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Impacto da COVID-19 no momento de reparo do manguito rotador e método de acompanhamento pós-operatório

Resumo

Objetivo

Oreparodomanguitorotador (RMR) é um dos procedimentos artroscópi-cos maiscomuns. Nossapesquisavisaquantificar o impacto da pandemia de COVID-19 sobre o RMR, especificamente em pacientes com lesões agudas e traumáticas. Métodos Os prontuários institucionais foram consultados para identificação de pacientes submetidos ao RMR artroscópico entre 1° de março e 31 de outubro de 2019 e de 2020. Dados demográficos, pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios dos pacientes foram coletados de prontuários eletrônicos. Os dados foram analisados por estatística inferencial.

Resultados

Totais de 72 ede60pacientes foramidentificados em 2019 e 2020, respectivamente. Os pacientes de 2019 apresentaram menor intervalo entre a ressonância magnética (RM) e a cirurgia (62,7 ± 70,5 dias versus 115,7 ± 151,0 dias; p = 0,01). Os exames de RM mostraram menor grau médio de retração em 2019 (2,1 ± 1,3 cm versus 2,6 ± 1,2 cm; p = 0,05), mas nenhuma diferença foi observada na extensão anteroposterior da laceração entre os anos (1,6 ± 1,0 cm versus 1,8 ± 1,0 cm; p = 0,17).Em 2019,o número de pacientes atendidos por seus cirurgiões em consultas pós-operatórias por telemedicina foi menor em comparação com 2020 (0,0% versus 10,0%; p = 0,009). Não foram observadas alterações significativas nas taxas de complicação (0,0% versus 0,0%; p > 0,999), de readmissão (0,0% versus 0,0%; p > 0,999) ou de revisão (5,6% versus 0,0%; p = 0,13).

Conclusão

Não houve diferenças significativas nos dados demográficos dos pacientes ou nas principais comorbidades entre 2019 e 2020. Nossos dados sugerem que, embora o intervalo entre a RM e a cirurgia tenha sido maior em 2020 e tenha havido necessidade de consultas por telemedicina, o RMR ainda foi realizado em tempo hábil e sem alterações significativas nas complicações precoces. Nível de Evidência III.

COVID-19; duração da cirurgia; período perioperatório; manguito rotador; ombro

Abstract

Objective

Rotator cuff repair (RCR) is one of the most common arthroscopic procedures. Our investigation aims to quantify the impact that the COVID-19 pandemic had on RCR, specifically on patients with acute, traumatic injuries.

Methods

Institutional records were queried to identify patients who underwent arthroscopic RCR between March 1st to October 31st of both 2019 and 2020. Patient demographic, preoperative, perioperative, and postoperative data were collected from electronic medical records. Inferential statistics were used to analyze data.

Results

Totals of 72 and of 60 patients were identified in 2019 and in 2020, respectively. Patients in 2019 experienced shorter lengths of time from MRI to surgery (62.7 ± 70.5 days versus 115.7 ± 151.0 days; p = 0.01). Magnetic resonance imaging (MRI) scans showed a smaller average degree of retraction in 2019 (2.1 ± 1.3 cm versus 2.6 ± 1.2 cm; p = 0.05) butnodifference in anterior toposterior tear size between years (1.6 ± 1.0 cm versus 1.8 ± 1.0 cm; p = 0.17). Less patients in 2019 had a tele-health postoperative consultation with their operating surgeon compared with 2020 (0.0% versus 10.0%; p = 0.009). No significant changes in complications (0.0% versus 0.0%; p > 0.999), readmission (0.0% versus 0.0%; p > 0.999), or revision rates (5.6% versus 0.0%; p = 0.13) were observed.

Conclusion

From 2019 to 2020, there were no significant differences in patient demographics or major comorbidities. Our data suggests that even though the time from MRI to surgery was delayed in 2020 and telemedicine appointments were necessary, RCR was still performed in a time in early complications. Level of Evidence III.

