Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos da radiação ionizante nas proteínas presentes em ossos humanos desmineralizados, liofilizados ou congelados

Resumos

OBJETIVO:

Estudar os efeitos da aplicação das radiações ionizantes (gama e elétrons) como agentes esterilizantes, nas doses de 15 kGy, 25 kGy e 50 kGy, nos tecidos ósseos desmineralizados congelados e liofilizados para uso em transplantes.

MÉTODOS:

Cinco diáfises femorais humanas de doadores distintos de tecidos musculoesqueléticos foram desmineralizadas e preservadas como liofilizadas ou congeladas a -80 °C. As amostras foram divididas em grupos não irradiados (controle) e irradiados por raios gama ou feixe de elétrons. As proteínas ósseas foram extraídas e dosadas as concentrações de proteínas totais, BMP 2 e 7.

RESULTADOS:

Foi observada diminuição das concentrações de proteínas totais e BMP 2 e 7. A diminuição das concentrações de proteínas totais, quando comparada com o respectivo controle, foi significativa nos grupos de amostras liofilizadas e congeladas e irradiadas na dose de 50 kGy por radiação gama e feixe de elétrons com redução superiores a 30%. A diminuição significativa nas concentrações das BMP 2 e 7 também foi observada nas maiores doses e principalmente por feixe de elétrons.

CONCLUSÃO:

As reduções nas concentrações das proteínas totais e em proteínas osteoindutoras (BMP 2 e 7) foram relacionadas à dose de radiação, ou seja, aumentam com maiores doses, tipo de radiação ionizante e ao tipo de preservação dos ossos. As maiores reduções das concentrações foram observadas nos ossos irradiados por feixe de elétrons e na dose de 50 kGy. Porém esse tipo de radiação e essa alta dose não são práticas usuais para a esterilização dos tecidos ósseos.

Osso e ossos; Radiação ionizante; Banco de tecidos; Proteína morfogenética óssea 2; Proteína morfogenética óssea 7


OBJECTIVE:

The aim was to study the effects of application of ionizing radiation (gamma and electrons) as sterilizing agents at doses of 15 kGy, 25 kGy and 50 kGy, on lyophilized or frozen demineralized bone tissue for use in transplants.

METHODS:

Five human femoral diaphyses from different donors of musculoskeletal tissue were demineralized and preserved as lyophilized or frozen at -80 °C. The samples were divided into two groups: non-irradiated (control) and irradiated by means of gamma rays or an electron beam. The bone proteins were extracted and used to determine the concentrations of total protein and BMP 2 and 7.

RESULTS:

Decreases in total protein and BMP 2 and 7 concentrations were observed. The decreases in total protein concentrations, in comparison with the respective control groups, were significant in the lyophilized and frozen samples that were irradiated at a dose of 50 kGy of gamma radiation and electron beam, with reductions of more than 30%. Significant decreases in the levels of BMP 2 and 7 were also observed at higher doses and especially through use of the electron beam.

CONCLUSION:

The reductions in the concentrations of total proteins and osteoinductive proteins (BMP 2 and 7) were related to the radiation dose, i.e. they increased with higher doses of ionizing radiation type and the type of bone preservation. The largest reductions in concentrations were observed in the bones irradiated by means of an electron beam and at a dose of 50 kGy. However, this type of radiation and this high dose are not usual practices for sterilization of bone tissue.

Bone and bones; Radiation, ionizing; Tissue banks; Bone morphogenetic protein 2; Bone morphogenetic protein 7


Introdução

Existe uma crescente demanda de solicitações de enxertos musculoesqueléticos alógenos para reconstruções ortopédicas e odontológicas no Brasil. Destacam-se os tecidos ósseos com 21.681 distribuições em 2014.

Os bancos de tecidos musculoesqueléticos são organizações que se responsabilizam pela seleção dos doadores, captação, processamento, armazenamento, distribuição e controle de qualidade dos tecidos.

