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Uveíte anterior como manifestação da Doença de Kikuchi e Fujimoto

Anterior Uveitis as an ocular manifestation of Kikuchi and Fujimoto's Disease

Resumos

Apresentação de um caso de febre de origem obscura numa paciente feminina de 35 anos, com queda do estado geral, adenomegalia cervical posterior, monilíase oral, parotidite e irite.Após o parecer oftalmológico, o tratamento foi iniciado e posteriormente com o resultado do exame histopatológico de um linfonodo, diagnosticou-se a Doença de Kikuchi e Fujimoto. Sugerimos que a uveíte anterior seja reconhecida como mais um sinal de suspeita desta doença. São comentados os achados oculares, os aspectos histopatológicos e o tratamento da Doença de Kikuchi e Fujimoto.

Uveíte; Irite; Sarcoidose; Adenomegalia; Linfadenite histiocítica necrosante


Report of a case on Kikuchi and Fujimoto's Disease in a young lady who developed a long standing spiking fever, weight loss, cervical adenomegalia, oral moniliasis, parotiditis and iritis.The histopathological findings, course and treatment as well as the importance of a multidisciplinar approach are commented.

Uveitis; Iritis; Sarcoidosis; Adenomegalia; Histiocytic necrotizing lymphadenitis


RELATO DE CASO

Uveíte anterior como manifestação da Doença de Kikuchi e Fujimoto

Anterior Uveitis as an ocular manifestation of Kikuchi and Fujimoto's Disease

Marco Aurelio Varella FigueiredoI; Luis Claudio Dias da SilvaII; Cristiane Bedran MilitoIII

IMestre, Médico oftalmologista da Beneficência Portuguesa de Petrópolis – SMH – Petrópolis (RJ), Brasil

IIMédico Oftalmologista da Beneficência Portuguesa de Petrópolis – SMH- Petrópolis (RJ), Brasil

IIIProfessora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; da Faculdade de Medicina de Petrópolis – FMP; da Faculdade Arthur de Sá Earp – FASE; Patologista do Laboratório de Patologia e Citologia Edmundo Bedran – Petrópolis (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Marco Aurelio Varella Figueiredo Hospital Beneficência Portuguesa em Petrópolis SMH Av. Portugal, 236 - Valparaiso CEP 25655-374 - Petrópolis - RJ Tel: (24) 2231-1244 -Fax: (24) 2237-9335 E-mail: mavf@redetaho.com.br

RESUMO

Apresentação de um caso de febre de origem obscura numa paciente feminina de 35 anos, com queda do estado geral, adenomegalia cervical posterior, monilíase oral, parotidite e irite.Após o parecer oftalmológico, o tratamento foi iniciado e posteriormente com o resultado do exame histopatológico de um linfonodo, diagnosticou-se a Doença de Kikuchi e Fujimoto. Sugerimos que a uveíte anterior seja reconhecida como mais um sinal de suspeita desta doença. São comentados os achados oculares, os aspectos histopatológicos e o tratamento da Doença de Kikuchi e Fujimoto.

Descritores: Uveíte; Irite; Sarcoidose;Adenomegalia; Linfadenite histiocítica necrosante

ABSTRACT

Report of a case on Kikuchi and Fujimoto's Disease in a young lady who developed a long standing spiking fever, weight loss, cervical adenomegalia, oral moniliasis, parotiditis and iritis.The histopathological findings, course and treatment as well as the importance of a multidisciplinar approach are commented.

Keywords: Uveitis; Iritis; Sarcoidosis; Adenomegalia; Histiocytic necrotizing lymphadenitis

INTRODUÇÃO

A doença de Kikuchi e Fujimoto (DKF) é uma linfadenite histiocítica subaguda necrotizante benigna, de causa desconhecida, apresentando no seu quadro clínico episódios autolimitados de febre e adenomegalias cervicais, tendo sido descrito o primeiro caso no Japão em 1972 (1-2).

Acomete mais freqüentemente o sexo feminino, na razão de 4:1(3) numa faixa etária entre os 20 e 30 anos (4).

A DKF pode estar relacionada a um amplo espectro de patologias auto-imunes como: poliomiosite, lúpus eritematoso sistêmico, artrite e uveíte, bem como a patologias virais: Epstein-Barr vírus, citomegalovírus, herpes simples, HTLV 1 e parvovírus (5).

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de DKF, confirmado por biópsia ganglionar e que teve seu tratamento iniciado e sua suspeita diagnóstica confirmada a partir dos sinais oculares.

Apresentação do caso clínico:

Paciente leucodérmica, feminina, solteira, com 35 anos, comerciante, apresentando quadro de febre de 39ºC, náuseas, hiporexia, adenomegalia cervical posterior e edema de hemiface esquerda, sem uma causa aparente, que foi hospitalizada para investigação de febre de origem obscura.

