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Vasculite por tuberculose ocular associada a eritema nodoso e à doença de Poncet

Ocular tuberculosis vasculitis associated with erythema nodosum and Poncet’s disease

RESUMO

A tuberculose intraocular deve ser sempre aventada como diagnóstico diferencial devido à sua alta significância nos agravos, além da alta morbidade da infecção sistêmica. Essa condição pode se apresentar associada a manifestações extraoculares pouco prevalentes da tuberculose. O autor relatou um caso de vasculite por tuberculose ocular, associada a eritema nodoso e à doença de Poncet, com resolução dos achados e sintomas após esquema padrão para tuberculose.

Vasculite retiniana; Tuberculose osteoarticular; Eritema nodoso

ABSTRACT

Intraocular tuberculosis should always be deemed as a differential diagnosis due to its high importance, in addition to the high morbidity of systemic infection. This condition may be associated with extraocular manifestations that are not prevalent in tuberculosis. The author reported a case of ocular tuberculosis vasculitis associated with erythema nodosum and Poncet’s disease, with resolution of the medical findings and symptoms after the standard treatment for tuberculosis.

Retinal vasculitis; Tuberculosis, osteoarticular; Erythema nodosum

INTRODUÇÃO

A tuberculose ocular é uma forma extrapulmonar rara de tuberculose e possui incidência de 1 a 2% dos casos, sendo a uveíte a manifestação mais comum( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 22. Brito AC, Oliveira CM, Unger DA, Bittencourt MJ. Tuberculose cutânea: atualização epidemiológica, clínica, diagnóstica e terapêutica. An Bras Dermatol. 2022;97(2):129-44. ) e tendo a baixa acuidade visual (AV) como queixa principal, seguida da dor ocular.( 22. Brito AC, Oliveira CM, Unger DA, Bittencourt MJ. Tuberculose cutânea: atualização epidemiológica, clínica, diagnóstica e terapêutica. An Bras Dermatol. 2022;97(2):129-44. ) A forma cutânea é também um acometimento raro, que representa 0,15% de todos os casos de tuberculose e 1% dos casos extrapulmonares.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. , 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). )Essa forma se divide em formas multibacilares, paucibacilares e reativas, sendo que o eritema nodoso se enquadra nesse último grupo.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. )

As formas extrapulmonares da tuberculose não se associam a risco de transmissão e estão relacionadas à baixa resistência imunológica.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. ) Representam 10 a 20% dos casos da doença,( 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). , 55. Silva DR, Rabahi MF, Sant’Anna CC, Silva-Júnior JL, Capone D, Bombarda S, et al. Consenso sobre o diagnóstico da tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2021;47(2):e20210054 ) podendo chegar a 6,53%, a depender do país.( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. )Na tuberculose extrapulmonar, o diagnóstico é frequentemente presuntivo, uma vez que a coleta de amostra clínica depende do local suspeito da doença e pode requerer procedimentos invasivos.( 66. Koller K, Ricci LH, Lindoso JA, Lindoso AA, Muccioli C. Aspectos clínicos e tratamento de pacientes com tuberculose ocular presumida em centro de referência de São Paulo, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(6):384-8. )

Ainda, alguns pacientes com diagnóstico de tuberculose possuem, concomitantemente, um acometimento articular reativo, não relacionado à invasão direta da micobactéria, denominado por alguns autores como doença de Poncet.( 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. )

O presente estudo relata o caso de uma paciente adulta com diagnóstico presuntivo de tuberculose ocular, associada a eritema nodoso em ambos os membros inferiores e artrite reativa.

RELATO DE CASO

Mulher, 38 anos, com queixa de turvação visual em olho esquerdo (OE) de início em fevereiro de 2021 associada à história de artrite crônica, desde 2017, e à história de eritema nodoso, iniciado em 2019. Apresentava diagnóstico de uveíte intermediária e vasculite periférica em ambos os olhos (AO), e de retinoangiografia compatível com vasculite e papilite em AO e áreas de isquemia periférica em OE ( Figura 1 ).

