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Neurofibromatose tipo I

Resumos

A neurofibromatose tipo I é uma doença autossômica dominante cujo diagnóstico presuntivo é feito com base em critérios clínicos. As três principais manifestações: neurofibromas, manchas café com leite e nódulos de Lisch ocorrem em mais de 90% dos pacientes até a puberdade. Relatamos o caso de um paciente jovem com diagnóstico de neurofibromatose tipo I e história familiar positiva para a doença, comentando seus aspectos clínicos e achados nos exames de imagem.

Neurofibromatose tipo I; Glioma; Imagem por ressonância magnética; Relatos de casos


The neurofibromatosis type 1 is a autosomal dominant disease which the diagnosis is made based on clinical criteria. Its three main features - neurofibromas, cafe au lait macules and Lisch nodules occur in up to 90% of the pacients until puberty. We documented a clinical case of a young male pacient who had the diagnosis of neurofibromatosis type 1 and family history, describing its clinical aspects and radiological features.

Neurofibromatosis type 1; Glioma; Magnetic resonance imaging; Case reports


RELATO DE CASO

Neurofibromatose tipo I

Flávia Souza MoraesI; Weika Eulálio de Moura SantosII; Gustavo Henrique SalomãoIII

IMédica residente do 1º. ao de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil

IIMédica colaboradora do Setor de Oftalmopediatria e Estrabismo da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil

IIIMédico chefe do Setor de Oftalmopediatria da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Flávia Souza Moraes Rua Rui Barbosa, nº 451 - apto 72 CEP 09190370 - Santo André (SP), Brasil

RESUMO

A neurofibromatose tipo I é uma doença autossômica dominante cujo diagnóstico presuntivo é feito com base em critérios clínicos. As três principais manifestações: neurofibromas, manchas café com leite e nódulos de Lisch ocorrem em mais de 90% dos pacientes até a puberdade. Relatamos o caso de um paciente jovem com diagnóstico de neurofibromatose tipo I e história familiar positiva para a doença, comentando seus aspectos clínicos e achados nos exames de imagem.

Descritores: Neurofibromatose tipo I; Glioma; Imagem por ressonância magnética; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

A neurofibromatose tipo I (NF1), também chamada de neurofibromatose periférica ou Doença de Von Recklinghausen, caracteriza-se como uma doença autossômica dominante (AD) com alto grau de variabilidade da expressão clínica.(1,2)

Possui incidência de 1/2.000 a 1/7.800 nascidos vivos, caracterizando-a como uma das doenças genéticas de herança autossômica dominante mais frequente. Além disso, tem sido observada em diferentes partes do mundo, em todas as raças e nos dois sexos.(1)

Metade dos casos representa mutações novas. A taxa de mutação para o gene NF1 é de 1/10.000, a qual se deve ao fato do gene ser grande e possuir estrutura interna atípica, predispondo a deleções e mutações.(1)

Ainda não há correlação estabelecida entre a região mutada do gene NF1 e o fenótipo dos pacientes portadores dessa síndrome. A expressividade variável é uma das características mais marcantes da NF1.(1)

O diagnóstico presuntivo da NF1 é feito por critérios clínicos. As três principais manifestações: neurofibromas, manchas café com leite e nódulos de Lisch ocorrem em mais de 90% dos pacientes até a puberdade.(1- 3)

Atualmente, não existe cura para a NF1, porém existem medidas paliativas que melhoram as perspectivas de vida útil dos indivíduos afetados. São pacientes que, em geral, apresentam expectativa de vida normal, atividades acadêmicas e profissionais produtivas, além de vida afetiva regular. O aconselhamento genético é importante no intuito de orientar os pais de uma criança afetada, assim como esclarecê-los a respeito do risco de recorrência em outras gestações.(1)

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 16 anos, natural e procedente de Santo André- SP.

