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Perfil de vítima de acidente motociclístico na emergência de um hospital universitário

Resumos

OBJETIVO

: Fazer levantamento epidemiológico dos acidentes motociclísticos ocorridos em cidade com mais de um milhão de habitantes e atendidos em hospital universitário de referência entre julho e novembro de 2010.

MÉTODOS:

Estudo transversal com o uso de entrevista estruturada (formulário padronizado) para documentar a coleta de dados: idade, sexo, renda mensal, tempo de uso e cilindrada da moto.

RESULTADOS

: A partir de 114 casos, foi observado que o perfil do paciente atendido no hospital em estudo, vítima de acidente motociclístico, é de um indivíduo jovem, do sexo masculino, possuidor de carteira de habilitação há menos de cinco anos, com renda mensal média em torno de mil reais, possuidor de moto de baixa cilindrada (menos do que 150 cc) e baixa escolaridade. Os acidentes atendidos ocorreram predominantemente no perímetro urbano, no período da tarde, e um terço deles foi considerado acidente de trabalho, que gerou óbito em 3% dos casos e fraturas expostas em 11% deles.

CONCLUSÃO:

A incidência de acidentes motociclísticos envolveu predominantemente homens jovens com pouca experiência no trânsito e baixo nível de instrução.

Acidentes de trânsito/epidemiologia; Motocicletas ; Serviços médicos de emergência


OBJECTIVE:

Epidemiological survey of motorcycle accidents occurring in a city with over one million inhabitants and treated at university hospital of reference between the months of July and November 2010.

METHODS:

Cross sectional study using structured interview (standardized form) to document the data collection: age, gender, income, using time and capacity of the motorcycle.

RESULTS:

From 114 cases, it was observed that the profile of the victim of motorcycle accident treated at this hospital is a young person, male, possessing a driver's license for less than five years, with a monthly income average around one thousand reais (local currency), owner of a motorcycle with low capacity (less than 150 cc) and low educational attainment. The accidents occurred predominantly in the urban area, in the afternoons and one third of them were considered work-related accidents, death generated in 3 per cent of cases and open fractures in 11 per cent of them.

CONCLUSION:

The incidence of motorcycle accidents involved mainly young men with little experience in traffic and low level of education.

Traffic accidents/epidemiology ; Motorcycles ; Emergency medical services


Introdução

Os sistemas de transportes terrestres tornaram-se um aspecto crucial da modernidade e revolucionaram as relações sociais contemporâneas e o sistema econômico. Esse tipo de transporte é cada vez mais associado a acidentes de trânsito e à mortalidade prematura, bem como a deficiências físicas e psicológicas dos acidentados. As perdas não se limitam à redução da produtividade do trabalhador ou às lesões que afetam as vidas das vítimas. O aumento dos custos para os serviços de saúde e dos encargos para as finanças públicas também é um fator importante.

Nos países em desenvolvimento, a urbanização rápida e não planejada agrava a situação. Dada a falta de infraestrutura adequada nas cidades e de um marco legal regulatório, o aumento exponencial do número de acidentes de trânsito é ainda mais preocupante. As estatísticas indicam que, no Brasil, 30 mil pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito, 44% têm entre 20 e 39 anos e 82% são homens.1

Como em outros países latino-americanos, no Brasil observa-se crescente consciência da urgência de conter essa tendência. O governo tem dedicado esforços para o desenvolvimento e a implantação de campanhas de educação e segurança rodoviária. Nesse contexto, o país tem um código de trânsito que contribuiu para diminuir em cerca de 5 mil o número anual de mortes causadas pelo tráfego.1

No entanto, o crescente número de acidentes motociclísticos no país, especialmente nos centros urbanos, justifica estudos que busquem compreender os perfis epidemiológicos dos indivíduos acidentados, a fim de possibilitar melhor atendimento nos serviços de emergência e subsidiar ações do poder público frente a essa questão, o que inclui medidas educativas e fiscalizatórias.

Segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus),2 acidentes de trânsito no Brasil ocupam o sexto lugar em internações e o segundo lugar na mortalidade geral e geram um custo de cerca de R$ 5 bilhões por ano.

Este estudo objetivou identificar o perfil das vítimas de acidente motociclístico ocorridos entre julho e novembro de 2010 em cidade de um milhão de habitantes e atendidos em serviço de referência de trauma.

Métodos

Estudo transversal desenvolvido no serviço de emergência de hospital universitário em cidade com cerca de um milhão de habitantes e que presta atendimento a vítimas de acidentes motociclísticos ocorridos, com referência regional.

A amostra de sujeitos incluiu 114 vítimas desses acidentes atendidas no referido serviço de julho a novembro de 2010.

