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Influência do corticoide na cicatrização do manguito rotador de ratos – Estudo biomecânico Trabalho realizado na Clínica Cirúrgica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Comparar a resistência da cicatrização, com relação a tensão máxima, força máxima e força de ruptura, do tendão infraespinhal de ratos submetidos a inoculação de corticoides após a lesão e a reparos experimentais.

Métodos:

Foram submetidos 60 ratos Wistar a tenotomia do tendão infraespinhal e suturados. Previamente à cirurgia foram divididos em grupo controle (C), inoculados com soro, e grupo de estudo (E), inoculados com corticoides sobre o tendão. Após o reparo os ratos foram sacrificados em grupos de 10 indivíduos do grupo controle e 10 do grupo de estudo em intervalos de uma semana (C1 e E1), três semanas (C3 e E3) e cinco semanas (C5 e E5). Os ratos foram dissecados com a separação do tendão infraespinhal do úmero. As peças de estudo foram submetidas a teste de tração e avaliadas – tensão máxima (kgf/cm2), força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf) – e comparando os grupos de estudo com os grupos controle.

Resultados:

Dentre os ratos sacrificados com uma semana observamos maior tensão máxima do grupo C1 em comparação com o grupo E1. As variáveis força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf) não diferiram estatisticamente entre os grupos pesquisados. Da mesma forma, nos ratos sacrificados com três semanas o grupo C3 mostrou apenas resistência maior na tensão máxima em comparação com o grupo E3 (p = 0,007). As demais variáveis não apresentaram diferenças. Nos ratos sacrificados com cinco semanas (C5 e E5), nenhum dos parâmetros estudados apresentou diferenças estatísticas.

Conclusão:

A inoculação com corticoide sobre o manguito rotador levou a diminuição da resistência a tensão máxima da cicatriz pós reparo cirúrgico experimental em uma e três semanas em comparação com os respectivos grupos controle. Os demais parâmetros não tiveram diferença entre os grupos de estudo e os grupos controle.

Manguito rotador; Corticoides; Biomecânica; Tendões


Objective:

To compare healing strength of the infraspinatus tendon of rats with corticoid inoculation, regarding maximum tension, maximum force and rupture force, after injury and experimental repair.

Methods:

A total of 60 Wistar rats were subjected to tenotomy of the infraspinatus tendon, which was then sutured. Before the surgery, they were divided into a control group (C) inoculated with serum and a study group (S) inoculated with corticoids over the tendon. After repair, the rats were sacrificed in groups of 10 individuals in the control group and 10 in the study group at the times of one week (C1 and S1), three weeks (C3 and S3) and five weeks (C5 and S5). The rats were dissected, separating out the infraspinatus tendon with the humerus. The study specimens were subjected to a traction test, with evaluation of the maximum tension (kgf/cm2), maximum force (kgf) and rupture force (kgf), comparing the study group with the respective control groups.

Results:

Among the rats sacrificed one week after the procedure, we observed greater maximum tension in group C1 than in group S1. The variables of maximum force (kgf) and rupture force did not differ statistically between the groups investigated. In the same way, among the rats sacrificed three weeks after the procedure, group C3 only showed greater maximum tension than group S3 (p = 0.007), and the other variables did not present differences. Among the rats sacrificed five weeks after the procedure (C5 and S5), none of the parameters studied presented statistical differences.

Conclusion:

We concluded that corticoid diminished the resistance to maximum tension in the groups sacrificed one and three weeks after the procedure, in comparison with the respective control groups. The other parameters did not show differences between the study and control groups.

Rotator cuff; Corticoids; Biomechanics; Tendons


Introdução

A doença do manguito rotador é frequente na prática médica. Ela representa um espectro de condições que variam de um processo inflamatório do tendão a uma lesão completa do manguito rotador.11. Van der Windt DA, Koes BW, de Jong BA, Bouter LM. Shoulder disorders in general practice: incidence, patient characteristics, and management. Ann Rheum Dis. 1995;54(12):959–64.,22. Fukuda H. Partial-thickness rotator cuff tears: a modern view on Codman's classic. J Shoulder Elbow Surg. 2000;9(2):163–8.

