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Fratura-luxação transtriquetral peri-hamato: relato de caso Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Goiás (UFG), Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Goiânia, GO, Brasil.

RESUMO

O punho é uma região muito vulnerável a traumas de extremidade. Entre tais lesões, as fraturas do piramidal (ou triquetrum), associadas à luxação do hamato e à instabilidade carpal, são pouco frequentes. Geralmente relacionadas a traumatismos de alta energia, podem estar associadas a déficit neurovascular, miotendíneo, lesões de pele ou em outros ossos do carpo. Assim, neste relato, apresenta-se um desses casos raros de fratura-luxação transtriquetral peri-hamato com instabilidade carpal, diagnosticadas por radiografias do punho direito de um paciente que apresentava dor, edema e limitação da flexoextensão do carpo após trauma na região. As etapas do atendimento foram descritas desde a consulta inicial até o tratamento cirúrgico e a fisioterapia, que culminaram com a restauração da força e da amplitude de movimento do punho.

Palavras-chave:
Ossos do carpo/lesões; Fraturas ósseas; Luxações/radiografia; Traumatismos da mão/radiografia

ABSTRACT

The wrist is a region that is very vulnerable to injuries of the extremities. Among these injuries, fractures of the pyramidal bone (or triquetrum) in association with dislocation of the hamate and carpal instability are uncommon. They are generally correlated with high-energy trauma and may be associated with neurovascular deficits, muscle-tendon disorders, skin lesions or injuries to other carpal bones. Thus, in this report, one of these rare cases of transtriquetral perihamate fracture-dislocation with carpal instability is presented, diagnosed by means of radiography on the right wrist of the patient who presented pain, edema and limitation of flexion-extension of the carpus after trauma to the region. The stages of attending to the case are described, from the initial consultation to the surgical treatment and physiotherapy, which culminated in restoration of the strength and range of motion of the wrist.

Keywords:
Carpal bones/injuries; Bone fractures; Dislocations/radiography; Hand trauma/radiography

Introdução

As fraturas do piramidal (ou triquetrum), associadas à luxação do hamato e/ou à instabilidade carpal, são lesões pouco frequentes, geralmente relacionadas a traumatismos de alta energia, e podem estar associadas a déficit neurovascular, miotendíneo, lesões de pele ou mesmo a outros ossos do carpo. O diagnóstico e o tratamento precoce dessas lesões podem evitar complicações.11. Naam NH, Smith DK, Gilula LA. Transtriquetral perihamate ulnar axial dislocation and palmar lunate dislocation. J Hand Surg Am. 1992;17(4):762-6. Afinal, a estabilidade da estrutura ósseo-ligamentar do carpo é essencial para o seu bom funcionamento.22. Ozçelik A, Günal I, Köse N, Seber S, Omeroglu? H. Wrist ligaments: their significance in carpal instability. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2005;11(2):115-20. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso raro de fratura-luxação transtriquetral peri-hamato e seu tratamento.

Relato de caso

Paciente de 27 anos, masculino, trabalhador braçal, destro, chegou ao pronto-socorro com quadro de dor importante (EVA = 7) no punho direito, edema ++/4+, com limitação da flexoextensão do carpo, sem lesões de pele ou déficit neurovascular. Referiu que no mesmo dia sofreu trauma direto no punho direito, por preensão entre duas barras de ferro em seu trabalho. A dor é mais intensa à palpação na região ulnar do punho, com crepitação discreta e instabilidade.

Foram feitas radiografias do punho direito, em anteroposterior verdadeiro, desvio ulnar e perfil, e foram diagnosticadas fratura do piramidal e instabilidade do hamato (fig. 1).

Figura 1
Radiografias do punho direito em anteroposterior verdadeiro (A), com desvio ulnar (B), e em perfil (C), que demonstra fratura do piramidal e instabilidade do hamato.

O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico com feitura de incisão dorsal, redução aberta da instabilidade hamato-capitato e redução da fratura do piramidal, fixadas com fios de Kirschner. Foram feitas também capsulorrafia e reparação dos ligamentos hamato-capitato e lunatopiramidal (fig. 2). O punho foi imobilizado com gesso luva por quatro semanas e os fios metálicos foram retirados com oito semanas. A fisioterapia se iniciou após a quarta semana. Oito meses após a lesão o paciente estava assintomático, com amplitude de movimento e força restauradas, comparável ao lado contralateral, com diminuição dos últimos 10 graus na capacidade de extensão e flexão do punho direito (fig. 3).

Figura 2
Radiografias do punho direito em anteroposterior com imobilização gessada (A), fratura-luxação transtriquetral peri-hamato fixada com fios de Kirschner (B), e em perfil (C), que demonstra bom eixo e redução satisfatória da lesão.

Figura 3
Imagens com oito meses de pós-operatório que demonstram amplitude de movimento e força restaurada, porém com diminuição dos últimos 10 graus na capacidade de extensão e flexão do punho direito.