Veio encaminhado pela pediatria ao serviço de oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC sob investigação para neurofibromatose do tipo I. Negava quaisquer sintomas oculares; sem antecedentes de patologia ocular prévia. Negava, ainda, antecedentes obstétricos e do desenvolvimento neuropsicomotor. Em antecedentes familiares, relatava avó materna e mãe com neurofibromatose; mãe falecida por câncer de pulmão e irmã em investigação para a doença.

À inspeção geral, manchas café com leite no tronco e no abdome.(Figura 1)

Figura 1:
A) Imagens do paciente mostrando as manchas café com leite e nódulos de Lisch

Figura 1: B) Imagens da avó materna (neurofibromas) e irmã (manchas café com leite)

Ao exame oftalmológico apresentava acuidade visual de 20/30 em ambos os olhos com correção. Refração em uso atual: +0,25 DE, - 0,75DC, 5º no olho direito e plano, -0,75DC, 165º no olho esquerdo. Pupilas simétricas, reflexos fotomotores preservados, ausência de defeito pupilar aferente relativo, musculatura extrínseca ocular sem alterações. À biomicroscopia apresentava nódulos de Lisch em ambos os olhos e demais estruturas sem alterações. No mapeamento de retina apresentava retina aplicada 3600, papila com bordas nítidas e discreta palidez temporal, escavação fisiológica e mácula livre em ambos os olhos.

Os exames de campo visual realizados evidenciaram perdas de sensibilidade em hemicampos temporais compatíveis com a localização da lesão supraquiasmática observada na RNM cranioencefálica, sem sinais de piora quando comparados aos primeiros exames realizados.

Tomografia de coerência óptica (OCT) sem alterações, sendo que a ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica apresentava uma massa com envolvimento do quiasma óptico e hipotálamo, com hipersinal nas imagens ponderadas em T2 e flair medindo 1,4 x 1,4 cm em seus maiores contrastes paramagnéticos, sem efeito de massa sobre as estruturas adjacentes (Figura 2).


Figura 2: Exames de RNM de crânio em T2 e flair, demonstrando imagem de massa em topografia de quiasma óptico compatível com glioma

O paciente continua em acompanhamento em nosso serviço tanto no setor de oftalmologia quanto de neurologia para realização de campos visuais seriados e acompanhamento tumoral com exames de RNM de crânio.

DISCUSSÃO

A neurofibromatose tipo I é uma doença genética que se caracteriza por envolvimento sistêmico e progressivo, manifestando-se por alterações físicas, neurológicas e envolvimento ocular.(3,4)

A doença possui herança autossômica dominante e o gene para NF1 tem a capacidade de sofrer mutações as quais, conferem à doença a peculiaridade de apresentar certa variabilidade de expressões clínicas entre os portadores.(1,2)

O diagnóstico da neurofibromatose tipo I deve ser realizado o mais precocemente possível, por meio de exames clínicos e história familiar.(4) No caso descrito, o paciente apresenta forte herança familiar, apresentando avó materna e mãe com diagnóstico de NF1 e irmã em investigação para a doença.

Erros refracionais podem vir associados ao quadro sendo frequente encontrarmos anisometropia, astigmatismo e ambliopia. Para prevenção da ambliopia e correção precoce dessas alterações refracionais, presume-se a realização de um bom screening desses pacientes antes dos 3 anos de idade.(5) No caso reportado nesse artigo, a acuidade visual do paciente apresentava-se de 20/32 em ambos os olhos, com baixa hipermetropia no olho direito e discreto astigmatismo em ambos os olhos.

As manifestações oculares mais frequentes dessa doença incluem: nódulos de Lisch, hipertelorismo, desordens bulbo-motoras, desordens do nervo ótico e glioma. O nódulo de Lisch é a desordem ocular de maior incidência, correspondendo a aproximadamente 75% das manifestações oculares nestes pacientes e com localização predominante em topografia inferior de íris.(2,6)O paciente descrito, apresenta nódulos de Lisch em ambos os olhos, palidez temporal discreta de nervo ótico e alterações evidenciadas em RNM de crânio compatíveis com glioma.