COVID-19; operative time; perioperative period; rotator cuff; shoulder

Introdução

As lesões do manguito rotador são uma das causas mais comuns de dor no ombro em adultos. Estas lesões podem provocar disfunção e dor significativas no ombro. De modo geral, o grau de disfunção, especificamente nas rupturas agudas e traumáticas, leva os pacientes a procurarem avaliação ortopédica em um curto espaço de tempo.11 Mall NA, Lee AS, Chahal J, et al. An evidenced-based examination of the epidemiology and outcomes of traumatic rotator cuff tears. Arthroscopy 2013;29(02):366-376 No entanto, durante a pandemia da doença pelo novo coronavírus (COVID-19) de 2019, os sistemas de saúde foram forçados a alocar recursos e equipes médicas para o combate à infecção de rápida disseminação. O primeiro caso de COVID-19 foi relatado no estado de Nova York, Estados Unidos, em 1° de março de 2020. Para conter a disseminação e preservar recursos, o Cirurgião-Geral dos Estados Unidos emitiu uma declaração aconselhando hospitais de todo o país a interromper procedimentos eletivos em 14 de março de 2020. Embora esta moratória de procedimentos eletivos tenha sido suspensa na cidade de Nova York em 8 de junho de 2020, meses se passaram até que o número de procedimentos eletivos voltasse a ser semelhante àquele observado antes da pandemia.

Mesmo após a retomada dos procedimentos cirúrgicos eletivos, os pacientes continuaram a hesitar em buscar avaliação ou tratamento de lesões no ombro. Houve um declínio significativo no interesse público pela cirurgia do manguito rotador durante a pandemia, com redução de 53,32% no volume de pesquisas no Google neste período.22 Subhash AK, Maldonado DR, Kajikawa TM, Chen SL, Stavrakis A, Photopoulos C. Public Interest in Sports Medicine and Surgery (Anterior Cruciate Ligament, Meniscus, Rotator Cuff) Topics Declined Following the COVID-19 Outbreak. Arthrosc Sports Med Rehabil 2021;3(01):e149-e154Pesquisas anteriores identificaram que apenas 27 a 56,8% dos pacientes estariam dispostos a se submeter a um procedimento eletivo o mais cedo possível.33 Chang JS, Wignadasan W, Pradhan R, Kontoghiorghe C, Kayani B, Haddad FS. Elective orthopaedic surgery with a designated COVID-19-free pathway results in low perioperative viral transmission rates. Bone Jt Open 2020;1(09):562-567,44 Moverman MA, Puzzitiello RN, Pagani NR, Barnes CL, Jawa A, Menendez ME. Public Perceptions of Resuming Elective Surgery During the COVID-19 Pandemic. J Arthroplasty 2021;36(02): 397-402.e2

A hesitação dos pacientes em passar por cirurgias eletivas poderia retardar o atendimento de doenças do manguito rotador, um fator de risco associado a desfechos piores.55 Fitzgerald MJ, Goodman HJ, Kenan S, Kenan S. Did COVID-19 related delays in surgical management lead to patient morbidity in the orthopaedic oncological population? Bone Jt Open 2021;2 (04):236-242,66 Lockey SD, Nelson PC, Kessler MJ, Kessler MW. Approaching "Elective" Surgery in the Era of COVID-19. J Hand Surg Am 2021;46(01): 60-64Além disso, o retardo do tratamento destas lesões pode aumentar o tamanho da laceração, a progressão da atrofia muscular e o risco de necessidade de cirurgia de revisão.77 Duncan NS, Booker SJ, Gooding BW, Geoghegan J, Wallace WA, Manning PA. Surgery within 6 months of an acute rotator cuff tear significantly improves outcome. J Shoulder Elbow Surg 2015;24 (12):1876-1880

8 Fu MC, O'Donnell EA, Taylor SA, et al. Delay to Arthroscopic Rotator Cuff Repair Is Associated With Increased Risk of Revision Rotator Cuff Surgery. Orthopedics 2020;43(06):340-344

9 Patel V, Thomas C, Fort H, et al. Early versus delayed repair of traumatic rotator cuff tears. Does timing matter on outcomes? [published online ahead of print, 2021 Apr 3]Eur J Orthop Surg Traumatol 2022;32(02):269-277
-1010 Petersen SA, Murphy TP. The timing of rotator cuff repair for the restoration of function. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(01):62-68Devido ao risco de piora do desfecho pelo retardo do tratamento, recomendou-se que o reparo do manguito rotador (RMR), em especial de lesões agudas, fosse considerado prioritário em relação a outros procedimentos eletivos nos quais o tempo é um fator menos importante.1111 Hinckel BB, Baumann CA, Ejnisman L, et al. Evidence-based Risk Stratification for Sport Medicine Procedures During the COVID-19 Pandemic. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev 2020;4(10): 00083, 1212 Humbyrd CJ, Dunham AM, Xu AL, Rieder TN. Restarting Orthopaedic Care in a Pandemic: Ethical Framework and Case Examples. J Am Acad Orthop Surg 2021;29(02):e72-e78