Os tecidos ósseos são obtidos de doadores falecidos ou vivos. Os tecidos musculoesqueléticos são usados principalmente nas revisões de artroplastias do quadril e joelho, no tratamento de pacientes portadores de tumores ósseos, nas reconstruções articulares para tratamento das lesões ligamentares, no levantamento do seio maxilar com atrofia e enxertia em mandíbula para a instalação de implantes dentários.11. Amatuzzi MM, Croci AT, Giovani AMM, Santos LAU. Banco de tecidos: estruturação e normatização. Rev Bras Ortop. 2000;35(5):165-72.

O material alógeno ideal para ser usado como opção de enxertia deve ter as seguintes propriedades: biocompatibilidade, não causar infecção, baixa imunogenicidade, ser osteocondutor e osteoindutor.

A osteoindução é um processo da osteogênese que promove o recrutamento de células indiferenciadas pluripotentes (mesenquimais) e a estimulação para a diferenciação em células formadoras de ossos. Um importante grupo de glicoproteínas, extraídas da matriz óssea desmineralizada, é constituído por proteínas ósseas morfogenéticas (BMPs), responsáveis pela indução óssea.22. Urist MR, Huo YK, Brownell AG, Hohl WM, Buyske J, Lietze A, et al. Purification of bovine bone morphogenetic protein by hydroxyapatite chromatography. Proc Natl Acad Sci U S A. 1984;81(2):371-5.

As BMPs são classificadas como uma subfamília dentro da superfamília dos fatores de crescimento e transformação-ß (TGF-ß) e segundo a literatura as BMPs 2, 4 e 7 têm um maior potencial na indução da diferenciação osteoblástica a partir das células mesenquimais progenitoras.

O procedimento de desmineralização em matriz óssea cortical aumenta a disponibilidade biológica de BMPs e torna esses enxertos osteoindutores.33. Pietrzak WS, Ali SN, Chitturi D, Jacob M, Woodell- May JE. BMP depletion occurs during prolonged acid demineralization of bone: characterization and implications for graft preparation. Cell Tissue Bank. 2011;12(2):81-8. Existe uma correlação positiva entre os conteúdos de BMPs presentes nos enxertos e a osteoindutividade.44. Blum B, Moseley J, Miller L, Richelsoph K, Haggard W. Measurement of bone morphogenetic proteins and other growth factors in demineralized bone matrix. Orthopedics. 2004;27 Suppl 1:s161-5.

Há uma intensa preocupação de garantir a qualidade dos tecidos e promover a segurança dos pacientes receptores de tecidos homógenos em relação à transmissão de doenças infectocontagiosas.

Com o propósito de eliminar possíveis contaminações, é feita, no doador de tecidos ósseos, a triagem sorológica, avaliação do histórico e comportamento social, assim como testes de biologia molecular para detecção de RNA viral de HIV e HCV, exames clínicos e controles microbiológicos, além de serem aplicadas técnicas assépticas durante os procedimentos.55. Nguyen H, Morgan DA, Forwood MR. Sterilization of allograft bone: effects of gamma irradiation on allograft biology and biomechanics. Cell Tissue Bank. 2007;8(2):93-105. Entretanto, existe a possibilidade de contaminação com microrganismos durante a captação, processamento, preservação e armazenamento dos tecidos.66. Phillips GO. Sterilisation. In: Multimedia distance learning package on tissue banking (module 5: processing). Singapore: International Atomic Energy Agency (IAEA)/National University of Singapore (NUS). Regional Co -operative Agreement for Asia Pacific (RCA); 1997. p. 47-60.

Diversos profissionais responsáveis pelos bancos de tecidos consideram importante que tecidos biológicos sejam esterilizados por um método eficaz, com a radiação ionizante.