O glioma óptico, apesar de benigno, pode apresentar-se de forma agressiva em crianças. O crescimento tumoral é imprevisível e variável principalmente nos mais jovens.(7)Um seguimento clínico neuroftalmológico com exames de imagens seriadas é o primeiro passo recomendado para acompanhamento do crescimento da lesão de cada paciente individualmente.O potencial evocado visual demonstrou poder ser utilizado como um método de screening não invasivo para detecção precoce de glioma em pacientes com NF1 e acuidade visual normal.(8,9)

Em pacientes pediátricos com NF1 e glioma óptico, a perda visual é dependente da extensão e localização do tumor evidenciada na RNM de crânio e, particularmente, com o envolvimento de estruturas pós-quiasmáticas.(10)

Tipicamente, apenas casos de gliomas ópticos sintomáticos e com expansão documentada em exames de imagem necessitam de tratamento. Tanto a quimioterapia quanto a radioterapia podem estabilizar o crescimento e, até mesmo, diminuir o tamanho da lesão. Para pacientes mais jovens, a quimioterapia tem se mostrado a primeira linha de tratamento já que mostrou melhores efeitos sobre a tumoração quando comparado à radioterapia.(8,11)A ressecção pode ser uma opção de tratamento para o tumor localizado em nervo óptico, porém reservado àqueles pacientes sem função visual ou com proptose severa causando dor ou ceratopatia de exposição de um olho com função visual perdida.(8,12)

Pode haver regressão espontânea do tumor demonstrada pela diminuição de seu tamanho em exames de imagem de RNM de crânio e com o desaparecimento dos sintomas clínicos. Essa possibilidade de regressão deve ser colocada em discussão quando se está decidindo o plano de tratamento para a tumoração.(13)

A localização do tumor define o prognóstico. Gliomas localizados no nervo óptico possuem menor índice de complicações e mortes quando comparados àqueles localizados em topografia de quiasma, principalmente aqueles envolvendo estruturas pós-quiasmáticas.(10)

No presente caso, o paciente apresenta exame de RNM de crânio compatível com tumoração localizada em região de quiasma óptico. Apresenta, ainda, alteração em campo visual com perda da sensibidade em hemicampos temporais compatíveis com a localização do tumor. A realização de RNM de crânio e de campos visuais seriados não demostraram progressão da lesão. Dessa forma, o paciente está sendo acompanhado clinicamente e com realização de exames de forma seriada e criteriosa para acompanhamento da lesão e dos sintomas.

Devido ao potencial que o tumor possui de acarretar conseqüuências relevantes na função visual desses pacientes, recomenda-se uma monitorização oftalmológica regular e por um longo período.(14)A abordagem do paciente com glioma deve ser individualizada e baseada na localização do tumor, progressão clínica-radiológica além de sempre colocar na balança os riscos e benefícios adquiridos com o tratamento.(8)

Crianças com NF1 devem ser examinadas o mais precoce possível pelo profissional de saúde e, se possível, antes da puberdade. O diagnóstico precoce da doença por meio de exame clínico, história familiar e exames de imagem mostraram-se indispensáveis para o acompanhamento terapêutico e controle das lesões. O objetivo dos cuidados com o paciente com NF1 consiste em antecipar as principais complicações e oferecer tratamento precoce. No aconselhamento genético, é importante informar pais e familiares a respeito do panorama geral da doença e suas possíveis complicações, enfatizando que a maioria dos pacientes apresenta vida saudável e produtiva.(1,15)

Recebido para publicação em: 10/8/2010

Aceito para publicação em: 5/12/2012

O autor declara não haver conflitos de interesse

Trabalho realizado no Setor de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Flávia Souza Moraes
    Rua Rui Barbosa, nº 451 - apto 72
    CEP 09190370 - Santo André (SP), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2010
    • Aceito
      05 Dez 2012
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