Os objetivos da nossa pesquisa são a avaliação de quaisquer diferenças demográficas em pacientes submetidos à cirurgia do manguito rotador imediatamente após a pandemia de COVID-19 em 2020 em comparação com o mesmo período de 2019 e a determinação da magnitude do retardo destes procedimentos (tempo entre o início de sintomas ou realização de ressonância magnética [RM] e a cirurgia). Nossa hipótese é que os pacientes submetidos a cirurgia do manguito rotador em 2020 serão mais jovens, mais propensos a apresentar uma lesão aguda e com maior demora até o tratamento de uma lesão aguda em comparação com o ano anterior, no qual ainda não havia a pandemia.

Materiais e Métodos Coorte de Pacientes

O estudo foi aprovado por nosso conselho de revisão institucional. Os prontuários da instituição foram consultados para identificação dos pacientes submetidos ao RMR artroscópico com base no código 29827 de Current Procedural Terminology (CPT, na sigla em inglês) entre 1° de março e 31 de outubro de 2019 e de 2020. Estes procedimentos foram realizados em uma única instituição por dois cirurgiões.

Coleta de Dados

Os prontuários eletrônicos dos pacientes identificados foram consultados para coleta de dados demográficos e achados à RM e exame físico. Dentre esses dados, estavam características pré-operatórias, perioperatórias e pós-operatórias dos pacientes submetidos ao RMR. A amplitude de movimento de elevação anterior e de rotação externa foi coletada do primeiro exame físico do paciente com o seu respectivo cirurgião. As descrições cirúrgicas dos pacientes foram revistas para a identificação do tipo de RMR e do número de âncoras usadas no procedimento. Os pacientes codificados de maneira incorreta e que não haviam sido submetidos ao RMR à revisão das descrições cirúrgicas foram excluídos da análise. A RM de cada paciente foi analisada para determinar a pontuação de Goutallier, o grau de retração da laceração e sua extensão anteroposterior. Além disso, subanálises compararam os subconjuntos de pacientes que sofreram lesões traumáticas em 2019 e 2020.

Análise Estatística

Os dados das coortes de 2019 e 2020 foram comparados. Estatísticas descritivas e comparativas de dados demográficos, pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios de todos os pacientes foram analisadas. A análise univariada dos dados categóricos foi realizada com o teste qui-quadrado ou com o teste exato de Fisher quando apropriado. Os dados contínuos foram analisados com o teste t de duas amostras ou com o teste U de Mann-Whitney dependendo da normalidade da amostra, previamente determinada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A variância entre os dois grupos foi comparada com teste F de igualdade. A significância estatística foi definida como valor-p < 0,05.

Resultados

Dados Demográficos

O presente estudo identificou 132 pacientes submetidos ao RMR, 72 em 2019 e 60 e 2020. Não houve diferença de gênero (48,6% versus 58,3% de homens; p = 0,27), média de idade à cirurgia (61,0 ± 9,4 anos versus 60,5 ± 10,2 anos; p = 0,78) ou índice de massa corpórea (IMC) (28,1 ± 5,3 versus 29,9 ± 7,0; p = 0,27). As pontuações da American Society of Anesthe-siolgists (ASA, na sigla em inglês) (p = 0,31) e as taxas de tabagismo (p = 0,68) e histórico de diabetes (6,9% versus 15,0%; p= 0,12) e hipertensão (48,6% versus 56,7%; p= 0,29) também foram semelhantes entre os anos. A distribuição de seguradoras também foi consistente (p= 0,63) (►Tabela 1). Com o fim da moratória de procedimentos eletivos em 8 de junho de 2020, 38 pacientes da coorte de 2019 foram submetidos ao RMR em comparação com 46 pacientes da coorte de 2020.

Tabela 1
Dados demográficos dos pacientes (2019: n=72; 2020: n=60).