A infiltração subacromial com corticoide é uma opção de tratamento nas lesões do manguito em pacientes com baixa demanda funcional e também como recurso terapêutico para o alívio temporário da dor em pacientes ativos.11. Van der Windt DA, Koes BW, de Jong BA, Bouter LM. Shoulder disorders in general practice: incidence, patient characteristics, and management. Ann Rheum Dis. 1995;54(12):959–64.,33. Blair B, Rokito AS, Cuomo F, Jarolem K, Zuckerman JD. Efficacy of injections of corticosteroids for subacromial impingement syndrome. J Bone Joint Surg Am. 1996;78(11):1685–9.55. Lambers Heerspink FO, Hoogeslag RA, Diercks RL, van Eerden PJ, van den Akker-Scheek I, van Raay JJ. Clinical and radiological outcome of conservative vs. surgical treatment of atraumatic degenerative rotator cuff rupture: design of a randomized controlled trial. BMC Musculoskelet Disord. 2011;26(12):25.

Grey e Gotlieb66. Gray RG, Gottlieb NL. Intra-articular corticosteroids. An updated assessment. Clin Orthop Relat Res. 1983;(177):235–63. estudaram os fatores prognósticos do reparo da lesão do manguito rotador e demonstraram que três ou mais infiltrações pré-operatórias de corticoides estavam relacionadas com aumento na taxa de falha do reparo. Assim como Watson,77. Watson M. Major ruptures of the rotator cuff. The results of surgical repair in 89 patients. J Bone Joint Surg Br. 1985;67(4):618–24. que demonstrou que quanto mais frequente o uso de corticosteroides, pior o resultado, particularmente a partir da quarta infiltração, e recomendou cirurgia antes da quarta infiltração. Em outra avaliação, Björkenheim et al.88. Björkenheim JM, Paavolainen P, Ahovuo J, Slätis P. Surgical repair of the rotator cuff and surrounding tissues. Factors influencing the results. Clin Orthop Relat Res. 1988;(236):148–53.mostraram que dentre os casos de falha no reparo cirúrgico da lesão do manguito rotador, 63% dos pacientes tiveram três ou mais injeções de corticoides. Os 37% restantes tiveram menos de duas injeções.

Além disso, estudos experimentais em animais demonstraram mudanças histológicas e diminuição na resistência de tendões submetidos a exposição aos corticoides.99. Melmed EP. Spontaneous bilateral rupture of the calcaneal tendon during steroid therapy. J Bone Joint Surg Br. 1965;47:104–5.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80. Há ainda evidências de que o uso de corticoide pode alterar a resistência do reparo de tendões.1616. Wrenn RN, Goldner JL, Markee JL. An experimental study of the effect of cortisone on the healing process and tensile strength of tendons. J Bone Joint Surg Am. 1954;36(3):588–601.,1717. Gonzalez RI. Experimental tendon repair within the flexor tunnels; the use of hydrocortisone without improvement of function in the dog. J Bone Joint Surg Am. 1953;35(4):991–3. Os trabalhos que avaliaram a influência de corticosteroides no manguito rotador usaram tendões de rato íntegros ou com lesão parcial.1212. Tillander B, Franzén LE, Karlsson MH, Norlin R. Effect of steroid injections on the rotator cuff: an experimental study in rats. J Shoulder Elbow Surg. 1999;8(3):271–4.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80.

Este trabalho se justifica pela necessidade de se obterem dados objetivos que possam determinar se o uso de corticoides pode comprometer a cicatrização do reparo cirúrgico do manguito rotador.

O objetivo deste estudo foi o de avaliar a resistência da cicatrização do tendão infraespinhal de ratos sob influência de corticosteroides em diferentes períodos (uma, três e cinco semanas após a sutura).

Materiais e métodos

O projeto foi submetido à aprovação do comitê de ética em pesquisa em animais da Universidade Positivo.