Figura 1
Retinoangiografia/angiografia fluorescente antes de esquema RIPE. (A) Olho direito com discreto edema macular e vasculite inferior. (B) Olho esquerdo com área de vasculite e isquemia retiniana. (C e D) Presença de vasculite em olho esquerdo.

Após 6 meses desse primeiro episódio de uveíte, a paciente foi encaminhada ao Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes para realização de fotocoagulação a laser em retina em OE e investigação de eritema nodoso associado à artrite reativa em joelhos e tornozelos. A AV nesse dia era 20/20 em AO, sem reação de câmara anterior (RCA) ou flare , com pressão intraocular (PIO) 13/15 e com tomografia de coerência óptica (OCT) macular normal. Ectoscopia de membros inferiores demonstravam nódulos eritematosos dolorosos à palpação, em membros inferiores, sugestivos de eritema nodoso ( Figura 2 ).

Figura 2
Eritema nodoso em membros inferiores direito e esquerdo.

No retorno, a paciente queixava-se de piora da AV e dos episódios de artrite reativa, apesar de uso regular de hidroxicloroquina 400mg ao dia, que foi, então, suspensa pela reumatologia. A OCT de máculas estava normal em AO, biomicroscopia com hiperemia de conjuntiva, RCA 0,5+/4 e discreto flare . Trazia exames séricos, que demonstraram autoanticorpos, HLA-B27, anti-SSA/RO, anti-SSB/LA e antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) negativos, além de eletroforese de proteínas normal e PCR de 8,8. As sorologias para hepatite B, hepatite C, VDRL, anti-HIV foram negativas. O teste de prova cutânea tuberculínica (PPD) foi de 20mm, e a radiografia de tórax estava sem alterações.

Paciente era hipertensa controlada e negou demais comorbidades e outros antecedentes oftalmológicos. Referiu contato prévio com paciente bacilífero, há 13 anos. Pelo histórico de uveíte, com presença de papilite, vasculite retiniana periférica temporal, PPD forte reator, eritema nodoso e história de contactante bacilífero, foi aventado o diagnóstico de tuberculose ocular e iniciado tratamento com o esquema básico RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) por 9 meses.

Após 3 meses de tratamento, foi realizada nova retinoangiografia, que não evidenciou novas isquemias ( Figura 3 ). Ao fim do tratamento, apresentava AV 20/20, PIO 12/13, biomicroscopia sem RCA ou flare , sem vitreíte ou vasculite, OCT normal ( Figura 4 ). Paciente referiu resolução da artralgia e eritema nodoso.

Figura 3
Retinoangiografia/angiografia fluorescente após 3 meses de tratamento RIPE. (A) Olho direito sem alterações. (B) Olho esquerdo com cicatrizes por fotocoagulação a laser. (C e D) Exame angiográfico normal em olho esquerdo.

Figura 4
Tomografia de coerência óptica de máculas normais após 3 meses em tratamento RIPE.

DISCUSSÃO

A tuberculose tipicamente afeta os pulmões, mas pode atingir qualquer tecido do corpo.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. , 55. Silva DR, Rabahi MF, Sant’Anna CC, Silva-Júnior JL, Capone D, Bombarda S, et al. Consenso sobre o diagnóstico da tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2021;47(2):e20210054 , 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. ) Em 2019, foram registrados 73.864 casos novos de tuberculose no Brasil, com um coeficiente de incidência de 35,0 casos/100 mil habitantes.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. , 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). ) A forma extrapulmonar representa 20% dos casos da doença.( 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). , 66. Koller K, Ricci LH, Lindoso JA, Lindoso AA, Muccioli C. Aspectos clínicos e tratamento de pacientes com tuberculose ocular presumida em centro de referência de São Paulo, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(6):384-8. , 88. Amaral GR, Amaral LM, Thomé MT, Trindade KV. Tuberculose e suas repercussões oftalmológicas: uma revisão de literatura. Braz J Develop.. 2020;6(6):41656-68. ) O diagnóstico é frequentemente presuntivo, por geralmente se tratar de uma forma paucibacilar.( 66. Koller K, Ricci LH, Lindoso JA, Lindoso AA, Muccioli C. Aspectos clínicos e tratamento de pacientes com tuberculose ocular presumida em centro de referência de São Paulo, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(6):384-8. )