A esterilização por radiação ionizante é um método que apresenta vantagens sobre outros, pois proporciona um aumento mínimo da temperatura e não deixa resíduos tóxicos, o que a torna passível de ser usada, além de ser uma esterilização final.77. Dziedzic- Goclawska A. The application of ionising radiation to sterilise connective tissue allografts. In: Phillips GO, editor. Radiation and Tissue Banking. Singapore: World Scientific; 2000. p. 57-99.Porém, alguns autores concluíram que a esterilização por radiação ionizante pode acarretar alterações estruturais e biológicas em relação à dose nos tecidos ósseos. 55. Nguyen H, Morgan DA, Forwood MR. Sterilization of allograft bone: effects of gamma irradiation on allograft biology and biomechanics. Cell Tissue Bank. 2007;8(2):93-105.and88. Pekkarinen T, Hietalal O, Jämsä T, Jalovaara P. Gamma irradiation and ethylene oxide in the sterilization of native reindeer bone morphogenetic protein extract. Scand J Surg. 2005;94(1):67-70.

Os diferentes tipos de preservação óssea podem afetar tanto a manutenção das proteínas quanto a interação da radiação ionizante com o tecido. As diferentes doses de radiação ionizante também podem influenciar a integridade óssea quanto à manutenção do potencial osteoindutivo desses enxertos.

O melhor conhecimento desses parâmetros pode auxiliar os responsáveis pelos bancos de tecidos na escolha das condições de irradiação e preservação dos tecidos e qualidade dos enxertos usados nos transplantes.

O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos da aplicação da radiação gama e de feixe de elétrons, produzidas por fontes de 60Co e acelerador de elétrons respectivamente, nas doses de 15 kGy, 25 kGy e 50 kGy nos tecidos ósseos desmineralizados preservados congelados e liofilizados. E avaliar as possíveis alterações na concentração de proteínas totais e das BMP-2 e BMP-7, de modo a determinar a melhor dose para proporcionar a segurança na esterilidade e a preservação das proteínas osteoindutivas dos enxertos ósseos.

Materiais e métodos

Após a aprovação do projeto pelo CEP no 238/12, a pesquisa se iniciou com a seleção das amostras de cinco diáfises femorais obtidas da captação de tecidos ósseos de cinco doadores falecidos distintos, dois do sexo masculino e três do feminino, entre 39 a 65 anos (média de 52) de acordo com o protocolo do Banco de Tecidos Musculoesqueléticos do nosso departamento.

As corticais das diáfises foram particuladas e foi feita a separação das partículas menores do que 1 mm e 48 g de tecidos ósseos (3 g por amostra) de cada diáfise femoral foram necessários para a produção de 16 grupos distintos para cada doador, total de 80 amostras provenientes dos cinco doadores.

Posteriormente parte das amostras (42 g) foi desmineralizada em solução de 0,5 N HCl em um béquer de vidro, na proporção de 50 ml de solução por um grama de tecido, por 90 minutos à temperatura de 18 °C + 2/-2 °C. Foi usado agitador mecânico orbital em baixa rotação para a agitação constante durante todo o processo de desmineralização.33. Pietrzak WS, Ali SN, Chitturi D, Jacob M, Woodell- May JE. BMP depletion occurs during prolonged acid demineralization of bone: characterization and implications for graft preparation. Cell Tissue Bank. 2011;12(2):81-8. Posteriormente parte das amostras foi liofilizada ou congelada.

Para a divisão dos grupos, os tecidos ósseos desmineralizados (TODs) foram divididos em dois grupos: liofilizados ou congelados.

As amostras dos grupos (TODs) liofilizados e congelados foram irradiadas nas doses de 15, 25 e 50 kGy por duas fontes de radiação: acelerador de elétrons (feixe de elétrons) e por Cobalto-60 (raios gama). As amostras foram classificadas como: LIO 15; 25; 50 AE, LIO 15; 25; 50 γ , CG 15; 25; 50 AE e CG 15; 25; 50 γ . Duas amostras controle de tecidos não irradiados desmineralizados foram criadas.

A irradiação das amostras foi feita no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). As amostras dos grupos foram irradiadas com radiação gama por fontes de 60Co do Irradiador Multipropósito com taxa de dose de 0,00138 kGy/s ou por feixe de elétrons do acelerador de elétrons industrial com taxa de dose de 3,92 kGy/s. Para evitar a variação da temperatura, as amostras liofilizadas e congeladas foram irradiadas a 4 °C e -70 °C, respectivamente.

