, tem se procurado confeccionar um retalho de espessura maior, o que possibilita também maior controle sobre o seu fechamento(39,40).

Deve-se salientar ainda que, em dois dos três olhos com hipotonia, esta ocorreu após a realização de agulhamento com injeção subconjuntival de mitomicina, ficando um com PIO de 2 mmHg e outro de 4 mmHg. Cada um desses olhos foi agulhado duas vezes.

Quanto às outras complicações importantes ocorridas, é importante ressaltar a ocorrência de apenas um caso de hifema intenso e que persistiu por cerca de quatro semanas. Enquanto a ocorrência de pequenos hifemas que se resolvem nos primeiros dias do pós-operatório é muito freqüente, os hifemas duradouros são de ocorrência bem rara nas trabeculotomias(4,5,15,16,19-25,33,41). Parece que os adultos são mais susceptíveis a esses últimos que as crianças(4,5,22,25,31,33).

Quanto à ocorrência de picos hipertensivos no PO, eles não foram observados, ao contrário de sua ocorrência mais freqüente nos casos de trabeculotomia isolada(15,16,18-25,29,32).

Enfim, a utilização do procedimento combinado tro-trec se fundamentou na necessidade especial da obtenção de um resultado favorável, com o menor número de procedimentos possível, e objetivando-se níveis mais baixos de PIO. Além disso, desse procedimento pode-se esperar o controle da PIO, mesmo em caso de falha da trabeculectomia, apenas pela ação da trabeculotomia(6,25,33,34), mantendo-se o olho praticamente íntegro, sem os riscos da bolha de filtração, o que se reveste de especial importância na faixa etária analisada, com perspectiva de vida de muitos anos. Por outro lado, no caso de falha da trabeculectomia, sem controle adequado da PIO, pode ser tentada a recuperação da fístula, pelo simples procedimento do agulhamento, com boas chances de sucesso(35).

CONCLUSÃO

A cirurgia proposta foi eficaz na redução da PIO e da medicação hipotensora, com obtenção da PIO alvo em 78,94% dos olhos. A acentuada redução da PIO em cinco olhos sem bolhas de filtração significativa sugere que, dependendo da PIO alvo, a trabeculotomia isolada pode ser suficiente, em boa percentagem de pacientes da faixa etária analisada. Houve uma incidência significativa de hipotonia, porém não superior à relacionada à trabeculectomia isolada, para a mesma faixa etária. Com isso, novas formas de realizar a trabeculectomia devem ser consideradas, visando reduzir a incidência dessa complicação.

As conclusões do estudo são limitadas pela casuística pequena, assim como pela utilização dos dois olhos de alguns pacientes. Assim, também não foi possível avaliar diferença de resultados, levando-se em consideração a idade. Trabalho com maior número de casos poderia trazer conclusões mais definitivas.

Recebido para publicação em: 10/2/2009

Aceito para publicação em 28/7/2009

Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia do HUCAM da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória - ES, Brasil