Características Pré-operatórias

A coorte de 2019 apresentava mais indivíduos com histórico de cirurgia no mesmo ombro em comparação com a coorte de 2020 (11,1% versus 1,7%; p= 0,04). Além disso, mais indivíduos da coorte de 2019 tinham lesões agudas (38,9% versus 25,0%; p= 0,09), mas sem diferença estatística. Não houve diferença significativa no número de lesões traumáticas tratadas entre os anos (68,1% versus 75,0%; p= 0,35). Também não houve diferença entre o tempo desde o início da dor ou da lesão até a cirurgia em pacientes com lesão traumática (360,6±938,5 dias versus 259,4±304,0 dias; p = 0,47) ou lesão atraumática (436,3 ± 388,1 dias versus 478.7 ± 426,7 dias; p = 0,66) entre as coortes de 2019 e de 2020. No tratamento pré-operatório, um número semelhante de pacientes foi submetido à fisioterapia (63,2% versus 55,0%; p = 0,35) e recebeu corticosteroides injetáveis no consultório antes da tentativa de tratamento cirúrgico (25,0% versus 28,3%; p= 0,67). Os pacientes que receberam corticosteroides em 2019 tenderam a apresentar intervalos maiores entre a injeção e a cirurgia (342,9 ± 376,4 dias versus 157.8 ± 89,2 dias; p = 0,10). No exame físico pré-operatório, não houve diferença na amplitude de movimento tanto de elevação anterior (158,0° ± 38,6° versus 158,3° ± 29,3°; p = 0,47) quanto de rotação externa (51,6° ± 13,1° versus 50,5° ± 14,7°; p = 0,63) (►Tabela 2).

Tabela 2
Características pré-operatórias dos pacientes (2019: n=72; 2020: n=60)

Achados Radiográficos e Características Intraoperatórias

Os intervalos entre a RM e a cirurgia foram significativamente menores em 2019 (62,7 ± 70,5 dias versus 115,7 ± 151,0 dias; p = 0,01). Não houve diferença na quantidade de rupturas do manguito rotador que progrediram de parcial à RM para total à avaliação intraoperatória (12,5% versus 15,0%; p= 0,68) ou na quantidade de rupturas totais do manguito rotador à cirurgia (84,7% versus 81,7%; p= 0,64) entre as coortes de 2019 e de 2020. Também não houve diferença nas pontuações de Goutallier do supraespinhoso (0,5 ± 0,7 versus 0,8 ± 1,0; p = 0,17) ou infraespinhoso (0,5 ± 0,8 versus 0,6 ± 0,8; p = 0,25). A coorte de 2019 apresentou menor grau de retração nas lesões do manguito rotador (2,1 ± 1,3 cm versus 2,6 ± 1,2 cm; p = 0,05), mas não houve diferença significativa na extensão anteroposterior da laceração (1,6 ± 1,0 cm versus 1,8 ± 1,0 cm; p = 0,17). Não houve diferença no número de lesões extensas (> 4cm) do manguito rotador entre os 2 anos (7,0%versus7,5%; p= 0,91). A revisão das descrições cirúrgicas revelou a tendência a uma maior proporção de reparos em fileira única em 2019 (72,7% versus 56,0%; p = 0,06), mas sem diferença no número de âncoras usadas entre 2019e2020 nos reparos de fi leira única (1,4 ± 0,8 versus 2,2 ± 1,5; p = 0,61) ou dupla (2,6 ± 1,5 versus 2,5 ± 1,7; p = 0,53) (►Tabela 3).

Tabela 3
Dados da descrição cirúrgica e da ressonância magnética (2019: n = 72; 2020: n = 60)

Características Perioperatórias

Não houve diferença significativa na duração da cirurgia entre 2019 e 2020 (80,0 ± 28,2 minutos versus 86,7 ± 34,1 minutos; p = 0,32) ou no tempo de permanência na unidade de recuperação no dia do procedimento (8,1 ± 3,0 horas versus 7,4 ± 1,9 horas; p = 0,12). Além disso, nenhum paciente em nenhum dos grupos apresentou complicações intraoperatórias (►Tabela 4).