Para a extração das BMPs e das proteínas totais da matriz óssea, foi usado tampão com Guanidina.HCl, como descrito a seguir: foram adicionados 0,5 g de tecido de cada amostra em 5 ml da solução fresca de 4 M Guanidina.HCL/0,05 M Tris.HCL com pH de 6.0, com uma mistura de inibidores de proteases: 5 mM benzamidina.HCL/0,1 M 6-ácido aminohexanoico/0,5 mM fluoreto de fenilmetilsulfonil/5 mM N-etilmaleimida, sob agitação e temperatura de 4 °C por 24 horas. Posteriormente os tubos foram centrifugados a 697 g por cinco minutos. O sobrenadante foi retirado e acondicionado em um segundo tubo.

Foram adicionados novamente 5 ml de solução fresca de 4 M guanidina.HCL/0,05 M Tris.HCL e a mistura de inibidores de proteases ressuspendeu o sedimento. As amostras ficaram sob agitação à temperatura de 4 °C por cinco horas.33. Pietrzak WS, Ali SN, Chitturi D, Jacob M, Woodell- May JE. BMP depletion occurs during prolonged acid demineralization of bone: characterization and implications for graft preparation. Cell Tissue Bank. 2011;12(2):81-8. Após as amostras foram novamente centrifugadas e os sobrenadantes adicionados ao tubo anterior e posteriormente aliquotados e congelados a -80 °C.

As proteínas totais e as BMPs 2 e 7 foram quantificadas pelos métodos de Bradford e Elisa, respectivamente. As dosagens foram feitas em triplicata e o resultado foi a média aritmética das mesmas.

Os resultados de cada grupo foram comparados com os seus respectivos controles, assim como foram comparados os controles entre si.

A análise estatística dos dados foi feita por comparação dos resultados pelo método one-way Anova seguido do teste de Tukey para diferenças estatísticas de (p < 0,05).

Resultados

Na tabela 1 e figura 1, podemos observamos a quantificação das proteínas totais em mg/g tecido ósseo desmineralizado (TOD) e as reduções gradativas nas concentrações médias nos grupos irradiados em relação aos seus respectivos controles (não irradiados). As alterações estatisticamente significativas foram observadas nos grupos LIO 50 γ (31,9%), LIO 50 γ AE (35,6%), CG 25 γ (18,3%), CG 50 γ (39,8%), CG 15 AE 13,6%, CG 25 AE (18,3%) e CG 50 AE (36,1%).

Tabela 1
- Diminuição da concentração média de proteína total em porcentagem dos diferentes grupos estudados com relação ao controle

Figura 1
- Efeitos da radiação ionizante nas proteínas dos TODs. Quantificação das proteínas totais extraídas da matriz óssea orgânica em relação aos grupos irradiados e não irradiados (controle). Representação do resultado da dosagem de proteínas totais por grupos. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

As BMPs 2 e 7 foram quantificadas com o objetivo de analisar os efeitos da radiação ionizante e as possíveis alterações nas concentrações dessas proteínas. Os resultados das concentrações obtidas foram correlacionados em gramas de TOD e por grama de proteína total.

Os resultados obtidos nos grupos analisados foram registrados nas tabela 2 and Tabela 3, nas quais observamos os resultados da concentração média de BMP-2 e BMP-7, em µg/g e ng/g, respectivamente. Nos grupos liofilizados e congelados notamos a redução, em porcentagem, das concentrações médias de BMP-2 e BMP-7 nos diferentes grupos irradiados em relação ao controle (não irradiado).