Foram usados 60 ratos fêmeas da espécie Rattus norvegicuslinhagem Wistar. O peso médio dos ratos foi de 300 g e a idade média de três meses. Os animais foram mantidos em gaiolas coletivas no Biotério da Universidade Positivo com livre acesso a água e ração comercial. Durante todo o período experimental as condições ambientais de luz, temperatura, e umidade das salas foram controladas em painel digital que manteve o foto-período de 12 horas, temperaturas com variação entre 18 °C e 22 °C e umidade relativa do ar em 65%.

Os ratos foram operados em grupos de 20 animais por dia de trabalho. Padronizou-se operar apenas o lado direito. Fez–se uma incisão de um centímetro sobre o rebordo lateral do acrômio e as fibras do deltoide foram divulsionadas. Após isolar o tendão infraespinhal, seccionou-se com lâmina 11 de bisturi, no sentido transversal, a porção média do corpo do tendão (fig. 1). O tendão foi então reparado com pontos em U com fio mononylon 5-0 vascular (fig. 2).

Figura 1
Tendão infraespinhal seccionado.
Figura 2
Tendão infraespinhal suturado.

Os ratos operados foram randomizados e distribuídos em dois grupos e pareados em 30 unidades: grupo C (controle), no qual, após a sutura tendinosa, inoculou-se, sob visão direta, 0,5 mL de solução salina fisiológica 0,9% no espaço subacromial; e grupo E (estudo), no qual, da mesma forma, inoculou-se uma única dose de metilprednisolona a 0,6 mg/kg (0,5 ml da solução preparada). Os grupos C e E foram então subdivididos em três subgrupos de acordo com o tempo em que foram eutanasiados para captação: uma semana (grupos E1 e C1); três semanas (grupos E3 e C3); e cinco semanas (grupos E5 e C5) (tabela 1).

Tabela 1
Subdivisão dos grupos controle (C) e estudo (E) de acordo com o tempo de eutanásia dos ratos

O preparo de corticoide usado foi Depo-Medrol® (acetato de metilprednisolona) em solução de 80 mg/2 mL. Meia ampola (1 mL) do medicamento foi diluída em 100 mL de solução salina fisiológica e se tornou a solução 0,4 mg/mL.

A eutanásia para todos os ratos foi feita em câmara de CO2.

Uma vez eutanasiados, a dissecção foi feita imediatamente, por acesso cirúrgico amplo sobre o ombro operado. A clavícula foi ressecada e os tendões e os ligamentos seccionados, com a separação do ombro do restante do corpo do animal. Cada peça foi preparada com a separação do músculo infraespinhal do restante da escápula. A peça de teste constituía-se apenas do infraespinhal (músculo e tendão presos na sua inserção no úmero do rato).

Cada peça dissecada foi envolvida em gaze com solução salina fisiológica 0,9% e isolada em frascos individuais devidamente identificados e colocada em freezer a 20 °C negativos.1818. Hirpara KM, Sullivan PJ, O'Sullivan ME. The effects of freezing on the tensile properties of repaired porcine flexor tendon. J Hand Surg Am. 2008;33(3):353–8.

Os tendões foram retirados do freezer em grupos de 20 peças para descongelamento por 12 horas em temperatura ambiente, antes do teste biomecânico.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80. Uma vez descongelados, cada um teve sua espessura mensurada com paquímetro, no seu ponto central. Considerou-se para medição a parte da secção transversa mais fina.1919. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OE, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52–7. O cálculo da área do tendão foi obtido para determinar o valor de tensão máxima dado em kgf/cm2.

O aparelho para teste biomecânico usado foi o modelo DL 500 MF (Emic) com célula de carga de 50 Newtons e força de tração axial. O programa da máquina fornecia os parâmetros tensão máxima (kf/cm2), força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf) (fig. 3).

Figura 3
Aparelho de teste de tração axial com célula de carga de 50 N.