Tabela 4
Características perioperatórias dos pacientes (2019: n = 72; 2020: n = 60)

Características Pós-operatórias

O número de consultas pós-operatórias virtuais/por telemedicina foi significativamente maior em 2020 em comparação com 2019 (0,0% versus 10,0%; p = 0,009). Os pacientes de 2020 também tenderam a apresentar intervalos maiores e com maior variabilidade entre a data da cirurgia e a consulta (12,0 ± 4,7 dias versus 16,7 ± 17,5 dias; p = 0,19). Não houve diferença significativa na participação em fisioterapia entre as 2 coortes (2019: 98,5% versus 2020: 90,4%, p = 0,08). Além disso, não houve diferença nas taxas de readmissão (0,0% versus 0,0%; p > 0,999) ou necessidade de cirurgia de revisão no mesmo ombro (5,6% versus 0,0%; p = 0,13) (►Tabela 5).

Tabela 5
Características pós-operatórias dos pacientes (2019: n=72; 2020: n=60)

Subanálise de Pacientes com Lesão Traumática

Os indivíduos das coortes de 2019 e 2020 com uma lesão traumática identificável no manguito rotador foram analisados posteriormente. Na coorte de 2019, 57,1% das lesões traumáticas ocorreram em homens em comparação com 60% na coorte de 2020 (p = 0,836). Não houve diferença significativa no intervalo entre a lesão e a cirurgia entre 2019 e 2020 (360,6 ± 938,5 dias versus 259,4 ± 304,0 dias; p = 0,47). Além disso, os pacientes de 2019 ainda apresentavam menor intervalo entre a RM e a cirurgia (56,7 ± 47,3 dias versus 80,9 ± 75,8 dias; p = 0,04). A variação no tempo desde o início dos sintomas foi significativamente maior na coorte de 2019 em comparação com a coorte de 2020 (p < 0,001).

Discussão

Estes achados sugerem que a pandemia de COVID-19 retardou a cirurgia em pacientes com ruptura do manguito rotador. O número de pacientes com cirurgia anterior no ombro foi maior em 2019, mas não houve outras diferenças significativas entre as coortes de 2019 e de 2020. Com o fim da moratória sobre os procedimentos eletivos, mais pacientes foram submetidos à cirurgia de RMR em 2020 em comparação com 2019. Isto ocorreu apesar da literatura anterior demonstrar uma diminuição de 53,32% nas tendências de pesquisa sobre "cirurgia do manguito rotador" no Google durante a pandemia de COVID-19.22 Subhash AK, Maldonado DR, Kajikawa TM, Chen SL, Stavrakis A, Photopoulos C. Public Interest in Sports Medicine and Surgery (Anterior Cruciate Ligament, Meniscus, Rotator Cuff) Topics Declined Following the COVID-19 Outbreak. Arthrosc Sports Med Rehabil 2021;3(01):e149-e154

Segundo Mall et al.,11 Mall NA, Lee AS, Chahal J, et al. An evidenced-based examination of the epidemiology and outcomes of traumatic rotator cuff tears. Arthroscopy 2013;29(02):366-376 as lesões agudas e traumáticas do manguito rotador são mais prováveis em pacientes jovens do sexo masculino. Antes, Moverman et al.44 Moverman MA, Puzzitiello RN, Pagani NR, Barnes CL, Jawa A, Menendez ME. Public Perceptions of Resuming Elective Surgery During the COVID-19 Pandemic. J Arthroplasty 2021;36(02): 397-402.e2 descreveram que os pacientes do sexo masculino eram mais propensos a se sentirem confortáveis em realizar cirurgias eletivas nos primeiros estágios da pandemia de COVID-19. No entanto, não observamos uma diferença significativa na distribuição por gênero das lesões traumáticas do manguito rotador ou no intervalo da lesão à cirurgia entre as coortes de 2019 e de 2020. Além disso, é provável que a diferença média no intervaloentreaRMeacirurgiaentreosdoisgrupos(53 dias) possa ser parcialmente explicada pela duração da moratória sobre procedimentos eletivos (86 dias).