Discussão

O punho é composto por uma anatomia complexa, desenvolvida para uma função altamente especializada, e ao mesmo tempo se encontra muito exposto a traumas de extremidade com vários mecanismos. Os ossos e ligamentos do carpo promovem uma mobilidade multiplanar, mantêm a estabilidade nos vários movimentos executados pelo punho, como flexão, extensão, desvio radial e ulnar, pronossupinação e circundação.33. Trumble TE. Principles of hand surgery and treatment. Philadelphia: Saunders; 2000.and44. Yeager BA, Dalinka MK. Radiology of trauma to the wrist: dislocations, fracture dislocations, and instability patterns. Skelet Radiol. 1985;13(2):120-30.

O mecanismo de trauma dessa lesão difere da teoria de Mayfield et al.55. Mayfield JK. Mechanism of carpal injuries. Clin Orthop Relat Res. 1980;149:45-54.and66. Mayfield JK, Johnson RP, Kilcoyne RK. Carpal dislocations: pathomechanics and progressive perilunar instability. J Hand Surg Am. 1980;5(3):226-41. de progressão perilunar de instabilidade em grandes arcos de lesão, na qual a energia do trauma passa pelos ossos do carpo e ligamentos do lado radial para o ulnar em estágios, o que seria explicado no estágio 3, com ruptura do ligamento lunotriquetrial, mas sem luxação do semilunar. A lesão descrita em nosso paciente possibilita a existência de um grande arco de lesão reverso de ulnar para radial. Os ossos carpais radiais são poupados.77. Leung YF, Ip SP, Wong A, Ip WY. Trans-triquetral dorsal perilunate fracture dislocation. J Hand Surg Eur. 2007;32(6):647-8.

Além disso, é certo que o paciente apresentou instabilidade do carpo, a qual corresponde ao distúrbio do balanço estático e dinâmico entre as articulações sob cargas fisiológicas e movimentos. Tal perda de estabilidade, que está relacionada a lesões ósseas e/ou ligamentares, leva à alteração das relações anatômicas articulares e prejudica a atividade biomecânica, além de gerar dor e colapso carpal.88. Sugawara LM, Yanaguizawa M, Ikawa MH, Takahashi RD, Natour J, Fernandes ARC. Instabilidade do carpo. Rev Bras Reumatol. 2008;48(1):34-8.

Esse padrão de lesão carpal foi estudado por Garci--Elias et al.,99. Garcia-Elias M, Dobyns JH, Cooney WP 3rd, Linscheid RL. Traumatic axial dislocations of the carpus. J Hand Surg Am. 1989;14(3):446-57. que identificaram instabilidades carpais longitudinais e axiais, subdivididas em três grupos: axial-ulnar, axial-radial, axial-radial-ulnar. O caso relatado seria classificado então como uma instabilidade carpal longitudinal, subtipo axial-ulnar, especificamente transpiramidal peri-hamato. Faz-se importante lembrar que a linha de clivagem na diástase entre o capitato e o hamato pode ser sutil e o diagnóstico pode passar despercebido.

Radiografias do punho geralmente são suficientes para o diagnóstico dessas lesões e em casos duvidosos a tomografia poderá avaliar melhor traços de fratura e a ressonância magnética as lesões ligamentares.88. Sugawara LM, Yanaguizawa M, Ikawa MH, Takahashi RD, Natour J, Fernandes ARC. Instabilidade do carpo. Rev Bras Reumatol. 2008;48(1):34-8.and1010. Bain GI, McLean JM, Turner PC, Sood A, Pourgiezis N. Translunate fracture with associated perilunate injury: 3 case reports with introduction of the translunate arc concept. J Hand Surg Am. 2008;33(10):1770-6. O comprometimento do nervo mediano é frequente e pode desencadear a síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo mediano na região do túnel do carpo), caracterizada por dor com queimação, parestesia, atrofia tenar e limitação de atividade. É necessária a descompressão do nervo. Apesar de inicialmente ser possível a redução fechada e a imobilização, o tratamento cirúrgico deverá eventualmente ser feito para restabelecer a anatomia e estabilidade do carpo, como foi feito no caso relatado.33. Trumble TE. Principles of hand surgery and treatment. Philadelphia: Saunders; 2000.,44. Yeager BA, Dalinka MK. Radiology of trauma to the wrist: dislocations, fracture dislocations, and instability patterns. Skelet Radiol. 1985;13(2):120-30.,55. Mayfield JK. Mechanism of carpal injuries. Clin Orthop Relat Res. 1980;149:45-54.,66. Mayfield JK, Johnson RP, Kilcoyne RK. Carpal dislocations: pathomechanics and progressive perilunar instability. J Hand Surg Am. 1980;5(3):226-41.,1010. Bain GI, McLean JM, Turner PC, Sood A, Pourgiezis N. Translunate fracture with associated perilunate injury: 3 case reports with introduction of the translunate arc concept. J Hand Surg Am. 2008;33(10):1770-6.,1111. Graham TJ. The inferior arc injury: an addition to the family of complex carpal fracture-dislocation patterns. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2003;32 Suppl. 9:10-9.,1212. Green DP. Carpal dislocations and instabilities. In: Green DP, editor. Operative hand surgery. 3rd ed. New York: Churchill Livingstone; 1993. p. 917-8.and1313. Karolczak APB, Vaz MA, Freitas CR, Merlo ARC. Síndrome do túnel do carpo. Rev Bras Fisioter. 2005;9(2):117-22.

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  • Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Goiás (UFG), Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Goiânia, GO, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2014
  • Aceito
    01 Dez 2014
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