  • 1. Borisuth NS, Phillips B, Krupin T. The risk profile of glaucoma filtration surgery. Curr Opin Ophthalmol. 1999;10(2):112-6.
  • 2. Broadway DC, Chang LP. Trabeculectomy, risk factors for failure and the preoperative state of the conjunctiva. J Glaucoma. 2001;10:237-49.
  • 3. Shigeeda T, Tomidokoro A, Chen YN, Shirato S, Araie M. Long-term follow-up of initial trabeculectomy with mitomycin C for primary open-angle glaucoma in Japanese patients. J Glaucoma. 2006;15(3):195-9.
  • 4. Elder MJ. Combined trabeculotomy-trabeculectomy compared with primary trabeculectomy for congenital glaucoma. Br J Ophthalmol. 1994;78(10):745-8.
  • 5. Mullaney PB, Selleck C, Al-Awad A, Al-Mesfer S, Zwaan J. Combined trabeculotomy and trabeculectomy as an initial procedure in uncomplicated congenital glaucoma. Arch Ophthalmol. 1999;117(4):457-60.
  • 6. Grehn F. The value of trabeculotomy in glaucoma surgery. Curr Opin Ophthalmol. 1995;6(2):52-60.
  • 7. Sampaolesi R. Glaucoma. 2a ed. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana; 1991.
  • 8. Hoskins Jr HD, Kars M. Becker-Shaffer's diagnosis and therapy of the glaucomas. 6a ed. St. Louis/ Toronto/Baltimore: Mosby, 1989. cap. 39.
  • 9. Rith R, Shields MB, Krupin T, editors. The glaucomas: glaucoma therapy. 2a ed. St. Louis: Mosby; c1996.
  • 10. Rouland JF. Les points-clés de la chirurgie: la trabéculotomie. J Fr Ophtalmol. 2007;30(5 Pt 2):3S62-5.
  • 11. Cohen R, Almeida GV, Mandia Júnior C. Glaucoma congênito: relação entre idade, estádio evolutivo e resultado cirúrgico. Arq Bras Oftalmol. 1988;51(3):113-5.
  • 12. Calixto N, Bastos CCX, Yamane R, Cronemberger S. Gonioscopia no glaucoma congênito primário: valor pré e pós trabeculotomia na avaliação dos resultados cirúrgicos. Rev Bras Oftalmol. 1999;58(10):755-63.
  • 13. Oliveira TL, Fulco GD, Monte JM. Glaucoma congênito: aspectos epidemiológicos e resultado cirúrgico. Rev Bras Oftalmol. 1999;58(5):325-8.
  • 14. Betinjane AJ, Carvalho CA. Resultados pressóricos a longo prazo do tratamento do glaucoma congênito primário. Rev Bras Oftalmol. 2001;60(2):105-10.
  • 15. Kubota T, Touguri I, Onizuka N, Matsuura T. Phacoemulsification and intraocular lens implantation combined with trabeculotomy for open-angle glaucoma and coexisting cataract. Ophthalmologica. 2003;217(3):204-7.
  • 16. Mizoguchi T, Kuroda S, Terauchi H, Nagata M. Trabeculotomy combined with phacoemulsification and implantation of intraocular lens for primary open-angle glaucoma. Semin Ophthalmol. 2001;16(3):162-7.
  • 17. Vass C, Menapace R. Surgical strategies in patients with combined cataract and glaucoma. Curr Opin Ophthalmol. 2004;15(1):61-6.
  • 18. Tanito M, Ohira A, Chirara E. Factors leading to reduced intraocular pressure after combined trabeculotomy and cataract surgery. J Glaucoma. 2002;11(1):3-9.
  • 19. Chihara E, Nishida A, Kodo M, Yoshimura N, Matsumura M, Yamamoto M, Tsukada T. Trabeculectomy ab externo: an alternative treatment in adult patients with primary open-angle glaucoma. Ophthalmic Surg. 1993;24(11):735-9.
  • 20. Hoffmann E, Schwenn O, Karallus M, Krummenauer F, Grehn, Pfeiffer N. Long-term results of cataract surgery combined with trabeculotomy. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2002;240(1):2-6.
  • 21. Gimbel HV, Meyer D, DeBroff BM, Roux CW, Ferensowicz M. Intraocular pressure response to combined phacoemulsification and trabeculotomy ab externo versus phacoemulsification alone in primary open-angle glaucoma. J Cataract Refract Surg. 1995;21(6):653-60.
  • 22. Honjo M, Tanihara H, Negi A, Hangai M, Taniguchi T, Honda Y, et al. Trabeculotomy ab externo, cataract extraction, and intraocular lens implantation: preliminary report. J Cataract Refract Surg. 1996;22(5):601-6.