A tuberculose cutânea está entre as formas menos comuns e se divide em formas multibacilares, paucibacilares e reativas. A ausência do bacilo de Koch em lesões de pele, tanto na bacterioscopia como na cultura, também pode ser denominada tubercúlides.( 33. . Tuberculosis - United States, 2017. Amish Talwar, MD1,2; Clarisse A. Tsang, MPH1; Sandy F. Price1; Robert H. Pratt1; William L. Walker, DVM, PhD1; Kristine M. Schmit, MD1; Adam J. Langer, DVM. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2018;67(11):317-323. , 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). ) Existem três tipos de tubercúlides: eritema indurado de Bazin, lichen scrofulosorum e tubercúlide papulonecrótica, na qual o eritema nodoso e a artrite estão associados.( 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). )

O eritema nodoso é uma paniculite por reação de hipersensibilidade tardia tipo IV,( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1010. Veras TV, Dalcorte J, Muller S, Santana NA. Tuberculose com apresentação inicial de eritema nodoso em criança: relato de caso e revisão da literatura. Sci Med. 2009;19(2):86-9. ) em que aparecem nódulos vermelhos principalmente nas canelas.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. ) Localiza-se nas superfícies extensoras das extremidades, sobretudo na região pré-tibial, com maior predisposição para sexo feminino entre 20 e 40 anos.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1010. Veras TV, Dalcorte J, Muller S, Santana NA. Tuberculose com apresentação inicial de eritema nodoso em criança: relato de caso e revisão da literatura. Sci Med. 2009;19(2):86-9. , 1212. Latent Tuberculosis Infection Causing Erythema Nodosum. Abstract published at Hospital Medicine 2014, March 24-27, Las Vegas, Nev. Abstract 347. Journal of Hospital Medicine, Volume 9, Suppl 2. ) Pode estar associada a inúmeras doenças, como infecções, doenças inflamatórias, sarcoidose tuberculose e medicamentos, ou ser idiopática em até 50% dos casos.( 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041.

12. Latent Tuberculosis Infection Causing Erythema Nodosum. Abstract published at Hospital Medicine 2014, March 24-27, Las Vegas, Nev. Abstract 347. Journal of Hospital Medicine, Volume 9, Suppl 2.
- 1313. Chen S, Chen J, Chen L, Zhang Q, Luo X, Zhang W. Mycobacterium tuberculosis infection is associated with the development of erythema nodosum and nodular vasculitis. PLoS One. 2013;8(5):e62653. ) O diagnóstico é basicamente clínico.( 1010. Veras TV, Dalcorte J, Muller S, Santana NA. Tuberculose com apresentação inicial de eritema nodoso em criança: relato de caso e revisão da literatura. Sci Med. 2009;19(2):86-9. )

Apesar de rara, a associação de eritema nodoso com tuberculose é bem conhecida e indica um forte preditor de acometimento extrapulmonar.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. ) Dois estudos asiáticos mostraram que existe uma correlação positiva de pacientes com tuberculose com eritema nodoso e vice-versa.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. ) Um estudo chinês demonstrou que 20% dos pacientes analisados com eritema nodoso tinham tuberculose.( 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. , 1212. Latent Tuberculosis Infection Causing Erythema Nodosum. Abstract published at Hospital Medicine 2014, March 24-27, Las Vegas, Nev. Abstract 347. Journal of Hospital Medicine, Volume 9, Suppl 2. ) Além disso, o estudo de Chen et al. sugere que essa doença contribui para a patogênese do eritema nodoso e pode ser usada como preditor da forma extrapulmonar primária.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. )