Foram incluídos no estudo pilotos e garupas de acidentes motociclísticos que chegaram ao serviço de emergência nesse período. Não foram incluídos na pesquisa pacientes com outros ferimentos causados por moto e que não envolvessem acidentes de trânsito, tais como queimaduras acidentais e quedas com a moto parada.

Os dados pessoais foram coletados junto aos pacientes ou parentes das vítimas de modo prospectivo e consecutivo, com o uso de formulário padronizado, cujos dados foram armazenados e analisados estatisticamente. A equipe médica e de enfermagem responsável pelo primeiro atendimento contribuiu na comunicação aos pesquisadores sobre a entrada do acidentado.

Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, renda mensal, escolaridade, tempo de experiência com moto, cilindrada da moto, circunstâncias do acidente, dentre elas os acidentes de trabalho.

Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em questão (Protocolo 946/10).

Resultados

O levantamento mostrou que dos 114 acidentados identificados, a maioria incluía jovens com idade média de 28 anos, variava entre 13 e 69 anos, 103 (90,3%) eram do sexo masculino e 11 mulheres, com média de quatro anos e meio de carteira de habilitação.

Com relação ao grau de escolaridade, observou-se que 57,8% dos acidentados apresentavam apenas ensino fundamental (14% incompleto). Sobre as circunstâncias do acidente, 31% (35 eventos) foram caracterizados como relacionados ao trabalho (acidente de trajeto ou a pessoa estava em serviço). A renda mensal média dos acidentados foi de R$ 1.008,00.

Em referência ao encaminhamento dos acidentados após atendimento inicial, 26,3% deles necessitaram de internação, 43,8% tiveram alta, 2,6% foram a óbito e 24,5% foram encaminhados ao ambulatório de ortopedia para acompanhamento. Com relação aos diagnósticos, 47,3% sofreram algum tipo de fratura, das quais 24% foram fraturas expostas com prevalência nos membros inferiores (93%), o que representa 11,4% do total dos pacientes atendidos. Os óbitos decorreram de trauma neurológico e lesões viscerais em pacientes que deram entrada no pronto-socorro principalmente no período noturno (66%). A maioria das motos envolvidas nesses acidentes (81,5%) tinha 150 cilindradas ou menos.

A maior frequência desses acidentes aconteceu na sextafeira, seguida por domingo e segunda-feira (Fig. 1). Com relação ao período do dia, a maior parte aconteceu à tarde, com 56 ocorrências. No período da noite foram 39 casos, seguido de 29 entradas de manhã.

Fig. 1
- Acidentes por dia da semana.

O Pronto-Socorro do Serviço de Ortopedia e Traumatologia foi o local do primeiro atendimento de 60% e 40% deram entrada na emergência do hospital. Em 97% dos casos o acidente ocorreu dentro do perímetro urbano do município.

A circunstância do acidente ficou assim definida: 55,2% colisão com outro veiculo, 38,6% queda da motocicleta, 5,2% atropelamento e 0,8% não se lembram.

Discussão

Estudo epidemiológico na região em análise3 apontou que, entre 1995 e 2000, houve aumento de 209% no número de mortes nos acidentes de trânsito que envolveram motocicletas. O constante aumento desses veículos cadastrados no município, isoladamente, não pode explicar uma quantidade tão alta de aumento de mortes entre seus pilotos e ocupantes. São necessárias mais pesquisas que busquem demonstrar os motivos e as circunstâncias dessas ocorrências.

Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde,4 motociclistas têm um risco 34% maior de morte em acidentes de trânsito do que motoristas de outros veículos, ocupam uma das maiores taxas de morte no trânsito no mundo e têm chance oito vezes maior de se machucar nessas situações.1 Esse grande risco de trauma e morte em motociclistas, por sua vez, tem sido também associado à pouca idade do piloto, dado esse que condiz com a nossa pesquisa: idade média de 28 anos, 53,5% dos pacientes com lesões moderadas a graves que necessitaram de tratamento ortopédico específico (internação ou acompanhamento ambulatorial).

Estudo da Universidade de Padova,5 Itália, mostra que quanto maior a experiência no trânsito, menores as situações de risco enfrentadas pelo piloto. Em nosso estudo foi evidenciada pouca experiência na pilotagem da motocicleta, a maioria dos pacientes com média de quatro anos e meio de habilitação para esse tipo de veículo. A prevalência de acidentes dentro da cidade (97%), com 31% deles considerados acidentes de trabalho, mostra que o piloto está mais suscetível nos horários não laborais e dentro do perímetro urbano. A baixa cilindrada das motos pode estar relacionada à baixa renda mensal dos pacientes, às facilidades de aquisição do veículo e à aparente melhor pilotagem no trânsito congestionado das cidades brasileiras.