O teste foi feito como descrito por Galatz et al.2020. Galatz LM, Silva MJ, Rothermich SY, Zaegel MA, Havlioglu N, Thomopoulos S. Nicotine delays tendon-to-bone healing in a rat shoulder model. J Bone Joint Surg Am. 2006;88(9):2027–34. Cada peça descongelada, composta pelo úmero e pelo tendão infraespinhal isolado, foi fixada uma por vez na máquina para tração. A fixação foi feita com as presilhas da máquina: o úmero foi fixado na presilha da base (parte fixa) e o tendão foi fixado na presilha presa à célula de carga. Para adequada fixação do tendão às presilhas usou-se lixa comum de média aspereza, aderida a ambos os lados da presilha com adesivo removível.

Para análise estatística testou-se a pressuposição de normalidade dos dados obtidos: tensão máxima (kf/cm2), força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf). Para esse fim usou-se o teste estatístico de Shapiro-Wilk, cuja hipótese de nulidade expressa que os dados em questão têm distribuição normal. Os dados também foram usados para configurar o gráfico Boxplot. Em seguida, fizeram-se testes estatísticos T para as amostras independentes e se considerou p < 0,05. Os resultados obtidos de força máxima (kgf), força de ruptura (kgf) e tensão máxima (kf/cm2) de ambos os preparos foram comparados.

Resultados

A amostra estudada corresponde a 57 tendões infraespinhais de ratos. Em três ratos não foi possível obterem-se os tendões por morte prematura: um no grupo C1, um no C3 e um no E1.

Todos os tendões romperam no local da cicatriz.

Os resultados dos testes biomecânicos estão dispostos nas tabelas, subdivididas entre seus respectivos grupos (tabelas 2, 3 e 4). A distribuição dos valores em gráficos Bloxplot está apresentada nas figs. 46.

Tabela 2
Resultados obtidos com relação a tensão máxima, força máxima e força de ruptura com suas respectivas médias e desvio-padrão para os grupos C1 e E1 (uma semana)
Tabela 3
Resultados obtidos com relação a tensão máxima, força máxima e força de ruptura com suas respectivas médias e desvio-padrão para os grupos C3 e E3 (três semanas)
Tabela 4
Resultados obtidos com relação a tensão máxima, força máxima e força de ruptura com suas respectivas médias e desvio-padrão para os grupos C5 e E5 (cinco semanas)
Figura 4
Bloxplot de distribuição da tensão máxima pelos grupos.
Figura 5
Bloxplot de distribuição da força máxima pelos grupos.
Figura 6
Bloxplot de distribuição da força de ruptura pelos grupos.

Nos grupos de estudo de uma semana, observamos maior tensão máxima (p = 0,03) no grupo C1 em comparação com o grupo E1. As variáveis força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf) não diferiram estatisticamente entre os grupos pesquisados. Da mesma forma, nos grupos de três semanas, o grupo C3 mostrou maior resistência apenas para tensão máxima (p = 0,007) do que o grupo E3. As demais variáveis não apresentaram diferenças entre os grupos. Nos grupos C5 e E5, nenhum dos parâmetros estudados apresentou diferenças estatísticas.

Discussão

O manguito rotador de ratos é usado em experimentos pelas similaridades com o ombro humano até com relação aos movimentos de elevação e rotação em vários planos. Quando o rato está correndo o manguito passa sob o acrômio de forma repetida, o que é comparável com o ser humano em atividades com o membro superior em elevação acima de 90 graus.2121. Soslowsky LJ, Carpenter JE, DeBano CM, Banerji I, Moalli MR. Development and use of an animal model for investigations on rotator cuff disease. J Shoulder Elbow Surg. 1996;5(5):383–92.Além disso, o tendão infraespinhal do rato da espécie Rattus norvegicus apresenta similaridade anatômica com o tendão infraespinhal humano, tem maior comprimento do que o supraespinhal1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80. e para o nosso experimento foi considerado como corpo de prova ideal.

Existem outras formas de testar lesões tendinosas, mas optamos pelo tendão infraespinhal de ratos Wistar por acre-ditar que o modelo descrito por Mykolyzk et al.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80. se adaptava bem a nosso estudo. A diferença fundamental entre a nossa proposta e a dele é a extensão da lesão experimental. Ele testou a influência do corticoide em tendões íntegros e sobre a cicatriz obtida em uma lesão de aproximadamente 50% da largura do tendão. Nós testamos a ação do corticoide sobre uma lesão completa submetida a reparo cirúrgico. Ambos os estudos têm o mesmo objetivo, avaliar a ação do corticoide sobre o tendão infraespinhal de ratos, porém em situações diferentes.