A literatura atual sobre o aumento do risco de repetição ou de piora dos desfechos em pacientes submetidos ao reparo tardio da ruptura do manguito rotador é controversa. Em uma revisão sistemática, Kwong et al.1313 Kwong CA, Ono Y, Carroll MJ, et al. Full-Thickness Rotator Cuff Tears: What Is the Rate of Tear Progression? A Systematic Review. Arthroscopy 2019;35(01):228-234 relataram que cerca de um terço das lesões sintomáticas de espessura total do manguito rotador progridem > 5 mm em 37,8 meses, em uma taxa de ~ 1% ao mês. Fu et al.88 Fu MC, O'Donnell EA, Taylor SA, et al. Delay to Arthroscopic Rotator Cuff Repair Is Associated With Increased Risk of Revision Rotator Cuff Surgery. Orthopedics 2020;43(06):340-344 demonstraram uma maior taxa de novas lacerações no grupo submetido à reconstrução tardia (> 12 meses) em comparação com os grupos submetidos a reparo precoce (< 6 semanas) e de rotina (6 semanas a 12 meses). No entanto, estas informações foram obtidas de um grande banco de dados nacional e avaliaram apenas o intervalo entre a data do diagnóstico (evento não traumático) e a data da cirurgia. Em uma série de 20 pacientes submetidos a cirurgia nos primeiros 6 meses após a lesão, os resultados relatados pelos indivíduos foram melhores em comparação com a coorte pareada por idade e gênero que foi operada de 6 a 18 meses após a lesão.77 Duncan NS, Booker SJ, Gooding BW, Geoghegan J, Wallace WA, Manning PA. Surgery within 6 months of an acute rotator cuff tear significantly improves outcome. J Shoulder Elbow Surg 2015;24 (12):1876-1880 Por outro lado, Petersen et al.1010 Petersen SA, Murphy TP. The timing of rotator cuff repair for the restoration of function. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(01):62-68 relataram que a extensão da ruptura do manguito rotador não exerceu influência significativa sobre o desfecho em uma série de 36 pacientes desde que o reparo ocorresse nos primeiros 4 meses após a lesão; no entanto, os desfechos de lesões extensas reparadas depois de 4 meses foram inferiores. Patel et al.99 Patel V, Thomas C, Fort H, et al. Early versus delayed repair of traumatic rotator cuff tears. Does timing matter on outcomes? [published online ahead of print, 2021 Apr 3]Eur J Orthop Surg Traumatol 2022;32(02):269-277 demonstraram o menor tempo de recuperação e a menor necessidade de aumento com aloenxerto em lacerações extensas de indivíduos submetidos ao reparo precoce, mas sem diferença significativa nos desfechos durante o acompanhamento de médio prazo (uma mediana de 30 meses após a cirurgia). Em sua revisão sistemática, Mall et al.11 Mall NA, Lee AS, Chahal J, et al. An evidenced-based examination of the epidemiology and outcomes of traumatic rotator cuff tears. Arthroscopy 2013;29(02):366-376 não encontraram nenhum consenso na literatura sobre os melhores desfechos após o reparo precoce das lesões do manguito rotador. Observamos a retração significativa das lesões na coorte de 2020, mas não houve diferença no número de âncoras necessárias para o reparo artroscópico entre as duas coortes.

A realização de cirurgias eletivas durante a pandemia de COVID-19 foi bastante influenciada por vários fatores, inclusive considerações éticas, limitações de recursos e disposição do paciente de se submeter ao procedimento neste período.66 Lockey SD, Nelson PC, Kessler MJ, Kessler MW. Approaching "Elective" Surgery in the Era of COVID-19. J Hand Surg Am 2021;46(01): 60-64,1111 Hinckel BB, Baumann CA, Ejnisman L, et al. Evidence-based Risk Stratification for Sport Medicine Procedures During the COVID-19 Pandemic. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev 2020;4(10): 00083,1414 Bockmann B, Venjakob AJ, Holschen M, Nebelung W, Schulte TL. Elective shoulder surgery during the coronavirus disease 2019 pandemic in Germany: the patients' perspective. JSES Int 2021;5 (03):342-345 Em um relato sobre pacientes ortopédicos oncológicos, os atrasos no manejo cirúrgico causados pela COVID-19 aumentaram a morbidade.55 Fitzgerald MJ, Goodman HJ, Kenan S, Kenan S. Did COVID-19 related delays in surgical management lead to patient morbidity in the orthopaedic oncological population? Bone Jt Open 2021;2 (04):236-242 Ainda não há relatos sobre o impacto nos atrasos no manejo cirúrgico em pacientes de medicina esportiva ortopédica. Uma diretriz baseada em evidências sugeriu que as lesões agudas e traumáticas do manguito rotador devem ser tratadas com maior celeridade, enquanto as lesões crônicas e degenerativas devem ser tratadas como cirurgias não sensíveis ao tempo.1111 Hinckel BB, Baumann CA, Ejnisman L, et al. Evidence-based Risk Stratification for Sport Medicine Procedures During the COVID-19 Pandemic. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev 2020;4(10): 00083 Especificamente em lesões extensas, as evidências sugerem que o reparo em tempo hábil pode melhorar os desfechos e reduzir a morbidade.1010 Petersen SA, Murphy TP. The timing of rotator cuff repair for the restoration of function. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(01):62-68,1212 Humbyrd CJ, Dunham AM, Xu AL, Rieder TN. Restarting Orthopaedic Care in a Pandemic: Ethical Framework and Case Examples. J Am Acad Orthop Surg 2021;29(02):e72-e78,1515 Spross C, Behrens G, Dietrich TJ, et al. Early Arthroscopic Repair of Acute Traumatic Massive Rotator Cuff Tears Leads to Reliable Reversal of Pseudoparesis: Clinical and Radiographic Outcome. Arthroscopy 2019;35(02):343-350