Um estudo epidemiológico sobre acidentes de motocicleta na cidade de São Paulo constatou que de 166 mortos, 64 (38,5%) faleceram no local do evento, sete (4,2%) a caminho do hospital e 95 (57,2%) no hospital. Com relação ao tempo de sobrevida, a morte no local ou em menos de 24 horas após o evento decorreu de fratura de crânio, traumatismos internos, fratura de pescoço ou tronco, em sua maioria pacientes politraumatizados, com média de quatro lesões diagnosticadas por morto.6,7

Nossa pesquisa evidenciou predominância de lesões em extremidades, com 24% das fraturas classificadas como expostas, localizadas nos membros inferiores em 93% delas. O fato de quase metade dos acidentados ter sofrido fraturas (47,3%) mostra a alta morbidade provada pelo acidente motociclístico. A vulnerabilidade do usuário da moto é evidente porque esse veículo não tem proteção similar à de veículos de quatro rodas. Em caso de colisão, o motociclista absorve toda a energia gerada no impacto e vai de encontro à via pública, a objetos ou outros veículos. Como consequência, os acidentes frequentemente geram lesões importantes e por vezes politraumatismos graves e óbito. As causas dos óbitos em nosso estudo foram semelhantes às do estudo de São Paulo, ou seja, trauma crânio-encefálico e traumatismos internos, com média de idade de 23 anos e 4 meses para os que foram a óbito, sendo todos do sexo masculino, o que revela, juntamente com outros dados, que esse grupo (homem jovem em idade economicamente ativa e com pouca instrução) é aquele com maior chance de sofrer um acidente motociclístico que resulte em morte.

Segundo o Institute of Injury Prevention and Control de Taiwan,8 leis sobre obrigatoriedade do uso de capacetes, aplicação dos limites legais da concentração de álcool no sangue e limites de velocidade no trânsito são eficazes na redução das mortes dos pilotos.

Levantamento do Hospital de Clínicas da USP em Ribeirão Preto9 apontou que das 13h às 18h as vítimas de acidentes com moto que dão entrada no hospital são pacientes com trauma, principalmente nos fins de semana. Durante a madrugada o número de traumas é menor, porém os casos são de complexidade maior. Assemelhando-se a esses achados, observou-se que a maioria dos acidentes ocorreu no período da tarde (49,1%), com predominância na sexta-feira. Dos três óbitos ocorridos, dois foram no período noturno.

O acidente motociclístico já foi incorporado ao cotidiano das pessoas. Conhecer melhor essa realidade e o perfil do acidentado pode permitir desenvolver subsídios para a tomada de decisões e implementação de ações a fim de prevenir e conter a atual situação. As autoridades gestoras e operadoras de trânsito, além dos profissionais de saúde, são os principais responsáveis por implementar essa mudança.

O perfil do paciente atendido no hospital em estudo, vítima de acidente motociclístico, é de um indivíduo jovem, do sexo masculino, com baixa escolaridade, portador de carteira de habilitação há menos de cinco anos, com renda mensal média em torno de mil reais, usuário de moto de baixa cilindrada. Os acidentes ocorreram predominantemente no perímetro urbano, no período da tarde, um terço deles foi de acidentes de trabalho e geraram óbito em 2,6% dos casos e fraturas expostas em 11% deles.

Conclusão

A incidência de acidentes motociclísticos envolveu predominantemente homens jovens com pouca experiência no trânsito e baixo nível de instrução.

REFERENCES

  • 1
    Peden M., editor. Informe mundial sobre prevención de los traumatismos causados por el tránsito: resumen. Organización Mundial de La Salud: Ginebra; 2004.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Disponível em http://www.datasus.gov.br (Access on Nov 21st, 2011).
    » http://www.datasus.gov.br
  • 3
    Queiroz MS, Oliveira, PCP. Acidentes de trânsito: uma visão qualitativa no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(5):1179-87.
  • 4
    Peden MM. World report on road traffic injury prevention. Geneva: World Health Organization; 2004.
  • 5
    Vidotto G, Bastianelli A, Spoto A, Sergeys F. Enhancing hazard avoidance in teen-novice riders. Accid Anal Prev. 2011;43(1):247-52.
  • 6
    Koizumi MS. Padrão das lesões nas vítimas de acidentes de motocicleta. Rev Saude Publica. 1992;26(5):306-15.
  • 7
    Koizumi MS. Aspectos epidemiológicos dos acidentes de motocicleta no Município de São Paulo, 1982 [thesis]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 1984.
  • 8
    Lin MR, Kraus JF. A review of risk factors and patterns of motorcycle injuries. Accid Anal Prev. 2009;41(4):710-22.
  • 9
    Perigo em duas rodas. Agência Fapesp. Disponível em: http://agencia.fapesp.br/12443. (Access on Aug 10th, 2010).
    » Disponível em: http://agencia.fapesp.br/12443

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May/June 2013

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2012
  • Aceito
    14 Set 2012
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