Phelps et al.1010. Phelps D, Sonstegard DA, Matthews LS. Corticosteroid injection effects on the biomechanical properties of rabbit patellar tendons. Clin Orthop Relat Res. 1974;(100):345–8. avaliaram a resistência dos tendões patelares de coelhos submetidos a três infiltrações semanais e sacrificados de quatro a 54 dias após a última infiltração. Eles não demonstraram diferenças significativas entre o grupo inoculado com soro e o grupo inoculado com metilprednisolona. Em nosso modelo verificamos a diminuição na resistência da cicatriz em intervalos de uma semana e três semanas após o contato do tendão com o corticoide. Phelps et al.1010. Phelps D, Sonstegard DA, Matthews LS. Corticosteroid injection effects on the biomechanical properties of rabbit patellar tendons. Clin Orthop Relat Res. 1974;(100):345–8. usaram apenas tendões íntegros e não descreveram tempo-padrão para a eutanásia após as infiltrações. Em nosso estudo essas variáveis foram controladas.

Vogel referido por Paavola et al.2222. Paavola M, Kannus P, Järvinen TA, Järvinen TL, Józsa L, Järvinen M. Treatment of tendon disorders. Is there a role for corticosteroid injection? Foot Ankle Clin. 2002;7(3):501–13.referiu aumento na força tênsil de tendões após inoculações peritendinosas de corticoide. Esse resultado é divergente do nosso e dos demais estudos da literatura, mas, por impossibilidade de se obter o trabalho original, pouco se sabe sobre a metodologia empregada.

A influência dos corticoides na cicatrização de tendões já foi estudada por diversos autores. Wrenn et al.1616. Wrenn RN, Goldner JL, Markee JL. An experimental study of the effect of cortisone on the healing process and tensile strength of tendons. J Bone Joint Surg Am. 1954;36(3):588–601.estudaram tendões extensores da patas de cão e demonstraram que altas doses de hidrocortisona intramusculares (10 mg/kg) diminuem em 40% a resistência da cicatriz provocada por uma lesão experimental depois de testes com três semanas após o reparo cirúrgico. Eles afirmaram que, apesar da diminuição na força de ruptura, a resistência da cicatriz foi suficiente para função normal do membro do animal. Obtivemos resultados similares com relação à diminuição da resistência da cicatriz com uma e três semanas após a lesão experimental em tendões infraespinhais de ratos. Diferenças técnicas, como a injeção local ou intramuscular, parecem não ter influência sobre o resultado final.

Gonzalez,1717. Gonzalez RI. Experimental tendon repair within the flexor tunnels; the use of hydrocortisone without improvement of function in the dog. J Bone Joint Surg Am. 1953;35(4):991–3. entretanto, ao avaliar a lesão experimental em tendões de cão, suturados e inoculados no peritendão com hidrocortisona, em dose única, método semelhante ao do nosso estudo em infraespinhal de ratos com metilprednisolona, não demonstrou diferença estatística na resistência da cicatriz após três semanas do reparo cirúrgico. Isso pode estar relacionado com o tipo do corticoide e o modelo animal usados.