  • 23. Wada Y, Nakatsu A, Kondo T. Long-term results of trabeculotomy ab externo. Ophthalmic Surg. 1994;25(5):317-20.
  • 24. Tanihara H, Honjo M, Inatani M, Honda Y, Ogino N, Ueno S, et al. Trabeculotomy combined wtih phacoemulsification and implantation of an intraocular lens for the treatment of primary open-angle glaucoma and coexisting cataract. Ophthalmic Surg Lasers. 1997;28(10):810-7.
  • 25. Kjer B, Kessing SV. Trabeculotomy in juvenile primary open-angle glaucoma. Ophthalmic Surg. 1993;24(10):663-8.
  • 26. Tanihara H, Negi A, Akimoto M, Nagata M. Long-term surgical results of combined trabeculotomy ab externo and cataract extraction. Ophthalmic Surg. 1995;26(4):316-24.
  • 27. Honjo M, Tanihara H, Inatani M, Honda Y. External trabeculotomy for the treatment of steroid-induced glaucoma. J Glaucoma. 2000;9(6):483-5.
  • 28. Tanihara H, Negi A, Akimoto M, Terauchi H, Okudaira A, Kozaki J, et al. Surgical effects of trabeculotomy ab externo on adult eyes with primary open angle glaucoma and pseudoexfoliation syndrome. Arch Ophthalmol. 1993;111(12):1653-61.
  • 29. Mizoguchi T, Nagata M, Matsumura M, Kuroda S, Terauchi H, Tanihara H. Surgical effects of combined trabeculotomy and sinusotomy compared to trabeculotomy alone. Acta Ophthalmol Scand. 2000;78(2):191-5.
  • 30. Tanito M, Park M, Nishikawa M, Ohira A, Chihara E. Comparison of surgical outcomes of combined viscocanalostomy and cataract surgery with combined trabeculotomy and cataract surgery. Am J Ophthalmol. 2002;134(4):513-20.
  • 31. Mandal AK, Naduvilath TJ, Jayagandan A. Surgical results of combined trabeculotomy-trabeculectomy for developmental glaucoma. Ophthalmology. 1998;105(6):974-82.
  • 32. Bloomberg LB. Modified trabeculectomy/trabeculotomy with no-stitch cataract surgery. J Cataract Refract Surg. 1996;22(1):14-22.
  • 33. Akimoto M, Tanihara H, Negi A, Nagata M. Surgical results of trabeculotomy ab externo for developmental glaucoma. Arch Ophthalmol. 1994;112(12):1540-4.
  • 34. Kubota T, Takada Y, Inomata H. Surgical outcomes of trabeculotomy combined with sinusotomy for juvenile glaucoma. Jpn J Ophthalmol. 2001;45(5):499-502.
  • 35. Nascimento GN, Passos AF, Cardozo AS, Zandonade E. Resultados de longo prazo do agulhamento episcleral com injeção subconjuntival de Mitomicina C. Rev Bras Oftalmol. 2007;66(3):181-90.
  • 36. Melo PAA, Mandia Júnior C, editores. 2ş Consenso Brasileiro de Glaucoma de ângulo aberto: Sociedade Brasileira de Glaucoma. São Paulo: PlanMark; 2005.
  • 37. Zacharia PT, Deppermann SR, Schuman JS. Ocular hypotony after trabeculectomy with mitomycin C. Am J Ophthalmol. 1993;116(3):314-26.
  • 38. Hyung SM, Jung MS. Management of hypotony after trabeculectomy with mitomycin C. Korean J Ophthalmol. 2003;17(2):114-21.
  • 39. Jones E, Clarke J, Khaw PT. Recent advances in trabeculectomy technique. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(2):107-13.
  • 40. Birchall W, Wakely L, Wells AP. The influence of scleral flap position and dimensions on intraocular pressure control in experimental trabeculectomy. J Glaucoma. 2006;15(4):286-90.
  • 41. Ogawa T, Dake Y, Saitoh AK, Deguchi HE, Koyanagi Y, Yamashita M, et al. Improved nonpenetrating trabeculectomy with trabeculotomy. J Glaucoma. 2001;10(5):429-35.
  • Endereço para correspondência:
    Angelo Ferreira Passos
    Rua Alvim Soares Bermudes, 261, casa 13
    Morada de Camburi
    CEP 29016-515 - Vitória - ES
    Fax: (27) 3325.9427
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2009
    • Aceito
      28 Jul 2009
    Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbo@sboportal.org.br