Durante a pandemia de COVID-19, um número significativo de pacientes participou de consultas de telemedicina ao invés de consultas presenciais no período pós-operatório imediato. Esta opção foi oferecida por diversas instituições de todo o mundo, inclusive a nossa.1414 Bockmann B, Venjakob AJ, Holschen M, Nebelung W, Schulte TL. Elective shoulder surgery during the coronavirus disease 2019 pandemic in Germany: the patients' perspective. JSES Int 2021;5 (03):342-345 O objetivo destas consultas era reduzir o número de exposições e possíveis infecções na nossa comunidade, ao mesmo tempo em que incentivava a administração adequada dos recursos de saúde. Os primeiros trabalhos não demonstraram impacto significativo nos desfechos relatados pelos pacientes que foram submetidos a acompanhamento por telemedicina após a cirurgia de ombro.1616 Sabbagh R, Shah N, Jenkins S, et al. The COVID-19 pandemic and follow-up for shoulder surgery: The impact of a shift toward telemedicine on validated patient-reported outcomes. J Telemed Telecare 2021;x:X21990997 Não observamos um aumento imediato de complicações pós-operatórias em pacientes acompanhados por telemedicina neste período; no entanto, uma proporção relativamente pequena de pacientes (10%) escolheu esta opção. O potencial de expansão do papel da telemedicina sem comprometimento da qualidade do atendimento tem sido sugerido como uma área de impacto e de possível melhora do ambiente de saúde pós-pandemia.1717 Menendez ME, Jawa A, Haas DA, Warner JJPCodman Shoulder Society. Orthopedic surgery post COVID-19: an opportunity for innovation and transformation. J Shoulder Elbow Surg 2020;29 (06):1083-1086

Como limitações, coletamos apenas dados imediatos e de curto prazo de pacientes da coorte de 2020 e não podemos comparar as 2 coortes quanto a desfechos e complicações em longo prazo. Além disso, nossa instituição representa um subconjunto específico da experiência global de pandemia; embora nossa pesquisa represente uma região de impacto significativo, temos um sistema de saúde bem desenvolvido, com os benefícios de recursos significativos e suporte administrativo para auxiliar o retorno à normalidade após a COVID-19. Nossa esperança é que as lições aprendidas durante esta pandemia possam ajudar a orientar futuras abordagens a desastres que exigem racionamento de recursos de saúde. Novos estudos devem ter como objetivo quantificar se as mudanças relacionadas à pandemia provocaram alterações em prazo intermediário ou longo nos desfechos dos pacientes.

Conclusão

Não houve diferenças significativas na demografiados pacientes durante a pandemia de COVID-19. Atrasos no tratamento cirúrgico de rupturas agudas e traumáticas desde o momento do diagnóstico via RM foram observados, mas o tempo desde o momento da lesão não foi significativamente diferente entre as coortes de 2019 e 2020. Nossos dados sugerem que estas lesões ainda puderam ser tratadas em tempo hábil durante a pandemia e que a utilização de consultas pós-operatórias por telemedicina não causou alterações significativas nas complicações em curto prazo.

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  • Estudo desenvolvido no Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos.
  • Suporte Financeiro
  • O presente estudo não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2021
  • Aceito
    28 Mar 2022
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