A estrutura dos tendões pode ser alterada com o uso de corticoides. Akpinar et al.1313. Akpinar S, Hersekli MA, Demirors H, Tandogan RN, Kayaselcuk F. Effects of methylprednisolone and betamethasone injections on the rotator cuff: an experimental study in rats. Adv Ther. 2002;19(4):194–201. demonstraram que, após quatro infiltrações subacromiais com betametasona ou com metilprednisolona, os tendões se tornaram macroscopicamente mais moles, leves e descolorados quando comparados com tendões infiltrados com solução salina ou mesmo com tendões normais. No aspecto microscópico, os grupos inoculados com corticoides demonstraram fragmentação nas fibras de colágeno. Esses autores concluíram que o corticoide pode causar efeitos deletérios nos tendões do manguito rotador e não recomendam o uso clínico de múltiplas infiltrações. Tillander et al.1212. Tillander B, Franzén LE, Karlsson MH, Norlin R. Effect of steroid injections on the rotator cuff: an experimental study in rats. J Shoulder Elbow Surg. 1999;8(3):271–4. usaram repetidas infiltrações subacromiais de triancinolona em tendões de ratos. Observaram que até três infiltrações de triancinolona não produziram alterações macroscópicas ou microscópicas em relação ao grupo controle. Ao avaliar o grupo de ratos que recebeu cinco infiltrações, observaram que 28% tinham alterações macroscópicas e 56% alterações da microestrutura dos tendões, inclusive a presença de células inflamatórias. Foi observado ainda nesse trabalho que os ratos que receberam corticoide perderam peso ao ser comparados ao grupo controle. Essa variação de peso pode ter ocorrido em nosso estudo, porém não foi avaliada em nossos animais. Os parâmetros desse trabalho divergem dos nossos por ter avaliado os aspectos macro e microscópios dos tendões e nós a resistência da cicatriz. Em estudos futuros associaremos a avaliação da microestrutura dos tendões.

Os tendões infiltrados com corticoide e obtidos de ratos eutanasiados com uma semana após o reparo tinham diminuição significativa nos valores de tensão máxima (kgf/cm2) ao ser comparados com os controles. Nesse mesmo grupo, os parâmetros força máxima (kgf) e força de ruptura (kgf) demonstraram tendência a se apresentar também diminuídos, porém a diferença não foi significativa. Apenas Mikolyz et al.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80.avaliaram a influência de corticoide sobre tendões em períodos precoces de uma semana. Em tendões parcialmente lesados, observaram diferença apenas no quesito estresse máximo (MPa), sem diferença na força máxima (N) ou na rigidez (N/mm). Apesar da diferença estrutural de ambas as séries, nossos resultados, em parte, se assemelham aos de Mikolyz et al.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80.

Mikolyz et al.,1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80. em tendões três semanas após infiltração do corticoide, não demonstraram diminuição na resistência em nenhum dos parâmetros analisados. Nós, no presente estudo, observamos que o valor de tensão máxima manteve–se diminuído em relação ao grupo controle no fim de três semanas.

A resistência dos tendões infraespinhais analisados após cinco semanas não mostrou diferença ao serem comparados aos controles, tanto no nosso estudo quanto no de Mikolyz et al.1515. Mikolyzk DK, Wei AS, Tonino P, Marra G, Williams DA, Himes RD, et al. Effect of corticosteroids on the biomechanical strength of rat rotator cuff tendon. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(5):1172–80.

Este trabalho tem a limitação de estudar as lesões tendinosas puras, menos frequentes na lesão do manguito rotador do que a lesão tendão-osso. Outra limitação do trabalho é o fato de que as infiltrações subacromiais não são rotineiramente feitas no momento da sutura, e sim como tratamento prévio ao reparo do tendão, o que restringe, assim, o extrapolamento dos dados para prática clínica.

Na avaliação da literatura, entretanto, não encontramos trabalho similar ao presente estudo que avaliasse objetivamente a influência dos corticoides na cicatrização do manguito pós-reparo. Ainda assim os trabalhos demonstram piores resultados clínicos nos manguitos reparados com repetidas infiltrações. Consideramos que essa é uma linha de investigação importante de ser seguida para entender o porquê do pior resultado dos reparos do manguito rotador após repetidas infiltrações.

Conclusão

No período de uma semana e três semanas após sutura, o grupo de estudo teve diminuição na tensão máxima da cicatriz em relação ao grupo controle, mas sem diferenças nos quesitos força máxima e força de ruptura. Cinco semanas após lesão e sutura, a resistência da cicatriz se tornou equivalente em todos os parâmetros nos grupos estudo e controle.

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  • Trabalho realizado na Clínica Cirúrgica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2013
  • Aceito
    15 Out 2013
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