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Sutura elástica no fechamento de fasciotomia para tratamento de síndrome compartimental associada à fratura da tíbia Trabalho desenvolvido na Casa de Saúde Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Relata-se neste trabalho o uso da sutura elástica como adjuvante no fechamento de ferida cirúrgica provocada por fasciotomia descompressiva após síndrome do compartimento associada a fratura exposta de tíbia. Muito usada em outras especialidades médico-cirúrgicas, a técnica não é habitual em ortopedia; entretanto, a simplicidade do procedimento e o resultado satisfatório observado neste caso permite reputá-la como indicada para situações similares à apresentada neste trabalho.

Palavras-chave:
Fáscia/cirurgia; Fraturas ósseas; Tíbia; Sutura/utilização

ABSTRACT

This article reports the use of elastic suture as an adjuvant in surgical wound closure caused by decompressive fasciotomy after compartment syndrome associated with a compound fracture of the tibia. Widely used in other medico-surgical specialties, this technique is unusual in orthopedics surgery, but the simplicity of the procedure and the successful outcome observed in this case allows for its consideration as indicated for situations similar to that presented in this study.

Keywords:
Fascia/surgery; Fractures, bone; Tibia; Sutures/utilization

Introdução

A sutura elástica de feridas permite fechamento progressivo da lesão, abrange todas as suas camadas, restaura a anatomia normal e restitui todas as funções de contenção e resistência dos planos cutâneos, sem gerar novos fatores de morbidade para o paciente. Foi usada pela primeira vez para aproximar os bordos de uma fasciotomia pós-síndrome compartimental em membro superior.11. Raskin KB. Acute vascular injuries of the upper extremity. Hand Clin. 1993;9(1):115-30.

O objetivo deste trabalho foi relatar o uso da sutura elástica no fechamento de ferida cirúrgica de fasciotomia pós-síndrome do compartimento em perna com fratura traumática em terço proximal da tíbia e fíbula associadas a lesão vascular.

Relato do caso

Paciente masculino, 30 anos, vítima de atropelamento por veículo de passeio, sofreu fratura exposta em tíbia e fíbula, foram feitas a lavagem mecanocirúrgica e a fixação externa transarticular entre o fêmur e a tíbia em um hospital público do Estado do Rio de Janeiro e foi transferido em seguida para nosso serviço.

Ao exame clínico-ortopédico, o paciente apresentava dor branda, edema ++ + +/4+, sutura na face anterior da perna, com perfusão capilar normal e pulso de difícil palpação no membro acometido. Foram feitas radiografias para rotina de trauma e do membro inferior, bem como tomografia do membro lesionado. Os exames de imagem evidenciaram lesões apenas na perna, com fratura multifragmentar do terço proximal da tíbia e fíbula alinhadas, estabilizadas e mantidas por fixador externo transarticular (fig. 1). Os exames laboratoriais demonstraram alterações em relação aos parâmetros de normalidade para os seguintes itens: neutrófilos, 9128; PCR 34,4 e CK 3940.

Figura 1 -
a,radiografia simples em perfil; b, radiografia simples em anteroposterior; c, tomografia em perfil; d, tomografia em anteroposterior.

O paciente evoluiu em algumas horas com dor progressiva e intensa, que não melhorou com uso de analgésico, parestesia em hálux ipsilateral, edema e pele tensa e brilhante, foi feita a fasciotomia descompressiva. Durante o ato cirúrgico verificou-se rompimento do tronco tibiofibular e foi feita sua ligadura. Não houve sutura direta da fasciotomia, o local da incisão foi protegido por curativos oclusivos (fig. 2). O paciente foi levado para a unidade de tratamento intensivo para tratamento de rabdomiólise.

Figura 2 -
Fasciotomia descompressiva.

Solicitado parecer do serviço de cirurgia vascular, foi feita arteriografia do membro, que evidenciou interrupção do tronco tibiofibular compatível com história de trauma (fig. 3), com enchimento das artérias tibial posterior e fibular por fluxo retrógrado.

Figura 3 -
Arteriografia que mostra lesão vascular.

Sete dias após a fasciotomia, o paciente apresentava a ferida limpa, sem sinais de infecção. Nessa oportunidade instalou-se o sistema de sutura elástica, com fio elástico para cirurgia vascular fixado à pele com grampos metálicos, aplicados com grampeador cirúrgico, distante 0,5 cm das bordas da incisão, iniciou-se pelo vértice proximal e continuou em direção ao vértice distal. O fio foi fixado a um dos lados e atravessou a incisão para ser preso ao lado oposto, em uma sequência que lembra um ziguezague da região proximal até a distal, como shoelace technique. Após sete dias observou-se a aproximação total das bordas da ferida, quando se retiraram o fio elástico e os grampos metálicos e fez-se a sutura definitiva com fio de nylon 2-0 ( fig. 4A-D).

Figura 4 -
a,hora zero de sutura elástica; b, 48 horas de sutura elástica; c: aspecto da pele após retirada da sutura elástica mantida por sete dias; d, hora zero de sutura secundária após retirada de sutura elástica mantida por sete dias.

O tratamento definitivo da fratura foi feito com fixação externa hibrida (fig. 5).