O exame clínico admissional revelou: paciente lúcida e orientada, corada, acianótica, anictérica, eupneica, T.Ax.=37,8ºC, F.C.= 92 bpm. RCR 2T, BNF, sem sopros ou arritmias. Aparelho respiratório, circulatório e semiologia abdominal sem alterações patológicas. Adenomegalia cervical posterior sem sinais de flogose, com gânglios fixos e de consistência endurecida.

As medidas de suporte clínico acrescentaram-se solicitações de exames complementares, hemocultura e exames de imagem, sendo os resultados mais relevantes:

Hemácias: 3,25 milhões/ml;

Hemoglobina: 10,4 g/dl;

Hematócrito: 29,6%;

Leucócitos: 2.700/ml;

V H S = 65,0 mm/1ª hora;

Proteína C reativa: 48,0 mg/l;

Hemoculturas: Ausência de crescimento bacteriano. (03 amostras);

Toxoplasmose: IgG = inferior a 5,0 UI/ml (abaixo de 13,5UI/ml = ausência de imunidade); IgM = Não reagente.

HIV I e II = Não reagente;

Citomegalovírus: IgG = Reagente; IgM = Não reagente;

Epstein-Baar Vírus: IgG = 750.0 U/ml, Reativo; IgM = 1,50 U/ml, Não Reativo;

Cálcio Total = 9,4 mg/dl;

Angiotensina Convertase: 65,0 U/l;

Rx de tórax: Obliteração dos seios costo-frênicos, bilateralmente;

Tomografia Computadorizada de Tórax: derrame pleural bilateral, notadamente à direita, com atelectasia compressiva. Linfonodos menores do que 01 cm no mediastino;

Tomografia Computadorizada de seios da face: sinusite etmoidal.

No segundo dia de internação, a paciente apresentava picos febris elevados, adenomegalia, piora do estado geral, apatia e os resultados laboratoriais indicavam leucopenia com anemia, proteína C reativa elevada, bem como o VHS.

Foi iniciado antibioticoterapia intravenosa para tratamento da sinusite etmoidal.

No quarto dia de internação, o quadro febril se mantinha inalterado, os gânglios cervicais aumentavam de tamanho, era visível o emagrecimento e surgiu edema das parótidas, bem como monilíase oral e disfagia. A hipótese diagnóstica de linfoma maligno foi aventada.

No quinto dia de internação, a paciente amanheceu com edema palpebral esquerdo, referiu dor, fotofobia e turvação da visão do olho esquerdo, sendo solicitado então uma avaliação oftalmológica.

Após anamnese foi constatado ao exame oftalmológico:

Anexos: edema palpebral esquerdo, com sinais de flogose, localizado na região da glândula lacrimal, edema de parótidas com dor ao toque. Motilidade: ducções e versões normais;

Acuidade visual com melhor correção: OD = 20/ 20 e OE = 20/40;Teste de Ishihara: normal;

Biomicroscopia: OD = normal; OE = hiperemia pericerática +/4+, córnea clara e transparente, células ++/4+, flare +/4+, ausência de precipitados ceráticos ou de sinéquias posteriores, pupila móvel e reagente, cristalino tópico e transparente, vítreo anterior claro.

Tonometria de aplanação: 12 mmHg em ambos os olhos;

Fundoscopia indireta: normal em ambos os olhos.

O quadro de febre, irite e acometimento da glândula lacrimal e das parótidas levou-nos à hipótese diagnóstica de febre óculo-parotídea ou Doença de Heerfordt, uma condição patológica relacionada à Sarcoidose.

Desta forma, indicamos corticoterapia sistêmica sob a forma de pulsoterapia e iniciamos colírio de acetato de fluorometolona e cicloplégico.

No sétimo dia de internação foi realizada linfadenectomia superficial direita para estudo histopatológico.

No décimo terceiro dia de internação foi iniciada pulsoterapia com succinato sódico de metilprednisolona 01 g por dia, por três dias e a paciente apresentou melhora gradativa e rápida de todos os sintomas sistêmicos e oculares, com desaparecimento da febre e total recuperação do estado geral, obtendo alta hospitalar no décimo sexto dia de internação.

DISCUSSÃO

A paciente foi internada para investigação de febre de origem obscura já com oito dias de evolução e durante a internação foi constatada uma piora do estado geral, emagrecimento, apatia, aumento da linfadenopatia cervical posterior e monilíase oral.

Os exames complementares, a hemocultura, os estudos de imagens conforme relatado acima e uma biópsia de gânglio cervical já estavam programados.

A hipótese diagnóstica de linfoma maligno era a mais provável até que no quinto dia de internação a paciente se queixou de dor, fotofobia e leve turvação da visão no olho esquerdo e foi observado edema palpebral e hiperemia conjuntival, sendo então solicitado um parecer para a clínica oftalmológica do hospital.