Tabela 2
- Registro das dosagens de BMP-2 dos grupos estudados. Redução da concentração da BMP-2 dos grupos irradiados em porcentagem com relação ao controle (não irradiado)
Tabela 3
- Redução da concentração das BMPs 7 dos grupos irradiados em porcentagem com relação ao controle (não irradiado)

Na tabela 2 e figura 2, podemos notar os efeitos da radiação ionizante nas concentrações de BMP-2 dos grupos estudados. As alterações estatisticamente significativas com redução das concentrações médias em relação ao respectivo controle foram observadas nos grupos LIO 50 AE (32,6%), CG 50 γ (27,2%) e CG 50 AE (39,4%).

Figura 2
- Efeitos das radiações gama e feixe de elétrons nas concentrações de BMP-2 por grama de TOD nos grupos estudados. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Na tabela 3 e figura 3, podemos notar os efeitos da radiação ionizante nas concentrações de BMP-7, nos diferentes grupos estudados. As alterações estatisticamente significativas com redução das concentrações médias de BMP-7 em relação ao respectivo controle foram observadas nos grupos LIO 15 AE (26,9%), LIO 25 AE (32,4%), LIO 50 AE (41,7%), CG 50 γ (44,1%), CG 15 AE (36,4%), CG 25 AE (39,3%) e CG 50 AE (52,6%).

Figura 3
- Efeitos das radiações gama e feixe de elétrons nas concentrações de BMP-7 por grama de TOD nos grupos estudados. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Nas Figura 4 and Figura 5, podemos observar as concentrações médias de BMP-2 em relação às proteínas totais dosadas nos grupos irradiados e não irradiados. Houve alteração significativa estatisticamente nos grupos LIO 50 γ e CG 50 γ em relação ao controle.

Figura 4
- Relação entre a concentração de BMP-2 e de proteínas totais específicas de cada grupo de tecido liofilizado não irradiado e irradiado com radiação gama e feixe de elétrons. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Figura 5
- Relação entre a concentração de BMP-2 e de proteínas totais específicas de cada grupo de tecido congelado não irradiado e irradiado com radiação gama e feixe de elétrons. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Nas Figura 6 and Figura 7 observamos as concentrações médias de BMP-7 em relação às proteínas totais dosadas nos grupos irradiados e não irradiados. Notamos diferenças estatisticamente significativas nos grupos LIO 50 γ, CG 15 AE, CG 25 AE, CG 50 AE em relação aos respectivos controles.

Figura 6
- Relação entre a concentração de BMP-7 e de proteínas totais específicas de cada grupo de tecido liofilizado não irradiado e irradiado com radiação gama e feixe de elétrons. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Figura 7
- Relação entre a concentração de BMP-7 e de proteínas totais específicas de cada grupo de tecido congelado não irradiado e irradiado com radiação gama e feixe de elétrons. (*) indica diferença estatisticamente significativa em relação ao controle (p < 0,05).

Discussão

O aumento do uso dos enxertos de tecido musculoesquelético em cirurgias de reconstrução e o objetivo de promover uma maior segurança nos transplantes e na qualidade dos tecidos levaram os bancos de tecidos a buscar melhores técnicas de processamento, preservação e esterilização.

A radiação gama é a mais usada nos bancos de tecidos e demonstra ser um método eficaz para proporcionar esterilização terminal do tecido biológico, porém há relatos sobre os efeitos deletérios das propriedades mecânicas e biológicas dos tecidos, a depender da dose de radiação aplicada.55. Nguyen H, Morgan DA, Forwood MR. Sterilization of allograft bone: effects of gamma irradiation on allograft biology and biomechanics. Cell Tissue Bank. 2007;8(2):93-105.

A radiação por feixe de elétrons é uma opção promissora no processo de esterilização dos tecidos e tem algumas vantagens comparadas com a radiação gama, tais como operação com um sistema rápido de transferência da radiação. A principal desvantagem é o baixo poder de penetrabilidade dos feixes de elétrons nos materiais, que dificulta ou impossibilita a irradiação, a depender da estrutura e da densidade dos tecidos.