A coexistência entre artrite e eritema nodoso tem sido descrita devido a Yersinia enterocolitica e síndrome de Loffler, embora também tenha sido relatada na coexistência entre artrite reativa e tuberculose (doença de Poncet), uma apresentação rara da tuberculose.( 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. , 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. , 1414. Gouvêa RR, Paz OA. Relato de caso: Doença de poncet, uma artropatia parainfecciosa. Brazilian Journal of Health Review. 2020;3(4). ) A doença de Poncet possui comprometimento oligo ou poliarticular, assemelhando-se a outras artrites reativas, envolvendo grandes articulações, como joelho, tornozelo e quadril. Um pródromo geralmente ocorre 1 a 3 semanas antes do início do eritema nodoso.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. )

Para diagnóstico de doença de Poncet, os testes sorológicos para autoimunidade são negativos, e o teste tuberculínico, bem como as proteínas de fase aguda, está alterado.( 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. , 1414. Gouvêa RR, Paz OA. Relato de caso: Doença de poncet, uma artropatia parainfecciosa. Brazilian Journal of Health Review. 2020;3(4). ) Não há evidência microbiológica de invasão da micobactéria na articulação afetada e a análise do líquido sinovial é asséptica.( 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. , 1414. Gouvêa RR, Paz OA. Relato de caso: Doença de poncet, uma artropatia parainfecciosa. Brazilian Journal of Health Review. 2020;3(4). ) Ainda, devem existir evidência de tuberculose ativa extra-articular, manifestações reumáticas em mais de uma articulação, remissão completa do quadro após terapia antituberculosa, ausência de antecedentes pessoais e familiares, ausência de comprometimento axial e exclusão de outras doenças reumáticas.( 1414. Gouvêa RR, Paz OA. Relato de caso: Doença de poncet, uma artropatia parainfecciosa. Brazilian Journal of Health Review. 2020;3(4). )

Alguns casos relatados na literatura demonstraram pacientes com eritema nodoso e artrite reativa sendo posteriormente diagnosticados com tuberculose, devido a alto nível de suspeição e investigação clínica e laboratorial minuciosa.( 99. Rizvi Z, Iqbal T, Javed A, Rizvi A. Erythema nodosum: a consequence of tuberculosis. Cureus. 2019;11(5):e4724. , 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. ) Assim, a artrite reativa por tuberculose é uma forma rara de apresentação e algumas vezes relatada na bibliografia como doença de Poncet. A associação de artrite reativa, eritema nodoso e Mycobacterium tuberculosis é ainda mais rara e descrita apenas em relatos de casos,( 1111. Kritsotakis E. Erythema nodosum as sign of primary tuberculosis. Oxf Med Case Reports. 2017;2017(8):omx041. ) como no presente estudo.

O olho é uma localização extrapulmonar rara de tuberculose, com incidência de 1 a 2% dos casos.( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 22. Brito AC, Oliveira CM, Unger DA, Bittencourt MJ. Tuberculose cutânea: atualização epidemiológica, clínica, diagnóstica e terapêutica. An Bras Dermatol. 2022;97(2):129-44. ) A uveíte posterior é considerada a manifestação mais comum da forma ocular, seguido de neurorretinite posterior e vasculite retiniana posterior.( 88. Amaral GR, Amaral LM, Thomé MT, Trindade KV. Tuberculose e suas repercussões oftalmológicas: uma revisão de literatura. Braz J Develop.. 2020;6(6):41656-68. ) O diagnóstico ocular é frequentemente presuntivo, pela ausência de evidência definitiva (microscopia, cultura ou PCR),( 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. ) sendo baseado nos achados clínicos de doença sistêmica, na resposta clínica à terapia, ou em evidências de infecção com teste PPD ou interferon-gama (IGRA).( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 1515. The Standardization of Uveitis Nomenclature (SUN) Working Group. Classification Criteria for Tubercular Uveitis Am J Ophthalmol. 2021;228:142-51. )