Figura 5 -
Aspecto da ferida após 25 dias da sutura elástica.

Discussão

O reconhecimento da síndrome do compartimento nem sempre é fácil, pois a perfusão periférica e os pulsos arteriais geralmente estão mantidos, não são bons parâmetros para suspeição clínica. Laboratorialmente ocorre aumento da creatina-quinase (CK), que indica mioglobinúria e sugere o diagnóstico.22. Ernest CB, Brennaman BH, Haimovici H. Fasciotomia. In: Haimovici H, Ascer E, Hollier LH, Strandness DE Jr, Towne JB, editors. Cirurgia vascular: princípios e técnicas. 4a ed. São Paulo: Di Livros; 2000. p. 1290-8. A fratura da diáfise da tíbia é uma das causas mais frequentes de síndrome do compartimento.33. McQueen MM, Gaston P, Court- Brown CM. Acute compartment syndrome. Who is at risk? J. Bone Joint Surg Br. 2000;82(2):200-3. A reparação dessas feridas cirúrgicas é feita com enxertos ou grandes retalhos de pele, o que determina novas feridas, que, por sua vez, também precisam ser tratadas. Essas condutas acompanham-se de dor, elevada incidência de infecções, retração cicatricial, rejeição e insucessos.44. Cipolla J, Stawicki SP, Hoff WS, McQuay N, Hoey BA, Wainwright G, et al. A proposed algorithm for managing the open abdomen. Am Surg. 2005;71(3):202-7. As fraturas proximais de tíbia apresentam maior risco para síndrome compartimental,55. Camacho SP, Lopes RC, Carvalho MR, Carvalho ACF, Bueno RC, Regazzo PH. Análise da capacidade funcional de indivíduos submetidos a tratamento cirúrgico após fratura do planalto tibial. Acta Ortop Bras. 2008;16(3):168-72.essa condição é favorecida quando há lesão vascular, é caracterizada por aumento dos níveis pressóricos em regiões envolvidas por fáscias musculares inelásticas, altera a microcirculação local e compromete a viabilidade dos tecidos. A síndrome compartimental é uma emergência ortopédica que tem na fasciotomia descompressiva o recurso terapêutico para contenção de danos e redução de graves sequelas.66. Blanco MG, López AA, Lorenzo YG. Síndrome compartimental agudo en lesiones de la tibial. Arq Med Camagüey. 2008;4(12):1-10.

A dor intensa é o mais precoce achado clínico objetivo77. Kojima KE, Ferreira RV. Fraturas da diáfise da tíbia. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):130-5. e nota-se palpação de aumento da pressão e firmeza no compartimento. A gravidade associa-se à rapidez com que o aumento de pressão se estabelece, ao tempo que perdura e ao grau de comprometimento da microcirculação de tecidos.88. Sayum Filho J, Ramos LA, Sayum J, Carvalho RT, Ejnisman B, Matsuda MM, et al. Síndrome compartimental em perna após reconstrução de ligamento cruzado anterior: relato de caso. Rev Bras Ortop . 2011;46(6):730-2.

A incisão da fasciotomia por si só já representa um dano ao paciente, além de potencializar infecções e aumentar o tempo de internação. Diversos procedimentos foram descritos para o fechamento desse tipo de incisão, com o uso de diversos tipos de materiais, referiu-se até mesmo elásticos comuns, devidamente esterilizados para a aproximação das bordas da ferida cirúrgica, fixados à pele adjacente à incisão por pontos cirúrgicos com fio de sutura, determina boa aproximação das bordas da ferida em apenas cinco dias após o procedimento, com fechamento total da pele após 20 dias do pós-operatório, sem necessidade de sutura secundária da pele.99. Petroianu A, Sabino KR, Alberti LR. Closure of large wound with rubber elastic circular strips - case report. Arq Bras Cir Dig. 2014;27(1):86-7. No caso em questão a sutura elástica foi eficaz para auxiliar o fechamento definitivo da incisão para fasciotomia, permitiu a sutura secundária e dispensou o uso de autoenxertia cutânea, técnica exequível, de fácil manejo e baixo custo. Existe associação entre fraturas de tíbia e o desenvolvimento da síndrome compartimental, é necessário o diagnóstico diferencial a partir do reconhecimento precoce dos sinais e dos sintomas para a instituição de terapêutica adequada, o que melhora o prognóstico e diminui o índice de morbidade.1010. Pitta GBB, Santos TFA, Santos FTA, Costa Filho EM. Síndrome compartimental pós-fratura de platô tibial. Rev Bras Ortop . 2014;49(1):86-8. O fechamento de fasciotomia na perna com uso de material elástico na sutura é mais barato e contribui para o menor tempo de hospitalização, quando comparada com a técnica a vácuo.1111. Kakagia D, Karadimas EJ, Drosos G, Ververidis A, Trypsiannis G, Verettas D. Wound closure of leg fasciotomy: comparison of vacuum-assisted closure versus shoelace technique. A randomised study. Injury. 2014;45(5):890-3.

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  • Trabalho desenvolvido na Casa de Saúde Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2015
  • Aceito
    14 Dez 2015
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