A atividade e a concentração das BMPs e dos fatores de crescimento pertencentes aos TGF-ß são essenciais para a eficaz osteoindução dos enxertos ósseos, porém podem ser degradados durante o processo de esterilização por radiação ionizante e, portanto, comprometer o transplante ósseo.99. Puolakkainen PA, Ranchalis JE, Strong DM, Twardzik DR. The effect of sterilization on transforming growth factor beta isolated from demineralized human bone. Transfusion. 1993;33(8):679-85.

A técnica de quantificação das proteínas é um importante parâmetro, pois a osteoindução e a osteogênese são processos funcionais dos enxertos ósseos e dependem quantitativamente da existência das proteínas ósseas e fatores de crescimento. Existe uma correlação positiva entre os conteúdos de BMPs presentes nos enxertos e a osteoindutividade.44. Blum B, Moseley J, Miller L, Richelsoph K, Haggard W. Measurement of bone morphogenetic proteins and other growth factors in demineralized bone matrix. Orthopedics. 2004;27 Suppl 1:s161-5.and1010. Ripamonti U, Van Den Heever B, Sampath TK, Tucker MM, Rueger DC, Reddi AH. Complete regeneration of bone in the baboon by recombinant human osteogenic protein-1 (hOP-1, bone morphogenetic protein-7). Growth Factors. 1996;13(3-4):273-89.

Existem estudos com resultados controversos sobre os efeitos da radiação gama no potencial osteoindutivo nos enxertos ósseos desmineralizados. Em 1988 Munting et al.1111. Munting E, Wilmart JF, Wijne A, Hennebert P, Delloye C. Effect of sterilization on osteoinduction. Comparison of five methods in demineralized rat bone. Acta Orthop Scand. 1988;59(1):34-8. concluíram que a osteoindução é totalmente inibida com doses de radiação gama superiores a 20 kGy. Os estudos se fizeram com a implantação de TODs nos músculos de ratos e coelhos. Porém todos os enxertos foram irradiados à temperatura ambiente, o que pode explicar o comprometimento da qualidade dos tecidos.

Em contraste, outros autores1212. Dziedzic- Goclawska A, Ostrowski K, Stachowicz W, Michalik J, Grzesik W. Effect of radiation sterilization on the osteoinductive properties and the rate of remodeling of bone implants preserved by lyophilization and deep-freezing. Clin Orthop Relat Res. 1991;(272):30-7.and1313. Wientroub S, Reddi AH. Influence of irradiation on the osteoinductive potential of demineralized bone matrix. Calcif Tissue Int. 1988;42(4):255-60. irradiaram os TODs com radiação gama em condições controladas de temperatura com o uso de gelo seco e obtiveram resultados promissores, o que reforça a hipótese de que os tecidos ósseos irradiados a baixas temperaturas são menos suscetíveis à radiação. Wientroub e Reddi1313. Wientroub S, Reddi AH. Influence of irradiation on the osteoinductive potential of demineralized bone matrix. Calcif Tissue Int. 1988;42(4):255-60. concluíram que uma dose padrão (25 kGy) de radiação gama não alterou o potencial osteoindutivo dos TODs implantados em músculo de rato e doses mais elevadas (30 a 50 kGy) até aumentaram essa propriedade.

Da mesma forma, Glowacki1414. Glowacki KA. Hemiresection arthroplasty of the distal radioulnar joint. Hand Clin. 2005;21(4):591-601. em 2005 relatou que os TODs irradiados com doses de 20 kGy a 40 kGy mantiveram 80% da sua atividade osteoindutiva. Dziedzic-Goclawska em 2002 divulgou os resultados encontrados dos tecidos ósseos congelados à temperatura de -72 °C e irradiados com doses de 35 kGy e 50 kGy e concluiu que não havia diferenças no potencial de osteoindução quando comparado com os tecidos ósseos não irradiados. Entretanto, os tecidos preservados liofilizados e irradiados a temperatura ambiente nas mesmas doses foram completamente reabsorvidos e perderam a capacidade de produzir a osteoindução.