As manifestações extraoculares estão geralmente associadas a infecção secundária após infecção pulmonar.( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 66. Koller K, Ricci LH, Lindoso JA, Lindoso AA, Muccioli C. Aspectos clínicos e tratamento de pacientes com tuberculose ocular presumida em centro de referência de São Paulo, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2019;78(6):384-8. ) Todavia, a doença ocular concomitante está presente em apenas 1,2% dos doentes com acometimento pulmonar. Assim, o foco pulmonar primário pode não ter clínica ou ser radiologicamente evidente.( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 1515. The Standardization of Uveitis Nomenclature (SUN) Working Group. Classification Criteria for Tubercular Uveitis Am J Ophthalmol. 2021;228:142-51. ) Em estudo retrospectivo português, a investigação de tuberculose extraocular foi negativa, sendo a radiografia de tórax normal em todos os pacientes,( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. ) assim como demonstrado na paciente deste caso.

Várias apresentações de uveítes foram atribuídas à tuberculose ocular.( 22. Brito AC, Oliveira CM, Unger DA, Bittencourt MJ. Tuberculose cutânea: atualização epidemiológica, clínica, diagnóstica e terapêutica. An Bras Dermatol. 2022;97(2):129-44. , 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. , 1515. The Standardization of Uveitis Nomenclature (SUN) Working Group. Classification Criteria for Tubercular Uveitis Am J Ophthalmol. 2021;228:142-51. )Elas incluem uveíte anterior com nódulos de íris, coroidite tuberculosa semelhante à serpiginosa, granuloma coroidal, vasculite retiniana oclusiva, e, em pessoas imunocomprometidas, coroidite multifocal no contexto de tuberculose sistêmica ativa. A tuberculose de retina é pouco frequente, mas se apresenta geralmente como uma vasculite ou perivasculite dos vasos da retina, manifestando infiltrados brancos ao redor desses vasos.( 88. Amaral GR, Amaral LM, Thomé MT, Trindade KV. Tuberculose e suas repercussões oftalmológicas: uma revisão de literatura. Braz J Develop.. 2020;6(6):41656-68. ) Para dificultar o diagnóstico, incluem-se os fatos de que a minoria dos casos com acometimento ocular tem tuberculose sistêmica ativa evidente( 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. , 1515. The Standardization of Uveitis Nomenclature (SUN) Working Group. Classification Criteria for Tubercular Uveitis Am J Ophthalmol. 2021;228:142-51. ) e de que menos da metade tem evidência de infecção pulmonar atual ou prévia em uma estimativa.( 1515. The Standardization of Uveitis Nomenclature (SUN) Working Group. Classification Criteria for Tubercular Uveitis Am J Ophthalmol. 2021;228:142-51. )

A fisiopatologia da tuberculose ocular ainda é controversa, e a inflamação posterior pode representar inflamação reativa, infecção ativa ou uma combinação das duas. Alguns autores defendem tratar-se de uma reação de hipersensibilidade, devido à incapacidade de demonstrar bacilos nas amostras oculares. Por outro lado, o fato de pacientes tratados apenas com corticoterapia poderem apresentar recorrências, ao contrário daqueles tratados com esquema RIPE, sugere que estas resultam de reativação dos bacilos sequestrados no epitélio pigmentar da retina. A resposta positiva ao esquema RIPE é um dos critérios diagnósticos para tuberculose ocular presumida.( 11. Alves LG. Tubercúlide papulonecrótica: um relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):1980. , 44. Portelinha J, Picoto M, Marques A, Isidro F, Guedes M. Tuberculose ocular presumida. Oftalmologia. 2013;37(4). , 77. Schweitzer LC, Lipnharski F, Prezzi SH. Artrite de Poncet: relato de caso. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):388-93. )

Em conclusão, a tuberculose deve ser sempre aventada como diagnóstico diferencial, apesar da raridade de associação da doença não pulmonar ao acometimento ocular, cutâneo e articular, como relatado no presente estudo. Todos os pacientes com eritema nodoso e manifestação articular devem ser estratificados pelo risco de exposição à tuberculose, principalmente se a história de contato com bacilífero for positiva, em regiões endêmicas, como no Brasil.

REFERÊNCIAS

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  • Instituição de realização do trabalho: Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Aceito
    23 Dez 2022
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