O exame ocular, conforme já relatado, revelou irite esquerda, dacrioadenite associada à parotidite e febre, o que nos levou a pensar em sarcoidose e mais especificamente na Doença de Heerfordt (6).

Considerando a piora do estado geral da paciente, o tempo de evolução e a forte suspeita clínica de sarcoidose, indicamos após discutir a situação com a paciente e familiares, a pulsoterapia com succinato sódico de metilprednisolona 01 g por dia, por três dias, mesmo sem uma confirmação laboratorial.

Como a uveíte anterior unilateral pode ser encontrada também em linfomas de células T (7), assim, naquele momento, a pulsoterapia seria um teste terapêutico para a Doença de Heerfordt e não afetaria a evolução do eventual linfoma, já que não pensávamos em DKF.

Com o tratamento a paciente apresentou rápida melhora de todos os sintomas sistêmicos e oculares, com desaparecimento da febre e total recuperação do estado geral, obtendo alta hospitalar no décimo sexto dia de internação e ficando a princípio confirmado, por prova terapêutica, o diagnóstico clínico de Doença de Heerfordt.

Ocorre que a biópsia ganglionar indicou outra entidade nosológica: Doença de Kikuchi e Fujimoto.

A figura 1 mostra o resultado histopatológico:


kikuchi: detalhe da necrose com debris;

Celulares, histiócitos e ausência de neutrófilos;

Descrição Anatômica: gânglio linfático medindo 1.6x 0.8x 0.7 cm de coloração pardo-clara e de consistência elástica;

Descrição histológica em Hematoxilina-Eosina: Necrose com debris celulares, histiócitos e ausência de neutrófilos;

Conclusão histopatológica: Doença de Kikuchi e Fujimoto.

A DKF ou linfadenopatia histiocítica necrotizante é uma doença benigna rara, de causa desconhecida, que acomete os linfonodos de adultos jovens, tendo sido associada a distúrbios auto-imunes ou viroses e que responde bem ao tratamento com antiinflamatórios não esteróides e aos esteróides em baixas doses e em esquemas de curta duração, por isso a melhora com o tratamento instituido, mas também pode evoluir espontaneamente para a cura (2).

A relação entre DKF e Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é provável, porém não muito bem esclarecida, mas o quadro clínico, os depósitos de IgM na transição dermo-epiderme e a presença de anticorpos anticardiolipina enfatizam a relação entre estas duas patologias (8-9).

A Doença de Hodgkin (DH) e a DKF têm semelhanças em seus padrões histológicos os quais podem dificultar o diagnóstico diferencial entre elas, apesar de que na DH há um padrão histológico proliferativo ( proliferação anormal das células do tecido linfóide ) e na DKF há um padrão apoptótico (morte programada de uma população celular) (10).

Sobre a sinusite etmoidal, a qual por um momento foi tida como a possível causa da febre, houve uma boa resposta à antibioticoterapia, mas o seu estado geral não melhorou e a febre persistiu, o que está de acordo com a literatura, pois a DKF não é uma doença infecciosa.

A irite esquerda melhorou com os fármacos instituidos e evoluiu para a cura sem seqüelas.

Não encontramos na literatura nacional pesquisada relatos de manifestações oftalmológicas da DKF, mas a uveíte bilateral anterior foi relatada como manifestação atípica em um caso de DKF em um jovem asiático de 16 anos (5) e Taguri e cols. relataram um caso de panuveíte bilateral possivelmente associada à DKF (11).

No caso aqui apresentado, evidenciamos apenas no olho esquerdo: uma hiperemia peri-cerática, células ++/4+, flare +/4+, ausência de precipitados ceráticos, de hipópio ou sinéquias posteriores, caracterizando um quadro de irite leve ou branda, a qual adquiriu um maior significado quando associada aos sinais e sintomas sistêmicos e ainda por ter evoluído para a cura, ao mesmo tempo em que a DKF, sugerindo uma forte associação entre elas.

A paciente está em acompanhamento clínico, principalmente pelo potencial em apresentar LES ou DH.

CONCLUSÃO

Gostariamos de sugerir que a hipótese diagnóstica de DKF fosse acrescentada ao nosso índice de suspeitas diante de um quadro de irite, febre e adenomegalia cervical.

Agradecimento: À dra. Sandra Molles por seu auxílio técnico.

Recebido para publicação em 26/7/2007

Aceito para publicação em 15/4/2008

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  • 11. Taguri AH, McIlwaine GG. Bilateral panuveitis: a possible association with KikuchiFujimoto disease. Am J Ophthalmol. 2001; 132(3):41921.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Marco Aurelio Varella Figueiredo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 2008
    • Recebido
      26 Jul 2007
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