Com os resultados obtidos dos efeitos da radiação ionizante na concentração das proteínas osteoindutoras, no presente estudo, conforme registrados na tabela 2 e figura 2, constatamos a reduções significativas de BMP-2 em relação ao controle (não irradiado) somente nos grupos irradiados nas doses de 50 kGy (LIO 50 AE, CG 50 γ e CG 50 AE). As maiores reduções (acima de 32%) foram encontradas nos grupos irradiados por acelerador de elétrons. Nas doses de 15 e 25 kGy, em quaisquer das condições, não observamos variação dose-dependente.

Os resultados da dosagem da BMP-7, conforme tabela 3 e figura 3, evidenciam reduções significativas em relação aos respectivos controles em todos os grupos irradiados por acelerador de elétrons (LIO 15 AE, LIO 25 AE, LIO 50 AE, CG 15 AE, CG 25 AE, CG 50 AE) e no grupo congelado irradiado por radiação gama na dose de 50 kGy (CG 50 γ). Nos grupos nos quais a redução não foi significativa, pudemos observar uma tendência a uma diminuição dose-dependente (de 7 a 18%).

Comparando os efeitos da radiação nos grupos liofilizados e congelados estudados, apesar de não ser estatisticamente significativo, os grupos congelados tiveram maior redução da concentração das proteínas totais (13,1 a 36,1%) e das BMP-2 (16,8 a 39,4%) e BMP-7 (10,1 a 52,6%) quando comparados com os grupos liofilizados (12,5 a 35,6%; 0,0 a 32,6%; 7,4 a 41,7, respectivamente). Essa evidência pode ser explicada pelos maiores efeitos biológicos indiretos da radiação ionizante nos tecidos que apresentam a maior presença de água, pela radiólise da mesma, que gera maiores quantidades de radicais livres e consequentemente produz possíveis danos aos tecidos.1515. Dziedzic-Goclawska A, Kaminski A, Uhrynowska-Tyszkiewicz I, Michalik J, Stachowicz W. Trends in radiation sterilization of health care products. Vienna: International Atomic Energy Agency; 2008. p. 231-56. Available from: http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub1313web.pdf [accessed 11.05.14].
http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications...

Nas Figura 4 and Figura 5 notamos um aumento significativo na concentração média de BMP-2 por grama de proteína na dose de 50 kGy por radiação gama nos grupos, congelado e liofilizado. Na figura 6, notamos aumento significativo na concentração média de BMP-7 por grama de proteína no grupo liofilizado e irradiado na dose de 50 kGy. Na figura 7 houve redução significativa nas concentrações médias de BMP-7 por grama de proteína nas amostras dos grupos congelados e irradiados por feixe de elétrons nas doses de 15, 25 e 50 kGy. Esse fato deve-se aos diferentes efeitos das radiações ionizantes nas concentrações de proteínas totais e nas proteínas específicas (BMP 2 e 7).

Portanto os efeitos da radiação ionizante em provocar danos aos enxertos ósseos dependem principalmente de dois fatores: (1) as condições da irradiação (dose de radiação, taxa de dose, tipo de radiação ionizante, temperatura de radiação); (2) o estado físico das amostras, principalmente na quantidade de água presente nos tecidos ósseos.1515. Dziedzic-Goclawska A, Kaminski A, Uhrynowska-Tyszkiewicz I, Michalik J, Stachowicz W. Trends in radiation sterilization of health care products. Vienna: International Atomic Energy Agency; 2008. p. 231-56. Available from: http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub1313web.pdf [accessed 11.05.14].
http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications...

Conclusão

A radiação ionizante em altas doses (50 kGy) causa reduções significativas, entre 35% a 52%, nas concentrações das proteínas totais e em proteínas osteoindutoras (BMP 2 e 7). Foi observado também que a radiação por feixe de elétrons provoca mais efeitos deletérios do que a radiação gama nas quantidades de proteínas ósseas estudadas. Entretanto essas condições não são usualmente aplicadas na esterilização dos tecidos ósseos.

Nas condições de esterilização dos tecidos normalmente aplicadas aos tecidos ósseos (15 kGy a 25 kGy por raios gama), as reduções nas concentrações de proteínas osteoindutivas, BMP-2 e BMP-7, foram menores do que 20%.

References

  • 1
    Amatuzzi MM, Croci AT, Giovani AMM, Santos LAU. Banco de tecidos: estruturação e normatização. Rev Bras Ortop. 2000;35(5):165-72.
  • 2
    Urist MR, Huo YK, Brownell AG, Hohl WM, Buyske J, Lietze A, et al. Purification of bovine bone morphogenetic protein by hydroxyapatite chromatography. Proc Natl Acad Sci U S A. 1984;81(2):371-5.
  • 3
    Pietrzak WS, Ali SN, Chitturi D, Jacob M, Woodell- May JE. BMP depletion occurs during prolonged acid demineralization of bone: characterization and implications for graft preparation. Cell Tissue Bank. 2011;12(2):81-8.
  • 4
    Blum B, Moseley J, Miller L, Richelsoph K, Haggard W. Measurement of bone morphogenetic proteins and other growth factors in demineralized bone matrix. Orthopedics. 2004;27 Suppl 1:s161-5.
  • 5
    Nguyen H, Morgan DA, Forwood MR. Sterilization of allograft bone: effects of gamma irradiation on allograft biology and biomechanics. Cell Tissue Bank. 2007;8(2):93-105.
  • 6
    Phillips GO. Sterilisation. In: Multimedia distance learning package on tissue banking (module 5: processing). Singapore: International Atomic Energy Agency (IAEA)/National University of Singapore (NUS). Regional Co -operative Agreement for Asia Pacific (RCA); 1997. p. 47-60.
  • 7
    Dziedzic- Goclawska A. The application of ionising radiation to sterilise connective tissue allografts. In: Phillips GO, editor. Radiation and Tissue Banking. Singapore: World Scientific; 2000. p. 57-99.
  • 8
    Pekkarinen T, Hietalal O, Jämsä T, Jalovaara P. Gamma irradiation and ethylene oxide in the sterilization of native reindeer bone morphogenetic protein extract. Scand J Surg. 2005;94(1):67-70.
  • 9
    Puolakkainen PA, Ranchalis JE, Strong DM, Twardzik DR. The effect of sterilization on transforming growth factor beta isolated from demineralized human bone. Transfusion. 1993;33(8):679-85.
  • 10
    Ripamonti U, Van Den Heever B, Sampath TK, Tucker MM, Rueger DC, Reddi AH. Complete regeneration of bone in the baboon by recombinant human osteogenic protein-1 (hOP-1, bone morphogenetic protein-7). Growth Factors. 1996;13(3-4):273-89.
  • 11
    Munting E, Wilmart JF, Wijne A, Hennebert P, Delloye C. Effect of sterilization on osteoinduction. Comparison of five methods in demineralized rat bone. Acta Orthop Scand. 1988;59(1):34-8.
  • 12
    Dziedzic- Goclawska A, Ostrowski K, Stachowicz W, Michalik J, Grzesik W. Effect of radiation sterilization on the osteoinductive properties and the rate of remodeling of bone implants preserved by lyophilization and deep-freezing. Clin Orthop Relat Res. 1991;(272):30-7.
  • 13
    Wientroub S, Reddi AH. Influence of irradiation on the osteoinductive potential of demineralized bone matrix. Calcif Tissue Int. 1988;42(4):255-60.
  • 14
    Glowacki KA. Hemiresection arthroplasty of the distal radioulnar joint. Hand Clin. 2005;21(4):591-601.
  • 15
    Dziedzic-Goclawska A, Kaminski A, Uhrynowska-Tyszkiewicz I, Michalik J, Stachowicz W. Trends in radiation sterilization of health care products. Vienna: International Atomic Energy Agency; 2008. p. 231-56. Available from: http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub1313web.pdf [accessed 11.05.14].
    » http://wwwpub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub1313web.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2015
  • Aceito
    11 Maio 2015
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br